Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 101/2016-T
Data da decisão: 2016-09-21  Selo  
Valor do pedido: € 12.174,04
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS - Propriedade vertical
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.A…, S. A., contribuinte n.º … (doravante designada por Requerente), apresentou em 23/02/2016, pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita, nomeadamente, a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2014 no valor global de € 12 174,04, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 20/04/2016 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

1.3.No dia 06/05/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida em 06/05/2016 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e juntar o Processo Administrativo Tributário (PAT) aos autos.

 

1.5.Em 06/06/2016 a Requerida apresentou a sua resposta na qual sustenta que as liquidações em crise devem ser mantidas na ordem jurídica, visto que aplicam correctamente a verba 28. 1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) e, em consequência, ser absolvida dos pedidos.

 

1.6.O tribunal em 09/09/2016, decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, concedeu prazo para que as partes, querendo, apresentassem as alegações finais escritas e agendou prazo limite para proferir a decisão arbitral.

 

1.7.A Requerente apresentou as suas alegações finais escritas no dia 16/09/2016, concluindo  pela procedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

1.8.A Requerida, nas suas alegações finais escritas de 19/09/2016, defendeu que as liquidações dever-se-ão manter na ordem jurídica, atenta a sua legalidade.

 

 

2.      SANEAMENTO

 

A cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto tem por objecto actos de liquidação do mesmo imposto, o do Selo. Como também se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT.

O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

3. OBJECTO DO LITÍGIO

A Requerente entende que as liquidações de Imposto do Selo com fonte na verba 28.1 da TGIS e respeitantes ao ano de 2014 são ilegais.

Mais concretamente, defende que na incidência objectiva de tal verba da TGIS dever-se-á atender à divisão do prédio em fracções ou divisões, susceptíveis de utilização independente, verificando-se a mesma incidência em relação a cada fracção, no caso de uma destas ser destinada a habitação e ter um VPT superior a € 1 000 000,00.

 Acrescenta que as liquidações em crise corporizam uma errada interpretação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) da verba 28.1 da TGIS, visto que têm por base o entendimento de que o valor patrimonial tributário (VPT) relevante para a imposição tributária será o que resulta da soma do VPT das divisões susceptíveis de utilização independente e afectas a habitação, uma vez que, no seu juízo, desrespeita os artigos 12.º, n.º 3 e 119.º, n. º 1, ambos do CIMI.

Assim, conclui que o prédio objecto de incidência da verba 28.1 da TGIS é, in casu, cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente e o VPT a atender é o de cada uma dessas divisões.

Adita ainda à sua argumentação que também se alcança a conclusão supra referida quando se recorre à ratio legis que esteve na génese da previsão legislativa da verba 28.1 da TGIS. Ou, dito de outro modo, criar uma tributação especial sobre as propriedades de elevado valor, incidindo «…sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros». Hipótese que não acontece no caso em apreço, pois a configuração de prédio composto por fracções com utilização independente não indicia uma utilização habitacional do mesmo, mas antes uma utilização divisão a divisão.

Refere também a Requerente que a diferença de tratamento entre prédios em propriedade total e prédios em propriedade horizontal colide com a CRP, mais concretamente, com o princípio da capacidade contributiva, na sua vertente de igualdade tributária, na medida em que considera não ser defensável que a propriedade horizontal revela uma maior capacidade contributiva relativamente à propriedade total.

Finalmente, peticiona o pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que os actos em crise decorrem de erro imputável aos serviços da Requerida e do qual resultou o pagamento de imposto totalmente indevido.

            Por seu turno, a Requerida afirma que um prédio em propriedade total, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente é diverso de um prédio em regime de propriedade horizontal, constituído por fracções autónomas, isto é, vários prédios. Assim, o art. 12.º do CIMI prevê o conceito de matriz predial, sendo que o seu n.º 3 respeita única e exclusivamente à forma de registar os dados matriciais.

            Acrescenta também na sua resposta que a tese da Requerente de que não existe qualquer norma que estipule que o VPT de um prédio composto por vários andares ou divisões, susceptíveis de utilização independente, corresponda à soma das respectivas partes, é destituída de sentido, porquanto, embora a liquidação de Imposto do Selo (verba 28.1 da TGIS) se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações, como são disso exemplo andares ou divisões susceptíveis de utilização independente que não são havidos como prédio para efeitos de Imposto do Selo.

            Em tal linha de argumentação ainda acrescenta que o que resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 da TGIS os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária. Assim, a sujeição ao Imposto do Selo nesta hipótese resulta da conjugação de dois elementos: i) a afectação habitacional e ii) o VPT inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1 000 000,00.

Por isso defende, relativamente ao caso sub judice que, encontrando-se o prédio em regime de propriedade total e não possuindo fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribua essa qualificação (porque da noção de prédio do art. 2.º, n.º 4 do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são consideradas como tal), as liquidações não padecem do vício de violação de lei.

Para além do mais, enumera a Requerida um rol de argumentos para defender que a interpretação efectuada da verba 28.1 da TGIS não viola o princípio constitucional da igualdade tributária e da capacidade contributiva.

Em concreto, refere que a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma descrição do prédio na sua totalidade. Em segundo lugar, as normas sobre a inscrição matricial, o procedimento de avaliação e ainda as relativas à liquidação das partes susceptíveis de utilização independente não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em propriedade vertical ao regime da propriedade horizontal. Em suma, sustenta que estamos perante dois regimes jurídico-civilísticos diferentes e a lei fiscal respeita-os.

Assim, conclui que se a verba 28.1 da TGIS constitui uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os respectivos pressupostos de facto e de direito e a diferente valoração e tributação de um prédio em propriedade total face a um constituído em regime de propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras, não se pode concluir por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade constitucional, visto que estamos perante realidades distintas e valoradas pelo legislador de forma diferente.

A Requerida ainda salienta que a tributação em sede de Imposto do Selo obedece a um critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, em contexto de crise económica, visando de tal modo a máxima eficácia, quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes. Deste modo, observa que a opção por este mecanismo de obtenção da receita, face ao princípio da proporcionalidade, apenas seria juridicamente censurável se resultasse indefensável. Condição que, no seu juízo, não se verifica, visto que a medida é aplicável de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1 000 000,00.

Finalmente termina advogando que a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios, porquanto a AT não pode deixar de actuar no seguimento do princípio vertido no art. 266.º da CRP e no art. 55.º da LGT.

Em resumo, pugna pela improcedência integral do pedido de pronúncia arbitral.

Deste modo, o tribunal tem de conhecer as seguintes questões:

i)                    Se as liquidações de Imposto do Selo são ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito;

ii)                  Se a Requerente tem direito ao reembolso do montante das liquidações já pago;

iii)                Se a Requerente tem direito a juros indemnizatórios.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. Factos que se consideram provados

4.1.1. A Requerente é proprietária do edifício inscrito na matriz predial sob o n.º…, urbano, freguesia de …, Lisboa.

4.1.2. Tal edifício compreende, nomeadamente, 9 andares ou divisões com utilização independente, inscritos do seguinte modo:

a) 1.º E, com um VPT de € 133 080,13, habitação;

b) 2.º D, com um VPT de € 139 844,63, habitação;

c) 3.º E, com um VPT de € 132 800,00, habitação;

d) 3.º D, com um VPT de € 139 844,63, habitação;

e) 4.º E, com um VPT de € 132 800,00, habitação;

f) 4.º D, com um VPT de € 139 844,63, habitação;

g) 5.º E, com um VPT de € 132 800,00, habitação;

h) 5.º D, com um VPT de € 139 844,63, habitação;

i) S3.º E, com um VPT de € 126 543,88, habitação.

4.1.3. A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo, relativas ao ano de 2014, em relação a cada um de tais andares ou divisões, com afectação habitacional, no montante global de € 12 174,04 e que se decompõem da seguinte forma:

a) 1.º E, no montante de € 1330,80;

b) 2.º D, no montante de € 1398,45;

c) 3.º E, no montante de € 1328,00;

d) 3.º D, no montante de € 1398,45;

e) 4.º E, no montante de € 1328,00;

f) 4.º D, no montante de € 1398,45;

g) 5.º E, no montante de € 1328,00;

h) 5.º D, no montante de € 1398,45;

i) S3.º E, no montante € 1265,44.

4.1.4. O edifício identificado em 4.1.1. não se encontrava constituído sob o regime de propriedade horizontal a 31 de Dezembro de 2014.

4.1.5. No dia 13/07/2015 a Requerente apresentou reclamação graciosa dos actos de liquidação de Imposto do Selo supra identificados.

4.1.6. Em 27/11/2015 foi a Requerente notificada do despacho da Senhora Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, em substituição, da Direcção de Finanças de Lisboa de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada.

4.1.7. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 23/02/2016.

4.1.8. A Requerente procedeu ao pagamento do valor total das liquidações objecto dos presentes autos no montante de € 12 174,04.

4.1.9. O pagamento de tais liquidações foi efectuado da seguinte forma:

i)                    1.ª prestação:

a)      1.º E, € 443,60, 20/04/2015;

b)      2.º D, € 466, 15, 20/04/2015;

c)      3.º E, € 442,68, 20/04/2015;

d)     3.º D, € 466,15, 20/04/2015;

e)      4.º E, € 442,68, 20/04/2015;

f)       4.º D, € 466,15, 20/04/2015;

g)      5.º E, € 442,68, 20/04/2015;

h)      5.º D, € 466,15, 20/04/2015;

i)        S3.ºE, € 421,82, 20/04/2015.

ii)                  2.ª prestação:

a)      1.º E, € 443,60, 14/07/2015;

b)      2.º D, € 466,15, 14/07/2015;

c)      3.º E, € 442,66, 14/07/2015;

d)     3.º D, € 466,15, 14/07/2015;

e)      4.º E, € 442,66, 14/07/2015;

f)       4.º D, € 466,15, 14/07/2015;

g)      5.º E, € 442,66, 14/07/2015;

h)      5.º D, € 466,15, 14/07/2015;

i)        S3.ºE, € 421,81, 14/07/2015.

iii)                3.ª prestação:

a)      1.º E, € 443,60, 19/11/2015;

b)      2.º D, € 466,15, 19/11/2015;

c)      3.º E, € 442,66, 19/11/2015;

d)     3.º D, € 466,15, 19/11/2015;

e)      4.º E, € 442,66, 19/11/2015;

f)       4.º D, € 466,15, 19/11/2015;

g)      5.º E, € 442,66, 19/11/2015;

h)      5.º D, € 466,15, 19/11/2015;

i)        S3.ºE, € 421,81, 19/11/2015.

4.2. Factos que não se consideram provados

Não existem factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

            A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

 

5. O DIREITO

A primeira questão que o tribunal tem de conhecer consiste em apurar se a sujeição à norma de incidência da verba 28.1 da TGIS deve ser concretizada pelo VPT correspondente a cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente, ou se, pelo contrário, pela soma do VPT de cada uma de tais divisões.

Para concretizar tal tarefa há que procurar a norma cujas partes dissentem na sua interpretação.

O art. 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo (CIS) e a verba 28 da TGIS dispõem que se encontram sujeitos a tributação: «Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio habitacional (…) –  1 %...».

Deste modo, é necessário perscrutar o conceito de «prédio habitacional» a que alude a norma em interpretação e o de «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI». Ora, não sendo possível resolver a questão com recurso ao CIS é por força da estatuição do art. 67.º, n.º 2 de tal diploma necessário aplicar as normas do CIMI.

Consequentemente, dispõe o art. 2.º do CIMI sobre o conceito de prédio:

«1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

 3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio».

O conceito de prédio em sede de IMI é, como sabemos, dotado de maior amplitude em relação aqueloutro vertido no art. 204.º, n.º 2 do Código Civil (CC) e engloba três elementos, mais concretamente, um de natureza física, o segundo de carácter jurídico e o último de natureza económica, J. SILVÉRIO MATEUS/L. CORVELO DE FREITAS, Os impostos sobre o património imobiliário. O Imposto do Selo, Engisco, 2005, pág. 101 a 103 e JOSÉ MARTINS ALFARO, Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – Comentado e Anotado, Áreas Editora, 2004, pág. 118 a 123. O primeiro exige a referência a uma fracção de território, abrangendo, designadamente, edifícios e construções nela incorporados com carácter de permanência. O elemento de carácter jurídico exige que a coisa, móvel ou imóvel, pertença ao património de uma pessoa singular ou colectiva. Em terceiro lugar, o elemento de natureza económica exige que a coisa tenha um valor económico.

No que concerne ao conceito de prédio urbano, o art. 6.º do CIMI descreve as suas várias categorias, sendo fundamental para a subsunção em cada uma delas, a natureza da utilização, isto é, o fim a que o mesmo se destina. E, nada na economia do art. 6.º, n.º 1, al. a) do CIMI impede que se classifiquem as partes de um prédio em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com uma utilização habitacional, como «prédio habitacional».

Relevante é, repete-se, a sua utilização. E a conclusão diferente não é possível chegar pela interpretação do art. 2.º, n.º 4 do CIMI que eleva cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, à categoria de prédio. Na verdade, também neste último normativo não se consegue vislumbrar nenhum fundamento para discriminar entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, no que tange à sua subsunção como prédios urbanos e habitacionais, de acordo com toda a economia da verba 28 da TGIS. Por outras palavras, se o legislador não tratou diferentemente os prédios em propriedade vertical em relação àqueles constituídos em propriedade horizontal, não deve o intérprete fazê-lo[1].

Bem pelo contrário, a inscrição matricial e a determinação do VPT demonstram a similitude de tratamento legislativo. Com efeito, as partes dotadas de independência económica devem, cada uma delas, ser objecto de inscrição matricial separada e, consequentemente, deverá de igual modo constar autonomamente o respectivo VPT, cfr. art. 2.º, n.º 4, art.  7.º, n.º 2, al. b) e art. 12.º, n.º 3, todos do CIMI. O que tem refracção em sede de liquidação, na medida em que existirá uma por cada andar ou divisão objecto de utilização separada.

Revertendo tal interpretação para os presentes autos, existem 9 divisões do edifício com utilização habitacional independente que, à data do facto tributário, isto é, 31 de Dezembro de 2014, ainda não se encontrava constituído em propriedade horizontal e, por conseguinte, desde logo, dúvidas não existem que as mesmas devem ser classificadas como prédios habitacionais de natureza urbana.

Importa ainda dilucidar o outro segmento gráfico da verba do CIS em interpretação, ou seja, o «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI».

A este respeito, como já se descreveu, o CIMI prevê a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente no que tange à inscrição matricial e à especificação do respectivo VPT. Tal observação é igualmente válida a propósito da consequente liquidação, como dispõe o art. 113.º, n.º 1 e o art. 119.º, n.º 1, ambos do último diploma citado. Com efeito, se o imposto é liquidado «…com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios (nosso sublinhado) e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes (nosso sublinhado)…» e o documento de cobrança deve conter a «…discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta…», tal significa que, não só o VPT para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS a considerar é aquele objecto de inscrição matricial separada, como também nada obsta à qualificação como «prédio habitacional» de andares ou divisões com utilização independente.

Ora, se nenhuma das divisões com afectação habitacional ultrapassava o VPT de € 1 000 000,00, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. Repete-se, relevante é, para recortar o âmbito de tal norma, que as partes dissentem na sua interpretação: i) que o andar ou divisão susceptível de utilização independente tenha um VPT superior a € 1 000 000,00 e ii) que tenha uma afectação habitacional.

É esta também a conclusão da jurisprudência estadual relativamente à delimitação da incidência da verba 28. 1 da TGIS quando observa que: «Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação», conforme Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09/09/2015, proferido no âmbito do processo n.º 047/15 e em que foi Relator o Conselheiro FRANCISCO ROTHES.

Deste modo, as liquidações objecto destes autos padecem do vício de violação de lei e, como tal, não podem subsistir na ordem jurídica. Assim, tem a Requerente direito ao reembolso das quantias de Imposto do Selo por si pagas e identificadas em 4.1.9. da presente.

Por último, a Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios pela Requerida em função de erro imputável aos serviços.

Na verdade, o art. 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: «É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Conhecendo a questão, a ilegalidade dos actos em crise é imputável à Requerida, perante a falta de amparo normativo aquando da sua prática. Consequentemente, procede o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, contados à taxa legal, de acordo com o previsto no art. 43.º, n.º 4 da LGT, entre a data em que foi efectuado o pagamento indevido e até integral reembolso.

 

6. DECISÃO

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação dos actos objecto de pronúncia, devolução dos montantes indevidamente cobrados e o pagamento de juros indemnizatórios.

 

7. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 12 174,04 (o correspondente à soma das liquidações objecto de pronúncia), nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

8. CUSTAS

Custas a cargo da Requerida, no montante de € 918, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, na medida em que o pedido procedeu integralmente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 21 de Setembro de 2016

 

O árbitro,

 

 

Francisco Nicolau Domingos

 



[1] V. neste sentido a decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013 – T, de 29/10/2013, na qual assumiu as funções de árbitro a Dra. MARIA DO ROSÁRIO ANJOS.