Decisão Arbitral
A - Relatório
A…, contribuinte fiscal n.º…, residente na Rua …, …, …Andar, …-… ..., na área de competência geográfica do Serviço de Finanças de ... -…, veio, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º e n.º 1 do artigo 6.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, veio requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL COM ÁRBITRO SINGULAR com vista à obtenção de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade e consequente anulação (parcial) do ato tributário de liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) correspondente à liquidação de IRS n.º 2015 … de 23.10.2015, com um valor a pagar de EUR 18.691,04 (dezoito mil seiscentos e noventa e um euros e quatro cêntimos).
Esse pedido deu entrada no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a 3 de fevereiro de 2016.
É Requerida a Administração Tributária e Aduaneira (AT).
O Requerente não procedeu à designação de Árbitro. Para o efeito, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou, então, o signatário, que expressamente aceitou essa nomeação. As partes foram devidamente notificadas da mesma, não tendo manifestado vontade de a recusar.
O tribunal arbitral foi assim constituído em 20 de abril de 2016.
A AT juntou o processo administrativo e apresentou tempestivamente a sua resposta, tendo nela deduzido exceção de inimpugnabilidade do ato tributário em causa e, subsidiariamente, impugnado o mesmo pedido, sustentando a legalidade do ato tributário em crise, com a correspondente improcedência total do pedido e a consequente absolvição da Requerida.
O Requerente respondeu por escrito a essa exceção.
Foi oportunamente dispensada a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, bem como a produção de alegações.
O Tribunal foi regularmente constituído e é materialmente competente.
As partes têm personalidade jurídica, capacidade judiciária e são legítimas.
O processo não enferma de nulidades.
Pedido
O Requerente vem contestar a qualificação jurídico-fiscal e a correspondente tributação, no que se refere aos rendimentos auferidos em 2014 como contrapartida pela cessação de contrato de arrendamento, no valor de € 60.000,00, declarando aceitar a tributação dos rendimentos remanescentes no valor de € 41.176,33.
Para o efeito invoca:
a) Falta de fundamentação da liquidação;
b) Violação do princípio da legalidade tributária, na vertente do princípio da tipicidade do imposto, previsto no número 2 do artigo 103.º da CRP e número 1 do artigo 8.º da Lei Geral Tributária (adiante LGT).
O Requerente pagou o imposto contestado, peticionando assim o seu reembolso, acrescido de juros indemnizatórios.
Tendo presente que a exceção suscitada é exclusivamente de direito e do conhecimento prévio do Tribunal Arbitral, que o Requerente se pronunciou no exercício do contraditório, que a posição das partes está plenamente definida nos autos e suportada pelos meios de prova juntos pelas mesmas, não contestados, e que a Requerida, sem oposição, veio requerer e, posteriormente reiterar, a dispensa da realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, em consonância com os princípios da cooperação, da boa fé processual e da livre condução do processo (al. f) do art. 16.º, e no art. 19.º do RJAT), bem como com o princípio da limitação de atos inúteis (art. 130.º do CPC), foi decidida a dispensa da realização dessa referida reunião.
B - Matéria de facto
Nos presentes autos encontra-se provada, com relevância para a decisão da causa, a factualidade a seguir descrita.
Até 22.12.2014 o Requerente foi arrendatário do … andar do prédio urbano sito no…, n.º…, da freguesia de…, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da dita freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número…, no âmbito de um contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais.
Em 01.12.2014, o Requerente celebrou um acordo de revogação do contrato de arrendamento com a proprietária do imóvel, a sociedade B…, S.A., NIPC…, (adiante B…) com produção de efeitos a 22.12.2014.
Nos termos do referido acordo o Requerente acordou numa indemnização no valor de € 60.000,00 (sessenta mil euros), como “compensação pela revogação do contrato de arrendamento em vigor e pelas benfeitorias realizadas no imóvel durante a vigência do mesmo”, a pagar pela B… ao Requerente “na data em que este entregar o imóvel devoluto de pessoas e bens”.
No dia 19.12.2014, o Requerente entregou a fração autónoma ao Senhorio e, como contrapartida, recebeu um cheque com o valor de € 50.100,00 (cinquenta mil e cem euros), sendo que a diferença entre o valor bruto acordado e o valor líquido pago, € 9.900,0 (nove mil e novecentos euros), corresponde à retenção na fonte a título de IRS realizada.
Em 31.05.2015 o Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS referente ao ano de 2014, tendo apresentado Anexo G no qual incluiu a indemnização auferida, no valor (ilíquido) de € 60.000,00.
Dessa declaração resultou a emissão da liquidação n.º 2015…, datada de 03.07.2015, com imposto a pagar no montante de € 18.691,04.
Em Julho de 2015, o Requerente foi notificado dessa liquidação de IRS.
A tributação decorre dos seguintes valores:
a) Coleta líquida no valor de € 37.354,84 (trinta e sete mil trezentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos);
b) Sobretaxa extraordinária de € 2.501,20 (dois mil quinhentos e um euros e vinte cêntimos);
c) Valor final a pagar (abatendo valores previamente retidos na fonte) de € 18.691,04 (dezoito mil seiscentos e noventa e um euros e quatro cêntimos).
Em 31.08.2015 o Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado nos termos dessa primeira declaração.
Porém, em 09.07.2015, o Requerente entregou uma declaração modelo 3 de IRS de substituição, também referente ao ano de 2014, sem que dela constasse o Anexo G, não tendo incluído a referida verba nos rendimentos tributáveis declarados.
Isto por discordar da qualificação jurídico-fiscal da indemnização paga pela B… e constante da primeira declaração de rendimentos.
Quando o Requerente submeteu essa nova declaração de rendimentos referente a 2014, através da aplicação informática do Portal das Finanças, a mesma aparentou não ter sido bem-sucedida.
O Requerente assumiu que a nova declaração não tinha sido aceite e, por isso, apresentou uma Reclamação Graciosa contra a primeira liquidação de IRS, com o n.º 2015 … e datada de 03.07.2015.
Ao apresentar a primeira declaração nos termos em que fez e ao proceder ao consequente pagamento, o Requerente não pretendeu prescindir do direito a reagir graciosa e contenciosamente contra a tributação daquela verba.
A dita reclamação graciosa foi apresentada em 14.08.2015 junto do Serviço de Finanças de ... ..., tendo-lhe sido atribuído o número …2015… .
A mesma veio a ser indeferida por despacho da Chefe do Serviço de Finanças de 21.10.2015.
Em 20.08.2015 o Requerente havia informado a AT que “A declaração periódica de substituição submetida no dia 09.07.2015 e que gerou a presente divergência tinha como propósito corrigir a qualificação de um dos rendimentos auferidos pelo sujeito passivo. Considerando que a primeira declaração de rendimentos despoletou uma liquidação de IRS e o sujeito passivo pretende contestar a qualificação do rendimento através de reclamação graciosa já apresentada, o sujeito passivo serve-se do presente meio para desistir da apresentação da declaração de rendimentos apresentada em 09.07.2015”.
Através do ofício n.º GI –… de 18/08/2015, a AT informou o contribuinte que a declaração de IRS (de substituição) apresentava incorreções, pelo que deveria apresentar uma nova declaração de substituição com o Anexo G preenchido, por ter auferido rendimentos de categoria G (no montante de € 60.000,00, a que correspondeu uma retenção de € 9.900,00) por parte da entidade com o NIPC –…, (B… SA).
O Requerente foi ainda advertido pela AT de que se não o fizesse, os Serviços elaborariam uma declaração oficiosa.
Foi ainda informado de que poderia exercer o direito de audição prévia nos termos do artigo 60.º da LGT no prazo de 15 dias.
Deste oficio foi o contribuinte notificado por carta registada (registo n.º RD … PT), tendo o mesmo sido devolvido ao SF, em virtude de não ter sido reclamado.
Em 21.09.2015 foi remetido novo oficio (n.º…) com o mesmo teor, igualmente registado – registo n.º RD … PT, tendo sido também devolvido ao SF, por não ter sido reclamado.
O Requerente não apresentou quaisquer documentos, não exerceu o correspondente direito de audição, nem entregou declaração de substituição.
Foi assim efetuada informação no sentido da conversão do indeferimento em definitivo.
Nela se refere, sinteticamente, as diligências efetuadas no sentido do contribuinte entregar uma declaração de substituição, a fim de acrescer os valores comunicados na Modelo 10 pela sociedade B…, SA, NIPC…, ou seja, € 60.000,00 de rendimento ilíquido e € 9.900,00 de retenção na fonte de IRS. Foi igualmente referido que o contribuinte tinha contactado o SF, através de e-mail de 20.08.2015, informando que submeteu uma declaração de substituição em 09.07.2015 que “tinha como propósito corrigir a qualificação de um dos rendimentos auferidos pelo sujeito passivo. Considerando que a primeira declaração de rendimentos despoletou uma liquidação de IRS e o sujeito passivo pretende contestar a qualificação do rendimento através de reclamação graciosa já apresentada, o sujeito passivo serve-se do presente meio para desistir da apresentação da declaração de rendimentos apresentada a 09.07.2015”.
Houve despacho concordante do Chefe do SF de 21/10/2015.
Daí decorre o ato tributário que inclui o “preenchimento” oficioso de um Anexo G com os elementos conhecidos da AT, considerando no quadro 10, campo 1002 - importâncias auferidas em virtude da assunção de obrigações de não concorrência – o referido montante de € 60.000,00 e a dita retenção no valor de € 9.900,00.
Dessa decisão foi o Requerente notificado através do ofício n.º … de 19/10/2015 (registo n.º RD … PT), o qual foi devolvido.
Foi feita por essa razão uma segunda notificação por carta registada com aviso de receção (registo n.º RD … PT), rececionada pelo contribuinte em 11/11/2015.
A Autoridade Tributária emitiu assim uma nova liquidação de IRS referente aos rendimentos do Requerente auferidos em 2014, à qual foi atribuído o número 2015 … com um valor a pagar de EUR 18.691,04 (dezoito mil seiscentos e noventa e um euros e quatro cêntimos).
Essa liquidação é objeto do presente Pedido.
Tal liquidação oficiosa – com o n.º 2015 … – deu lugar a uma nota de cobrança nula, por compensação com o valor liquidado e pago com a liquidação anterior (emitida na sequência da declaração anual do sujeito passivo).
Em 30.10.2015 a AT emitiu a demonstração de acerto de contas com o número n.º 2015…, de onde consta a seguinte tabela:
Imposto
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Período
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Data
Movimento
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Data Valor
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Descrição
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Montante
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Total
D/C
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IRS
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2014-01-01 a 2014-12-31
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2015-10-30
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2015-10-30
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Acerto Liq. De 2014 – Liq.2015 …
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18.691,04
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-18.691,04
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IRS
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2014-01-01 a 2014-12-31
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2015-10-30
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2015-10-30
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Estorno Liq. De 2014 – Liq.2015 …
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+18.691,04
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+18.691,04
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Esta decisão foi notificada ao Requerente por ofício de 05.11.2015 remetido por correio registado simples.
Dela consta que: “Fica V. Exa., por este meio notificado de que, com a fundamentação expressa na informação em anexo, que faz parte integrante da presente notificação foram efectuadas as seguintes alterações à Declaração de Rendimentos do IRS do ano de 2014 - Anexo G”.
Acrescentando-se que “desta decisão, poderá V. Exa.: - Apresentar Reclamação Graciosa no prazo de 120 dias ou Impugnação Judicial no prazo de três meses, contados a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação (que consta da respectiva notificação que oportunamente lhe será feita), nos termos do artº 140º do CIRS e artº 70 e 102º do Código de Procedimento e Processo Tributário.”
Da fundamentação da decisão constava o seguinte trecho: “Em 2015.07.27 foi emitido o ofício n.º GIC-…, para entregar declaração de substituição de rendimentos a fim de acrescer os valores comunicados na Modelo 10 pela firma B… SA.
ANEXO G – QUADRO 10
NIF ENTIDADE
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VALOR DO RENDIMENTO
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RETENÇÃO DE IRS
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…
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€ 60.000,00
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€ 9.900,00
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(…)
No prazo que lhe foi concedido não foram apresentados quaisquer esclarecimentos / documentos neste Serviço de Finanças, não foi exercido direito de audição prévia nem foi entregue declaração de substituição de IRS, pelo que se propõe a correcção oficiosa da declaração de IRS nos termos do nº 4 do artº 65º do CIRS, de acordo com os elementos disponíveis, procedendo-se à seguinte correcção: Preenchido anexo G com os elementos conhecidos da AT”.
O presente pedido de constituição de tribunal arbitral e o pedido de declaração de ilegalidade deu entrada no dia 03.02.2016.
Não há outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se encontrem provados.
Os factos provados baseiam-se nos documentos fornecidos pelas partes, nas suas declarações e no processo administrativo, cuja correspondência à realidade não é controvertida.
C - Do Direito
Posição das Partes - Requerente
O Requerente vem invocar, em síntese que:
i) Celebrou um acordo de revogação do contrato de arrendamento com a proprietária do imóvel – a sociedade B…, SA, tendo auferido em 2014 uma indemnização no valor de € 60.000,00;
ii) Em 31/05/2015, o Requerente apresentou a sua declaração periódica de IRS modelo 3, tendo recebido a nota de liquidação n.º 2015 … de 03/07/2015 no valor de € 18.691,04, dado que o valor recebido a título de indemnização foi considerado para a determinação do rendimento coletável e determinação da taxa de tributação;
iii) Em 31/08/2015, o Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado;
iv) Em 14/08/2015, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRS n.º 2015 … (processo n.º …2015…), tendo a mesma sido indeferida;
v) Em 09/07/2015, o Requerente havia tentado submeter uma nova declaração de rendimentos referente a 2014, não tendo sido aparentemente bem sucedido, e tendo, por isso assumido, erroneamente, que essa declaração não tinha sido aceite;
vi) A AT corrigiu oficiosamente a declaração de rendimentos apresentada em 09/07/2015, do que resultou uma nova liquidação de IRS – n.º 2015 … – no valor de € 18.691,04.
Por isso vem pedir a anulação dessa liquidação por falta da fundamentação devida, violação do princípio da legalidade tributária, na vertente do princípio da tipicidade do imposto (art. 103.º/2 da CRP e art. 8.º/1 da LGT) e ainda o reembolso da quantia liquidada e paga, bem como o pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor indevidamente pago.
Importa clarificar que tendo o Requerente apresentado duas declarações de IRS relativas a 2014, a segunda visando substituir a primeira, este não contesta a liquidação que resultou da primeira declaração, a qual não é pois objeto do presente pedido. O Requerente contesta sim a liquidação de IRS com o n.º 2015…, a qual decorre da segunda declaração (de substituição) apresentada e que corresponde ao objeto do pedido.
Posição das Partes – Requerida
Exceção
A Requerida vem defender-se por exceção, sustentando a inimpugnabilidade do ato, no caso a referida segunda liquidação, por esta ser meramente confirmatória do primeiro ato tributário e não traduzir uma verdadeira liquidação.
Para a Requerida “pode-se afirmar … que estamos perante uma liquidação correctiva/confirmativa, na medida em que o acto administrativo confirmativo é aquele que nada acrescenta a um acto administrativo anterior, dito acto confirmado. Não produz efeitos jurídicos novos. Os efeitos já foram gerados pelo acto confirmado”. Acrescentando ainda que “de um ponto de vista processual, o objectivo do regime do acto confirmativo é justificar a sua não impugnabilidade garantindo a estabilidade do acto confirmado por ser este que devia ter sido impugnado e não foi. Um acto administrativo idêntico entretanto praticado não pode ser impugnado. Assim se obtém um efeito de estabilidade do primeiro acto administrativo. Se assim não fosse, este último estaria sempre a tempo de ser impugnado na veste de um acto administrativo novo mas idêntico posteriormente praticado pelo que não se consolidaria a regulação jurídica pelo acto confirmado … com todos os inconvenientes daí resultantes. A situação da instabilidade do primeiro acto administrativo ficaria eternizada e ao dispor da vontade do particular que, mediante meios graciosos, suscitaria a prática de actos administrativos posteriores ao acto confirmado muito embora dotados do mesmo conteúdo com o único propósito de os poder impugnar contenciosamente. A consequência seria contornar a inobservância dos prazos legais para a impugnação do acto confirmado. Por esta razão, o acto confirmativo não pode ser aproveitado para reabrir um litígio”.
Neste contexto a Requerida refere que “a segunda demonstração de liquidação mais não fez do que concretizar a situação que vigorava ao momento da primeira declaração de IRS de 2014 apresentada pelo ora Requerente. No mais, manteve inalterado o acto, pelo que não é impugnável senão com vícios próprios. Relativamente à liquidação propriamente dita, esta segunda demonstração não representa acto lesivo inovador”.
Daqui retira a Requerida que “também para efeitos do prazo para o exercício do direito de impugnação perante o Tribunal Arbitral se deve utilizar a mesma doutrina”, pelo que ”tendo o Requerente deixado caducar o direito de impugnar judicialmente a liquidação, não é a nova demonstração da liquidação (ou liquidação confirmativa), que lhes reabre a possibilidade de impugnar aquele acto tributário”, verificando-se, no entender da Requerida, “excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto que prejudica o conhecimento do mérito da causa, nos termos dos artigos 87.º/7 e 89.º/4, al.i) do CPA”.
Exceção – Resposta
A Requerente respondeu por escrito à exceção, sustentando ser “a argumentação da Requerida … falaciosa” ao partir “da premissa que a primeira liquidação seria (ainda) passível de impugnação” quando “a segunda liquidação de IRS procedeu à revogação da primeira liquidação de IRS”. Por isso, sustenta que “só a nova liquidação de IRS n.º 2015…, de 23.10.2015 é passível de reação”.
A Requerente acrescenta ser jurisprudência pacífica que “as liquidações anuladas/substituídas e quaisquer atos administrativos subsequentes relacionados com essas liquidações (incluindo a decisão da Reclamação Graciosa) não são passíveis de reação por inutilidade inicial ou superveniente” (acórdãos do Tribunal Administrativo Central do Sul de 05.12.2006, no Processo n.º 00777/05 e de 09.01.2007, no Processo n.º 00848/05).
E salienta ter oportunamente informado a AT que “A declaração periódica de substituição submetida no dia 09.07.2015 e que gerou a presente divergência tinha como propósito corrigir a qualificação de um dos rendimentos auferidos pelo sujeito passivo. Considerando que a primeira declaração de rendimentos despoletou uma liquidação de IRS e o sujeito passivo pretende contestar a qualificação do rendimento através de reclamação graciosa já apresentada, o sujeito passivo serve-se do presente meio para desistir da apresentação da declaração de rendimentos apresentada em 09.07.2015”. Mais acrescenta que mesmo desconsiderando a desistência do Requerente, é certo que a AT o notificou para “completar” a nova declaração de rendimentos, pelo que a liquidação de IRS objeto do pedido “só existe por facto imputável, exclusivamente, à Requerida”.
Conclui assim que só a nova liquidação de IRS n.º 2015…, de 23.10.2015 é passível de reação, sendo esse o motivo pelo qual é essa liquidação objeto do presente pedido.
O Requerente alega, sem controvérsia, que essa liquidação lhe foi enviada por correio com registo simples em 03.11.2015, presumindo-se a sua notificação em 06.11.2015, por força do número 1 do artigo 39.º do CPPT. Assim, porque o termo do prazo de impugnação ocorreria a 04.02.2016 e o Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral e o Pedido de Declaração de Ilegalidade deu entrada no dia 03.02.2016, terá que se concluir que o pedido é tempestivo, devendo, consequentemente, a exceção de caducidade ser indeferida.
A Requerida veio manter tudo quanto alegou na Resposta relativamente à exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato, considerando ficar, consequentemente, prejudicado o conhecimento do mérito da causa.
Por impugnação - Fundamentação
O Requerente invoca falta de fundamentação da decisão do SF de ... … que enquadrou os rendimentos auferidos pelo Requerente na categoria G.
A Requerida entende que a decisão em causa se encontra suficientemente fundamentada, suportada pela motivação constante das referidas informações, as quais explicitam as razões de facto e de direito que determinaram a correção da declaração de rendimentos de IRS do ano de 2014, tendo permitido ao Requerente a perceção do conteúdo do ato e a reconstituição do iter cognoscitivo e valorativo seguido pelo seu autor.
Por impugnação – Princípio da legalidade
O Requerente sustenta ainda a violação do princípio da legalidade na sua vertente material, mas a Requerente volta a discordar do Requerente, por entender que a indemnização auferida se encontrava ao tempo tipificada na al. b) do artigo 9.º do CIRS, sendo tributada como rendimento da categoria G e sujeita a retenção na fonte.
A AT não acompanha a tese do Requerente que considera que uma indemnização devida por renúncia onerosa a posições contratuais referentes a bens imóveis, foi tipificada na al. e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS, a qual só foi aditada com a Lei n.º 82-E/2014 de 31/12 (L.O. para 2015), pelo que só será tributável se corresponder a factos ocorridos no ano de 2015 ou em anos posteriores. Isto porquanto o Requerente, diversamente da Requerida, entende que dita Lei n.º 82-E/2014 de 31/12 vem proceder a um alargamento da incidência às indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a imóveis. A Requerida pugna assim que a factualidade de um arrendatário que receba uma indemnização para deixar a casa que habita já se encontrava tipificada na al.b) do mesmo normativo, em concreto no conceito de “danos emergentes não comprovados”, já que a importância recebida por um inquilino a título de indemnização para que desocupe o imóvel configura, para quem a recebe, … uma indemnização por danos emergentes.´
Em síntese para a Requerida este tipo de indemnização constitui um rendimento da categoria G de IRS, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRS, se não forem comprovados os prejuízos sofridos, razão pela qual inexistiria qualquer violação do princípio da legalidade tributária, na vertente do princípio da tipicidade do imposto, uma vez que no ano de 2014 já existia uma norma de incidência no CIRS que determinava a tributação de indemnizações por renúncia onerosa a posições contratuais relativas a bens imoveis – al.b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS.
Juros indemnizatórios
Para o Requerente a liquidação decorre de erro imputável aos serviços, pelo que o seu reembolso deverá ser acrescido de juros indeminizatórios.
Quando a este pedido sustente a Requerida que a entrega de uma declaração de substituição em 09.07.2015 ocorreu já fora do prazo legal (artigo 60.º/2 do CIRS) e em termos diversos daqueles em que os Serviços da AT notificaram o Requerente para o fazer, na medida em que não procedeu à entrega do Anexo G, como entende (ela, AT) que era devido.
Acrescenta que por essa razão os Serviços elaboraram uma declaração oficiosa nos termos dos artigos 65.º e 75.º do CIRS, sendo que nestes casos a liquidação tem por base os elementos de que a AT disponha. Como nos termos do disposto nos art.ºs 43.º da LGT e 61.º do CPPT “os juros indemnizatórios a favor do contribuinte, apenas são devidos quando, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, se apure que houve erro imputável aos serviços, tendo-se liquidado uma dívida tributária superior à legal, sendo que tal erro é independente da prova da existência de culpa concreta de qualquer dos seus órgãos, funcionários ou agentes, ou mesmo da prova da culpa global dos serviços, sendo pois necessária a culpa dos serviços nessa atuação no sentido de que os mesmos não orientaram a sua atuação no sentido a que se encontravam obrigados e como podiam e deviam”, pelo que os juros peticionados não seriam devidos.
D – Do direito - Decisão e sua motivação
Tudo visto cumpre decidir.
Em síntese, há que decidir sobre a exceção de caducidade do direito de impugnação, sobre a fundamentação, sobre a inclusão dos ganhos em causa no âmbito de incidência do IRS no ano em causa e, se for caso disso, do eventual direito a juros indemnizatórios.
Da exceção
Decorre dos autos que a verba auferida pelo Requerente foi sujeita a retenção na fonte, tendo sido dada à tributação aquando da primeira declaração anual de rendimentos de IRS de 2014.
Posteriormente, mas escassos meses após a apresentação dessa declaração e logo após a receção da correspondente nota de liquidação, o Requerente apresentou declaração de substituição que a AT processou. Nesta, a verba acima referida não foi incluída como rendimento tributável, o que teve a oposição da AT. A correção dessa suposta falha deu-se por novo ato tributário, sendo a correspondente liquidação extinta por compensação com a liquidação inicial.
O Requerente veio contestar este segundo ato e apresentou o presente pedido em tempo, se contado o prazo da notificação desta segunda liquidação. Com efeito, ainda que haja contradição entre o dia 3 e o dia 5 de Novembro como data da notificação, o certo que é que se contado o prazo desde o dia 3, como o fez o Requerente, o pedido está em tempo. Assim, também o estará, e por maioria de razão, se o prazo for contado do dia 5 seguinte.
Por outro lado, se é certo que a segunda liquidação corresponde a um ato, por assim dizer, confirmatório da primeira liquidação, o certo é que corresponde a uma verdadeira (nova) liquidação, passível de contestação e tutela jurisdicional, como consta, aliás, expressamente, da sua notificação (além do mais também precedida de convite ao direito de audição, ainda que não exercido).
Aliás, não se vislumbra nos autos qualquer abuso de direito por parte do Requerente, quer pelo curtíssimo espaço de tempo em que tudo decorre, quer pela consistência do pedido e dos argumentos, quer pela informação expressa prestada à AT da sucessão dos vários atos processuais, sua justificação e desistência dos atos procedimentais precedentes.
Assim, a haver abuso de direito, ele decorreria da posição processual da AT. Ocorrendo facto tributário em 2014, correndo os prazos de caducidade e de revisão oficiosa da liquidação de IRS em 2015 e tendo o Requerente sustentado a ilegalidade da mesma nesse ano, sempre a AT deveria considerar os argumentos materiais aduzidos pelo Requerente, de modo a fazer prevalecer a verdade material. Assim, o que nesse processo ocorrer, será, obviamente, passível de tutela jurisdicional, até por observância do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva. Mais, a AT procedeu a uma verdadeira liquidação adicional de imposto, tomando posição e tendo até informado o Requerente que dela poderia reclamar ou que a poderia impugnar.
E é claro que esse ato não pode deixar de ser passível de escrutínio mediante impugnação.
Mais, apenas este novo ato é passível de ser impugnado, pois o ato precedente foi objeto de revogação pela AT, como bem salienta o Requerente. Na verdade, a primeira liquidação de IRS, a liquidação de IRS n.º 2015…, de 03.07.2015, foi revogada, não sendo esta liquidação ou quaisquer atos administrativos subsequentes (incluindo a decisão da Reclamação Graciosa) passíveis de reação por inutilidade superveniente.
Nesse sentido, a Requerente cita o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (adiante TCAS) de 05.12.2006, Processo n.º 00777/05, em que foi relator o então desembargador Casimiro Gonçalves, e em que se acordou nos seguintes termos:
“Tendo a recorrente sido notificada para pagar 5.476.439$00 (liquidação adicional (5ª) de IRC nº … relativa ao exercício de 19929, com anulação da nota de cobrança anterior, a nova liquidação consubstancia-se como uma liquidação adicional que substitui e revoga a liquidação adicional anterior; e, tendo, por via de tal anulação/substituição, o objecto do processo desaparecido da ordem jurídica, ocorre causa de inutilidade superveniente da presente lide, geradora de extinção da respectiva instância (al. e) do art. 287º do CPC).” – Acórdão disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/f3ab35986e3bf8098025723d003bafa3?OpenDocument
E cita igualmente o Acórdão TCAS de 09.01.2007, Processo n.º 00848/05, em que foi relator o desembargador Eugénio Sequeira, e em que se acordou nos seguintes termos:
“…tendo a AT procedido como acima se deixou consignado, com anulação/substituição da anterior liquidação adicional/correctiva pela seguinte, neste conspecto, apenas da última liquidação adicional/correctiva poderão ser utilizados os respectivos meios impugnatórios, designadamente a reclamação graciosa, que no caso, embora tenha sido apensada a estes autos, a esta luz se revela que o foi indevidamente, já que se dirige contra a liquidação n.º…, última das liquidações efectuadas no mesmo exercício, não se podendo sequer considerar que tenha objecto idêntico ao da presente impugnação judicial, deles devendo ser desapensada e remetida à AT para os devidos efeitos, como aliás, o próprio recorrente expressamente o requereu no seu requerimento de fls 568 e segs, o qual assim deve ser deferido.”
Assim, torna-se claro que só a nova liquidação de IRS n.º 2015…, de 23.10.2015 é passível de reação, sendo este o motivo pelo qual esta liquidação é o objeto do presente pedido.
Mais ainda, tendo a AT desconsiderado a intenção do Requerente de analisar a legalidade material do ato tributário ao abrigo da primeira liquidação e tendo a AT procedido à inclusão do rendimento em causa na segunda declaração, tendo até convidado o Requerente a faze-lo, desconsiderar agora esse procedimento e pretender tornar definitivo na ordem jurídica o primeiro ato de liquidação, para além de negar o direito à justiça material e tutela efetiva desta, consistiria um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Improcede pois, por não provada, a alegada exceção de inimpugnabilidade do ato tributário censurado (intempestividade, consolidação do primeiro ato tributário ou inimpugnabilidade do segundo ato, dito confirmatório).
Fundamentação
Entende o Requerente inexistir fundamentação devida do ato tributário, que assim não se poderia considerar completo e deveria ser anulado por vício de forma.
É certo que nos termos do número 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária (adiante LGT), “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.” É ainda certo que nos termos do número 2 do artigo 153.º do Código de Procedimento Administrativo, “Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.”
E é seguro que, com base na declaração do próprio Requerente (primeira declaração de IRS) e do substituto tributário (retenção na fonte realizada), a AT enquadrou os rendimentos auferidos pelo Requerente e agora em crise na Categoria G, tendo nesse contexto mencionado que o fazia “…de acordo com os elementos disponíveis…”.
E é manifesto que na referida fundamentação não se indicam expressamente quais os elementos disponíveis. Mas da mesma decorre que eles consistem na comunicação do substituto tributário e que o seu enquadramento jurídico tributário se situa na categoria G, o que possibilitou ao Requerente compreender o iter cognitivo da AT para a decisão tomada e não o impediu de rebater pontual e expressamente os fundamentos que estiveram na base do enquadramento jurídico-tributário concretamente contestado e nos termos por si suscitados.
Ou seja, ainda que sucinta, a fundamentação é esclarecedora, até porquanto todo o procedimento decorre de iniciativa do Requerente, que bem conhece as causas e motivos do diferendo. Inexiste pois causa de anulabilidade com fundamento em vício de fundamentação.
Improcede por isso também o pedido com este fundamento.
Princípio da legalidade
O Requerente entende que no ano de 2014 o CIRS não continha norma de incidência que determinasse a tributação de indemnizações por renúncia onerosa a posições contratuais ou a outros direitos relativos a bens imoveis.
Sem prejuízo da norma de delimitação negativa constante do n.º 1 do art. 12.º do CIRS, que para aqui não releva, este previa então na alínea b) do n.º 2 do seu art. 9.º, na redação dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 (em vigor durante o ano de 2014, ano a que se reportam os factos) que:
1- “Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: (…)
b) As indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais, exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de acordo homologado judicialmente, de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão;”
Nos termos da lei incluíam-se, então, no âmbito de tributação as indemnizações por:
a) “danos não patrimoniais, exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de acordo homologado judicialmente”,
b) “danos emergentes não comprovados”,
c) “lucros cessantes”, mas “considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão”.
De notar que tendo a AT configurado a liquidação no quadro da Categoria G, é inútil procurar indagar se a mesma estaria incluída noutra categoria de rendimentos do IRS.
Importa assim analisar apenas a dita previsão normativa em vigor no ano de 2014, para concluir se nela se incluía a presente manifestação de capacidade contributiva.
A Requerida procura uma interpretação lata do preceito. Reconhece que do princípio da legalidade decorre que a lei fiscal tem de ser suficientemente densa e precisa quanto aos elementos essenciais dos impostos: incidência, a taxa do imposto, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º/2, 2ª parte da CRP). No entanto, salienta que “às normas de “hipótese legal fechada” (princípio da tipicidade fiscal), que garantem a segurança dos contribuintes, se somam as normas de “hipótese legal aberta” (normas anti-abuso), cujo objectivo é a tributação dos factos que escapam às primeiras em decorrência de situações de fraude, evasão e elisão fiscal abusiva, (artigo 38.º/2 da LGT), sendo necessário trilhar um caminho onde as duas dimensões se possam complementar, de modo a garantir a justiça do sistema fiscal”.
Para o Requerente a reforma do CIRS de 2014 assume especial relevo, pois tem aplicação aos rendimentos dos anos de 2015 e seguintes. E como é sabido, alterou precisamente o art. 9.º do CIRS. Assim, a Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, aditou ao número 1 do artigo 9.º do Código do IRS uma nova norma de incidência, a alínea e), nos seguintes moldes:
“Artigo 9.º
Rendimentos da categoria G
1 – […]:
a) […];
b) […];
c) […];
d) […];
e) As indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis.”
E para o Requerente esta adição está relacionada com o cômputo do ganho passível de tributação em IRS enquanto mais valia, pela transmissão de bens imóveis. Assim salienta que a Comissão Para A Reforma Do Imposto Sobre O Rendimento Das Pessoas Singulares refere que “Com o objetivo de assegurar uma tributação mais justa, que atenda à real capacidade contributiva, entende-se que deve ser alargado o leque de despesas a considerar na determinação de mais e menos-valias, passando a incluir as indemnizações comprovadamente pagas pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos relativos a bens imóveis. Em contrapartida, prevê-se expressamente que aquelas indemnizações constituam incrementos patrimoniais passíveis de tributação na esfera dos respetivos beneficiários.” (Cfr. Anteprojecto da Reforma do IRS, de Julho de 2014, ponto 4.1.12.10 Despesas e encargos, citado pelo Requerente).
Quer isto dizer que para a Requerente a Lei veio densificar “expressamente” a incidência de tributação, independentemente das demais condições de tributação exigidas nas alíneas anteriores, alargando o campo de incidência do preceito a novas realidades, até então não tributadas, nelas se incluindo as compensações como as auferidas pelo Requerente.
Há assim, para o legislador, uma nova despesa relevante para efeitos de cálculo das mais-valias imobiliárias e, em compensação, atento o princípio da simetria, a ampliação da norma de incidência tributária, a nova alínea e) do número 1 do artigo 9.º do Código do IRS, acima citada, a qual é inovadora.
Manuel Faustino (A tributação do rendimento das pessoas singulares), in Lições de Fiscalidade, João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães (coord.) Almedina, 2012, pág 17 refere que a categoria G do CIRS corresponde a “uma categoria acentuadamente residual, onde se aglutinam realidades heterogéneas quer quanto à sua natureza quer quanto à sua fonte, mas unificadas na sua característica de rendimento sujeito a tributação”. Porém, esclarece que não se “consagra …uma norma genérica residual de incidência que permita a inclusão no perímetro da tributação de quaisquer outros rendimentos não previstos nas restantes normas de incidência”, concluindo que a “sua residualidade” é uma “residualidade enunciativa”, ainda que seja uma “categoria dependente”.
Ainda assim, José Luís Saldanha Sanches (Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2007, pág.322 esclarece que “a possibilidade de dar a forma de indemnizações (não tributadas) a pagamentos de qualquer espécie … originou uma norma destinada a evitar este tipo de abusos” (precisamente a alínea aqui em causa).
Na mesma linha parece seguir Xavier de Bastos (Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, 2007, p. 362), citado pela Requerida, quando refere que “todavia, a lei não podia deixar de exigir que tais indemnizações, não tributáveis, correspondessem a danos emergentes comprovados. A falta de comprovação acarreta, por conseguinte, a plena tributação da indemnização, enquadrando-se nesta categoria G de rendimentos. Fica assim fechada a porta à evasão, que seria demasiado fácil, consistente em invocar que um dado acréscimo patrimonial correspondia a uma indemnização por dano emergente. Sem comprovação de que foi assim, não haverá exclusão da incidência”.
É por essa razão que a Requerida conclui que as verbas auferidas por um arrendatário como indemnização para deixar a casa que habita já se encontrava tipificada na al.b) do normativo em causa, enquanto danos emergentes não comprovados. Tais importâncias recebidas por um inquilino a título de indemnização para que desocupe o imóvel configurariam, para quem as receba, uma indemnização por danos emergentes. Este tipo de indemnização constituiria portanto um rendimento da categoria G de IRS, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRS, se não forem comprovados os prejuízos sofridos. Ou seja, se quem recebe a compensação não fizer a prova dos custos/encargos incorridos pelo facto de deixar o imóvel devoluto (o que o Requerente manifestamente não fez).
No entanto, para o bom recorte do alcance do preceito, importa retornar ao Manual de Saldanha Sanches. Aí se refere, na mesma pág., que as indemnizações por pacto de não concorrência são tributadas na categoria G de IRS por estarem especificamente previstas numa alínea autónoma do art. 9.º, sendo que “antes de as obrigações de não concorrência constarem das normas de incidência do Código do IRS, questionava-se a sua tributação”.
E bem se compreende que assim seja, atento o caracter sinalagmático da obrigação negativa assumida e da compensação acordada.
Ora, a verba paga ao Requerente decorre de “compensação pela revogação do contrato de arrendamento em vigor e pelas benfeitorias realizadas no imóvel durante a vigência do mesmo”. Tem pois a natureza de incentivo ao acordo revogatório e contrapartida deste e das benfeitorias realizadas. Há pois uma contrapartida pela renúncia a um direito e não necessariamente a reparação de um dano. A questão é, portanto, a de saber se estas compensações, tinham ou não previsão legal até 2014, precisamente porquanto correspondem a uma “compensação”, ou melhor a uma “contrapartida”, tendo um manifesto caracter sinalagmático (vontade de dispor voluntariamente de um direito mediante contrapartida), o que as aproxima mais das compensações por não concorrência do que das típicas “indemnizações” para reparação de danos. E não se diga que a norma tem caracter anti elisivo, pois se assim fosse, deveria admitir prova em contrário, o que não sucede. Mais, o combate ao abuso não pode compadecer-se com tipos tributários totalmente aberto, como uma “catch all provision”, ao arrepio do princípio da legalidade no que à incidência respeita.
Daí que o legislador tenha tido o cuidado, na reforma do Código de 2014, de incluir a nova alínea e que até 2014 não constava do Código. Com efeito a reforma do CIRS de 2014 (Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro), alterou o art. 9.º do CIRS aditando ao número 1 do artigo 9.º do Código do IRS uma nova norma de incidência, a alínea e), nos seguintes moldes:
“Artigo 9.º
Rendimentos da categoria G
1 – […]:
f) […];
g) […];
h) […];
i) […];
j) As indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis.”
E esta adição está relacionada com o cômputo do ganho passível de tributação em IRS enquanto mais valia, pela transmissão de bens imóveis, destinado à agilização do mercado de arrendamento imobiliário, tendo previsto a sua simétrica tributação. Assim se compreende o citado texto da Comissão Para A Reforma Do Imposto Sobre O Rendimento Das Pessoas Singulares refere que “Com o objetivo de assegurar uma tributação mais justa, que atenda à real capacidade contributiva, entende-se que deve ser alargado o leque de despesas a considerar na determinação de mais e menos-valias, passando a incluir as indemnizações comprovadamente pagas pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos relativos a bens imóveis. Em contrapartida, prevê-se expressamente que aquelas indemnizações constituam incrementos patrimoniais passíveis de tributação na esfera dos respetivos beneficiários.” (Cfr. Anteprojecto da Reforma do IRS, de Julho de 2014, ponto 4.1.12.10 Despesas e encargos, citado pelo Requerente).
Quer isto dizer que a Lei vem incluir “expressamente” estas compensações na norma de incidência, que dela não constavam. Ora a locução “expressamente”, a par da ausência de caracter interpretativo desta adição, bem demonstram o seu caracter inovatório, como o que decorreu da inclusão das obrigações de não concorrência referidas por Saldanha Sanches.
Na verdade, se a primitiva redação já pretendesse abranger estes ganhos, seria natural que se atribuísse à nova redação natureza interpretativa, à semelhança do que é usual fazer-se nas leis orçamentais, quando se pretende que as novas redações (clarificadoras) se apliquem às situações potencialmente abrangidas pelas anteriores redações. Por isso, o facto de não se ter atribuída natureza interpretativa à nova alínea no sentido de que se ter pretendido ampliar o âmbito de incidência da referida norma e não mantê-lo, esclarecendo-o.
Há assim, para o legislador, uma nova despesa relevante para efeitos de cálculo das mais-valias imobiliárias (em respeito pelo princípio da capacidade contributiva e ainda com o citado propósito extra fiscal) e, em compensação, atento o princípio da simetria, a densificação (inovadora e expansionista) da norma de incidência tributária, correspondente à nova alínea e) do número 1 do artigo 9.º do Código do IRS, que é assim inovadora. Inovadora por incluir no âmbito de incidência uma nova realidade, não incluída na redação anterior, como o poderia fazer com outros ganhos decorrentes da transmissão de certos bens, os quais escapam hoje às normas de incidência da Categoria G do IRS.
Não se trata, portanto, de reconhecer valor absoluto ao velho princípio da tipicidade fechada, mas antes de conferir o devido peso ao princípio da legalidade e a uma interpretação do mesmo conforme à Constituição.
Reconhece-se por isso ter sido violado o princípio da legalidade, pois a compensação auferida pelo Requerente em 2014 não se incluía no âmbito de incidência da norma aplicada, existindo assim vício de violação de lei, o que torna o ato tributário, nessa parte, anulável, o que deve ser declarado, com a consequente obrigação de restituição ao Requerente do montante indevidamente pago.
Juros indemnizatórios
Como se constatou, o Requerente considerou inicialmente o rendimento como tributável, incluindo-o na sua declaração de rendimentos relativa a 2014, na sequência até da retenção na fonte sofrida, tendo procedido posteriormente à entrega de uma declaração de substituição em 09.07.2015, já fora do prazo legal (artigo 60.º/2 do CIRS).
Nos termos do disposto nos art.ºs 43.º da LGT e 61.º do CPPT, os juros indemnizatórios a favor do contribuinte, apenas são devidos quando, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, se apure que houve erro imputável aos serviços, tendo-se liquidado uma dívida tributária superior à legal, sendo necessária a verificação de culpa dos serviços nessa atuação no sentido de que os mesmos não orientaram a sua atuação no sentido a que se encontravam obrigados e como podiam e deviam.
Como é sabido o erro do substituto tributário é imputável à AT.
Nessa medida pode ser assacada culpa à AT, sendo-lhe o erro imputável, agravada pela reiteração do ato.
Considera-se assim existir obrigação de pagar juros indemnizatórios a favor do Requerente, devendo também ser julgado procedente, nessa parte, o presente pedido de pronúncia arbitral.
Conclusão
Termos em que é julgada improcedente por não provada a exceção de inimpugnabilidade do ato tributário e procedente por provado o presente pedido de anulação do mesmo, com fundamento em vício de violação de lei, devendo proceder-se à devolução, do montante de IRS pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios contados nos termos legais.
E - Dispositivo
Em resultado do exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a exceção de intempestividade da petição, por não provada e procedente, por provado, o pedido de anulação do ato tributário de IRS, com fundamento em vício de violação de lei, devendo o Requerente ser reembolsado do imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos da Lei desde o pagamento até ao processamento da correspondente nota de crédito.
F - Valor
O valor da cobrança controvertida e objeto do pedido (IRS) ascende ao valor total de € 18.691,04 (dezoito mil seiscentos e noventa e um euros e quatro cêntimos), sendo pois este o valor da ação e do pedido.
Assim e de harmonia com o disposto nos art.s 306.º, nºs 1 e 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o citado valor de € 18.691,04.
G - Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 € (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, integralmente a cargo da Requerente.
Lisboa, 5 de agosto de 2016
Texto elaborado em computador, nos termos do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco, revisto e assinado pelo árbitro signatário.
O Árbitro
(Jaime Carvalho Esteves)