Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 69/2016-T
Data da decisão: 2016-09-26  IRC  
Valor do pedido: € 1.939.096,18
Tema: IRC - Desconsideração de encargos financeiros; Incompetência material do Tribunal Arbitral
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Os árbitros Conselheiro Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), (designado pelos outros Árbitros), Dr. António Moura Portugal e Dra. Maria Manuela do Nascimento Roseiro, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-05-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A…, S. A.. pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua …, n.º…, Piso…, …, …-… …- … (doravante designada como "Requerente" ou "A…"), sujeita na qualidade de sociedade dominante no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 6.º, n.º 2, alínea b) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações de IRC n.º 2015…, correspondente ao exercício de 2011, na parte que se refere à desconsideração dos encargos financeiros da B…– SGPS, SA (doravante “B…”), a que corresponde imposto a pagar no valor de € 979.877,54, e n.º 2015…, correspondente ao exercício de 2012, na parte que se refere à desconsideração dos encargos financeiros da B…, a que corresponde imposto a pagar no valor de € 959.218,64.

A Requerente pede ainda indemnização pelos custos em que a Requerente incorreu e irá incorrer com a prestação indevida das garantias, nos termos do disposto nos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente designou como Árbitro o Dr. António Moura Portugal, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 26-02-2016.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro a Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro.

Os Árbitros designados pelas Partes acordaram em designar o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como árbitro presidente, que aceitou a designação.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 26-04-2016.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 11-05-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a questão prévia da incompetência deste Tribunal Arbitral e defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, com a sua absolvição da instância.

Por despacho de 20-06-2016 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Foi suscitada a questão prévia da incompetência parcial deste Tribunal Arbitral em razão da matéria, que é necessário apreciar antecipadamente.

 

2. Questão da incompetência material do Tribunal Arbitral

 

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade das liquidações adicionais de IRC relativas ao aos anos de 2011 e 2012, apenas nas partes em que em cada uma delas assenta na desconsideração dos encargos financeiros da B…, indicando o quantitativo de imposto que entende ser anulado relativamente a cada liquidação.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende, em suma, que o tribunal arbitral não tem competência «a condenação da AT no pedido de correcção de resultados fiscais para os valores pretendidos pela Requerente», que entende constituir um «pedido de reconhecimento de direitos».

No petitório apresentado pela Requerente não se vê divisa qualquer pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira nem é pedida a correcção de resultados fiscais, formulando-se apenas os seguintes pedidos:

 

 i. Ser anulada a liquidação de IRC n.º 2015 …, correspondente ao exercício de 2011, na parte que se refere à desconsideração dos encargos financeiros da B…, a que correspondente imposto a pagar no valor de € 979.877,54;

ii. Ser anulada a liquidação de IRC n.º 2015 …, correspondente ao exercício de 2012, na parte que se refere à desconsideração dos encargos financeiros da B…, a que correspondente imposto a pagar no valor de € 959.218,64; e

iii. Ser ordenado o pagamento de indemnização pelos custos em que a Requerente incorreu e irá incorrer com a prestação indevida das garantias, nos termos do disposto nos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT.

 

O processo arbitral é um meio alternativo ao processo de impugnação judicial (artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).

A anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de actos de liquidação é corolário da afirmação da sua ilegalidade e a finalidade do processo de impugnação judicial (artigo 124.º do CPPT), estando em sintonia o direito constitucionalmente reconhecido de impugnação de actos lesivos (artigo 268.º, n.º 4, da CRP), que se reconduz ao direito a obter judicialmente a eliminação jurídica desses actos.

Assim, embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o direito de impugnação de actos lesivos constitucionalmente assegurado e com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

Como se vê pelo artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foi definida pelo RJAT apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto das pretensões dos contribuintes e não em função do tipo de questões que é necessário apreciar para decidir se os actos são legais ou ilegais.

Por isso, os pedidos de anulação referidos enquadram-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

No que concerne à indicação do imposto de cada liquidação que a Requerente pretende ver anulado é necessária para definir a dimensão dos pedidos e para definir o valor da causa, pois não é pedida a anulação total das liquidações e o valor da causa é «quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende» [artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária].

Quanto ao pedido de indemnização por garantia indevida tem de ser formulado no «processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» (artigo 171.º, n.º 1, do CPPT), pelo que é também claro que a competência para a sua apreciação se enquadra nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, o que nem sequer é questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por outro lado, no que concerne a um hipotético pedido de «correcção de resultados fiscais», a que alude a Autoridade Tributária e Aduaneira, mas não foi formulado, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre ele e, por isso, não também não tem de se pronunciar sobre a questão, que seria de conhecimento prévio em relação a essa, que é a de saber se seria competente para o apreciar se tivesse sido formulado.

Assim, não se vislumbra fundamento para questionar competência deste Tribunal Arbitral para apreciar os pedidos formulados pela Requerente, que são aqueles que serão apreciados.

Termos em que improcede a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

·          Nos exercícios de 2011 e 2012, a Requerente era a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito o regime especial de tributação de grupos de sociedades, o Grupo C…;

·          Nos exercícios de 2011 e 2012 o grupo era composto pelas seguintes sociedades:

 

 

 

 

·         Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção interna à Requerente, em sede de IRC, na sequência da emissão das ordens de serviço n.º … e …, tendo efectuado uma correcção à declaração de rendimentos apresentada pela sociedade dominante, relativamente aos resultados do grupo;

·         No Relatório da Inspecção Tributária cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

 

II.3.3.4. – Análise dos resultados individuais

No âmbito do presente procedimento inspetivo foi efetuada também, a verificação dos resultados individuais da A…(exercícios de 2011 e 2012). Mediante contacto via correio electrónico foram efetuados diversos pedidos de esclarecimentos à TOC, que foram prontamente respondidos. Em resultado da análise às respostas, não se detetaram situações sujeitas a correção.

 

III -  DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLETÁVEL

 

III.1— Correcções aos resultados das sociedades dominadas

III.1.1—B…— SGPS, SA

Em resultado do procedimento inspetivo realizado à sociedade dominada B…— SGPS, SA, NIF…, ao abrigo das Ordens de Serviço nº … e …, foram efetuadas correções à matéria tributária nos montantes de 3 251 837,59€ e 3 497 301 00€, correspondendo, respetivamente, aos exercícios de 2011 e 2012 (Relatório de Inspeção em anexo II).

As correções efetuadas, mediante as referidas Ordens de Serviço, tiveram os seguintes fundamentos:

"III — Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável.

(...)

Dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital e da aplicação do artº32.º, n.º2 do EBF

Custos e Perdas Financeiros/Legislação aplicável

Em 01/01/2003 entrou em vigor o n.º 2 do artigo 31.º do EBF (actual 32.º), aditado pelo artigo 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado de 2003), que prevê que "as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades".

Os encargos financeiros deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, no exercício a que os mesmos disserem respeito, devendo proceder-se à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição (seja ela derivada ou originária, isto é, resultante da compra de acções de sociedades ou da subscrição de novas acções) de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do artigo 32.º do EBF independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para aplicação do regime especial de tributação das mais-valias.

No caso em apreço as participações sociais detidas integraram a esfera patrimonial da B… em resultado de entradas em espécie para aumento de capital acima descrito. Do excesso do valor de avaliação dessas entradas em relação ao valor do aumento de capital efectuado, resultou um prémio de emissão mais tarde utilizado em parte – 210.000.000,00€ – para reembolso das prestações suplementares efectuadas pela A…– 102.515.869,22 € e o restante registado como suprimento da A… 107.484.130,78€.

Tendo em conta o carácter fungível da moeda e a consequente dificuldade de imputação directa dos encargos, a imputação dos encargos financeiros foi efectuada com base nos seguintes critérios: os passivos remunerados foram imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados concedidos pelo S.P. às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.[1]

 

Dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital

Constatou-se que o S.P. não determinou o valor dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital de acordo com o método acima referido.

Dos balancetes analíticos, extractos de conta e restantes elementos fornecidos pelo S.P. foi extraída a seguinte informação:

a) Nos exercícios em análise a sociedade evidencia os seguintes juros suportados:

 

 

 

 

 

b) Nos exercícios em análise a sociedade concedeu os seguintes empréstimos remunerados:

 

 

 

 

 

 

 

 

c) Nos exercícios em análise a sociedade obteve os seguintes empréstimos remunerados:

 

 

 

 

 d) Da correcção das situações detectadas, resultam os seguintes encargos financeiros imputáveis às partes de capital e as consequentes correcções ao lucro tributável dos exercícios de 2011 e 2012 (Anexo I – mapas de cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis):"

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

De relembrar que o resultado do grupo, de acordo com o estabelecido no número 1 do artigo 70.º do CIRC, é calculado através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

III.2 — Correções aos prejuízos fiscais do grupo

De acordo   com o artigo 71.º do CIRC, os prejuízos fiscais apurados na declaração de grupo, podem ser deduzidos aos lucros tributáveis do grupo apurados na vigência do RETGS.

A dedução ao lucro tributável do grupo dos prejuízos das sociedades dominadas que tenham sido determinados em exercícios anteriores ao início de aplicação do regime, apenas pode ser efetuada até ao limite do lucro tributável da sociedade a que respeitam.

Nos exercícios de 2011 e 2012, o valor da soma algébrica dos lucros e prejuízos individuais das sociedades dominadas, nos termos do artigo 70.º do CIRC traduz-se num resultado fiscal declarado do grupo positivo de 13 873 975,88€ e 15 218 380,03€, respetivamente.

Em virtude das correções efetuadas, aos exercícios de 2011 e 2012, à empresa do grupo B…– SGPS, SA no valor de 3 251 837,59€ e 3 497 301,00€, respetivamente, o valor dos resultados fiscais do grupo, para estes exercícios, foram substancialmente alterados para 17 125 813,47€ e 18 715 681,03€.

 

·         No Relatório da Inspecção Tributária da inspecção à B…– SGPS, SA (anexo II ao Relatório da Inspecção Tributária relativa à Requerente), cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

Do aumento de capital

Para o aumento de capital de 50.000,00 € para 5.000.000,00 € (correspondente a um aumento de 4.950.000,00 €) foram entregues em 2008/11/22 pelo accionista único da B…, bens (entradas em espécie) avaliados em 246.672.572,40 € (foi elaborado relatório por Revisor Oficial de Contas para verificação destas entradas, nos termos do artigo 28.º do Código das Sociedades Comerciais).

As entradas em espécie, corresponderam a participações sociais detidas pelo referido accionista, a sociedade A…, nas condições abaixo resumidas:

 

 

 

 

 

 

Como se pode verificar, o valor das entradas excedeu em 241.722.572,40 € o valor do aumento de capital a efectuar, originando um prémio de emissão (ágio) do mesmo valor.

Foi em resultado das entradas em espécie para o aumento de capital acima descrito que as participações sociais passaram a integrar a esfera patrimonial da B… . Da disparidade entre o valor dessas entradas e o valor do aumento de capital efectuado, resultou o prémio de emissão acima referido.

Posteriormente, em 2009/06/01, com a quase totalidade do prémio        de emissão, foi efectuado simultaneamente um aumento de capital no valor de 240.000.000,00 € com posterior redução de capital de igual montante justificado com a libertação de excesso de capital), convertido em reservas livres.

Foram então utilizadas em parte – 210.000.000,00 € – para reembolso das prestações suplementares efectuadas pela A…– 102.515.869,22 € e o restante registado como suprimento da A…– 107.484.130,78 €.

Resultaram pois, destas entradas, obrigações financeiras para a B…de valor muito superior ao valor de aquisição das partes de capital atribuído pela A… contabilisticamente.

A sociedade participava em 2011/12/31 no capital social da seguinte sociedade:

(...)

IX — Direito de Audição

O contribuinte exerceu, em 2015/08/18, direito de audição, dentro do prazo estabelecido pela notificação constante do ofício n.º … de 2015/08/03 em cumprimento do estabelecido nos artigos 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA).

Dos argumentos aduzidos

Na petição apresentada a requerente apresentou diversos fundamentos de que resultam, no seu entender, as seguintes conclusões (em resumo):

A requerente alega que a "...AT propõe correcções (...) que se baseiam (i) numa aferição equivocada dos factos, (ii) numa interpretação errónea da lei e (...) numa aplicação indevida da norma vigente ".

Alega também que o "n.º2 do artigo 32.º do EBF é inaplicável à situação do requerente (...) tendo a única aquisição de participações sociais (...) sido efectuada através de um aumento de capital em espécie, não tendo contraído qualquer financiamento para aquele fim."

Relativamente a 2013 a requerente alega que 'Havia acrescido (...) na escrupulosa observância do disposto no n.º1 do artigo 67.º do CIRC, o montante de 5.812.237,99 €".

 

        Apreciação dos argumentos aduzidos

        Os argumentos aduzidos pela requerente merecem as seguintes apreciações:

        1 – Os factos que serviram de base às correcções propostas são confirmados pela requerente na petição.

        2 – Refere a requerente (pontos 8 a 10 da petição) que a inaplicabilidade do n.º2 do artigo 32.º decorre do facto de não ter recorrido a qualquer financiamento para a aquisição de participações sociais, no entanto, o requerente recebeu uma contribuição em espécie constituída por participações sociais e prestações suplementares no valor global de 246.672.572,40 € tendo apenas um capital social de 5.000.000.00 €.

        3 – Os factos são então estes (ver página 11 do Projecto de Relatório): (i) Em 2009/06/01, com a quase totalidade do prémio de emissão, foi efectuado simultaneamente um aumento de capital no valor de 240.000.000,00 € com posterior redução de capital de igual montante (justificado com a libertação de excesso de capital), convertido em reservas livres. Foram então utilizadas em parte – 210.000.000,00 € – para reembolso das prestações suplementares efectuadas pela A…– 102.515.869,22 € e o restante registado como suprimento da A…— 107.484.130,78 €. (ii) Foi este montante a gerar o passivo remunerado a pagar ao accionista A… (uma vez que os valores das prestações suplementares/suprimentos acima referidos são apenas valores de avaliação, não correspondendo a dinheiro vivo). (iii) Verifica-se que foi a aquisição das participações sociais, via entrada em espécie, que originou as necessidades de financiamento da requerente. (iv) As participações sociais não passaram a integrar a esfera patrimonial do requerente de forma gratuita, pelo contrário, exigiram da requerente elevadas necessidades de financiamento de forma a fazer face às obrigações necessárias para a sua aquisição.

        4 – Em face dos factos acima elencados não se percebe a afirmação do requerente: "...não tendo contraído qualquer financiamento para aquele fim". O que motivou então os financiamentos obtidos (com saldo de 104.308.685,25 € em 2009, 103.606.153,15 € em 2010, 108.008.857,81 € em 2011, 108.008.857,81 € em 2012 e 117.929.900,00€ em 2013) geradores dos encargos financeiro em apreço, se a sociedade não adquiriu outras participações? É inequívoco que foi a aquisição das participações sociais referidas no ponto 2.

        5 – Dispõe o n.º2 do artigo 32.º do EBF que "...os encargos financeiros suportados com a sua aquisição (das partes de capital), não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades".

        6 -Verificando-se existirem encargos financeiros imputáveis às partes de capital detidas pela requerente constatou-se não ter sido efectuada qualquer imputação destes encargos às partes de capital nos exercícios de 2011 e 2012.

        7 – Em sentido contrário como bem refere o requerente, no exercício de 2013 foi efectuada correcção relativa à dedutibilidade dos juros suportados nos termos do disposto no n.º1 do artigo 67.º do CIRC, concretizada no campo 748 da Mod.22 do exercício respectivo e não no campo relativo ao acréscimo dos encargos financeiros não dedutíveis (SGPS) não tendo, por isso, sido levada em conta no projecto de relatório.

        8 – Assiste por isso razão ao requerente quanto às correcções propostas para o exercício de 2013.

        9 – No entanto para os exercícios de 2011 e 2012 não tendo sido fornecida qualquer informação por parte do requerente relativa à quantificação dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital, foi por nós efectuado o cálculo dos mesmos (conforme Projecto de Relatório): "...tendo em conta o carácter fungível da moeda e a consequente dificuldade de imputação directa dos encargos, a imputação dos encargos financeiros foi efectuada com base nos seguintes critérios: os passivos remunerados foram imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados concedidos pelo S.P. às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição."

        10 – O método acima descrito é, independentemente de ser preconizado pela Circular 7/2004, utilizado pela generalidade das sociedades gestoras de participações sociais, que o utilizam pela extrema complexidade e subjectividade da afectação directa destes encargos aos diversos activos. Pelas características intrínsecas da moeda, este método é uma ferramenta útil e necessária às sociedades gestoras de participações sociais, de forma a efectuarem a imputação destes encargos às partes de capital e determinarem o lucro tributável do exercício de acordo com a legislação aplicável.

        11 – Como referido na decisão arbitral do Processo n.º 12/2013-T do CAAD (árbitro Tomás Maria Cantista de Castro Tavares) a quantificação dos encargos financeiros suportados, imputáveis às partes de capital é uma questão complexa, "... os dados da questão não têm esta linearidade ou simplicidade: não há uma relação factual directa entre os fundos obtidos (com pagamento de juro) e os fundos concedidos (sem juro) — mas apenas a aplicação de uma fórmula aproximativa descrita na Circular 7/2004 (até por causa da fungibilidade do dinheiro), no sentido de se apurar, na aplicação do art. 32.º, n.º 2, do EBF, quais os "encargos financeiros suportados" com a aquisição de partes de capital."

        12 – Estamos pois perante uma questão, que no caso em apreço, é consequência da não imputação por parte da requerente de quaisquer encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital (nos exercícios de 2011 e 2012) isto é, enquanto o S.P. referido no processo n.º 12/2013-T utiliza o método preconizado pela Circular 7 (não o rejeitando, pelo contrário) no caso em apreço a requerente não quantifica, de forma alguma, os encargos financeiros imputáveis às partes de capital detidas.

        13 – É ainda referido nesta decisão arbitral (Processo n.º: 12/2013-T do CAAD) no que toca à desconsideração fiscal dos custos que "...a lei fiscal não contém qualquer regra concreta ou princípio específico de desconsideração fiscal dos custos, se os fundos deles obtidos não gerarem quaisquer proveitos tributados. E não o contém por razões de simplicidade e de adesão à verdade. A simplicidade ancora-se na dificuldade de estabelecer uma relação causal directa entre um custo e um proveito financeiro, numa organização, como uma sociedade comercial, cujos financiamentos concedidos se destinam, por regra, à totalidade da sua actividade e que se socorre indistintamente de fundos próprios e de terceiros para prosseguir o seu escopo – e é impossível aferir, por isso, se os fundos das prestações sem juros concedidos às dominadas provêm de financiamento de terceiro ou próprio e em que proporção ocorreu cada um deles... é este o motivo que preside, aliás, à Circular 7/2004, para as SGPS...”

        14 – É por isso evidente que o motivo que preside à utilização do método de imputação dos encargos financeiros às partes de capital utilizado no caso em apreço, é o da tributação mais próxima do lucro real possível, respeitando o disposto no n.º2 do artigo 32.º do EBF.

       

        Conclusão

        Tendo em conta e ponderando os elementos suscitados na audição prévia, verifica-se que é de manter a fundamentação que sustenta as conclusões do Projecto de Relatório para os exercícios de 2011 e 2012 pelo que se confirmam as correcções nele propostas em sede de IRO que passam a constar deste Relatório Final.

 

·          Na sequência da inspecção à Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu seguintes liquidações adicionais de IRC, em que teve em conta as correcções referidas relativas a desconsideração dos encargos financeiros da B…:

– n.º 2015…, correspondente ao exercício de 2011, no montante de € 2.848.234,07, em que se incluem € 350,789,33 de juros compensatórios;

– n.º 2015…, correspondente ao exercício de 2012, no montante de € 4.797.777,78, em que se incluem € 424.616,03 de juros compensatórios;

·          A Requerente constitui-se em Outubro de 2008 e em Novembro do mesmo ano constitui-se a empresa B…, detida em 100% pela A…;

·          A partir de 01-01-2009, a A… (sociedade dominante) e a B…(sociedade
dominada) optam pela tributação de acordo com o RETGS, sendo esta sociedade dominada;

·         A sociedade D…– PRODUÇÃO SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA, NIF … (D…), foi sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas pelo RETGS nos exercícios de 2006 a 2009;

·         Até Agosto de 2009, a D… adoptou a denominação social de E…, SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA;

·          A sociedade D… era detida, até ao exercício de 2007, em 100% pela empresa F… HOLDINGS SARL (Luxemburgo);

·          Em 2008 a sociedade D… é detida em 100% pela A…;

·          A partir de Dezembro de 2008, através de entradas em espécie para o aumento de capital efectuado pela A… na B…, as participações sociais da D… passaram a integrar a esfera patrimonial da B…;

·         A partir de 01-01-2010, a D… entrou no perímetro fiscal do Grupo C… conjuntamente com as restantes empresas do ex-grupo D…(com excepção das entidades entretanto incorporadas por fusão, tanto na esfera da D… como da A…), passando então a existir um único grupo, tendo como sociedade dominante a A…;

·          A Requerente prestou garantia bancária no montante de € 1.224.846,93 para obstar à execução fiscal da parte da quantia liquidada que é objecto de contestação no presente processo relativa à liquidação n.º 2015 … (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·          A Requerente prestou garantia bancária no montante de € 1.999.023,30 para obstar à execução fiscal da parte da quantia liquidada que é objecto de contestação no presente processo relativa à liquidação n.º 2015 …(documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         Em 04-02-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e nos que fazem parte do processo administrativo.

Não se provou quais os financiamentos que estão na origem dos juros suportados pela B… nos anos de 2011 e 2012, designadamente não se provando que estejam total ou parcialmente relacionados com o valor de 107.484.130,78 € que foi, em 2009, «registado como suprimento da A…».

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, no Relatório da Inspecção Tributária à B…, que o valor das entradas da A… excedeu em 241.722.572,40 € o valor do aumento de capital a efectuar em 2008 e que, em 2009, parte deste montante foi reembolsado à A…, sendo a parte restante, no valor de 107.484.130,78 € «registado como suprimento da A…», sendo, no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira «este montante a gerar o passivo remunerado a pagar ao accionista A…» e que «foi a aquisição das participações sociais, via entrada em espécie, que originou as necessidades de financiamento da requerente. (iv) As participações sociais não passaram a integrar a esfera patrimonial do requerente de forma gratuita, pelo contrário, exigiram da requerente elevadas necessidades de financiamento de forma a fazer face às obrigações necessárias para a sua aquisição».

No entanto, para além de não se provar qual o facto ou documento que dê suporte a uma dívida de juros relacionada com este suprimento, o montante referido não coincide com nenhum dos que a própria Autoridade Tributária e Aduaneira refere como sendo os saldos existentes nos anos de 2009 a 2013: 104.308.685,25 € em 2009, 103.606.153,15 € em 2010, 108.008.857,81 € em 2011, 108.008.857,81€ em 2012 e 117.929.900,00€ em 2013, o que indicia que não foi aquele suprimento, que se manteve, o fundamento dos juros pagos por financiamentos de montantes variáveis.

Por outro lado, tendo as entradas das participações na esfera da B… sido efectuada em, sem qualquer pagamento por parte desta à A…, não se vislumbra fundamento para ter sido efectuado qualquer financiamento para as adquirir, já que não houve qualquer pagamento à A… da quantia de 107.484.130,78 €, sendo apenas registado contabilisticamente um suprimento desse montante a seu favor, a partir do aumento de capital de 2009. Como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária à B… «os valores das prestações suplementares/suprimentos acima referidos são apenas valores de avaliação, não correspondendo a dinheiro vivo».

Pelo exposto, tem de se ficar, pelo menos, na dúvida sobre se a aquisição das participações sociais pela B… originou para esta alguma dívida geradora de juros e seu montante, bem como se foram suportados por aqueles juros em 2011 e 2012 relacionados com essa hipotética dívida.  

 

4. Matéria de direito

 

A Requerente apenas questiona no presente processo a legalidade das liquidações, nas partes em que têm subjacentes a desconsideração de encargos financeiros suportados pela B…– SGPS, SA.

A posição da Autoridade Tributária e Aduaneira baseou-se no artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), em que se estabelecia o seguinte, nas redacções vigentes em 2011 e 2012:

 

2 – As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades (redacção resultante da republicação efectuada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, vigente em 2011, a que corresponde o artigo 31.º, n.º 2, na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).

 

2 – As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades. (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, vigente em 2012)

 

Neste n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece-se que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às «partes de capital», pelo que é manifesto que o seu teor literal indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.

Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).

Na verdade, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, então no artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

Na Proposta de Lei n.º 28-IX, que veio a dar origem à Lei do Orçamento para 2003, constava esse artigo 31.º, n.º 2, com redacção idêntica à vigente em 2011 (no artigo 32.º, n.º 2), sendo a única diferença o aditamento da referência aos «ICR» (abreviatura de «investidores de capital de risco»), que é irrelevante para a interpretação da norma.

No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003 ( [2] ) anuncia-se a introdução desta norma, tendo em vista o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», nos seguintes termos:

«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»;

É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros directamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.

Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem directamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não basta para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros o facto de a SGPS ser titular de participações sociais, sendo necessário demonstrar que há uma relação directa entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros, elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.

No caso em apreço, como se refere na decisão da matéria de facto, não se provou que a B…tivesse contraído qualquer dívida geradora de juros relacionada com a aquisição de participações sociais, nem que os juros suportados em 2011 e 2012 tenham relação com essa hipotética dívida.

É certo que, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, o facto de as participações sociais terem sido adquiridas através de entradas em espécie (as acções detidas pela A…foram transmitidas tendo como contrapartida participação desta no capital da B… por quem as detinha) não obsta a que se tenha gerado uma dívida desta para com aquela, por o valor das entradas ser superior ao valor do capital adquirido pelos transmitentes, como sucedeu no caso em apreço, pois o valor das entradas excedeu em 241.722.572,40 € o valor do aumento de capital a efectuar em 2008. Em 2009, parte deste montante foi reembolsado à A…, sendo a parte restante, no valor de 107.484.130,78 € «registado como suprimento da A…», sendo, no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira «este montante a gerar o passivo remunerado a pagar ao accionista A…».

Mas, trata-se de uma dívida que a Requerente refere não ter gerado qualquer obrigação de juros, o que não é de estranhar, tratando-se de sociedades do mesmo grupo, pois, como refere Autoridade Tributária e Aduaneira, «são apenas valores de avaliação, não correspondendo a dinheiro».

Por outro lado, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira nada tenha apurado em concreto sobre outros financiamentos, de natureza pecuniária, é de concluir que eles existiram, pois a B… concedeu empréstimos nos montantes de € 63.741.036,97, nos anos de 2011 e 2012, e não foram efectuados com base naquele montante de 107.484.130,78 € de suprimentos, que não correspondeu a qualquer transferência de meios pecuniários.

            Não é, assim, de afastar que, como refere a Requerente, o endividamento da B… em relação a ela, sociedade-mãe, tenha resultado da aquisição de créditos decorrentes de suprimentos que esta última havia concedido às subsidiárias e da contracção de suprimentos adicionais que permitiram à B… realizar suprimentos nas subsidiárias.

Se é certo que não foi apresentada prova destes factos, também o é que a prova trazida ao processo não pode deixar de se ficar na dúvida sobre esta matéria, pois não se apurou que àquela dívida contabilística de 107.484.130,78 € estivesse associada obrigação de pagamento de juros, para além de o facto de aquele montante não corresponder a qualquer dos montantes em dívida no final dos anos de 2009 a 2013, indiciar que não foi essa dívida que gerou os juros pagos nos anos de 2011 e 2012.

Aliás, corroborando a nebulosidade da matéria de facto sobre este ponto, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, refere que «parece ser facto assente que não é possível obter elementos sobre a afectação específica ou directa dos encargos financeiros às participações sociais», o que deixa perceber que, afinal, ela própria não está segura da afectação que deu como provada no Relatório da Inspecção Tributária à B… .

Assim, conclui-se que não se provou que haja uma relação directa entre os encargos financeiros suportados pela B… em 2011 e 2012 e a aquisição de participações sociais.

Por outro lado, se é certo que é abstractamente admissível que «na impossibilidade confessada de afectação específica ou directa, é legítimo à AT, face à letra e ao espírito do nº 2 do art. 32º do EBF, aplicar um método de afectação indirecta ou não específica», por se reconduzir a uma situação de «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável», para efeitos do n.º 1 do artigo 90.º da LGT, também o é que a utilização de qualquer método indirecto para determinar a matéria tributável depende da satisfação de requisitos legais, previstos nos artigos 85.º e 87.º da LGT, e apenas podem ser utilizados os métodos previstos na lei, designadamente nesse artigo 90.º da LGT, entre os quais não se enquadra o utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Para além disso, no caso em apreço, nem sequer está demonstrada a impossibilidade de afectação dos encargos financeiros suportados, pois, à face do que consta do Relatório da Inspecção Tributária à B…, a Autoridade Tributária e Aduaneira nem sequer realizou qualquer diligência no sentido de procurar apurar essa afectação.

No que concerne ao ónus da prova, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, é certo que em matéria de benefícios fiscais existem normas especiais de que se infere que o ónus da prova dos factos necessários para deles usufruir cabe a quem os invoca (artigos 14.º, n.º 2, e 74.º, n.º 1, da LGT).

Porém, na específica situação em apreço, não se está perante a invocação de pressupostos de benefícios fiscais, pois a parte do artigo 32.º, n.º 2, do EBF que prevê a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não estabelece um benefício fiscal, mas sim uma limitação à dedutibilidade de encargos financeiros, negativa para o contribuinte, estabelecida com a finalidade de atenuar o regime fiscalmente favorecido de que usufruem as SGPS em relação às sociedades em geral.

Por isso, ao determinar a não dedutibilidade dos encargos financeiros, a Autoridade Tributária e Aduaneira está levar a cabo uma actividade de natureza desfavorável para o contribuinte, pelo que lhe cabe o ónus da prova dos factos que invocar para fundamentar a sua actuação, designadamente, ao optar pela utilização de método indirecto de determinação da matéria tributável, de provar que se verificava algum ou alguns dos pressupostos legais da sua aplicação, indicados no artigo 87.º da LGT, como decorre do n.º 3 do artigo 74.º da LGT. Será esta a regra especial do ónus da prova a aplicável aos casos de uso de métodos indirectos de determinação da matéria tributável e não a regra geral do artigo 74.º, n.º 1, invocada pela Requerente.

Assim, sendo pressuposto dos actos de liquidação que tenham sido suportados encargos financeiros com a aquisição de participações sociais, as dúvidas sobre se eles foram suportados versam sobre a existência ou quantificação do facto tributário, pelo que têm de ser valoradas processualmente a favor do contribuinte e justificam a anulação do acto impugnado, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

5. Questão da inconstitucionalidade da interpretação da Requerente

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira alega que a interpretação da Requerente viola os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real, mas esta posição assenta no errado entendimento de que, para efeitos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF releva uma afectação indirecta.

 A afectação de financiamentos à aquisição de partes de capital, quando ocorre, é necessariamente directa.

A «afectação indirecta» criada pela Autoridade Tributária e Aduaneira através da Circular n.º 7/2004, que constitui a previsão de um método indirecto, é uma mera ficção, baseada em presunções cujo fundamento não é nela explicado, para levar a concluir que houve uma afectação (necessariamente directa) de financiamentos à aquisição de participações sem se apurar se ela ocorreu ou não e em que medida.

Ora, como é óbvio, aos contribuintes em relação aos quais não se provou que afectaram financiamentos à aquisição de partes de capital não pode ser dado o tratamento jurídico que é dado àqueles em que se provou tal afectação, para efeito do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, pois a afectação é o pressuposto necessário da sua estatuição.

De resto, nem se vislumbra como tal regime, exigindo a comprovação da conexão de determinados encargos financeiros com a aquisição de determinadas participações sociais, discrimine positiva ou negativamente quaisquer SGPS, pois ele é aplicável a sociedades SGPS de todos os tipos: seja qual for o tipo de SGPS, se suporta encargos com a aquisição de participações sociais não os pode deduzir; seja qual for o tipo de SGPS, se tem outros encargos financeiros relacionados com outros activos ou actividades pode deduzi-los; se uma SGPS, de qualquer tipo, não tem encargos financeiros, então não os pode deduzir, pois nenhuma pode deduzir o que não teve; não constitui discriminação positiva, decerto, uma sociedade de qualquer tipo que suportou mais encargos financeiros que outra poder deduzir mais encargos que esta, pois há uma diferença entre ambas que justifica a diferente dedutibilidade.

No que concerne à alegada inconstitucionalidade do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, por violação do princípio da capacidade contributiva, enunciado no artigo 104.º da CRP, quando interpretado no sentido de que, sendo inaplicável o método previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, todos e quaisquer encargos financeiros suportados com financiamentos relacionados com aquisições de participações sociais são dedutíveis, independentemente de prova promovida por aquele sujeito passivo para o efeito, nem se percebe a pertinência da sua colocação no caso em apreço, pois a interpretação aqui adoptada é precisamente a contrária: o artigo 32.º, n.º 2, do EBF exige a prova de que os encargos financeiros suportados não estão relacionados com a aquisição de participações sociais e são esses que são dedutíveis e se se provar essa relação os encargos não são dedutíveis. A interpretação daquela norma adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao impedir essa prova, se fosse a prevista na lei, é que poderia gerar dificuldade da sua compatibilização aquele princípio constitucional, além de outros. Mas, como é óbvio, em caso de dúvida sobre afectação dos encargos financeiros aplicam-se as regras do ónus da prova, pelo que a realidade processualmente relevante é a que delas resultar, com o seu corolário a nível da dedutibilidade. 

No que concerne ao princípio da tributação fundamentalmente com base no rendimento real, prevista no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, não se vê que ele seja afectado, beneficiando as SGPS, por uma norma que prevê, precisamente, a irrelevância de custos financeiros suportados, ao contrário da regra geral do artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do CIRC.

A indedutibilidade de custos financeiros prevista na parte final do artigo 32.º, n.º 2, do EBF consubstancia um afastamento da regra da tributação segundo o rendimento real, que é concretizada no artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do CIRC, que prevê a dedutibilidade de encargos financeiros.

Por isso, o afastamento da aplicação de uma excepção a essa regra, prevista na parte final do artigo 32.º, n.º 2, do EBF só pode favorecer a regra da tributação segundo o rendimento real.

No que concerne ao princípio da proporcionalidade também não se vislumbra como possa ser violado pela interpretação referida: se se prova a existência de uma situação prevista na parte final da norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, aplica-se a sua estatuição; se essa prova não se faz, a norma não se aplica. Decerto o que seria incompaginável com o princípio da proporcionalidade seria aplicar a norma a situações em que não se prova a existência de uma situação que se enquadre na hipótese normativa.

Conclui-se, assim, que a não aplicabilidade da regra da parte final do n.º 2 do artigo 32.º do EBF a situações em que não se prova foram suportados encargos financeiros com a aquisição de participações sociais por SGPS não é incompaginável com qualquer dos princípios constitucionais invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 6. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, os erros subjacentes aos actos de liquidação são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as correcções que efectuou foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Por isso, a Requerente tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos que advieram das garantias prestadas para suspender as execuções fiscais.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (artigo 609.º no Código de Processo Civil e artigo 565.º do Código Civil).

 

7. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral:

b)   Anular as liquidações de IRC n.ºs 2015 … e 2015…, nas partes em que tiveram como pressuposto a desconsideração dos encargos financeiros suportados pela B… nos anos de 2001 e 2012, respectivamente;

c)    Julgar procedentes o pedido de indemnização por garantias indevidas e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão.

 

8. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.939,096,18.

 

Lisboa, 26-09-2016

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(António Moura Portugal)

 

 

 

 

(Maria Manuela do Nascimento Roseiro)

(vencida, nos termos da declaração de voto anexa)

 

Declaração de Voto

 

 

Por manter muitas dúvidas acerca de algumas das posições que fizeram maioria no presente acórdão apresento a seguinte declaração de voto.

 

Atendendo ao modo como se deu a entrada da A…, SA (A…) no capital da B…, SGPS, SA (B…) – só as participações sociais que constituíram uma parte das entradas em espécie têm valor muito superior ao montante de aumento de capital social – não parece que que se possa invocar a gratuitidade do modo de integração das participações sociais na esfera patrimonial do Requerente para apagar a suposição de que a transmissão[3] implicou encargos financeiros.

 

Quanto ao facto de a AT não demonstrar qual o facto ou documento que dê suporte a uma dívida, prende-se com a questão do ónus da prova, sendo meu entendimento que cabia à Requerente comprovar a relação desses encargos com outros factos que não a aquisição de participações, ainda que por entrada de capital em espécie, feita pela sociedade dominante. 

 

O facto de a inclusão das participações na esfera da B… ter sido efectuada sem qualquer pagamento em numerário por parte desta à A…, que assim não teria que obter financiamento, não implica que a transmissária não passe a ter que suportar os custos com o financiamento da aquisição das referidas participações, antes (2008) directamente assumidos pela A…, que passou a ser detentora indirecta daquelas. A prova de que esses encargos existiam, ou não, e se passaram, ou não, para a B… deveria ter sido evidenciada por esta sociedade, procedendo à afectação do endividamento pelos activos a que está associado e apresentando documentação demonstrativa.

 

Por outro lado, também não adiro à fundamentação da recusa da metodologia proposta pela AT na Circular nº 7/2004, quanto à desconsideração de encargos financeiros suportados pelas SGPS, com fundamento na defesa de que a letra do nº2 do artigo 32.º do EBF, porque significa manifestamente que só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece, implica a necessidade de a AT demonstrar que há uma relação “directa” entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

 

Com efeito, mesmo tendo em conta a referência citada, constante do relatório do OE para 2004 (“encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição”), parece-nos difícil entender que o legislador, que pretendeu com previsão consagrada no nº 2 do art. 31º do EBF obviar à consideração como custos dos montantes que não contribuíram para obtenção de resultados sujeitos a tributação, aceitasse encargos apresentados pelo próprio sujeito passivo como não tendo relação com aquisição de participações, sem lhe exigir comprovação adequada da causa dos encargos. O que parece curial entender é que o legislador visou ter em conta a real afectação dos encargos financeiros e sua distribuição pela aquisição das participações sociais e outros activos, o que justificará a eventual não aceitação da qualificação dada pelo sujeito passivo se não estiver fundamentada em prova adequada[4].

 

É por essa razão que consideramos legítima a definição pela AT, em orientação administrativa, de critérios, considerados racionais e usuais na prática das SGPS, que possam, se outra coisa não resultar evidente da contabilidade do sujeito passivo[5], servir de base a uma repartição de encargos, entendendo-se que o contribuinte poderá infirmar tal repartição, demonstrando cabalmente a sua falta de veracidade[6].

 

Nem a argumentação da Requerida nos autos, invocando que o facto de as participações sociais terem sido adquiridas através de entradas em espécie não obsta a que se tenha gerado uma dívida da B… para com a A…, devido ao facto de o valor das entradas ser muito superior o valor do aumento do capital social, nos parece ser destruída pela alegação da Requerente de que não se gerou qualquer obrigação de juros, por tudo se passar entre sociedades do mesmo grupo, tratando-se apenas de valores de avaliação que não correspondem a dinheiro. É que as relações entre sociedades do grupo devem ser contabilizadas do mesmo modo que entre sociedades independentes e dão origem a cálculo autónomo de resultados[7].

 

Quanto a outros financiamentos existentes geradores de encargos, cremos que, dentro da interpretação que vimos sustentando, cabia à Requerente tê-los devidamente diferenciado e comprovado, autonomizando os financiamentos em função da respectiva afectação, de acordo com o disposto no art.º 17.º, n.º 3, alínea b) do CIRC.

 

Ou seja, o facto de a Requerente invocar que o endividamento da B… em relação a ela, sociedade-mãe, resultou da aquisição de créditos decorrentes de suprimentos (que esta última havia concedido às subsidiárias e da contracção de suprimentos adicionais que permitiram à B… realizar suprimentos nas subsidiárias) parece muito insuficiente para explicar tudo o que deveria ter sido clarificado, pela mesma Requerente, numa situação muito complexa em que as participações sociais foram adquiridas no quadro da realização de entradas de capital mas sobrevalorizadas por forma a que a sociedade adquirente viesse a restituir parte do valor/preço inicial, para o que certamente teve de se endividar, além de assumir uma dívida (suprimentos) perante a A… . Esta situação parece indiciar e não contrariar que os encargos financeiros estariam associados à aquisição das participações sociais.

 

Assim, não subscrevo a posição de que “se é certo que não foi apresentada prova destes factos, também o é que a prova trazida ao processo não pode deixar de se ficar na dúvida sobre esta matéria” e que a nebulosidade da matéria de facto (designadamente por não se ter apurado que à dívida contabilística de 107.484.130,78 € estivesse associada obrigação de pagamento de juros), gera dúvidas sobre a existência ou quantificação do facto tributário, que têm de ser valoradas processualmente a favor do contribuinte, conduzindo à anulação da liquidação, por não se ter provado uma relação directa entre os encargos financeiros suportados pela B… em 2011 e 2012 e a aquisição de participações sociais.

 

Quanto ao facto de a Requerida não parecer estar segura da real afectação de encargos financeiros, por referir que não foi possível obter elementos sobre a afectação específica ou directa dos encargos financeiros às participações sociais», trata-se, precisamente, do tipo de dificuldades que justificam, segundo o nº 7 da Circular 7/2004, que a AT tenha indicado um método (fórmula) para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais. Consiste essa imputação não numa imposição inultrapassável (que, nesse caso, não hesitaríamos em considerar violadora da lei e princípios constitucionalmente consagrados) mas numa apresentação de proposta de critério de interpretação/repartição de encargos financeiros suportados, que os contribuintes contrariarão, se for o caso, comprovando fundamentadamente a real afectação[8].

 

O que não parece estar em consonância com a ratio legis do n.º 2 do art.º 32.º do BEF é que, no caso de considerarmos aceitável a apresentação pela AT, de forma genérica e uniformizadora, de orientações para interpretação dos métodos de afectação de encargos financeiros suportados pelas SGPS, aplicáveis aos casos em que outra imputação não esteja evidenciada na contabilidade[9], o contribuinte se possa limitar a reagir contra a aplicação do método, negando a sua aplicabilidade sem que tenha que realizar a devida comprovação

 

Prende-se esta questão com o ónus da prova, e também aqui nos afastamos da douta posição que fez maioria quando conclui que “não se está perante a invocação de pressupostos de benefícios fiscais” porque “a parte do artigo 32.º, n.º 2, do EBF que prevê a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não estabelece um benefício fiscal, mas sim uma limitação à dedutibilidade de encargos financeiros (…)”.

 

É meu entendimento que o nº 2 do artigo 32º do EBF consagra um benefício fiscal - a não consideração das mais-valias para a formação do lucro tributável – sendo indissociável da sua aplicação a desconsideração das menos valias e dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição das participações sociais correspondentes[10] pelo que a apreciação sobre a afectação dos encargos é componente da própria aplicação do benefício no seu todo, aplicando-se-lhe a regra do ónus da prova de acordo com os artigos 14.º, n.º 2, e 74.º, n.º 1, da LGT.[11]

 

Assim, não assumindo posições inteiramente coincidentes às adoptadas por maioria no presente Acórdão no que respeita à interpretação da lei e da situação factual, teria aprofundado a questão da eventual deficiente fundamentação das correcções efectuadas pela Requerida, designadamente quanto a justificação de insuficiência de elementos para proceder a um cálculo directo dos encargos financeiros.

 

 



[1] Em conformidade com a Circular 7/2004 de 30 de Março da DSIRC.

[3] A transmitente recebeu uma contrapartida (acções) e a adquirente aumentou o capital social.

 

 

[4] Neste sentido interpretamos a posição de Manuel Pires, em processo 663/2015, declaração de voto.

[5] Porque, concorda-se, deve privilegiar-se o método de afectação directa e, na impossibilidade de utilização do mesmo, avançar como método alternativo o preconizado na Circular 7/2004 (cf. Júlio Tormenta, in As Sociedades Gestoras de Participações Sociais como Instrumento de Planeamento Fiscal e os Seus Limites, Coimbra Editora, p. 145).

[6] No sentido dessa admissibilidade, cita-se a decisão arbitral proferida no processo nº258/2015-T, cujas considerações sobre a Circular 7/2004 subscrevemos, designadamente a conclusão de que: “A verdade é que nada, na letra do n.º 2 do art.º 32.º do EBF, retirava qualquer legitimidade a qualquer método, directo ou indirecto, de afectação dos encargos financeiros das SGPS para se alcançar os objectivos prosseguidos com aquela norma. A afectação pro rata prevista no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, método indirecto de afectação, era portanto tão legítima e tão compatível com a ratio legis da norma como qualquer outro método – sendo que, em contrapartida, não pode sustentar-se que os objectivos daquela norma (de qualquer norma) pudessem ser alcançados na ausência, pura e simples, de qualquer método.” E, apesar de a decisão citada acentuar o perigo de a AT se sentir “tentada a aliviar o seu esforço probatório através da simples invocação de uma Circular, como se ela, mais do que fornecer um procedimento probatório, constituísse já a própria prova”, admite, depois de recordar que o contribuinte só aceitará os resultados daquela aplicação se lhe convier, ainda assim: “Por tudo o que acabámos de ver, à primeira questão suscitada pela Circular 7/2004 – podia uma simples Circular resolver as ambiguidades suscitadas pela interpretação de um preceito legal? – temos que responder afirmativamente”. Também neste sentido, p. ex., a decisão arbitral no proc. 21/2012-T.

[7] “(…) até ao momento de apuramento do lucro tributável pela sociedade dominante, cada uma das sociedades participadas mantém a sua personalidade jurídica e capacidade tributária próprias, que não é afectada pela relação de domínio com a sociedade dominante, sendo que o lucro tributável de cada uma das associadas é apurado na sua declaração periódica de acordo com as regras gerais previstas no CIRC” (TCAS, Ac. de 24 de Abril de 2012, proc. nº 05251/11).


 

[8] Admitindo o método proposto na Circular, embora realçando que “adoção da fórmula preconizada pela Circular não vincula o sujeito passivo às consequências dela derivadas quando estas resultem contra legem “, acórdão arbitral no proc. 780/2014-T. Afirma-se: “para o cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis, porque associados à aquisição de participações sociais, qualquer método (direto ou indireto) é aceitável desde que garanta que os custos associados a proveitos não tributáveis não são fiscalmente dedutíveis. É, pois, perfeitamente legítimo utilizar a fórmula constante da Circular, mas esta tem que ser “corrigida” no necessário para que a ratio legis do n.º 2 do art.º 32º do EBF resulte integralmente respeitada.”

[9] O que deveria fazer. Cf. recomendações de Tiago Caiado Guerreiro nos seus textos sobre o novo regime das SGPS.

[10] Tudo procurando constituir medidas conducentes a evitar o planeamento fiscal abusivo, como também se recorda na já mencionada declaração de voto de Manuel Pires (p. 663/2015-T). De realçar que uma interpretação restritiva do n.º 2 do art.º 32.º pode conduzir à não aplicação da restrição à dedutibilidade dos encargos financeiros às SGPS que, a par da detenção de partes sociais, desenvolvem outras actividades dirigidas para empresas do grupo, o que parece contrariar a ratio da norma (concessão de benefício às SGPS com determinados pressupostos e sem abusos).

[11] Adaptando à aplicação do nº 2 do art. 32º, o parágrafo final do Acórdão do STA de 13-07-2015, no proc. 0144/14, referente ao nº 3 do mesmo artigo, diríamos que uma SGPS seria alvo de uma discriminação fiscal positiva face às empresas que o não são, se pudesse beneficiar, neste caso, de isenção de imposto nas mais-valias realizadas com a alienação das partes de capital não deixando de deduzir encargos realmente originados com a respectiva aquisição (ainda que formalmente imputados a outra causa).