Decisão Arbitral
O Juiz-árbitro Francisco de Carvalho Furtado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para formar o Tribunal Arbitral constituído em 29 de Outubro de 2015, decide o seguinte:
A) Relatório
1. Em 29 de Julho de 2015, A…, S.A., pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua…, nºs … e …, …-… Lisboa, doravante identificada por Requerente, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), em conjugação com a alínea a), do artigo 99.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
2. No referido pedido de pronúncia arbitral a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com referência ao ano de 2014, no montante total de € 12.776,64.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 30 de Julho de 2015, pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Requerida), na mesma data.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
5. O Tribunal foi constituído, nos termos do disposto no artigo 11.º, do RJAT, em 29 de Outubro de 2015.
6. Em 30 de Novembro de 2015, a Requerida apresentou a sua Resposta.
7. Em 11 de Julho de 2016 realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT.
8. Em 29 de Julho de 2016 a Requerida apresentou as suas alegações;
9. Em 4 de Agosto de 2016, a Requerente apresentou as suas alegações
A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
a) A Requerente é proprietária de um prédio urbano, em propriedade vertical, constituído por diversas fracções, umas destinadas à habitação e outras ao comércio, com utilização independente e relativamente às quais se verificam todos os pressupostos para que pudesse ter sido constituída a propriedade horizontal;
b) O Valor Patrimonial Tributário de cada uma das fracções com utilização independente destinadas à habitação, individualmente consideradas, é inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros);
c) O valor agregado das fracções afectas à habitação é superior a € 1.000.00,00 (um milhão de euros);
d) As liquidações de Imposto do Selo contestadas foram praticadas ao abrigo da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo;
e) Os actos de liquidação de Imposto de Selo foram praticados individualmente em relação a cada uma das fracções com utilização independente;
f) Os actos de liquidação incidiram sobre realidades cujo valor patrimonial tributário é inferior a um milhão de euros, pelo que são ilegais
g) Considera, pois, a Requerente que, sendo o Valor Patrimonial Tributário de cada uma das fracções afectas à habitação com utilização independente, individualmente considerada, inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), não é aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo;
h) A interpretação que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo viola o princípio da justiça material e da igualdade, previsto no artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP);
i) Estando em causa fracções com utilização independente, a Autoridade Tributária e Aduaneira não podia ter somado o valor patrimonial tributário de cada uma, mas antes ter avaliado e verificado os pressupostos para liquidação do imposto individualmente;
j) A Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter interpretado a verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, tendo em atenção todos os elementos interpretativos;
k) O que o legislador visou com a presente norma foi fazer incidir imposto sobre “casas de habitação de luxo”, o que não se verifica no caso em apreço;
l) Esta interpretação e aplicação da Lei viola o princípio da capacidade contributiva previsto no artigo 104.º, da CRP;
m) Os actos tributários violam o princípio da prevalência da substância sobre a forma, uma vez que denegam a substância do prédio em favo de critério meramente formal;
n) Requer que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios;
o) Termina pedindo a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo sindicados.
Na sua Resposta, a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:
a) A Requerente não contesta os actos de liquidação mas apenas o pagamento de duas prestações do acto de liquidação, constantes de notas de cobrança;
b) O Tribunal é incompetente para a apreciação do pedido formulado, que é o de anulação de uma nota de cobrança;
c) As notas de cobrança não são impugnáveis de per si mas apenas os actos de liquidação, pelo que a Requerida deve ser absolvida do pedido;
d) Está em causa um prédio em propriedade total, com divisões susceptíveis de utilização independente;
e) A tributação em Imposto do Selo depende da verificação de dois factos: afectação habitacional e valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros;
f) Pretender aplicar por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal é abusivo e ilegal;
g) A verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo aplica-se às partes susceptíveis de utilização independente, que não têm o mesmo tratamento que as fracções autónomas;
h) A unidade do prédio urbano em propriedade total não é afectada pela circunstância de existirem divisões susceptíveis de utilização independente;
i) Qualquer outra interpretação viola o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103.º, da CRP;
j) A propriedade horizontal e a propriedade vertical são realidades jurídicas distintas às quais o legislador atribuiu consequências fiscais distintas;
k) Estas consequências fiscais distintas não são arbitrárias.
l) O Tribunal constitucional já decidiu não julgar inconstitucional a norma constante da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (Acórdão n.º 590/2015, proferido no processo n.º 542/2014);
m) O princípio constitucional da igualdade não implica a proibição de toda e qualquer discriminação, mas apenas daquelas que se mostrem arbitrárias;
n) A tributação que emana da Verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo obedece ao critério da adequação pois visa a tributação da riqueza manifestada na propriedade de imóveis de elevado valor;
o) Trata-se uma opção legitima do legislador;
p) A Requerida, por força do disposto no artigo 266.º, n.º 2, da CRP, nunca poderia deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade;
q) Não se encontram, verificados os pressupostos para que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios;
r) Termina pedindo a absolvição da instância e a improcedência do pedido formulado pelo Requerente.
B) Saneador
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
No que respeita à competência do Tribunal importa analisar e decidir sobre a matéria das excepções invocadas pela Requerida.
Pese embora a Requerida autonomize as excepções invocadas (incompetência do Tribunal e inimpugnabilidade dos actos), verifica-se que os factos invocados para fundamentar uma e outra são os mesmos, pelo que serão aqui simultaneamente apreciadas.
A Requerida fundamenta a sua pretensão, no que à excepção de incompetência do Tribunal Arbitral diz respeito, no facto de não ter sido impugnado um acto tributário, mas antes o pagamento das prestações de Imposto do Selo consubstanciadas nas notas de cobrança respectivas.
O objecto de processo corresponde, assim, na óptica da Requerida, não à anulação de um acto tributário, mas sim de notas de cobrança emitidas para o pagamento em prestações.
Ora, segundo a Requerida, esta matéria não se subsume no âmbito de competência dos Tribunais Arbitrais tributários, prevista no artigo 2.º do RJAT, extravasando, assim, o objecto do pedido de pronúncia arbitral o âmbito de competência do Tribunal Arbitral.
Por seu turno, quanto à inimpugnabilidade, defende a Requerida que, sendo o Imposto do Selo liquidado anualmente e consistindo num único acto tributário, a lei não permite a impugnação de per si dos documentos de cobrança.
Importa, pois, decidir:
Estabelece a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar as pretensões de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.
Por seu turno, quanto à vinculação da Requerida à jurisdição dos tribunais arbitrais, dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT que esta depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça. Nesta medida, a competência da instância arbitral encontra-se, assim, delimitada, pela portaria de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa. [1] Nos termos do disposto no artigo 2.º da referida Portaria, a Autoridade Tributária e Aduaneira vincula-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, nas quais expressamente se incluem as pretensões de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.
Conclui-se, assim, que o processo arbitral tributário tem por objecto, mediato ou imediato, o acto tributário de liquidação, enquanto acto de determinação do quantitativo do imposto a pagar (colecta), por aplicação de uma taxa à matéria colectável. Ora, a apreciação da excepção suscitada depende, por isso, da questão de saber se a Requerente impugna o acto de liquidação de Imposto do Selo ou se, pelo contrário, se limita a impugnar cada uma das prestações de Imposto do Selo de per si. Nos casos em que o imposto deva ser pago em prestações, a liquidação é notificada ao sujeito passivo conjuntamente com a notificação para pagamento de cada uma das prestações, apenas podendo ser impugnada na sua totalidade e não prestação a prestação. [2] A este respeito, sustenta José Casalta Nabais que “A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) O lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, 2) O lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) A liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta.”. [3] Para cada facto tributário haverá, em princípio, uma única liquidação, pela qual se determinará a colecta a pagar.
Dispõe, ainda, o n.º 7 do artigo 23.º do Código do Imposto do Selo que “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente (…)” aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”. No mesmo sentido, estabelece o n.º 5 do artigo 44.º do Código do Imposto do Selo que “havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere a verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI”.
Ou seja, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 113.º do Código do IMI, “a liquidação (…) é efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte”, devendo o imposto ser pago, em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro, respectivamente, em função do seu quantitativo. [4] Em suma, da conjugação das disposições legais acima referidas é possível concluir que o Imposto do Selo é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial. [5] Desta feita, a liquidação é só uma e só ela constitui acto lesivo, susceptível de ser impugnado.
Dito isto,
Da análise ao pedido de pronúncia arbitral resulta que a Requerente requer a constituição do Tribunal Arbitral com vista “(…) apreciação da legalidade dos 14 actos de liquidação de imposto do selo (…)”, peticionando, a final que sejam “(…) anulados os actos de liquidação aqui sindicados (…)”. Ora, desde logo, as notas de cobrança juntas são mais do que 14 e a Requerente, no início do Requerimento inicial faz expressa menção à “Liquidação de Imposto do Selo Verba 28.1 da TGIS, Colecta de 2014 – liquidação de 20-03-2015”.
Ou seja, requer-se a declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo, a que correspondem as respectivas prestações de pagamento.
Por todo o exposto resulta que, ao contrário do que refere a Requerida, o objecto do pedido de pronúncia arbitral é o acto tributário de liquidação e não cada uma das prestações de imposto do selo individualmente consideradas.
Tanto assim é que a própria Requerente, na delimitação do objecto da acção arbitral, circunscreve a instauração do respectivo processo à anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo relativos ao ano de 2014, indicando como valor da utilidade económica do pedido o valor global da liquidação no montante de € 12.776,64, que corresponde à aplicação da taxa de imposto à colecta. Assim, pese embora a Requerente referencie prestações de Imposto do Selo, procedendo à sua junção e identificação, o certo é que a mesma não circunscreve o objecto do pedido de pronúncia arbitral a nenhuma das prestações de Imposto do Selo em particular, mas sim à liquidação do Imposto do Selo considerada no seu conjunto.
Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela Requerida relativamente à incompetência do Tribunal Arbitral, bem como, pelos mesmos motivos, relativamente à inimpugnabilidade dos actos, pelo que se julga improcedente a verificação das excepções em apreço.
O Tribunal é, pois, competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
Não se verificam nulidades ou outras questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, o conhecer do mérito do pedido.
C) Objecto da Pronúncia Arbitral
Vem colocada ao Tribunal a seguinte questão, nos termos atrás descritos:
a) A Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo deve ser interpretada como prevendo no seu âmbito os prédios, com afectação habitacional, em propriedade total com fracções susceptíveis de utilização independente, que se caracterizem pelo facto de nenhuma das divisões susceptíveis de utilização independente ter um Valor Patrimonial Tributário superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), mas a soma dos Valores Patrimoniais Tributários individuais ser superior ao indicado valor de € 1.000.000,00 (um milhão de euros)?
b) A Verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo violam os princípios da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva?
c) Estão verificados os pressupostos para que à Requerente seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios?
D) Matéria de facto
D.1 – Factos provados
Consideram-se como provados os seguintes factos com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos:
a) A Requerente é proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa - cfr. documento 29 e 30 juntos ao Requerimento Inicial;
b) O prédio é composto por fracções susceptíveis de utilização independente, relativamente às quais foram emitidos, individualmente, os actos de liquidação de Imposto do Selo - cfr. documentos 1 a 29 juntos ao Requerimento Inicial;
c) O Valor Patrimonial Tributário de cada uma das divisões com utilização independente, é inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) - cfr. documentos 1 a 29 juntos ao Requerimento Inicial;
d) A Requerente foi notificada dos actos de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2014 identificados nos documentos de cobrança n.ºs 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015…; 2015… e 2015…; praticados em 20 de Março de 2015, liquidados, nos termos da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo ("TGIS");
e) A Requerente promoveu o pagamento do Imposto do Selo liquidado – documento junto ao requerimento adicional.
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental referida, junta aos autos e, no processo administrativo apenso.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
E) Do Direito
Como resulta das peças processuais pertinentes, a questão decidenda versa sobre a interpretação da Verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo, designadamente sobre a questão de saber se se pretende aplicar a prédios com afectação habitacional, em propriedade total, com divisões susceptíveis de utilização independente, que se caracterizem pelo facto de nenhuma dessas divisões ter um Valor Patrimonial Tributário superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), mas a soma dos Valores Patrimoniais Tributários individuais ser superior ao indicado valor de € 1.000.000,00 (um milhão de euros). De acordo com os cânones gerais de hermenêutica jurídica, designadamente em face do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável na interpretação da lei fiscal ex vi n.º 1 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.” É, pois, este exercício interpretativo que importa, agora, promover.
Em primeiro lugar, a atentas as regras de exegese jurídica, importa atentar no elemento literal das normas relevantes e, desde logo, da Verba 28 da Tabela Geral dos Imposto do Selo. Assim:
“ 28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 — Por prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do Código do IMI — 1 %;
28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”.
Da análise do elemento literal conclui-se, pois, que o facto tributário relevante para efeito de aplicação da verba 28. da Tabela Geral do Imposto do Selo em análise incide sobre os direitos descritos, constituídos sobre:
a) prédios urbanos;
b) ”habitacionais”;
c) cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00;
d) devendo esse valor patrimonial tributário ser o utilizado para efeito de IMI.
Importa, ainda, ter presente o disposto no artigo 23.º, n.º 7, do Código do Imposto do Selo que determina que: “Tratando-se de imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.” De igual modo, o n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo determina que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral, aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”
Com relevância para a decisão importa, também, ter presente o artigo 12.º, n.º 3, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, que determina que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”
Por fim, o artigo 119.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis prescreve que “Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios.”
Resulta, pois, da letra da Lei que a intenção do legislador foi a de criar um imposto cuja incidência é aferida pelo destino económico do prédio urbano e pelo Valor Patrimonial Tributário utilizado para efeito de Imposto Municipal sobre Imóveis, sendo a liquidação promovida nos mesmos termos do referido Imposto Municipal sobre Imóveis.
Analisado o elemento literal das normas legais importará, agora, analisar também o elemento teleológico (cfr. artigos 9.º, n.º 1, do Código Civil e 11.º, da Lei Geral Tributária).
De forma a aquilatar da intenção do legislador com esta inovação tributária podemos socorrer-nos dos registos do debate que está na génese desta iniciativa legislativa. Conforme resulta da discussão, da Proposta de Lei n.º 96/XII (Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012), que está na génese da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, visa-se a criação de uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor, destinadas à habitação. Esta medida integra um conjunto de outras medidas cujo desiderato é a criação de um sistema fiscal mais justo e equitativo, em que os contribuintes sejam chamados a contribuir de acordo com a sua real capacidade contributiva. Afirmou-se, assim, que: “Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.“ e, bem assim, que “Estas medidas, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, representam um passo decisivo na concretização de um sistema fiscal mais justo e equitativo nas circunstâncias exigentes que o País enfrenta. Alargando a base tributável, exigindo um esforço acrescido aos contribuintes detentores de propriedades imobiliárias de elevado valor, bem como aos acionistas das empresas, e reforçando os poderes da administração fiscal no controlo sobre as manifestações de fortuna e sobre as transferências para paraísos fiscais, o Governo cumpre o seu programa e cria as condições para uma mais justa repartição do esforço fiscal.” (cfr. Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 9, de 10 de Outubro de 2012, pág. 32). Por outro lado da leitura da intervenção dos Senhores Deputados de diversos partidos verifica-se que, sem excepção é feita menção, nesta sede, à tributação de património imobiliário de luxo e que visa atingir os ricos: Veja-se neste sentido a intervenção do Senhor Deputado Pedro Filipe Soares que afirma: “É que o património de luxo não se fica pelo património imobiliário (…).” De igual modo, o Senhor Deputado Paulo Sá referiu que “(…) tal como PCP, por diversas vezes propôs, particularmente no que respeita à tributação do património imobiliário de luxo.” (cfr. Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 9, de 10 de Outubro de 2012, pág.s 36, 38, 39 e 40).
Por tudo, do exercício interpretativo realizado, resulta que a intenção do legislador foi, inequivocamente, a de tributar quem revela possuir capacidade contributiva acrescida através da propriedade, usufruto ou detenção do direito de superfície de casas de luxo. Ora a utilização do vocábulo casa por parte do Senhor Secretário de Estado de imediato remete para o conceito de espaço físico utilizado para fins habitacionais pelo seu proprietário / usufrutuário / detentor do direito de superfície. Ou seja, indicia-se que o legislador pretende que se incidência deste imposto se manifeste nos contribuintes que detêm prédios urbanos (casas) cuja configuração e características físicas fazem supor a sua utilização, no seu todo, pelo detentor do direito, para fins habitacionais. Ora tal não sucederá na situação dos autos pois a configuração de prédio composto por fracções com utilização independente não indicia uma utilização habitacional unitária do mesmo, mas antes uma utilização habitacional divisão a divisão. Não parece, pois, que fosse intenção do legislador tributar através da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo prédios em propriedade total compostos por divisões susceptíveis de utilização independente, em que cada uma das divisões, individualmente consideradas, não tem o Valor Patrimonial Tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros). A intenção será a de tributar os prédios urbanos com afectação habitacional, cuja unidade física e económica tenha Valor Patrimonial Tributário superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).
Posto isto e tomando por base as disposições legais aplicáveis, partindo da análise literal e subindo ao seu espirito, importará determinar com exactidão o significado e alcance do conceito de prédio e respectivo Valor Patrimonial Tributário, determinante da incidência da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo. Desde logo, parece seguro afirmar que o conceito de prédio não é unívoco, nem nos diversos ramos do direito, nem nos diversos impostos existentes, assumindo em cada caso contornos e características específicas (cfr. GOMES, Nuno de Sá, Os Conceitos Fiscais de Prédio, Ciência e Técnica Fiscal n.º 101, Maio de 1967). Assim, importará delimitar o conceito para efeitos de aplicação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo. Nos impostos sobre o património apenas o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis estabelece, ou procura estabelecer, este conceito, embora sem precisar com exactidão os respectivos contornos. Assim, e como bem apontou o Supremo Tribunal Administrativo (2.ª Secção) nos Acórdãos proferidos nos Recursos 1109/11 e 1004/11, em 30 de Maio de 2012 e em 27 de Junho de 2012, respectivamente, “De acordo com o art. 2º do CIMI o conceito de prédio assenta em três elementos: um elemento de natureza física (fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência), um elemento de natureza jurídica (exigência de que a coisa - móvel ou imóvel - faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva) e um elemento de natureza económica (exigência de que a coisa tenha valor económico em circunstâncias normais).Trata-se de um conceito de prédio que diverge, quer do conceito de prédio constante do nº 3 do art. 8º do CIRS, (No entanto, para Rui Duarte Morais («Sobre o IRS», 2ª edição, Almedina, 2008, p. 116) o CIRS não define o que é prédio, pelo que, numa interpretação sistemática, entendemos dever socorrer-nos da noção contida no CIMI. Isto porque «Na realidade, o nº 3 do art. 8º do CIRS apresenta as definições de prédio rústico, urbano e misto, para efeitos deste imposto. Além de tais noções, por demasiado simplistas, não procederem a uma delimitação rigorosa destes conceitos (cfr. os art. 3º a 6º do CIMI), existem realidades prediais não inseríveis em qualquer uma destas categorias (será o caso de prédios que não tenham como componente física uma fracção de solo). quer do constante do nº 2 do art. 204º do CCivil. (Neste âmbito, cfr. Nuno Sá Gomes, «Os Conceitos Fiscais de Prédio», in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 54 (e também publicado na Ciência e Técnica Fiscal nºs. 101 e 102 – Maio e Junho de 1967), estudo que embora reportando à evolução legislativa que culminou no antigo Código da Contribuição Predial, mantém alguma actualidade.)”
No que respeita às componentes física e jurídica, tal como as mesmas são definidas pelo Supremo Tribunal Administrativo, não parece haver qualquer querela. Com efeito, no caso em apreço, a causa de pedir foi estruturada pela Requerente no sentido de discutir que as divisões susceptíveis de utilização individual têm valor económico, cujos elementos constituintes influenciam um Valor Patrimonial Tributário próprio, o que implica que sejam consideradas autonomamente para efeitos da incidência da Verba 28. da Tabela Geral do Imposto do Selo. Ora, o valor / destino económico dos prédios tem sido determinante da delimitação dos diversos conceitos fiscais de prédio. Com efeito, o artigo 6.º, n.º 2, Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, cujas regras deverão aqui ser aplicadas como vimos, distingue diversos conceitos de prédios urbanos de acordo com o respectivo destino económico. Com efeito, aquela norma determina o conceito partindo da estrutura física e corrigindo-a através do seu destino económico. Ora, no caso dos autos, não há dúvidas de que as divisões susceptíveis de utilização independente têm valor económico em circunstâncias normais, o qual é revelado na própria atribuição de um Valor Patrimonial Tributário concreto e autónomo. Por outro lado, verifica-se que o legislador tributário nenhuma distinção fez entre propriedade horizontal e propriedade vertical. Aliás, como bem apontado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 50/2013-T, a cuja fundamentação se adere, “na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio. Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.”
E, no que se refere à determinação do Valor Patrimonial Tributário, o critério utilizado pelo legislador é, também, decisivamente influenciado pelo destino económico do bem imóvel. Ou seja, também aqui o legislador preteriu a realidade jurídico-formal em face da verdade material. Solução esta que bem se compreende em face dos princípios constitucionais ínsitos nos artigos 103.º, n.º 1 (repartição justa da riqueza) e 104.º, n.º 3 (tributação do património enquanto garante e contributo para a igualdade entre os cidadãos), ambos da Constituição da República Portuguesa. Ora, a igualdade entre cidadão apenas se alcança se, mais do que à realidade formal, a tributação, in casu do património, assentar na verdade material, nos factos da vida real. Ora, em termos materiais não existe qualquer diferença entre um edifício em propriedade horizontal e um edifício (elemento físico do conceito) em propriedade vertical constituído por divisões com utilização independente. Aliás, e como foi já referido, a Lei tributária também não faz qualquer distinção, quer ao nível da inscrição matricial (artigos 12.º e 91.º e seguinte dos Código do Imposto Municipal sobre Imóveis), quer ao nível da tributação, mandando o artigo 119.º, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, que o imposto seja liquidado individualmente sobre cada divisão com utilização independente e tomando por base o Valor Patrimonial Tributário concreto (de cada uma das divisões com utilização independente) – o que, em cumprimento da Lei, sucedeu no caso em apreço. Ou sejam, tomando por base um mesmo edifício, quer a inscrição matricial, quer a avaliação, quer a liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis se processa nos mesmos moldes – divisão a divisão.
Como defende José Maria Pires (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010) no que respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos imóveis, o legislador adoptou critérios pragmáticos que se prendem com a utilização efectiva dos prédios, sendo esse pragmatismo mais evidente nos casos, como o dos autos, de prédios com partes autónomas susceptíveis de utilização independente. “Nestes casos a avaliação terá que reflectir necessariamente a existência de mais do que uma afectação dado que essa multifuncionalidade é relevante na determinação do valor desses prédios, independentemente do fim para que estão licenciados. (…) Neste segundo caso, naturalmente que é a utilização efectiva de cada uma das partes susceptíveis de utilização independente que é relevante na determinação do coeficiente de afectação (….). Também aqui o legislador seguiu um princípio de pragmatismo de valorização da funcionalidade efectiva de cada imóvel. (…) Na verdade, nestes casos, o Código do IMI prevê que a avaliação de cada uma das partes susceptíveis de utilização independente seja avaliado em separado e, mais ainda, que cada uma dessas partes seja inscrita de forma autonomizada na matrizes prediais. Essa autonomização, embora integrada no mesmo número de inscrição matricial abrange também o valor patrimonial tributário, prevendo a Lei que cada uma dessas partes tenha o seu próprio valor. A Lei vai ainda mais longe, estabelecendo que na própria liquidação de IMI, esta deve ser efectuada de forma separada por cada uma dessas partes susceptíveis de utilização independente, como prevê o artigo 119.º, do CIMI” (PIRES. José Maria, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina 2010, pags. 84 e 85). Ou seja, a avaliação, que é promovida em concreto para cada uma das divisões com utilização independente, é influenciada pela verdade material (destino económico efectivo do bem) e não pela realidade formal.
Destarte do exercício interpretativo levado a cabo, resulta que o critério essencial do legislador em sede de impostos sobre o património foi o da substância material do bem. Ou seja, mais do que o rigor jurídico-formal está em causa a efectiva utilização dos edifícios e suas partes componentes. E este critério pragmático e de verdade material, manifesta-se na determinação do valor patrimonial tributário que é feito individualmente por referência a cada uma das divisões susceptíveis de utilização individual, tal como sucede em edifício em propriedade horizontal.
Deste modo, o Valor Patrimonial Tributário que constitui a incidência da Verba 28, n.º 1 da Tabela Geral do Imposto do Selo é o que resulta da letra e ratio da aplicação conjugada dos artigos 2.º, 6.º, n.º 1, alínea a), 12.º e 119.º, Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e Verba 28.º, n.º 1 da Tabela Geral do Imposto do Selo ou seja, a que resulta da verdade material da configuração e utilização do prédio.
Como vimos já, os critérios de apuramento do Valor Patrimonial Tributário relevante para aferir a incidência do Imposto do Selo previsto na Verba 28 da respectiva Tabela Geral, terão que ser necessariamente os previstos no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, não só por ser a regulamentação subsidiariamente aplicável (cfr. artigos 23.º, n.º 7 e 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo), mas essencialmente, porque a referida Verba da Tabela Geral do Imposto do Selo, manda atender ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”. Ora, analisado o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, verifica-se que o mesmo não faz qualquer distinção entre prédios urbanos com afectação habitacional sob a forma de propriedade horizontal e prédios urbanos com afectação habitacional sob a forma de propriedade total ou vertical. Na verdade, estão ambos previstos no n.º 2 do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis sob a designação de prédios urbanos habitacionais sendo, como vimos já, as regras de inscrição matricial únicas. E únicas são, também, as regras de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (e logo do Imposto do Selo previsto na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo), que incide sobre o Valor Patrimonial Tributário de cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente. Ora, foi precisamente isto que se verificou no caso concreto, existindo tantas liquidações quantas as divisões com utilização independente afectas à habitação.
Em face do exposto, determinando o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis que a liquidação desse imposto se faça individualmente sobre cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente – o que sucedeu, como vimos -, igual critério terá que ser utilizado para a liquidação do Imposto do Selo previsto na Verba 28, n.º 1 da respectiva Tabela Geral. Deve, pois, a incidência de Imposto do Selo (previsto na Verba 28, n.º 1 da Tabela Geral do Imposto do Selo) ser aferida em face do Valor Patrimonial Tributário de cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente. Com efeito, se o critério legal de Imposto Municipal sobre Imóveis – que é o aplicável quando esteja em causa a Verba 28, da Tabela Geral do Imposto do Selo -, impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, liquidações essa que têm por base o concreto Valor Patrimonial Tributário de cada uma das divisões com utilização independente, é esse concreto Valor Patrimonial Tributário o relevante para a aferição da incidência do Imposto do Selo.
E esta conclusão, em face do exercício interpretativo realizado, é suportado, quer pelo elemento literal, quer pela ratio das normas legais relevantes. Com efeito, por um lado, o elemento literal manda atender ao Valor Patrimonial Tributário utilizado para efeito de IMI (que é o concreto valor patrimonial tributário de cada divisão com utilização independente), e o legislador sempre manifestou a intenção de tributar os proprietários / usufrutuários / detentores do direito de superfície de casas de elevado valor, atingindo, assim, aqueles que por via da sua propriedade utilizada com fins habitacionais é indiciador de capacidade contributiva acrescida.
Em face do que se deixa exposto, importa aferir se alguma das divisões susceptíveis de utilização independente tem um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros). Da prova feita nos autos resulta que tal não sucede, pelo que, inexoravelmente, se terá que concluir pela ilegalidade dos actos de liquidação impugnados por erro sobre os pressupostos e violação do artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo e da Verba 28, n.º 1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, impondo-se a declaração de ilegalidade e anulação dos mesmos, como requerido.
Por fim, a Requerente pede o reembolso dos valores pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º, da Lei Geral Tributária. Contra esta pretensão insurge-se a Requerida, não só porque considera que os actos de liquidação praticados são legais, mas também porque se limitou a cumprir a Lei, que sustenta ser objectiva e sem margem de discricionariedade, pelo que nenhuma culpa lhe pode ser imputada. Vejamos então:
O artigo 43.º, da Lei Geral Tributária determina que o contribuinte terá direito a ser ressarcido através de juros indemnizatórios sempre que o pagamento indevido de imposto seja imputável a erro dos serviços.
“O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte (por exemplo, haverá anulação por erro imputável ao contribuinte quando a liquidação assentar em errados pressupostos de facto, mas o erro ter por base uma indicação errada na declaração que o contribuinte apresentou). ” (Campos, Diogo Leite de; Rodrigues, Benjamim Silva, Sousa, Jorge Lopes de, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.º Ed. 2012 Encontro da Escrita, Lisboa, pág. 342). Também o Supremo Tribunal Administrativo concretiza o conceito de erro imputável aos serviços (embora por referência ao artigo 78.º, da Lei Geral Tributária, mas que aqui tem toda a aplicação) como qualquer ilegalidade independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram. “Como se refere no Ac. de 12/12/2001, rec. 26.233: «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços». Cfr., no mesmo sentido e por todos, os Acds. de 06/02/2002 rec. 26.690, 05/06/2002 rec. 392/02, 12/12/2001 rec. 26.233, 16/01/2002 rec. 26.391, 30/01/2002 rec. 26.231, 20/03/2002 rec. 26.580, 10/07/2002 rec. 26.668.” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – 2.ª Secção, proferido no Recurso n.º 1009/10, em 22 de Março de 2011, sendo Relatora a Ex.ma Senhora Juiz Conselheiro a Dr.a Isabel Marques da Silva, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b1e7cc04381b03af802578620046b202?OpenDocument&ExpandSection=1).
No caso em apreço, os actos de liquidação de Imposto do Selo são ilegais, porque praticados com erro de facto e de direito e ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis, sendo que tal erro não emerge de qualquer conduta da Requerente, pelo que é imputável aos Serviços.
Em face do exposto, procede o pedido de condenação da Administração tributária no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios nos termos previstos no artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
Decisão
Em face do exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido formulado e consequentemente: declarar a ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, anulando-os; condenar a Requerida ao reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, e; condenar a Requerida no pagamento das custas.
Fixa-se o valor da acção em € 12.776,64 (doze mil setecentos e setenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
Fixa-se o valor da Taxa de Arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, 22.º, n.º 4, do RJAT e 4.º, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de Setembro de 2016.
O Árbitro,
Francisco de Carvalho Furtado
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Cfr. a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
[2] Cfr. decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 27/2015-T, disponível em www.caad.org.pt.
[3] Cfr. “Direito Fiscal”, 3.ª Edição, Almedina, 2005, pág. 318 por força da decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 736/2014-T, disponível em www.caad.org.pt.
[4] Cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 120.º do Código do IMI.
[5] Neste sentido, veja-se a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 408/2014-T, disponível em www.caad.org.pt.