Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 779/2015-T
Data da decisão: 2016-07-20  IRC  
Valor do pedido: € 34.185,32
Tema: IRC - Dedução das tributações autónomas ao pagamento especial por conta
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Decisão Arbitral

 

 

 

I - RELATÓRIO

 

 

A…, S.A com o número de identificação de pessoa coletiva…, com sede na Rua …–…, 3.º, Sala…, … - … Lisboa, em 23/12/2015, veio ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT", que atualmente vigora com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro), requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, para pronúncia sobre a ilegalidade parcial do acto tributário de liquidação do IRC n.º 2013 - … relativo ao exercício de 2012, após o indeferimento da reclamação graciosa que apresentou em 10/03/2015, na medida correspondente à não dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta (PEC) efetuado em sede de IRC.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral Coletivo o ora signatário, que comunicou a aceitação de tal encargo no prazo aplicável.

 

Em 16 de Fevereiro de 2016, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo arguido qualquer impedimento.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 02 de março de 2016, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do decreto-lei nº 10/20111, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo art.º 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

O ato objeto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral é “a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …/15 referente ao exercício de 2012; a declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação do IRC n.º 2013 … relativo ao exercício de 2012, na parcela correspondente aos pagamentos especiais por conta efetuados e disponíveis para dedução às tributações autónomas, no montante de € 42.463,17; e ainda o reembolso do montante de € 42.463,17 pago indevidamente em excesso pela Requerente, bem como o pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o montante pago indevidamente pela Requerente”.

Por sua vez, a Autoridade Tributária (AT) apresentou resposta em 11/04/2016.

Por despacho do Tribunal de 19/04/2016, foi dispensada a reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT, tendo as partes sido convidadas a apresentar alegações escritas, o que ambas fizeram no prazo que tinha sido fixado, a Requerente em 03/05/2016 e a Requerida em 17/05/2016.

 

 

II- SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As Partes estão devidamente representadas, são legítimas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artº.s. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artº. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), designadamente no que concerne à legitimidade da Requerente (que não é questionada), que lhe advém do facto de ser titular de um interesse legalmente protegido já que a sua esfera jurídica pode ser diretamente afetada pelo que se decidir no presente processo, situação em que a legitimidade é assegurada pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

O processo não sofre de nulidades e não foi invocada a existência de exceções, pelo que importa decidir.

 

 

III - MATÉRIA DE FACTO

 

A -FACTOS PROVADOS

 

É a seguinte a matéria de facto que se dá como provada, com relevância para a decisão da causa:

 

Em 9 de Maio de 2013, a Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 relativa ao exercício de 2012, com o código de identificação …-… -…, do grupo de sociedades sujeito ao RETGS de que é sociedade dominante.

O grupo apurou um prejuízo fiscal no valor de € 1.801.286,38 no Quadro 09-Campo 382, e um montante total de imposto a pagar de € 62.550,59, no Quadro 10-Campo 367, o qual resulta do apuramento da derrama municipal, no montante de € 0,72, e de tributações autónomas no montante de € 62.549,87.

Não obstante, ficaram ainda por deduzir, por alegada insuficiência de coleta, o montante de € 86.089,72, a título de pagamentos especiais por conta efetuados.

No entanto, a Requerente solicitou o reembolso do montante de €43.626,55 através dos pedidos de revisão oficiosa aos atos tributários de autoliquidação de IRC do grupo de sociedades relativos aos exercícios de 2010 e 2011, os quais foram expressamente indeferidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) em 15 de Setembro de 2015.

No que concerne ao exercício de 2012 apresentou reclamação graciosa em 10/03/2015, que foi indeferida conforme notificação de 25/09/2015.

A este respeito, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa referente ao exercício de 2012, com vista à correção do ato de autoliquidação de IRC daquele exercício, tendo solicitado o reembolso do imposto pago em excesso, no montante de € 42.463,17, relativamente à dedução ao valor das tributações autónomas do montante dos pagamentos especiais por conta disponíveis à data (cfr. Doc. 6).

Em 25 de Setembro de 2015, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da referida reclamação (que se junta como Doc. 7), com a qual não pode a Requerente concordar.

Por não se conformar com a decisão da AT, a Requerente solicitou a constituição de Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade parcial do ato tributário de liquidação do IRC n.º 2013…, referente ao exercício de 2012, bem como à determinação do reembolso do IRC pago em excesso, no montante de € 42.463,17, acrescido de juros indemnizatórios.

 

B - FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para considerar na decisão sobre o pedido arbitral.

 

C - MOTIVAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

 

A factualidade provada teve por base a análise crítica do processo administrativo e dos demais documentos juntos aos autos, cujas autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes, bem como as posições consensuais destas.

           

 

IV - MATÉRIA DE DIREITO

 

A Requerente vem submeter à apreciação do Tribunal a legalidade do indeferimento da reclamação graciosa supra identificada e do ato de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2012, na medida correspondente à não dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta (PEC) efetuado em sede de IRC com o consequente reembolso do mesmo montante e o pagamento de juros indemnizatórios contados das mesmas datas, na medida em que é indevida a liquidação de tributação autónoma.

Para fundamentação dos pedidos, a Requerente alega, sucintamente, o seguinte:

 

  1. De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, quando a liquidação daquele imposto deva ser efetuada pelo sujeito passivo na declaração periódica de rendimentos, a mesma tem por base a matéria coletável que conste da referida declaração.; adicionalmente, dispõe o n.º 2 do mesmo artigo (na redação em vigor à data dos factos) que, “ao montante apurado nos termos do número anterior, são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

·         a correspondente ao crédito de imposto por dupla tributação internacional;

·         a relativa a benefícios fiscais;

·         a relativa ao pagamento especial por conta;

·         a relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.”

  1. Assim, os pagamentos especiais por conta efetuados constituem uma das deduções à coleta de IRC, isto porque os pagamentos especiais por conta correspondem a um adiantamento do IRC devido a final.
  2. Por outro lado, as tributações autónomas são parte integrante do IRC, pelo que são dedutíveis à respetiva coleta.
  3. Na verdade, tem-se vindo a defender em diversas decisões arbitrais e até mesmo a AT que as tributações autónomas que incidem sobre os encargos dedutíveis em IRC integram o regime e são devidas a título deste imposto e, como tal, estão abrangidas pela alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC, na redação em vigor à data (i.e. não são dedutíveis em sede de IRC, enquanto parte integrante deste imposto).
  4. De facto, e a conclusão de que as tributações autónomas são IRC, não pode levar a outra consequência que não seja a de que as tributações autónomas são parte integrante e indissociável da coleta de IRC.
  5. Assim, o valor dos pagamentos especiais por conta que deixou de ser deduzido por insuficiência de coleta de IRC (dito normal) poderia, afinal, ter sido deduzido até à concorrência do valor das tributações autónomas pagas pela Requerente (uma vez que este montante deveria ter sido considerado como parte integrante da coleta de IRC).
  6. Com efeito, à luz daqueles entendimentos, a Requerente apurou uma coleta de IRC no montante de € 62.549,87 (parcela correspondente ao valor das tributações autónomas), pelo que poderia ter deduzido o valor dos pagamentos especiais por conta disponíveis para dedução no exercício de 2012, no montante de € 42.463,17.
  7. Em suma, nem o facto de o apuramento das tributações autónomas ser efetuado de uma forma distinta retira às tributações autónomas a sua natureza de IRC, pelo que devem ser consideradas parte integrante e indissociável da coleta de IRC.
  8. Do procedimento e forma de liquidação do IRC, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC que estabelece a forma de “liquidação do IRC”, relativamente às tributações autónomas, terá de se concluir que as mesmas se encontram, naturalmente, abrangidas por esta norma.
  9. De facto, caso assim não se considere, a liquidação dos montantes devidos a título de tributação autónoma não se processaria por inexistência de norma que a determinasse e regulasse.
  10. Simplesmente, o legislador escusou-se a fazer referência às tributações autónomas, uma vez que, seguindo as várias decisões arbitrais relativas a esta matéria, estas estão implicitamente incluídas no conceito de IRC.
  11. Perante o reconhecimento das tributações autónomas como IRC, quer pela jurisprudência, quer pela própria AT, quer mais recentemente pelo próprio legislador, a Requerente não pode aceitar que a AT venha agora argumentar que é necessária a menção expressa às tributações autónomas no artigo 90.º do Código do IRC, para que estas estejam incluídas no âmbito de dedução dos pagamentos especiais por contas.
  12. Com efeito, caso se admitisse que, para efeitos do artigo 90.º do Código do IRC, as tributações autónomas não são IRC, não haveria nenhuma norma no referido Código que definisse a forma de liquidação das tributações autónomas.
  13. De facto, o artigo 88.º do Código do IRC apenas determina a forma de apuramento da coleta de IRC em sede de tributações autónomas, definindo a base de incidência deste imposto e as taxas a aplicar, papel desempenhado pelos artigos 3.º e 87.º do mesmo Código relativamente à coleta do IRC que resulta do lucro tributável.
  14. Neste sentido, existe uma norma no Código do IRC que determina a liquidação das tributações autónomas: o seu artigo 90.º.
  15. Em face do exposto, a Requerente considera inequívoco que as tributações autónomas são parte integrante da coleta de IRC, para efeitos do artigo 90.º do respetivo Código, pelo que se encontram abrangidas para efeitos da dedução dos pagamentos especiais por conta referida na alínea d) do n.º 2 do referido artigo.
  16. Por outro lado, as tributações autónomas incidem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis para efeitos do apuramento da matéria coletável.
  17. Ambas as formas de incidência das tributações autónomas, as quais foram alvo de um processo de alargamento que culminou no atual artigo 88.º do Código do IRC, são um instrumento que tem como objetivo aumentar a equidade da repartição da carga fiscal, através do desencorajamento à realização de despesas com risco de não empresarialidade (não associação à actividade da empresa), ou seja, despesas que possam ser realizadas com fins privados, que reduzem a receita fiscal, ou mesmo da distribuição “camuflada” de lucros.
  18. Ora, de acordo com o entendimento da AT na sua decisão de indeferimento, “seria contrário ao espírito do sistema, permitir que, por força das deduções a que se refere o n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, fosse retirado às tributações autónomas esse carácter anti-abusivo que presidiu à sua implementação no sistema do IRC.”
  19. No entender da Requerente não pode ser essa a razão para que a dedução dos pagamentos especiais por conta às tributações autónomas contrarie o espírito da lei.
  20. O facto de uma norma ter como objetivo impedir que a base tributável seja reduzida pela dedução de gastos que são suportados com fins privados ou outros fins alheios à atividade da empresa não implica que a coleta que se obtém em resultado da aplicação dessa norma não esteja disponível para efeitos da dedução dos pagamentos especiais por conta.
  21. Neste sentido, a Requerente entende que, apesar da sua natureza de norma anti-abuso, sendo as tributações autónomas parte integrante do IRC e da sua coleta e os pagamentos especiais por conta um adiantamento do IRC, nada impede que a estas sejam deduzidos os pagamentos especiais por conta.
  22. Assim, pelo facto de (i) os pagamentos especiais por conta constituírem o pagamento antecipado do imposto pago a final, (ii) a tributação autónoma ser parte integrante e indissociável da coleta de IRC, e de (iii) a dedução dos pagamentos especiais por conta não comprometer os objetivos anti-abuso subjacentes à criação das tributações autónomas, a Requerente não se conforma com a posição da AT, de que esta dedução não possa ser efectuada.

Por seu turno a AT, manifestando a sua discordância quanto a estas conclusões da Requerente, na sua resposta defende, essencialmente, o seguinte:

 

  1. A integração das tributações autónomas no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspetos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, por força de obedecerem a regras diferentes.
  2. Num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria coletável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias coletáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC.
  3. Ou seja, não há uma liquidação única de IRC, mas, antes dois apuramentos;
  4. Isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efetuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respetivas matérias coletáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.
  5. A liquidação das tributações autónomas é efetuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto: (i) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria coletável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e (ii) no outro caso, são apuradas diversas coletas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.
  6. Na sequência da integração das tributações autónomas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2010, de 29/12, o legislador parece não ter sentido a necessidade de explicitar, de forma abrangente – i.e. em todos os normativos onde se manifestam – as consequências da coexistência de duas formas de imposição dentro do sistema do IRC, limitando-se a acautelar as situações em que a isenção do IRC não se projectava nas tributações autónoma.
  7. Fica ao cuidado do intérprete e do aplicador da lei a tarefa de, perante a necessidade de, para determinados efeitos – nomeadamente das deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC ou do cálculo dos pagamentos por conta –, identificar a parte relevante de coleta do IRC, extraindo dos normativos aplicáveis um sentido útil, literalmente possível, que permita uma solução coerente e conforme com a natureza e funções atribuídas a cada componente do imposto.
  8. Atenta a natureza dos pagamentos por conta do imposto devido a final, de acordo com a definição do art.º 33º da LGT, estes são «as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efetuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário», constituindo uma «(…) forma de aproximação do momento da cobrança ao do da perceção do rendimento de modo a colmatar as situações em que essa aproximação não pode efetivar-se através das retenções na fonte”.
  9. Em boa lógica, só faz sentido concluir que a base de cálculo dos pagamentos por conta corresponda ao montante da coleta do IRC resultante da matéria coletável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo.
  10. A delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, “montante apurado nos termos do número anterior”, e no n.º 1 do art.º 105.º do CIRC, “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º”, deve ser feita de forma coerente, sendo-lhe consequentemente atribuído, em ambos os preceitos, um sentido unívoco.
  11. O que equivale a dizer que corresponde ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art.º 87.º à matéria coletável determinada com base no lucro e nas taxas do art.º 87.º do Código.
  12. A interpretação da expressão “montante apurado nos termos do número anterior” é a única consistente com a natureza das deduções referidas nas alíneas nas alíneas do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC, relativas a:

- créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica;

- benefícios fiscais;

- pagamento especial por conta;

- e retenções na fonte;

  1. Na realidade, o traço comum a todas as realidades refletidas nas deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria coletável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.
  2. Por simples decorrência das considerações precedentes que conduziram à conclusão de que as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC são efetuadas ao “montante apurado nos termos do número anterior”, entendido como o montante do IRC apurado com base na matéria coletável determinada de acordo com as regras constantes do capítulo III e das taxas do art.º 87.º do mesmo Código e descendo ao caso concreto, é possível estender tal conclusão à dedução relativa aos pagamentos especiais por conta.
  3. Basta, para tanto, invocar o disposto o disposto no n.º 7 do mesmo preceito, segundo o qual «Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo».
  4. De todo o modo, é também possível alcançar a mesma conclusão se se atentar na natureza do pagamento especial por conta (PEC), definido como sendo um adiantamento entregue ao Estado por conta do imposto devido a final, que pode ser efetuado em duas prestações (art.º 106.º, n.º 1, CIRC) e cujo cálculo toma como ponto de partida o volume de negócios do sujeito passivo relativo ao período de tributação anterior (n.º 2).
  5. Embora o PEC se distinga, em matéria de regras de cálculo, dos pagamentos por conta – pois estes têm como base de cálculo o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, relativo ao período de tributação imediatamente anterior (n.º 5 do art.º 105.º CIRC) –, é de salientar que estes regimes têm em comum a natureza de pagamento adiantado do IRC;
  6. Isso, tanto mais que se pode afirmar que, em certas circunstâncias, até se auto-excluem, porquanto, ao montante resultante do cálculo do PEC, são deduzidos os pagamentos por conta efetuados no período de tributação anterior.
  7. A instituição do PEC, pelo Decreto-Lei n.º 44/98, de 03.03, que aditou o art.º 83.º-A ao Código do IRC, se inscreveu num conjunto de medidas de política fiscal dirigidas contra a evasão e a fraude fiscais, cuja motivação é explicada no Preâmbulo deste diploma, nos termos seguintes: «(…). As estatísticas mostram que os rendimentos das pessoas coletivas sujeitos a tributação em IRC são frequentemente, e sem qualquer razão plausível, objeto de uma coleta muito inferior à real. As práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou de empolamento de custos são manifestamente geradoras de graves distorções dos princípios da equidade e da justiça tributárias e da própria eficiência económica e lesivas da estabilidade das receitas fiscais. Delas resulta uma injusta repartição da carga tributária, tanto mais sentida quanto muitos sujeitos passivos de IRC, durante anos sucessivos, em nada ou quase nada contribuíram para o Orçamento do Estado, continuando, contudo, a usufruir, por vezes de modo privilegiado, dos direitos económicos e sociais previstos na Constituição. Neste contexto, o presente diploma estabelece um pagamento especial por conta, através de um novo mecanismo, sobre os rendimentos dos anos de 1998 e seguintes, para as pessoas coletivas sujeitas a IRC. A fórmula de cálculo usada para o seu apuramento e o mecanismo utilizado permitem aproximar o momento da produção dos rendimentos do momento da sua tributação.»
  8. Deste modo, e em jeito de conclusão, temos que a natureza jurídica do PEC, revelada pela sua configuração como «instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição a se» (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 494/2009, de 29/09/2009), bem como pela função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante do IRC apurado sobre a matéria coletável determinada com base no lucro (capítulo III do Código).
  9. Sendo, por isso, manifestamente destituída de qualquer base a pretensão da ora Requerente de dedução do montante suportado em sede de pagamento especial por conta à coleta produzida pelas tributações autónomas no ano de 2012.

Vieram ainda as partes apresentar alegações escritas, fazendo ressaltar as mesmas teses que defenderam, uma na PI e a outra na Resposta, não se aditando nenhum argumento ou facto novo, salvo o que se reporta à alteração introduzida no CIRC pelo Orçamento de Estado para 2016, com o aditamento do número 21 ao artigo 88.º do CIRC, bem como o seu artigo 135.º  que estabelece que  “A redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos n.ºs 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa.

 

V – DO PEDIDO

 

O objeto do presente pedido é a pronúncia arbitral sobre a possibilidade legal de deduzir o montante dos pagamentos especiais por conta (PEC), ao valor da coleta das tributações autónomas apurado na autoliquidação do IRC do exercício.

Ou seja, “é dedutível à coleta de tributações autónomas de IRC o valor de IRC adiantado a título de pagamento especial por conta”?

A questão das deduções à coleta apurada na liquidação de tributações autónomas já foi matéria versada em diversas decisões proferidas no CAAD desde há algum tempo, principalmente no que se refere à dedução de benefícios fiscais e à dedução dos pagamentos especiais por conta em IRC na coleta das tributações autónomas.

A jurisprudência firmada tem sido pacífica no sentido de que são dedutíveis à coleta das tributações autónomas os valores relativos a benefícios fiscais, como é o caso do SIFIDE ou do CFEI, atenta a respetiva a sua natureza jurídica resultante do estabelecido art.º 2º do EBF, já que se trata de «medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem».

No que se refere aos PEC, o sentido das decisões arbitrais começou por ter o mesmo sentido, mas, desde há um tempo a esta parte, a orientação jurisprudencial aponta para o facto de não existir ilegalidade na autoliquidação na qual não se pôde deduzir à coleta da tributação autónoma o valor dos PEC suportados no mesmo exercício.

O signatário já tomou posição sobre a matéria no processo 670/2015-T, acompanhando a tese que defende que os PEC não são dedutíveis ao valor da coleta das tributações autónomas apuradas num determinado exercício. A decisão teve um voto de vencido. Pesaram decisivamente para a convicção pessoal os argumentos mais recentes expendidos nos Acórdãos nº 113/2015-T, 535/2015-T e 673/2015-T.

Na verdade, hoje em dia, tanto a AT como a Impugnante entendem que, no sentido, aliás, da jurisprudência arbitral citada, a liquidação de IRC resultante do artigo 90º inclui inequivocamente as tributações autónomas, desde logo porque se assim não fosse “não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei»”.

Todavia, apesar de se ter passado a admitir que a tributação autónoma é IRC, a AT vem defendendo que ainda que se inclua no âmbito do artigo 90º a sua liquidação, deve-se considerar que tal liquidação corresponde a dois cálculos, sendo um deles o que decorre da aplicação da taxa normal de IRC ao rendimento gerado ao longo do exercício, e que apenas à parte da coleta de IRC relativa a este cálculo é dedutível o pagamento especial por conta.

Por seu turno, contrariamente, a impugnante defende que, ainda que existam dois cálculos de IRC, as duas coletas resultantes convergem para um só montante de coleta de IRC, e que não se encontra na lei qualquer impedimento de dedução do pagamento especial por conta a esse montante apurado.

Porém, salvo o devido respeito, não será este o argumento decisivo para encontrar a solução para esta questão já que, a contrario, também não nos deparamos com nenhuma disposição legal que preveja expressamente a dedução.

A resposta deve ser procurada, pois, na pertinente análise à ratio legis de cada uma destas figuras jurídicas, a da tributação autónoma e a do pagamento especial por conta, matéria que a jurisprudência do CAAD tem tratado em termos teóricos bastante desenvolvidamente, pelo que seguiremos de perto as diversas decisões já proferidas neste sentido.

A tributação autónoma não incide sobre o rendimento do sujeito passivo, mas antes sobre determinadas despesas avulsas, que constituem factos tributários autónomos sujeitos a taxas diversas conforme a respetiva natureza (Ac do STA nº 830/01, de 21/03/2012), que o legislador entendeu fazê-lo de forma também autónoma, sendo  a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso passível de tributação (Ac do TC 310/12, de 20/6). As tributações autónomas são, portanto, medidas anti-abuso e desincentivadoras de evasão fiscal.

O PEC, por sua vez, é uma entrega antecipada por conta do imposto relativo à atividade normal do sujeito passivo, calculado com base no volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, e os pagamentos efetuam-se durante o período de constituição do facto tributário.

Também esta forma de pagamento do IRC tem a ver com a fraude e a evasão fiscal, isto é, aqui o relevante será a eventual diminuição do volume de negócios ou do lucro, garantindo ao Estado uma espécie de coleta mínima.

Na linha deste raciocínio entende-se que, ainda que quer o pagamento especial por conta, quer as tributações autónomas prossigam o mesmo objetivo de evasão fiscal, eles visam prevenir dois comportamentos distintos dos contribuintes: pelo primeiro previne-se a não declaração de rendimentos continuados que se presume que existam, pois só assim se percebe a continuidade da atividade; já as segundas, encontram justificação como medidas dissuasoras e compensatórias da transferência de rendimentos da esfera pessoal ou da consideração de despesas sem causa empresarial. E assim se entende que se defenda que, coexistindo ambos os comportamentos, tenham que coexistir também as duas figuras de combate à evasão: uma empresa que não declara rendimentos suporta pagamento especial por conta; uma empresa que sobrecarrega as despesas por forma a minimizar IRS (ou a diminuir/aumentar o seu lucro/prejuízo fiscal) suporta tributação autónoma; uma empresa que pratica ambos os comportamentos, suporta pagamento especial por conta e tributação autónoma.

Portanto, as tributações autónomas visam “… impedir que através da relevação significativa de encargos como os previstos no artigo 88.º, se não introduzam entorses afetadoras do sistema e a expetativa sobre o que deverá ser a receita “normal” do imposto. No caso, como é igualmente consabido, do que se trata é de desincentivar a realização/relevação dessas despesas, desde logo porque, pela sua natureza e fins, elas podem ser mais facilmente objeto de desvio para consumos que, na essência, são privados ou correspondem a encargos que não deixam de ter, também, como finalidade específica e última, o evitamento do imposto. Estas são realidades que, tal como já se deixou anteriormente assinalado, apresentam alguma medida de censurabilidade já que, não violando diretamente a lei, geram desequilíbrios sensíveis e importantes sobre a ideia geral de justiça, sobre o dever fundamental de contribuir na proporção dos seus haveres, da igualdade, do sacrifício, da proporcionalidade da medida do imposto em face das manifestações possíveis de riqueza, da tributação do rendimento real e da justiça.

Funcionando de um modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC – que tributa os rendimentos – as tributações autónomas, reafirma-se, tributam certas despesas ou encargos específicos – e constituem uma realidade instrumental, acessória desse imposto, na justa medida em que é em função dele que foram instituídas e são, por isso, passíveis de lhes ser reconhecida uma instrumentalidade ou acessoriedade de fins, radicada na salvaguarda dos fins do próprio imposto onde se manifestam.

Tem-se assim como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito, mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos “outros impostos” de que nos dá conta a parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC (redação em vigor em 2013).

 Revelações dessa ligação de funcionalidade, e no quadro da intenção do legislador no seu todo, sobressaem, por exemplo da disciplina do artigo 12º do CIRC a propósito das entidades sujeitas ao regime da transparência fiscal, ao não as tributar em IRC, “salvo quanto às tributações autónomas”, relação essa que igualmente se manifesta face ao nº 14 do artigo 88º do CIRC, no sentido em que as taxas de tributação autónoma têm em consideração o facto do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.

Analisada ainda sob outro prisma, haverá que considerar as tributações autónomas no contexto de normas anti-abuso específicas e a sua similitude com o regime previsto sob o nº 1 do artigo 65º do CIRC, (“não são dedutíveis para efeitos do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizada e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”).

Visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ela mesma, através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício, constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador. (Ac. 535/2015-T).

No referido o acórdão que subscrevemos, permitimo-nos citar a fundamentação para a opção, invocando as teses do Acórdão 113/2015 do CAAD, sobre a natureza jurídica das figuras em questão, isto é, “(…) o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no artigo 83º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes. Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.

Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 83º-2-e CIRC se insere, pois, o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.”

Portanto, estando em causa a dúvida sobre a dedutibilidade ou não do PEC na coleta das tributações autónomas apuradas de forma diversa e separada da coleta normal do exercício, na redação do art.º 90º do CIRC., entendemos que o assunto terá ficado mais clarificado com a publicação da Lei do orçamento para 2016.

“O novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, sintoniza-se com este entendimento arbitral, pois vem estabelecer expressamente que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efetuadas quaisquer deduções».

Por outro lado, o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza «interpretativa» àquele novo n.º 21.º do artigo 88.º, conjugado com o artigo 13.º do Código Civil (que é a única norma que define o conceito de lei interpretativa), tem ínsita uma intenção legislativa de aplicar o novo regime às situações anteriores em que não haja «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza».

A Requerente, todavia, nas suas alegações destaca o facto de que a nova lei só tem aplicação para o futuro dado que o seu caráter é inovador. Não sendo assim entendido estar-se-á perante a aplicação retroativa da lei em matéria tributária, o que está constitucionalmente vedado.

Pensamos que não é a melhor leitura dos referidos preceitos legais. Acompanhamos sobre esta matéria o que vem escrito na decisão que estamos seguindo:

BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas:

“…Poderemos, consequentemente, dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adotado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. … Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora”.

Em face desta posição, cuja fundamentação é ponderável, à face da legislação vigente em 2012 e 2013, pode aceitar-se a atribuição de natureza interpretativa ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução nele prevista de inviabilidade de dedução do pagamento especial por conta ao montante global das tributações autónomas passa o teste enunciado por este Autor: – a solução que resultava do teor literal do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC era controvertida, como evidencia aquela decisão arbitral e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia; – o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando há razões para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário otimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar.

Para além disso, não se vê que o regime que resulta do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC encerre qualquer contradição, ao contrário do que defende a Requerente: segundo esta nova norma, as normas do CIRC relativas à forma de liquidação de tributações autónomas devem ser interpretadas como aí se prevê e relativamente a essa parte da liquidação de IRC não são efetuadas deduções.

No entanto, no específico caso dos pagamentos especiais por conta, não pode concluir-se que não se esteja perante uma lei verdadeiramente interpretativa, pois não havia uma jurisprudência consolidada no sentido da sua dedutibilidade à coleta resultante das tributações autónomas e, pelo contrário, a solução perfilhada no n.º 21 do artigo 88.º, já anteriormente podia ser adotada pelos tribunais, como aconteceu em diversos processos que correram termos no CAAD.

Assim, não pode concluir-se que a interpretação autêntica que se faz naquele artigo 88.º, n.º 21, por força do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, seja violadora do princípio constitucional da segurança jurídica, no concerne à parte daquela norma que se reporta à indedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à coleta das tributações autónomas (Ac. 673/2015-T).

Está, portanto, prejudicada a apreciação da controvérsia relacionada com retroatividade e com a inconstitucionalidade desta norma bem como da ilegalidade da autoliquidação por inexistência de norma que permita a liquidação da tributação autónoma, constante do pedido subsidiário.

Improcede na totalidade, deste modo, o pedido de pronúncia arbitral quanto às ilegalidades da autoliquidação.

 

VI- DECISÃO

  • Considerando os elementos de facto e de direito coligidos e expostos, este tribunal arbitral decide julgar improcedente os pedidos de pronúncia arbitral, principal e subsidiário. Em consequência absolve-se a AT dos pedidos.
  • Atenta a decisão proferida fica prejudicada a apreciação dos pedidos de restituição do imposto pago e de juros indemnizatórios reclamados.
  • Condena-se a Requerente no pagamento das custas adiante apuradas.

 

VII - VALOR DO PROCESSO e CUSTAS

De harmonia com o disposto no art.º 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 34 185,32.

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do R.J.A.T., fixa-se o montante das custas em € 1 836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 2016/07/20

O Árbitro

 

José Ramos Alexandre