Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 29/2016-T
Data da decisão: 2016-09-15  IRS  
Valor do pedido: € 216.664,50
Tema: IRS – Tributação de mais-valias mobiliárias
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Decisão Arbitral

 

I.          RELATÓRIO

 

  1. A…, contribuinte n.º…, residente na Rua de … n.º…, Piso … Dto., …-… Estoril (doravante abreviadamente identificada por Requerente), vem, ao abrigo do disposto nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT) apresentar Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n. º 2011…, relativo ao ano de 2010, no valor a pagar de € 215.369,84 (duzentos e quinze mil, trezentos e sessenta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos), bem como da demonstração de acerto de contas n.º 2011… de 25-07-2011, com um saldo a pagar de € 216.664,50 (duzentos e dezasseis mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra os referidos actos tributários e também contra o despacho de 04.03.2016 que determinou o indeferimento expresso do referido pedido de revisão oficiosa, com reembolso do imposto pago indevidamente pela Requerente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios à taxa legal.

 

  1. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que o Conselho Deontológico do CAAD procedeu à designação dos árbitros Dr. José Pedro Carvalho (presidente), Prof. Doutor Vasco Valdez e Dr. Paulino Brilhante Santos que foi aceite pelas partes – Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente identificada como Autoridade Requerida).

 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 06-04-2016, para apreciar e decidir o objeto do presente processo arbitral, conforme consta da respetiva acta.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

  1. O Tribunal é competente e o pedido legítimo.

 

  1. Em 19-04-2016 a Requerente apresentou Requerimento no processo a solicitar a ampliação do pedido de modo a abranger o indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, cujo indeferimento tácito havia, nesta sede, sido impugnado, tendo o respetivo pedido sido admitido em 15-05-2016.  

 

  1. Foi proferido Despacho Arbitral, em 12-06-2016 que fundamentou a dispensa de produção de prova adicional, para lá da prova documental incorporada nos autos, a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e concedeu às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas.

 

  1. As partes apresentaram alegações escritas em 23-06-2016 (Requerente) e em 05-07-2016 (Requerida).

 

  1. Em face do exposto, importa descrever os factos constantes da petição inicial (PI).

 

I.I – DA PETIÇÃO INICIAL

 

  1. A Requerente supra identificada apresentou ao Tribunal Arbitral pedido de pronúncia arbitral visando a declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação de IRS n. º 2011…, relativo ao ano de 2010, no valor a pagar de € 215.369,84 (duzentos e quinze mil, trezentos e sessenta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos), bem como da demonstração de acerto de contas n.º 2011… de 25-07-2011, com um saldo a pagar de € 216.664,50 (duzentos e dezasseis mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra os referidos actos tributários e também contra o despacho de 04.03.2016 que determinou o indeferimento expresso do referido pedido de revisão oficiosa, com reembolso do imposto pago indevidamente pela Requerente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios à taxa legal.

 

  1. Na primeira parte da PI, a Requerente invoca a falta de fundamentação, de facto e de direito, do acto de liquidação objeto de pronúncia arbitral (n.º 2011…), de 27 de Junho de 2011, em violação do disposto no artigo 77.º da LGT.

 

  1. Refere a Requerente que no acto de liquidação notificado não são explícitos os fundamentos de facto e de direito que determinaram a sua emissão, sendo apenas indicado um conjunto de valores, sem qualquer identificação quanto à sua natureza e origem, pelo que está inquinado de vício de forma, por falta de fundamentação, devendo ser anulado em conformidade.

 

  1. A Requerente aduz ainda que o direito de audição antes da liquidação, previsto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT, foi preterido, o que implica, também, a anulação do acto de liquidação.

 

  1. A PI prossegue com a descrição dos factos que considera relevantes para os autos, designadamente a venda em 24 de Maio de 2010 da participação da Requerente no capital social da sociedade B…– Actividades Turísticas, S.A. - 33.333 acções com o valor nominal de 166.665, detidas há mais de 12 meses – pelo valor de 2.333.310,00 € (dois milhões, trezentos e trinta e três mil, trezentos e dez euros).

 

  1. Na sequência da referida alienação, a Requerente realizou uma mais-valia mobiliária que declarou no anexo G da Declaração Modelo 3 de IRS.

 

  1. Foi mencionado pela Requerente que a mais-valia decorrente da referida operação foi considerada em apenas 50% (cinquenta por cento) do seu valor por estar em causa a transmissão de participações sociais respeitantes a uma pequena empresa não cotada nos termos do artigo 43. º, n.º 3 do CIRS.

 

  1. Assim sendo, o saldo entre as mais e as menos-valias realizadas ascenderia a € 1.083.322,50 € (um milhão e oitenta e três mil, trezentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos) (€ 2.333.310,00 € - € 166.665,00 = € 2.166.645,00 * 50% = € 1.083.322,50).

 

  1. Posteriormente a Requerente foi notificada do acto de liquidação de IRS n.º 2011…, por referência ao ano de 2010, nos termos do qual foi apurado um imposto a pagar no montante de € 215.369,84 (duzentos e quinze mil, trezentos e sessenta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos), bem como da demonstração de acerto de contas n.º 2011…, de 25 de Julho de 2011, da qual resultava um saldo a pagar de € 216.664,50 (duzentos e dezasseis mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos).

 

  1. Refere a Requerente que da análise da referida nota de liquidação de IRS resulta que a totalidade do saldo positivo das mais-valias mobiliárias apuradas no decurso do ano de 2010 – € 1.083.322,50 (um milhão e oitenta e três mil, trezentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos) - foi tributada à taxa especial de 20% de acordo com o regime legal instituído pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, que entrou em vigor no dia 27 de Julho do mesmo ano de 2010.

 

  1. No dia 30 de Setembro de 2011, a Requerente ainda que não concordando com o cálculo do imposto resultante da referida liquidação, procedeu ao pagamento integral do imposto em dívida no montante de € 216.664,50 (duzentos e dezasseis mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos).

 

  1. Em 26 de Junho de 2015, tendo tomado conhecimento do teor do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do Processo n.º 013/15 de 20 de Maio de 2015, nos termos do qual foi julgada ilegal a tributação das mais-valias decorrentes de operações de alienação de acções detidas há mais de 12 meses, ocorridas antes da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa contra o referido acto de liquidação de IRS de 2010.

 

  1. Na sequência do indeferimento tácito do referido pedido, a Requerente apresentou o Pedido de Pronúncia Arbitral contra o acto de liquidação de IRS e contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

 

  1. No entanto, no decurso do presente processo arbitral, a Requerente foi notificada por Ofício datado de 16 de Março de 2016, da prática de acto expresso de indeferimento do referido pedido de revisão oficiosa cuja anulação também é peticionada.

 

  1. Em suma, e com base numa extensa revisão da doutrina e da Jurisprudência, a Requerente entende que a mais-valia mobiliária relativa ao ano de 2010, no montante de € 216.664.50 (duzentos e dezasseis mil, seiscentos e sessenta e quatro mil e cinquenta cêntimos), está excluída de tributação em sede de IRS por resultar da alienação de acções detidas pela Requerente há mais de 12 meses e por ter sido obtida antes de 27 de Julho de 2010, data de entrada em vigor da Lei n.º 15/2010.

 

  1. A Requerente invoca ainda, como se referiu já acima, que o acto de liquidação sofre ainda dos vícios de forma de falta de fundamentação e de preterição de formalidade legal essencial por preterição do direito de audição prévia do contribuinte, formalidades prescritas, respectivamente, nos artigos 77º e 60º nº 1 alínea a) da LGT.

 

  1. Solicita a anulação do referido acto de liquidação de IRS n. º 2011…, relativo ao ano de 2010, no valor de € 215.369,84 (duzentos e quinze mil, trezentos e sessenta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos), bem como da demonstração de acerto de contas n.º 2011… de 25-07-2011, com um saldo a pagar de € 216.664,50 € (duzentos e dezasseis mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), cujo valor já foi pago na totalidade pela Requerente em 30 de Setembro de 2011, e cuja restituição requer, acrescida dos respetivos juros indemnizatórios à taxa legal, com base nos artigos 100.º e 43.º da LGT.

 

I. II – DA RESPOSTA DA AUTORIDADE REQUERIDA

 

  1. A Autoridade Requerida respondeu primeiramente por excepção, suscitando a excepção de preterição de formalidade consignada no artigo 59.º do CPPT por parte da Requerente e defendendo que deve ser declarado intempestivo o pedido de revisão oficiosa por manifesta violação dos prazos de 3 e 4 anos consagrados nos n.ºs 4 e 1 do Artigo 78.º da LGT.

 

  1. Suscita ainda em sede de excepção que inexiste erro imputável aos serviços não se encontrando reunidos os pressupostos processuais legais de que depende o pedido de revisão oficiosa nos termos dos referidos n.ºs 4 e 1 do Artigo 78.º da LGT e que o pedido de revisão oficiosa e o pedido arbitral estão em manifesta contradição com o comportamento assumido anteriormente pela Requerente o que configura um abuso de direito consagrado no artigo 334.º do Código Civil.   

 

  1. Por impugnação, a Autoridade Requerida argumenta que não há vício de falta de fundamentação, justificando que o acto de liquidação advém dos elementos que haviam sido declarados pela Requerente e que “a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral, demonstra, em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida…”. Entre outros argumentos, refere que o acto de liquidação permite o cabal esclarecimento do seu destinatário, possibilitando-lhe insurgir-se contra ele, como fez a Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral e quanto à preterição de audição prévia alegada pela Requerente, a Autoridade Requerida entende que se encontrava dispensada de proceder à audição prévia da Requerente nos termos da alínea b) do n.º2 do artigo 60.º da LGT, uma vez que a liquidação se efetuou com base nas declarações da Requerente.

 

  1. Quanto à alegada ilegalidade da liquidação e à alegada violação do princípio da irretroatividade da lei fiscal e do princípio da proteção da confiança, a Autoridade Requerida, apoiando-se na doutrina, Jurisprudência e no contexto económico-social em que a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, foi aprovada, e em particular no princípio da anualidade do IRS (o facto tributário gerador do imposto reporta-se a 31 de Dezembro de cada ano), entende que o saldo positivo de todas as mais-valias e menos-valias mobiliárias obtidas em 2010 deve ser tributado, não padecendo a referida liquidação de IRS de nenhuma inconstitucionalidade.

 

  1. Subsidiariamente, a Autoridade Requerida entende que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

 

I.III – DAS CONTRA-ALEGAÇÕES FINAIS

 

  1. Nas suas contra-alegações, a Requerente reforça os argumentos referidos na sua resposta às excepções invocadas pela Autoridade Requerida e insiste nos argumentos invocados na PI, destacando-se a referência ao Acórdão para Uniformização de Jurisprudência proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em 2 de Dezembro de 2015, ao qual aludiremos mais adiante.

 

  1. A Autoridade Requerida não apresentou alegações mantendo integralmente o teor da sua fundamentação plasmada em sede de Resposta e julgando improcedente o pedido da Requerente.

 

II.          QUESTÕES A DECIDIR

 

  1. Importa decidir as seguintes questões nos termos atrás descritos:

                                i.            Questões prévias suscitadas pela Autoridade Requerida;

                              ii.            Alegadas falta de fundamentação dos actos de liquidação e preterição de legal formalidade essencial por ausência de audiência prévia do contribuinte;

                            iii.            Tributação das mais-valias mobiliárias obtidas com a alienação de acções detidas há mais de 12 meses, antes da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.

 

 

III.          MATÉRIA DE FACTO

 

III.I - FACTOS PROVADOS

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. Por escritura pública datada de 28-06-1983, foi constituída, entre a Requerente, C…, D… e E…, a sociedade por quotas denominada “ F…, Lda” (Documentos n.ºs 3 e 4, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

  1. À data, a referida sociedade tinha um capital social integralmente subscrito e realizado no valor de 300.000$ (trezentos mil escudos), o qual se encontrava dividido em uma quota no valor de 200.000$ (duzentos mil escudos), pertencente a D…, e duas quotas iguais no valor de 50.000$ (cinquenta mil escudos) cada uma, pertencentes a C… e à ora Requerente (cf. cit. Documentos n.ºs 3 e 4).

 

  1. A sócia D… viria a dividir a sua quota em três novas quotas, reservando para si uma quota de 50.000$ (cinquenta mil escudos) e cedendo uma quota de 100.000$ (cem mil escudos) a G… e uma quota de 50.000$ (cinquenta mil escudos) a  H…(cf. cit. Documentos n.ºs 3 e 4).

 

  1. Por escritura pública de 20 de Dezembro de 1988, foi aumentado o capital social da F…, Lda. de 300.000$ (trezentos mil escudos) para 40.000.000$ (quarenta milhões de escudos), mediante o reforço de 39.700.000$ (trinta e nove milhões e setecentos mil escudos), integralmente realizado em dinheiro e subscrito em partes iguais, ou seja, cada um com a importância de 19.850.000$ (dezanove milhões, oitocentos e cinquenta mil escudos), por C… e por A…, os quais foram admitidos como novos sócios (Documentos n.ºs 5 e 6, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

  1. O capital social da F…, Lda. passava, então, a ser de 40.000.000$ (quarenta milhões de escudos) e correspondia à soma das seguintes quotas: (cf. cit. Documentos n.ºs 5 e 6)

a)      Uma quota de 19.850.000$ (dezanove milhões, oitocentos e cinquenta mil escudos) pertencente ao sócio C…;

b)      Uma quota de 19.850.000$ (dezanove milhões, oitocentos e cinquenta mil escudos) pertencente à sócia A…;

c)      Uma quota de 50.000$ (cinquenta mil escudos), pertencente ao sócio C…;

d)     Uma quota de 50.000$ (cinquenta mil escudos), pertencente à sócia D…;

e)      Uma quota de 50.000$ (cinquenta mil escudos), pertencente à sócia A…, ora Requerente;

f)       Uma quota de 100.000$ (cem mil escudos), pertencente à sócia G…;

g)      Uma quota de 50.000$ (cinquenta mil escudos), pertencente ao sócio H… .

 

  1. Em 29-05-1996, a sociedade F…, Lda. foi transformada em sociedade anónima, passando a designar-se “B…– Actividades Turísticas, S.A.”, com o capital social de 40.000.000$ (quarenta milhões de escudos) e dividido em 40.000 acções de valor nominal de 1.000$ (mil escudos) cada uma (Documentos n.ºs 7 e 8, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

  1. Na mesma data, foi promovido o aumento do capital social da “B…– Actividades Turísticas, S.A.” de 40.000.000$ (quarenta milhões de escudos) para 200.000.000$ (duzentos milhões de escudos), mediante o reforço de 160.000.000$ (cento e sessenta milhões de escudos), efetuado da seguinte forma: (Documentos n.ºs 9 e 10, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos)

a)      Incorporação de reservas de reavaliação do ativo imobilizado no montante de 70.470.000$ (setenta milhões, quatrocentos e setenta mil escudos), a subscrever por cada um dos accionistas atrás mencionados, na proporção do capital de que cada um é titular;

b)      Novas entradas em espécie de bens móveis, no valor de 18.130.000$ (dezoito milhões, cento e trinta mil escudos), correspondendo a 18.130 novas acções ordinárias, do valor nominal de 1.000$ (mil escudos) cada uma, subscrito e realizado, em partes iguais, pelo acionista C… e A…;

c)      Nova entrada em dinheiro da sociedade I…– Capital de Risco, S.A., no montante de 150.000.000$ (cento e cinquenta milhões de escudos), para subscrição e realização de 71.400 acções ordinárias do valor nominal de 1.000$ (mil escudos) cada.

 

  1. O capital social da sociedade passava, assim, a ser representado por 200.000 (duzentas mil) acções, com o valor nominal de 1.000$ (mil escudos) cada uma (cf. cit. Documentos n.ºs 9 e 10).

 

  1. Em 27-07-2000, os accionistas C… e A… venderam, pelo respectivo valor nominal, a totalidade das acções que detinham sobre a sociedade “B…– Actividades Turísticas, S.A.” – 127.772 acções, na proporção de 50% para cada um, com o valor nominal de 1.000$ (mil escudos) por acção aos accionistas C…, G…, D…, A… e H…, e ainda a J… que iniciava a participação naquela sociedade (Documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

  1. Com a redenominação do capital social e das acções para euros, o capital social da sociedade “B…– Actividades Turísticas, S.A.” passou para € 1.000.000 (um milhão de euros), representado por 200.000 (duzentas mil) acções, com o valor nominal de € 5 (cinco euros), cada uma. (Documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

  1. Por contrato de compra e venda celebrado em 13 de Maio de 2003, o acionista I…– Capital de Risco, S.A. vendeu à sociedade “B…– Actividades Turísticas, S.A.”, as suas 71.400 acções, correspondentes a 35,7% do capital social (cfr. cit. Documento n.º 12).

 

  1. A distribuição de participações sociais, na sociedade “B…– Actividades Turísticas, S.A.” passou, então, a ser a seguinte:

a)      C…– 21.434 acções, com o valor nominal de € 107.170, correspondentes a 10,717% do capital social;

b)      G…– 21.434 acções, com o valor nominal de € 107.170, correspondentes a 10,717% do capital social;

c)      D…– 21.433 acções, com o valor nominal de € 107.165, correspondentes a 10,7165% do capital social;

d)     A…– 21.433 acções, com  o valor nominal de € 107.165, correspondentes a 10,7165% do capital social;

e)      H…– 21.433 acções, com o valor nominal de € 107.165, correspondentes a 10,7165% do capital social;

f)       J…- 21.433 acções, com o valor nominal de € 107.165, correspondentes a 10,7165% do capital social;

g)      B…– Actividades Turísticas, S.A. – 71.400 acções, com o valor nominal de € 357.000, correspondentes a 35,7% do capital social.

 

  1. Posteriormente, a distribuição de participações sociais, na sociedade B…– Actividades Turísticas, S.A., passou a ser a seguinte: (Documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

a)      C…– 33.334 acções, com o valor nominal de € 166.670, correspondentes a 16,667% do capital social;

b)      G…– 33.334 acções, com o valor nominal de € 166.670, correspondentes a 16,667% do capital social;

c)      D…– 33.333 acções, com o valor nominal de € 166.665, correspondentes a 16,6665% do capital social;

d)     A…– 33.333 acções, com o valor nominal de € 166.665, correspondentes a 16,6665% do capital social;

e)      J…– 33.333 acções, com o valor nominal de € 166.665, correspondentes a 16,6665% do capital social;

f)       H…– 33.333 acções, com o valor nominal de € 166.665, correspondentes a 16,6665% do capital social.

 

  1. Em 24 de Maio de 2010, os accionistas da sociedade B…– Actividades Turísticas, S.A. alienaram a totalidade das acções que detinham sobre esta sociedade – 200.000 (duzentas mil) acções com o valor nominal de € 5,00 (cinco euros) cada, representativas de 100% (cem por cento) do respectivo capital social - pelo preço global de € 14.000.000 (catorze milhões de euros) (Documento n.º 13, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

  1. Para o que aqui releva, a participação da Requerente no capital social da B…– Actividades Turísticas, S.A. – 33.333 acções, com o valor nominal de € 166.670 - foi vendida por um preço correspondente a € 2.333.310,00 (dois milhões, trezentos e trinta e três mil, trezentos e dez euros) [€ 14.000.000 x 16,6665%] (cfr. cit. Documento n.º 13).

 

  1. O preço pela compra das acções (€ 14.000.000) foi integralmente pago aos accionistas da B…– Actividades Turísticas, S.A. (cfr. cit. Documento n.º 13).

 

  1. Em 09 de Julho de 2010 a Requerente apresentou a declaração Modelo 4 (Documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).    

 

  1. Em suma, as mais-valias mobiliárias apuradas pela Requerente, no decurso do ano de 2010, decorrem unicamente da operação de alienação, realizada em 24 de Maio de 2010, de 33.333 acções da sociedade B…– Actividades Turísticas, S.A., com o valor nominal de € 166.665, por si detidas há mais de 12 meses (cfr. cit. Documentos n.ºs 13 e 14).

 

  1. A mais-valia decorrente da referida operação (€ 2.333.310,00 – € 166.665,00 = € 2.166.645,00) foi considerada em apenas 50% do seu valor (€ 2.166.645,00 * 50% = € 1.083.322,50), por estar em causa a transmissão de participações sociais respeitantes a uma pequena empresa não cotada (cf. artigo 43.º, n.º 3, do Código do IRS).

 

  1. O saldo entre as mais e as menos-valias realizadas até ao dia 27-07-2010, respeitantes a acções detidas há mais de 12 meses, ascende a € 1.083.322,50 (um milhão e oitenta e três mil, trezentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos).

 

  1. Com base nos referidos cálculos a Requerente procedeu ao preenchimento do campo 8 do Anexo G da declaração Modelo 3 de IRS submetida por referência ao ano de 2010 (Documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

  1. Na sequência da apresentação da referida declaração Modelo 3 de IRS, a Autoridade Requerida emitiu o acto de liquidação de IRS n.º 2011…, por referência ao ano de 2010, nos termos do qual foi apurado um valor a reembolsar de € 1.294,66 (mil duzentos e noventa e quatro mil euros e sessenta e seis cêntimos) (cf. Documento n.º 16, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

  1. Posteriormente, a ora Requerente viria a ser notificada do acto de liquidação de IRS n.º 2011…, por referência ao ano de 2010, nos termos do qual foi apurado imposto a pagar no montante de € 215.369,84 (duzentos e quinze mil, trezentos e sessenta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos), bem como da demonstração de acerto de contas n.º 2011…, de 25 de Julho de 2011, da qual resultava um saldo a pagar de € 216.664,50 (duzentos e dezasseis mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos) (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

  1. Da liquidação de IRS efetuada resulta que a totalidade do referido saldo positivo das mais-valias mobiliárias apuradas no decurso do ano de 2010 - € 1.083.322,50 (um milhão e oitenta e três mil, trezentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos) - foi tributado à taxa de 20% de acordo com o regime legal instituído pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, que entrou em vigor no dia 27 de Julho do mesmo ano resultando o montante de imposto de € 216.664,50 (duzentos e dezasseis mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos).

 

  1. No dia 30 de Setembro de 2011 a Requerente promoveu o pagamento integral do imposto em dívida, no referido montante de € 216.664,50 (duzentos e dezasseis mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos) (Documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

  1. No dia 26 de Junho de 2015, a Requerente promoveu a apresentação de um pedido de revisão oficiosa contra o acto de liquidação de IRS n.º 2011…, praticado com referência ao ano de 2010, peticionando, a final, a respetiva anulação, com as demais consequências legais (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

  1. Até à data de entrada do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente não foi notificada de qualquer decisão definitiva sobre o referido pedido de revisão oficiosa (cf. cit. Documento n.º 1 e Documento n.º 1 junto com o pedido de ampliação da instância, cujo teor se dá como reproduzido).

 

  1. Em 16 de Março de 2016 foi a Requerente notificada da prática de acto expresso de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (cf. cit. Documento n.º 1 junto com o pedido de ampliação da instância).

 

  1. Em 22-01-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

III.II - FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

IV.          DO DIREITO APLICÁVEL

 

                                i.            Questões prévias suscitadas pela Autoridade Requerida

 

  1. Sintetizados os elementos factuais relevantes e a posição das Partes, importa, antes de mais, analisar e decidir as questões prévias suscitadas pela Autoridade Requerida.

 

  1. Na Resposta apresentada no presente processo arbitral, veio a Autoridade Requerida defender-se invocando as seguintes excepções:

a)      Preterição de formalidade consignada no artigo 59.º do CPPT pela Requerente;

b)      Intempestividade do pedido de revisão oficiosa;

c)      Do não preenchimento dos requisitos para a apreciação do pedido de revisão oficiosa;

d)      O pedido de revisão oficiosa e o pedido arbitral estão em manifesta contradição com o comportamento assumido anteriormente pela Requerente o que configura um abuso de direito consagrado no artigo 334.º do Código Civil.   

 

a)   Preterição de formalidade consignada no artigo 59.º do CPPT pela Requerente

 

  1. Começa por referir a Autoridade Requerida que a Requerente, aquando do preenchimento da Declaração de substituição de rendimentos Modelo 3 de IRS, inscreveu no Anexo G a alienação onerosa de partes sociais, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do Art.º 10.º do CIRS e, por esse facto, sujeitas a tributação, em vez de inscrever tal facto no anexo G 1 para o excluir de tributação.

 

  1. “O acto de liquidação de IRS sob escrutínio foi efetuado nos termos e de acordo com os elementos fornecidos pela própria Requerente”.

 

  1. A Autoridade Requerida entende que a ser viável a revisão oficiosa do acto tributário é necessária a apresentação de uma declaração de substituição nos termos do artigo 59.º do CPPT.

 

  1. Sustenta a Autoridade Requerida que, caso não seja apresentada declaração de substituição dentro dos prazos definidos no n.º 3 do referido artigo 59.º do CPPT, o n.º 6 da referida disposição legal impede a apresentação de um pedido de revisão oficiosa contra o acto de liquidação.

 

  1. Ora, a utilização do pedido de revisão oficiosa para anulação de um acto de liquidação não está dependente da apresentação de qualquer declaração de substituição mas da verificação dos pressupostos estabelecidos no artigo 78.º da LGT.

 

  1. Como resulta do artigo 78.º da LGT, a revisão dos actos tributários não depende somente da iniciativa dos contribuintes, podendo ser efetuada por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

  1.  O n.º 7 do mesmo artigo 78.º da LGT conclui que, apesar da revisão se denominar como “oficiosa”, o contribuinte pode desencadear a revisão pela Autoridade Tributária e Aduaneira, através de um pedido para a sua realização, o que é confirmado pelo n.º 1 do artigo 49.º da LGT ao fazer referência ao “pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo”.

 

  1. Nestes termos, será de concluir que não existe suporte legal para fazer depender o pedido de revisão oficiosa da prévia apresentação de uma declaração de substituição, pelo que improcede esta excepção invocada pela Autoridade Recorrida.

 

b)   Intempestividade do pedido de revisão oficiosa

 

  1. A Autoridade Requerida alega que o pedido de revisão oficiosa foi intempestivamente apresentado por manifesta violação dos prazos de 3 e 4 anos consignados nos n.ºs 4 e 1 do artigo 78.º da LGT.

 

  1. Conforme acima salientado, refere a Autoridade Requerida que a liquidação sob escrutínio foi efectuada de acordo com os elementos fornecidos pela própria Requerente, pelo que a existir erro o mesmo é da exclusiva responsabilidade da Requerente não podendo ser imputável aos serviços.

 

  1. Neste desiderato, inexistindo erro imputável aos serviços, o pedido de pronúncia arbitral seria intempestivo por violação do prazo de 4 anos consignado no disposto no n.º 1 do Art.º 78.º da LGT na medida em que a Requerente foi notificada da liquidação de IRS n.º 2011… a 27.06.2011, tendo apresentado o pedido de revisão a 26.06.2015.

 

  1. Todavia, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a revisão do acto tributário por iniciativa da administração tributária pode fazer-se no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

  1. Justamente in casu, deverá ser este o prazo aplicável e não o de três anos previsto no n.º 4 do mesmo artigo 78.º da LGT que se reporta à revisão da matéria tributável e não a potenciais ilegalidades do acto tributário decorrentes do regime jurídico aplicável.

 

  1. Ora, o pedido de revisão oficiosa do acto tributário dos presentes autos foi apresentado antes do decurso do aludido prazo de quatro anos.

 

  1. Por outro lado, a apresentação do pedido revisão oficiosa provocou a interrupção do prazo para realizar a revisão, como resulta do mesmo artigo 78.º, n.º 7, da LGT.

 

  1. Por isso, a existir erro imputável aos serviços- o que desde já se considera, conforme explicado mais adiante- tem de se concluir que o pedido de revisão oficiosa foi tempestivamente apresentado pela Requerente pelo que improcede também esta excepção invocada pela Autoridade Recorrida.

 

c)  Do não preenchimento dos requisitos para a apreciação do pedido de revisão oficiosa

 

  1. Considera a Autoridade Requerida que o erro não pode ser imputável aos serviços mas somente à Requerente, pois apresentou na sua declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2010, mais concretamente no Quadro 8 do Anexo G, as alienações de acções que pensava estar excluídas de tributação, ao invés de ter declarado tal facto no Anexo G1, esse sim, para alienação de acções excluídas de tributação.

 

  1. Pelo que, inexistindo erro imputável aos serviços, considera a Autoridade Requerida não se encontrarem reunidos os pressupostos processuais legais de que depende o pedido de revisão oficiosa a deduzir no prazo de 4 anos, nos termos do disposto no n.º 4 do Art.º 78-º da LGT.

 

  1. Nesta conformidade, invoca a falta dos pressupostos de que depende a apreciação do pedido de revisão oficiosa, consignados no disposto no n.º 1 do Art.º 78.º da LGT.

 

  1. Ora, o erro que afecte um acto de liquidação é imputável ao contribuinte quando este omitir informações ou fornecer informações erradas sobre os factos em que assenta a tributação ou não satisfaça qualquer exigência de natureza declarativa pelos meios adequados.

 

  1. Desde logo, dispõe o n.º 2 do artigo 78.º da LGT que “considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.”.

 

  1. Por outro lado, no caso em apreço, a Requerente comunicou à Autoridade Requerida a realização de uma operação de alienação onerosa de partes sociais adquiridas no ano de 2000 e alienadas em Maio de 2010 de acordo com os anexos da declaração modelo 3 de IRS e respectivas instruções de preenchimento em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2011.

 

  1. Na verdade, como bem refere a Requerente, a Portaria n.º 1303/2010, de 22 de Dezembro, que aprovou os modelos de anexos à declaração modelo 3 a utilizar relativamente ao ano de 2010, indica expressamente que apenas devem ser indicadas no anexo G1 a alienação onerosa, em 2009 ou anos anteriores, de acções detidas por mais de 12 meses.

 

  1. De facto as instruções de preenchimento do anexo G1 começam por referir o seguinte: “Este anexo destina-se a declarar a alienação onerosa de imóveis não sujeita a tributação, nos termos do n.º 4 do art. 4.º e do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, bem como a alienação de imóveis a fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIAH) e a sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH) abrangidos pelo regime especial aprovado pelo art. 102.º e seguintes da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e ainda a alienação onerosa, efectuada nos anos de 2009 e anteriores, de acções detidas por mais de 12 meses”.

 

  1. E o título do quadro 4 do referido anexo G1 é “Alienação onerosa de acções detidas durante mais de 12 Meses (Anos 2009 e anteriores)”.

 

  1. Não era assim possível para a Requerente declarar no referido anexo G1 da sua declaração Modelo 3 relativa ao ano de 2010, as mais-valias mobiliárias decorrentes da operação de alienação de acções detidas há mais de 12 meses, ocorrida em Maio do ano de 2010.

 

  1. Face ao exposto será de concluir que, ao referir as mais-valias decorrentes da operação de alienação em causa no Quadro 8 do anexo G, a Requerente não omitiu qualquer dever de declaração decorrente das regras aplicáveis à declaração modelo 3, pelo que não será de considerar que estamos perante um erro que lhe seja imputável mas antes imputável à Autoridade Requerida uma vez que agiu de acordo com o entendimento desta.

 

  1. Encontrando-se verificados todos os requisitos previstos no artigo 78.º, n.º 1, da LGT para apresentação de um pedido de revisão oficiosa contra o acto de liquidação ora sindicado, nomeadamente a existência de erro imputável aos serviços tributários na referida liquidação, será de considerar improcedente a excepção invocada pela Autoridade Requerida do não preenchimento dos requisitos para a apreciação do pedido de revisão oficiosa do acto tributário.

 

 

d)  Do Venire Contra Factum Proprium

 

  1. Invoca, por último, a Autoridade Requerida que o pedido de revisão oficiosa e o pedido arbitral estão em manifesta contradição com o comportamento assumido anteriormente pela Requerente o que configura um abuso de direito consagrado no artigo 334.º do Código Civil.

  

  1. Para sustentar tal afirmação a Autoridade Requerida refere que a Requerente primeiramente declarou no Quadro 8 do Anexo G a alienação das acções não excluídas de tributação, para depois, e no seguimento da liquidação com base nos valores por si declarados, vir sindicar a legalidade do acto que ela própria praticou.

 

  1. Ora, tal como já foi referido, era precisamente esse o quadro adequado para o efeito nos termos da já referida Portaria n.º 1303/2010.

 

  1. O comportamento da Requerente era o único possível face às limitações (e instruções de preenchimento) da declaração modelo 3 do IRS e respetivo anexo G1 pelo que não pode considerar-se que a Requerente tenha induzido em erro a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

                              ii.            Alegadas falta de fundamentação dos actos de liquidação, preterição e formalidades essenciais;

 

  1. Alega a Requerente falta de fundamentação, de facto e de direito, do acto de liquidação objeto de pronúncia arbitral em violação do disposto no artigo 77.º da LGT.

 

  1. Refere a Requerente que no acto de liquidação notificado não são explícitos os fundamentos de facto e de direito que determinaram a sua emissão, sendo apenas indicado um conjunto de valores, sem qualquer identificação quanto à sua natureza e origem, pelo que está inquinado de vício de forma, por falta de fundamentação, devendo ser anulado em conformidade.

 

100.   Ora, de começar primeiramente por salientar que o referido acto de liquidação resulta dos elementos declarados pela Requerente na sua declaração Modelo 3 de IRS e respetivo anexo G.

 

101.                         Dever-se-á considerar a fundamentação suficientemente clara e inequívoca, uma vez que a Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral, demonstra, em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Autoridade Requerida possibilitando-lhe insurgir-se contra ela.

 

102.   Neste sentido, conforme referido pela Autoridade Requerida, veja-se Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes De Sousa: (In “Lei Geral Tributária comentada e anotada”, 3.ª edição – Vislis; 2003, págs. 381-382. “(...) Deverá ter-se em conta que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu correctamente do seu exacto alcance. O STA tem vindo a entender uniformemente, no que concerne a vícios de forma de actos administrativos, que as irregularidades devem considerar-se como não essenciais desde que seja atingido o objectivo visado pela lei com a sua imposição.”

 

103.   No mesmo sentido a secção de contencioso administrativo do STA tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se degradam em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las (neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos referidos pela Autoridade Requerida: de 1989-07-13, no recurso n.º 18.270, in Apêndice ao Diário da República de 1991-04-30; de 1997-12-17, no recurso n.º 36.001, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 472, pág. 246; de 1997-11-20, no recurso n.º 41.719, in Cadernos de Justiça Administrativa n.º 13, pág. 14; de 2001-10-03, no recurso n.º 36.037, in Apêndice ao Diário da República de 2003-10-23).

 

104.   A Requerente aduz ainda que o direito de audição antes da liquidação, previsto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT, foi preterido, o que implica, também, a anulação do acto de liquidação.

 

105.   No caso vertente, o acto de liquidação sob escrutínio teve por base única e exclusivamente os elementos declarados pela Requerente, na sua declaração de IRS.

 

106.   A este respeito prescreve a alínea a) do Art.º 76.º do CIRS que, tendo sido apresentada a declaração nos 30 dias após o termo do prazo legal, a liquidação tem por objeto o rendimento colectável detectado com base nos elementos declarados.

 

107.   Assim sendo e nos termos da alínea b) do n.º 2 do Art.º 60.º da LGT, a Autoridade Requerida encontrava-se dispensada de proceder à audição prévia da Requerente no caso de a liquidação se efetuar com base na declaração desta, como efectivamente viria a acontecer.

 

108.   Como resulta do teor expresso do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, a revisão oficiosa apenas é viável em casos de erro imputável aos serviços tributários, o que afasta a relevância de vícios procedimentais e formais dos actos de liquidação, que não se enquadram no conceito de «erro», que abrange apenas o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito do acto tributário.

 

109.   Por isso, não podem justificar a revisão oficiosa do acto tributário de liquidação os vícios procedimentais e formais invocados pela Requerente.

 

110.   Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade e anulação do acto tributário e dos subsequentes actos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deste com fundamento nestes vícios de forma.

 

 

 

                            iii.            Tributação das mais-valias mobiliárias obtidas com a alienação de acções detidas há mais de 12 meses, antes da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.

 

111.   A questão principal ou substancial objeto da presente decisão versa sobre a tributação das mais-valias mobiliárias obtidas com a alienação de acções detidas há mais de 12 meses, antes da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.

 

112.   A entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, em 27 de Julho de 2010, veio terminar com a exclusão de tributação das mais-valias obtidas com a venda de acções detidas há mais de doze meses, revogando a alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS, e alterou a taxa especial prevista no artigo 72.º, n.º 4 do CIRC de 10% para 20%.

 

113.   A questão essencial consiste em saber se todas as mais-valias decorrentes da venda de acções detidas há mais de doze meses durante o ano de 2010 devem ser tributadas da mesma forma ou, em alternativa, de forma diferente, consoante a venda tenha ocorrido em data anterior ou posterior a 27 de Julho de 2010.

 

114.   Confrontando as teses acolhidas pela Jurisprudência, o ponto da discórdia assenta no momento em que ocorre o facto tributário que origina a obrigação tributária. Se for instantâneo, ocorre no momento da alienação; se for complexo e de formação sucessiva, no final do ano fiscal, data em que é possível apurar o saldo, positivo ou negativo, das mais-valias e das menos-valias obtidas durante o exercício.

 

115.   O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2015 (Processo n.º 1292/14-Pleno da 2ª Secção), de 16 de setembro de 2015, publicado no Diário da República 1ª série, n.º 209, de 26 de outubro, doravante Acórdão do STA, veio uniformizar a jurisprudência relativa à questão essencial suscitada.

 

116.   Os fundamentos expressos neste foram reforçados pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2 de Dezembro de 2015 (Processo n.º 0734/15 – Pleno da Secção do CT)

 

117.   Determinou o Acórdão que «as mais-valias decorrentes de actos de alienação de acções detidas há mais de 12 meses que tenham ocorrido antes da entrada em vigor da Lei nº 15/2010, de 26 de Julho, particularmente no período compreendido entre 1 de Janeiro e 26 de Julho de 2010, continuam a seguir o regime legal de não sujeição a tributação previsto no n.º 2, alínea a), do artigo 10º do Código do Imposto sobre Rendimento das Pessoas Singulares, e, como tal, não concorrem para a formação do saldo anual tributável de mais-valias a que se refere o artigo 43º do CIRS».

 

118.   O Acórdão do STA adere à tese que sufraga que o facto tributário se reporta ao momento em que as mais-valias são realizadas, sendo, portanto, instantâneo e não complexo e de formação sucessiva. Nas palavras do Acórdão, “as mais-valias surgem logo que o valor arrecadado pelo respetivo titular/transmitente é superior ao valor pelo qual adquirira o bem, isto é, logo que ocorre a alienação e é alcançado o inerente ganho. O que quer dizer que é neste ganho, obtido no momento da alienação, que reside o facto tributário gerador das mais-valias. E sendo o ganho medido pela diferença entre o valor de realização e o da aquisição do próprio bem, e, por conseguinte, avaliado em cada concreto acto de alienação, torna -se claro que a mais -valia se reporta a cada ganho de per si”.

 

119.   O Acórdão do STA distingue o saldo positivo das mais-valias e menos-valias realizadas, que será tributado, do facto tributário.

 

120.   Sustenta que “a norma que prevê a agregação necessária ao apuro do saldo positivo entre as mais-valias e as menos -valias em face de todos os actos de alienação ocorridos no ano, constitui uma norma sobre a determinação da base tributável para efeitos de IRS, isto é, uma norma sobre a determinação do rendimento coletável, e não uma norma sobre a incidência, como, de resto, ressalta da organização sistemática do Código do IRS (…)”

 

121.   Esta posição unificadora de jurisprudência do STA louva-se, provavelmente no facto do artigo 10º nº 1 alínea a) do Código do IRS definir como rendimentos tributáveis não o saldo entre mais e menos-valias mas apenas as mais-valias decorrentes da alienação de partes sociais.

 

122.   Por seu turno, o artigo 42º do mesmo Código do IRS estatui que “sem prejuízo do disposto relativamente ás mais valias, não são feitas quaisquer deduções aos restantes rendimentos qualificados como incrementos patrimoniais.”

 

123.   Este preceito legal antecede justamente o artigo 43º nº 1 do mesmo diploma legal que determina que estes incrementos patrimoniais serão dados pelo saldo entre as mais e as menos-valias realizados no mesmo ano fiscal o que parece abonar a tese do STA no sentido de se tratar de uma norma não de incidência mas de cômputo ou determinação da base tributável.

 

124.   As menos-valias seriam, assim, apenas como que uma dedução específica ao tipo específico de incremento patrimonial constituído pelas mais-valias mobiliárias, maxime, das mais-valias obtidas com a alienação de valores mobiliários.

 

125.   Nesta linha de raciocínio as mais-valias constituiriam um tipo de rendimento de formação instantânea e não um rendimento de formação sucessiva.

 

126.   Admite-se, porém, que a questão é altamente controvertida e que uma boa parte da doutrina diverge desta orientação.

 

127.   Note-se, porém, que os acórdãos uniformizadores do STA “têm uma especial força persuasiva, de modo a que a jurisprudência uniformizadora neles fixada deve ser acatada em decisões posteriores conquanto se mantenham os pressupostos que a ela conduziram em determinado contexto, atenta a sua função, e os moldes em que se encontra configurado o recurso para uniformização de jurisprudência”. Assim, “devem ser fortes as razões ou circunstâncias para se contrariar a doutrina uniformizada pelo Supremo, de modo a justificar-se a adoção de entendimento divergente daquele que veio a obter vencimento em sede de recurso para uniformização de jurisprudência em julgamento alargado do Supremo Tribunal Administrativo e com ponderação das teses opostas (entre acórdãos do STA, entre acórdãos do TCA ou entre acórdão deste e do STA, cfr. nº 1 do artigo 152º do CPTA), que justificaram a sua admissão”, só sendo justificado o afastamento dessa jurisprudência, mediante “a convergência designadamente das seguintes circunstâncias: i) ter decorrido um período de tempo significativo desde o acórdão uniformizador; ii) verificar-se entretanto um debate doutrinal questionando fundamentadamente a jurisprudência uniformizada; iii) serem utilizados relevantes argumentos jurídicos que não tenham sido discutidos no acórdão uniformizador; iv) ter sido alterada a composição do Supremo Tribunal que faça prever a possibilidade de vencimento de solução diversa” (Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 9-07-2015, proferido no processo n.º 12282/15). Não é esse o quadro que ora se verifica.

 

128.   Em face da autoridade do Supremo Tribunal Administrativo e do facto de a jurisprudência ter sido adoptada por unanimidade num acórdão uniformizador, deverá acatar-se esta jurisprudência, o que, aliás, é obrigatório para a Autoridade Tributária e Aduaneira, em face do artigo 68.º-A, n.º 4, da LGT, em que se estabelece que «a administração tributária deve rever as orientações genéricas referidas no n.º 1 atendendo, nomeadamente, à jurisprudência dos tribunais superiores».

 

129.   Ora, teremos de concluir, dado o carácter recente da jurisprudência unificadora do STA e do estado actual do debate doutrinal que não se verificam quaisquer dos pressupostos para se poder inverter a jurisprudência deste Tribunal Supremo, como, de resto, concluíram já as decisões arbitrais tomadas nos processos que correram pelo CAAD sob os números 412/2015-T de 12/14/2015 e 27/2017-T de 06/29/2016.

 

130.   De realçar na Decisão Arbitral tomada no processo nº 412/2015-T de 12/14/2015 a douta declaração de voto do Presidente do Tribunal Arbitral que votou concordantemente no sentido de que haverá que acatar a autoridade jurisprudencial do STA mas não necessariamente a doutrina deste que, como acima salientámos, não é efectivamente unânime.

 

131.   É, pois e com carácter decisivo, por não encontrarmos razão para podermos afrontar um Acórdão unificador de jurisprudência do Pleno do STA adoptado por unanimidade recentemente, na ausência dos pressupostos legais para o efeito que concluímos que perfilhar nesta decisão qualquer outra orientação divergente da de tal Acórdão do STA constituiria uma ilegal e inútil decisão que se acolhe tal jurisprudência.

 

132.   Assim, os ganhos constituídos pelas mais-valias decorrentes da alienação onerosa de acções consideram-se obtidos na data de realização (5 de Julho de 2010), pelo que não se aplica o regime introduzido pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho dado que à data da realização das mais-valias pela Requerente tal diploma legal ainda se não encontrava em vigor.

 

133.   Em 24 de Maio de 2010, vigorava o disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS, logo as mais-valias resultantes de alienações de acções detidas há mais de 12 meses estavam excluídas de tributação, tornando ilegal a liquidação que sobre elas incidiu.

 

134.   A par da anulação da liquidação, peticiona-se o direito a juros indemnizatórios. Encontrando-se paga a dívida tributária indevida por erro imputável aos serviços da Autoridade Requerida, subsiste o direito a juros indemnizatórios (n.º 1 do artigo 43. º da LGT).

 

135.   Estes serão calculados sobre a importância indevidamente liquidada e paga, com contagem a partir do dia seguinte ao do referido pagamento até à data do reembolso do imposto indevidamente pago pela Requerente. (artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT).

 

V.          DECISÃO

 

136.     Em face do exposto, acordam os árbitros que compõem o Tribunal Arbitral colectivo em:

 

136.1  Julgar improcedentes as questões prévias suscitadas pela Autoridade Requerida;

136.2 Julgar improcedentes as alegações de vícios de forma por falta de fundamentação e por preterição de formalidade legal essencial por ausência do direito à audição prévia invocados pela Requerente;

136.3  Julgar totalmente procedente por provado o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e consequentemente, serem declarados ilegais e anulados o acto de liquidação de IRS n. º 2011..., relativo ao ano de 2010, no valor a pagar de € 215.369,84, a demonstração de acerto de contas n.º 2011… de 25-07-2011, com um saldo a pagar de € 216.664,50, a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra os referidos actos tributários e também o despacho de 04.03.2016 que determinou o indeferimento expresso do referido pedido de revisão oficiosa;

136.4 Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia paga indevidamente e condenar a Autoridade Requerida à restituição de € 216.664,50 paga em 30 de Setembro de 2011;

136.5  Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios pela Autoridade Requerida devidos a partir do dia seguinte ao daquele pagamento, calculados dia a dia à taxa legal até ao dia do efectivo reembolso do imposto pago indevidamente.

 

137.   De harmonia com o disposto nos artigos 97.º-A do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), o valor do processo é de € 216.664,50 (duzentos e dezasseis mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos).

 

138.   Nos termos do artigo 4. º, n. º 4 do RCPAT e da Tabela I, o valor da taxa de arbitragem a suportar integralmente pela Autoridade Requerida é fixado em € 4 284 (quatro mil, duzentos e oitenta e quatro euros).

 

Lisboa, 15 de Setembro de 2016

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

 

 

 

 

José Pedro Carvalho

(presidente – com declaração de voto)

 

 

 

 

Vasco Valdez

 

 

 

 

Paulino Brilhante Santos

(Relator)

 

 

Declaração de voto

 

            Ressalvado o muito respeito devido, discordo do decidido no Ac. do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 16-09-2015, no processo n.º 1292/14, porquanto me parece, no sentido de decisões anteriores em que intervim, que esvazia, o disposto no artigo 43.º/1 do CIRC.

            Com efeito, não tenho quaisquer dúvidas – nem a jurisprudência arbitral dissonante daquela em que intervim teve[1] – relativamente  ao carácter continuado do facto tributário relativo à tributação de mais-valias em IRS, que é um facto completamente distinto do que ocorre, por exemplo, nas tributações autónomas decorrentes da realização de determinadas despesas, sendo que o argumento – único – em que assenta a jurisprudência fixada, resultante da norma do n.º 3 do artigo 10.º, não se me afigura ter o alcance dado por aquela jurisprudência, na medida em que, do meu ponto de vista, se tratará, unicamente, de uma norma relativa à periodização dos exercícios, tendo a mesma natureza, por exemplo, das normas dos artigos 7.º/1 e 24.º/4 do CIRS, para nos quedarmos por este Código.

            A jurisprudência do STA, para além do mais, deixa sem resposta – e nenhuma convincente se antevê – a questão de saber, face ao decidido por aquele Supremo Tribunal, o que acontece – em sede de tributação de IRS para o ano de 2010 – às menos-valias resultantes da alienação de participações sociais detidas por menos de 12 meses[2] sofridas antes da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho. Contribuem elas para o saldo anual a que alude o artigo 43.º/1 do CIRS? Ou não? Serão as menos-valias – que não são, evidentemente, objecto de tributação – também um facto tributário instantâneo?

Por outro lado, a jurisprudência fixada não encara, também, a questão das mais-valias objecto de englobamento (nos termos dos artigos 22.º/3/b) e 72.º/4 do CIRS), tendo em conta que a opção por este só ocorre no final do ano/período[3], nem, tampouco, da caducidade do direito à liquidação de IRS sobre mais-valias, à luz, igualmente, daquela possibilidade de englobamento.

Para além destas, várias outras questões de coerência sistemática e dogmática ficam sem resposta, como sejam a de saber qual a justificação para que uma mais-valia, sendo um facto instantâneo, não seja tributada, ou seja, menos tributada, em função da ocorrência de uma menos-valia posterior, bem como a de saber qual a justificação para a relevância desta (menos-valia posterior), se circunscrever à sua ocorrência no mesmo ano civil.

            Acresce ainda que se me afigura inconstitucional, desde logo por violação do princípio da igualdade, a discriminação entre os rendimentos decorrentes de mais-valias e os rendimentos do trabalho, decorrente da jurisprudência firmada pelo STA, conjugada com a jurisprudência do Tribunal Constitucional. Com efeito, segundo esta última – nos termos analisados nas diversas decisões na matéria – os rendimentos do trabalho, ainda que decorrentes de factos objectivamente instantâneos – como o auferir de um salário ou o pagamento de um serviço – são tributados em IRS à luz da lei vigente a 31 de Dezembro, enquanto o saldo resultante das mais e menos-valias, nos termos da jurisprudência do Pleno do STA, não. Salvo melhor entendimento, continua-se a não vislumbrar (também) fundamento material para tal desigualdade.

            Não obstante, e atento o disposto no artigo 25.º/2 do RJAT, reconhece-se a inutilidade de uma decisão arbitral dissonante com a Jurisprudência – ainda que injusta – fixada pelo Pleno do STA.

 

 

O árbitro presidente,

 

(José Pedro Carvalho)

 



[1] Cfr., p. ex., a decisão do processo arbitral 135/2013-T.

[2] Sendo certo que o CIRS não define menos-valias, ao contrário do que faz com as mais-valias, aquelas hão-de ser entendidas como as perdas decorrentes de operações que, gerando ganhos, constituiriam mais-valias. Há luz deste entendimento – e salvo melhor estudo não se vislumbra melhor – não constituindo, até 2010 e à luz do artigo 10.º do CIRS, os ganhos decorrentes da alienação de participações sociais detidas por menos de 12 meses mais-valias, as perdas decorrentes de operações idênticas não deverão, salvo melhor opinião, ser consideradas menos-valias.

[3] Com efeito, e salvo melhor opinião, a declaração da mais-valia relevante para tributação em IRS como facto instantâneo, operada pelo STA, salvo melhor opinião, condiciona a natureza (instantânea ou continuada) do facto tributário a uma opção posterior à sua ocorrência, dado que, englobado no rendimento tributável em IRS, nada distinguirá (material ou ao nível do quadro legal aplicável) o rendimento resultante da mais valia, de uma prestação de serviços isolada, ou de uma única renda ou salário auferido no ano...