Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 55/2016-T
Data da decisão: 2016-09-05  IRC  
Valor do pedido: € 93.110,62
Tema: IRC - Taxa / Benefício à interioridade
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Maria Cristina Aragão Seia e, Sofia Cardoso, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 02 de Fevereiro de 2016, A…, S.A., com o N.I.P.C. … e com sede em na avenida …, n"…, …, …-… …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2015…, relativa ao exercício do ano de 2011, da quantia de € 825.797,84, e da respetiva nota de compensação n.º 2015…, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 93.110,62.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que liquidação adicional enferma de:
  2. Erro nos pressupostos;
  3. Vício de fundamentação;
  4. Abuso de poder.

 

  1. No dia 04-02-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 05-04-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 20-04-2016.

 

  1. No dia 24-05-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Atendendo a que, no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A Requerente é uma sociedade anónima, que tem como objecto social o comércio por grosso e a retalho de electrodomésticos, materiais eléctricos, equipamentos hidráulicos, artigos de decoração, sondagens de água, metalomecânica, fabricação de equipamentos hidráulicos, instalações eléctricas, de equipamento solar e ar condicionado.

2-      Desde a sua constituição, em 28 de Dezembro de 1960, que a Requerente tem a sua sede no Município de … .

3-      Desde o período de tributação de 2011, a ora Requerente tem vindo sempre a apurar o seu lucro tributável com recurso a métodos directos, mantém a sua situação tributária regularizada perante a Autoridade Tributária e Aduaneira e a Segurança Social, e nunca apresentou quaisquer salários em atraso.

4-      A Requerente, à data do facto tributário, encontrava-se legalmente constituída, cumpria as condições legais necessárias ao exercício da sua atividade, e situava a sua actividade principal em …, aí concentrando 100% da massa salarial.

5-      Com referência ao período de tributação de 2011, entendendo encontrarem-se cumpridos todos os requisitos para o aproveitamento do benefício fiscal à interioridade, previsto no n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redacção anterior à Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, a Requerente aplicou, na respectiva Declaração de Rendimentos ("Modelo 22") do IRC a taxa reduzida de IRC de 15% sobre a sua matéria colectável.

6-      Entre 22-05-2015 e 11-08-2015, a Requerente foi objecto de uma acção de inspecção tributária, relativa ao período de tributação de 2011.

7-      Na referida acção apurou-se que, no que respeita à movimentação contabilística, à data de 31 de Dezembro de 2011, os extractos contabilísticos das contas 61 – CMVMC e 71 – VENDAS, apresentam um saldo de €6.569.176,70 e de €8.963.030,84, respectivamente.

8-      Mais se apurou que, à data de 30 de Dezembro de 2011, o saldo da conta 61 – CMVMC era “Zero”, pois, apenas se registaram movimentos à data de 31 de Dezembro.

9-      Verificou-se, ainda, que até 30 de Dezembro, a Requerente não tinha registado quaisquer custos das vendas efectuadas ao longo do exercício, isto é, tinha registado as vendas com uma margem de 100%.

10-  Também se verificou que as contas 32-Mercadorias e 33-Matérias-Primas apenas tinham registos no movimento de abertura (passagem de saldos do ano anterior) e à data de 31 de Dezembro, aquando do apuramento do custo das existências vendidas e das matérias consumidas, revelando os stocks da empresa em 31 de Dezembro de cada ano.

11-  Em resultado da referida acção inspectiva, foi emitido o correspondente Relatório de Inspecção Tributária, notificado à ora Requerente no dia 09 de Setembro de 2015.

12-  Naquele Relatório entendeu-se que se verificava falta de cumprimento dos requisitos para beneficiar da taxa reduzida prevista no artigo 43.º do EBF, por a Requerente não estar a utilizar o Sistema de Inventário Permanente, desrespeitando-se assim o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Lei 158/2009 de 13 de Julho, pelo que a contabilidade não podia ser considerada organizada de acordo com o SNC.

13-  No referido relatório foi proposta a seguinte correcção ao nível do imposto a pagar em sede IRC, no montante de € 80.891,72:

14-  Na sequência da proposta formulada foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2015…, relativa ao exercício do ano de 2011, da quantia de € 825.797,84, e da respetiva nota de compensação n.º 2015…, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 93.110,62, que teve como prazo limite de pagamento o dia 11 de Novembro de 2015.

 

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

 

 

B. DO DIREITO

 

A questão que se apresenta a decidir por este Tribunal arbitral é apenas uma, e de simples formulação, prendendo-se com esclarecer se a circunstância apurada de a Requerente não estar a utilizar o Sistema de Inventário Permanente, permite concluir, como fez a AT e está subjacente ao acto tributário impugnado, que a contabilidade da Requerente não podia ser considerada organizada de acordo com o SNC, verificando-se assim a falta de cumprimento dos requisitos para beneficiar da taxa reduzida prevista no artigo 43.º do EBF.

Dispõe o referido artigo 43.º, n.º 1, do EBF, na redacção aplicável, que:

“Às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes:

 a) É reduzida a 15 % a taxa de IRC, prevista no n.º 1 do artigo 80.º do respectivo Código, para as entidades cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias;”

O Decreto-Lei no 55/2008, de 26 de Março, por sua vez, estabeleceu as normas de regulamentação necessárias à boa execução dos benefícios fiscais à interioridade, aí se incluindo o regime de redução de taxa de IRC, conforme o seu artigo 1.º que refere que: “O presente decreto-lei visa estabelecer as normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade”.

No artigo 2.º daquele diploma definem-se as condições de acesso das entidades beneficiárias, nos seguintes termos:

“Sem prejuízo do previsto no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, as entidades beneficiárias devem reunir as seguintes condições de acesso:

a) Encontrarem-se legalmente constituídas e cumprirem as condições legais necessárias ao exercício da sua actividade;

b) Encontrarem-se em situação regularizada perante a administração fiscal, a segurança social e o respectivo município;

c) Disporem de contabilidade organizada, de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade;

d) Situarem a sua actividade principal nas áreas beneficiárias;(...)”.

É, deste modo, crê-se, indiscutível, que um dos requisitos essenciais para que a Requerente possa beneficiar do regime de taxa reduzida previsto no artigo 43.º do EBF é o de dispor da contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, que, em 2010, foi substituído pelo Sistema de Normalização Contabilística, instituído pelo Decreto- Lei no 158/2009, de 13 de Julho que, no 1 do seu artigo 12.º dispõe que:

“As entidades a que seja aplicável o SNC ou as normas internacionais de contabilidade adoptadas pela UE ficam obrigadas a adoptar o sistema de inventário permanente na contabilização dos inventários, nos seguintes termos:

a) Proceder às contagens físicas dos inventários com referência ao final do exercício, ou, ao longo do exercício, de forma rotativa, de modo a que cada bem seja contado, pelo menos, uma vez em cada exercício;

b) Identificar os bens quanto à sua natureza, quantidade e custos unitários e globais, por forma a permitir a verificação, a todo o momento, da correspondência entre as contagens físicas e os respectivos registos contabilísticos.”

Como a Requerente não preenchia os requisitos referidos no nº 2 do artigo 12º daquele Decreto-Lei no 158/2009 para a dispensa de utilização do sistema de inventário permanente, e da consulta e análise à contabilidade daquela verificou que a mesma não utilizou, para efeitos contabilísticos, o sistema de inventário permanente, a AT concluiu que a Requerente não tinha a sua contabilidade organizada de acordo com o SNC e, como tal, não estava qualificado para o benefício fiscal da taxa reduzida de IRC, previsto no artigo 43.º do EBF aplicável.

Não é, todavia, possível ratificar tal entendimento, sendo que a própria AT, na pessoa da sua Subdirectora Geral do IR e das Relações Internacionais, já assim concluiu, no Ofício Circulado 20191, de 23-06-2016, onde se pode ler, no ponto 7, para além do mais, que: “o facto de uma entidade não adotar o sistema de inventário permanente, estando a tal obrigada, não é só por si razão para se concluir que não foi adotado o SNC e que a contabilidade não se encontra regularmente organizada.

O referido Ofício Circulado surge na sequência do Parecer da Comissão de Normalização Contabilística, em resposta a pedido formulado pela Direção de Serviços do IRC, onde se escreveu, para além do mais, que:

“a) Resulta do ponto 1.3 do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, que o sistema de inventário permanente não é um instrumento contabilístico que integre o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), constituindo antes, nos termos previstos do Artigo 12.º desse diploma, uma obrigação das entidades a quem seja aplicável o SNC ou as normas internacionais de contabilidade adotadas pela UE.

b) O facto de uma entidade não adotar o sistema de inventário permanente quando a tal estiver obrigada, não permite concluir, por si só, que não foi adotado o SNC e não impede que as suas demonstrações financeiras apresentem de forma verdadeira e apropriada a sua posição financeira, desempenho financeiro e alterações na posição financeira (...)”.

Deste modo, enfermando o acto tributário objecto da presente acção arbitral de erro nos pressupostos de direito, deve o mesmo ser anulado, procedendo o pedido anulatório formulado pela Requerente.

 

***

A Requerente cumula com o pedido anulatório formulado, o pedido de condenação da AT na devolução do imposto e juros compensatórios no montante de 93.110,62 €, e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto até integral pagamento.

Sucede que, não se provou, não tendo sequer sido alegado, que a Requerente haja efectuado qualquer pagamento em execução do acto tributário anulado, pelo que não poderá nessa parte proceder o pedido arbitral formulado.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anular o acto de liquidação adicional de IRC n.º 2015…, relativo ao exercício do ano de 2011, e da respetiva nota de compensação n.º 2015…, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 93.110,62;

b)      Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de €2.754.00.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €93.110,62, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa 5 de Setembro de 2016

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Maria Cristina Aragão Seia)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Sofia Cardoso)

 

 

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.