Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 764/2015-T
Data da decisão: 2016-09-07  IRC IVA  
Valor do pedido: € 316.101,99
Tema: IRC e IVA - Ineptidão da petição inicial; tempestividade do pedido
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Os árbitros Dr.ª Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr. Fernando Pinto Monteiro e o Dr. Américo Brás Carlos, indicados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, acordam no seguinte:

 

Acórdão Arbitral

 

I – Relatório

 

1.      A contribuinte A…, S.A., com o NIPC … (doravante "Requerente"), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida").

2.      Em tal pedido, solicita, a Requerente, a pronúncia arbitral sobre o que designa actos de liquidação de IRC, IVA e juros compensatórios, atribuindo ao processo um valor de €316.101,99.

3.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

4.       No pedido de pronúncia arbitral, em conformidade com o disposto no artigo10.º, n.º 2, alínea g), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), a Requerente manifestou a intenção de designar árbitro nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do referido RJAT.

5.      Em consequência, a constituição do tribunal arbitral processou-se de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 2 e no n.º 3 do artigo 6.º e nos n.ºs 2, 4, 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT, tendo as partes procedido à designação do respetivo árbitro, o Dr. Fernando Pinto Monteiro, indicado pela Requerente, e o Dr. Américo Brás Carlos, indicado pela Requerida, os quais, por seu turno, com observância do estatuído no artigo 3.º, n.º 2, alínea b), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, designaram o árbitro Presidente, a Dr.ª Fernanda Maçãs.

6.      Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Exmo. Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 22/2/2016.

7.      Em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, foi comunicado que o Tribunal Arbitral colectivo ficava constituído em 08/03/2016.

8.      No pedido de pronúncia arbitral, por si oferecido, a Requerente invocou, em síntese, que:

 

a)      A Requerente é um sujeito passivo de IVA e esteve enquadrada no regime normal de periodicidade mensal nos exercícios fiscais de 2010 e 2014, enquanto no período de 2012 e 2013 manteve o regime normal de periodicidade trimestral. Encontra-se sujeita a IRC enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável.

b)      Em consequência do pedido de recuperação de IVA, abrangendo o período de Janeiro a Outubro de 2014, posteriormente alargado aos anos de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, foi a requerente objecto de acção externa de fiscalização, tendo a fiscalização chegado às conclusões que constam do Relatório de 30 de Julho de 2015, onde são assinalados gastos que consideraram de duvidosa aceitação como custos dos exercícios.

c)      A B… é uma multinacional dedicada ao investimento em empresas de pequena e média dimensão em todo o mundo e representa a principal cliente da Requerente, a que respeita praticamente a totalidade da facturação.

d)      A A… celebrou, em 12 de Junho de 2008, com efeitos a partir de 1 de Janeiro, com a B…, com sede em …, Bruxelles, um acordo de prestação de serviços de consultoria e gestão em matéria de investimentos na Europa, tendo ficado convencionado que, pelos serviços prestados a A… receberia anualmente 362 200 euros, acrescidos de IVA (se aplicável), pagos mensalmente após o recebimento de uma fatura, nos 5 dias seguintes ao final de cada mês.

e)      Convencionado ficou também que, dependendo dos resultados do negócio e dos serviços prestados pela A… (consultor) a B… concederia honorários de êxito (bónus) a serem pagos esporadicamente ao longo do ano, bem como que a A… seria reembolsada pela B… de todas as despesas necessárias e razoáveis incontidas na execução infra (incluindo mas não limitando a viagens, alimentação, recuperação de documentos e serviços de correio), devendo a A… submeter mensalmente a fatura das despesas efectuadas, com descrição da data e natureza das mesmas, bem como a cópia de todos os recibos.

f)       Para execução adequada dos serviços de consultoria, a A… estaria autorizada a alugar um avião para ser usado de forma razoável pela pessoa que prestasse os serviços e apenas para prossecução desses serviços, bem como a colocar um carro à sua disposição, em nome da A… . Todas as despesas seriam suportadas pela B…, conforme previsto no citado acordo.

g)       Em 15-05-2015 a Requerente foi notificada para prestar esclarecimentos sobre o IVA deduzido em 2010, 2011, 2012, 2013 que incidiu sobre bens e serviços adquiridos, importados ou utilizados e sobre a indispensabilidade de bens e serviços diversos nos exercícios de 2011, 2012 e 2013. Na resposta a A… informou que para o desenvolvimento da sua actividade é fundamental o contacto com prestadores de serviços presentes em diversos países onde haja interesse de investimento, bem como nos diversos mercados existentes, quer seja em bens de consumo, bens e serviços, novas tecnologias, de saúde, etc. Juntou também elementos de contabilidade relativos aos apuramentos e preenchimento das declarações fiscais.

h)      Todas as despesas que mensalmente foram redebitadas à B… foram aceites. Restaram, porém, alguns casos não redebitados directamente à B… que a Administração Tributária entende não reunirem condições para serem aceites como custos fiscais para apuramento do rendimento tributável.

i)        Tratando-se duma actividade que exige muito capital e uma aparente boa capacidade financeira, a A… optou por limitar os gastos de instalação necessários, disponibilizando, no imediato, parte da casa de um administrador e confiando no desenvolvimento da actividade para, então, fazer os outros investimentos necessários, nomeadamente na instalação dos serviços.

j)        É essencial que os resultados das intervenções sejam positivos quer para a A… quer para os clientes. Uma das dificuldades à actividade a A… são os sistemas fiscais demasiados fechados, principalmente em épocas de retracção, onde certo tipo de limitações devia ser aliviado.

k)      Para formação do lucro tributável só podem (devem) contribuir os gastos que preencham três elementos: sejam efectivos e comprovados; relativamente aos quais se mostre a sua indispensabilidade; que sirvam para a realização de rendimentos ou para manutenção da fonte produtora. São indispensáveis para realização dos proveitos, as despesas e/ou os gastos, sem os quais não poderia haver exercício da actividade nem obter os proveitos ou ganhos que obteve ou poderá vir a obter.

l)        O contribuinte tem o direito de definir a estratégia, a organização e demais características que julgue mais adequada para a sua actividade com o fim de maximizar a sua capacidade produtiva. Quer a Constituição Portuguesa vigente quer a Lei Geral Tributária apontam para que a tributação das empresas deve incidir, fundamentalmente, sobre o seu rendimento, a sua capacidade produtiva.

m)    É verdade que as actividades da A… se mantêm, embora seja razoável que não constem de registo TODAS AS ACTIVIDADES que vão desenvolver em cumprimento dos contratos, já que é importante estimular e usar a vaidade dos potenciais clientes, satisfazer os seus caprichos (pagos por eles).

n)       Todos os gastos estão devidamente documentados, correctamente contabilizados e foram efectuados exclusivamente no superior interesse da empresa.

o)       Tais gastos são elencados, pela Requerente, narrativamente e mediante a inclusão de tabelas.

p)      A Requerente não formula qualquer pedido.

 

9.      Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 17.º do RJAT, foi, a Requerida, notificada para apresentar a sua resposta o que fez, acompanhada do Processo Administrativo, alegando, em síntese, o seguinte:

 

a)       Em momento algum a Requerente procede à identificação dos actos tributários que pretende colocar em crise, nem formula pedido, o que representa causa de ineptidão da petição inicial.

b)       Além de não proceder à identificação, mínima que seja, dos actos tributários colocados em crise, a Requerente não procedeu sequer à sua junção sob a forma de documentos.

c)       Não se percebe o raciocínio empregue pela Requerente para atribuir o valor de € 316.101,99 ao seu pedido de pronúncia arbitral.

d)      O Tribunal é incompetente para conhecer do acto que a Requerente designa por «Outros actos n.º OI2014…, de 2015 (Serviços de Inspecção Tributária)», já que não está em causa um acto tributário, antes, quando muito, um acto em matéria tributária.

e)       O Tribunal não poderá emitir pronúncia sobre as ordens de serviço externas n.º OI2015…, n.º OI2015… e n.º OI2015…, que não foram indicadas, nem no pedido de constituição de tribunal arbitral, nem no pedido de pronúncia arbitral.

f)        Aquilo que a Requerente denomina por «Outros actos n.º OI2014…, de 2015 (Serviços de Inspecção Tributária)» constitui o relatório de inspecção tributária e este não constitui o acto final do procedimento tributário, pelo que não é susceptível de impugnação contenciosa, pelo que esta não deve ser admitida, sob pena de inconstitucionalidade orgânica.

g)      A Requerente não demonstrou estarem cumpridos os requisitos de identidade quanto às circunstâncias de facto e à interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, quanto às liquidações em causa. Tais condições não estão preenchidas, pelo que a cumulação de pedidos é ilegal.

h)      O prazo legalmente definido para a impugnação de actos de liquidação do IRC, IVA e juros compensatórios encontra-se claramente ultrapassado.

i)        Confrontando o rol das correcções meramente aritméticas efectuadas pela Requerida com o rol de correcções contra as quais a Requerente se insurge e considerando a sua confissão parcial quanto à correcção meramente aritmética relacionada com a duplicação de dedução de IVA no montante de € 246,29, forçoso é concluir que a Requerente não colocou em causa, ou “deixou cair”, no seu pedido de pronúncia arbitral as seguintes remanescentes questões: a) Detecção de uma duplicação de gastos em sede de IRC no montante de €1.070,82 (cfr. pág. 23 do relatório); b) Falta de liquidação de IVA nas aquisições intracomunitárias (cfr. págs. 36 a 37do relatório); e c) Falta de liquidação de IVA na venda de uma viatura (cfr. págs. 37 e 38 do relatório), pelo que quanto a estas se verifica caso julgado parcial.

j)        Incumbe ao sujeito passivo o ónus da prova da existência de factos tributários que alegue como fundamento do seu direito. A Requerente não logrou fazê-lo.

k)      Perante as conclusões da Requerida e ao arrepio daquilo que consta claramente do acordo com a B…, a Requerente veio alterar unilateralmente a qualificação contratual dos custos em que incorreu e que não conseguiu ver reconhecidos pela Requerida em sede procedimental.

l)        Do acordo celebrado resulta que os honorários variáveis (fees) constituem pagamentos de quantias dependentes dos resultados do negócio e não gastos (custos).

m)    A única “prova” carreada para os autos redunda num conjunto de afirmações vagas e de conceitos imprecisos, incorrendo em várias contradições internas ao longo do seu raciocínio e distorcendo a realidade dos factos.

n)      Os supostos gastos efectuados em prol da actividade da Requerente são, afinal, gastos em prol do conforto familiar do seu próprio administrador (maxime, gastos em torno da “sede” da Requerente), em prol das actividades de lazer do seu próprio administrador (maxime, golf, camarote no estádio do …) e em prol das competições automobilísticas do seu próprio administrador (maxime, gastos em torno dos veículos E…).

o)      O objecto social e a classificação de actividade económica da Requerente não contemplam a prossecução de actividades de automobilismo e de actividades publicitárias.

p)       A actividade da Requerente destina-se (quase) exclusivamente ao cumprimento do acordo celebrado com a B…, acordo esse que não prevê a actividade de publicidade ou desporto de competição automobilística.

q)       Da análise às fotos das viaturas E… de competição (cfr. anexo 8 do relatório inspectivo), verifica-se a existência de publicidades expostas nas mesmas, nomeadamente F…, G…, H…, I…, J…, K…, L…, M…, N… e E… . Verifica-se ainda a ausência de qualquer publicidade referente à B… nas próprias viaturas, o que é, no mínimo, estranho se se pensar que era suposto a Requerente servir-se delas para divulgar aquela empresa e angariar-lhe novos clientes e oportunidades de negócio.

r)        Inexiste, assim, qualquer nexo de casualidade entre a actividade da Requerente e as provas desportivas, bem como entre a publicidade exposta nas viaturas de competição e a existência de rendimentos na contabilidade da Requerente referente a tais mesmas publicidades. Pelo contrário, o único nexo de causalidade é aquele que existe entre o administrador da Requerente e as provas desportivas ou, melhor dizendo, entre o administrador da Requerente C…, o seu irmão D… e as provas desportivas.

s)       A Requerida não demonstrou e continua a não demonstrar a separação que deveria existir entre aquilo que é o património empresarial e aquilo que é o património pessoal do seu administrador.

t)       O explanado aplica-se, mutatis mutandis, em matéria de depreciações não fiscalmente aceites em sede de IRC e quanto à dedução indevida de IVA.

u)      A Requerida conclui formulando pedido no sentido da sua absolvição da instância e, subsidiariamente, do pedido.

 

10.  A Requerente exerceu o contraditório relativamente às excepções aduzidas pela Requerida na audiência realizada ao abrigo do art. 18.º do RJAT, pugnando pela improcedência daquelas. Relativamente à excepção de ineptidão da petição inicial, sustentou, a Requerente, que, tendo a AT contestado, esta entendeu a resposta apresentada, pelo que, de harmonia com o previsto no art. 186.º, n.º 3, do CPC, a arguição de ineptidão deveria ser considerada improcedente.

No que se refere à intempestividade do pedido alegou a Requerente que as liquidações lhe foram notificadas a 15 de Setembro e que, ao contrário do invocado pela Requerida, beneficia não apenas da dilação de três dias, mas sim de 25, por força do disposto no artigo 39.º, n.º10, do CPPT.

Na referida audiência foi, também, concedido, à Requerente, prazo para concretização da matéria factual relativamente à qual pretendia a produção de prova testemunhal.

 

II- Saneamento

 

a)      As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e beneficiam de legitimidade processual, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

b)      A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.

c)      A Requerida suscitou a excepção dilatória da ineptidão da petição inicial.

Cumpre decidir.

A apreciação do mérito da causa pressupõe que se encontrem reunidas condições de natureza processual para tanto.

O RJAT não contém regime próprio em matéria de excepções e nulidades processuais, aplicando-se, nesta matéria, a título subsidiário, o disposto no CPPT, no CPTA e no CPC, como decorre do previsto no art. 29.º, n.º 1, a), c) e e) do RJAT.

De acordo com o estabelecido no art. 186.º, n.º 2, do CPC, há lugar a ineptidão da petição inicial quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir e quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

Estando em causa, na presente instância, acção em que se solicita a pronúncia do Tribunal quanto a actos de liquidação, os factos correspondentes à identificação dos actos tributários em causa representam factualidade essencial, por isso integrante da causa de pedir.

Trata-se, além do mais, de conteúdo que, pela sua essencialidade, deve, nos termos do estabelecido no art. 10.º, n.º 2, b), do RJAT, constar necessariamente do pedido de pronúncia arbitral.

 A Requerente limita-se, porém, a fazer referência, de forma absolutamente vaga e imprecisa, na petição inicial, a “actos de liquidação do IRC, IVA”, bem como, no formulário de constituição do tribunal arbitral, a «Outros actos n.º OI2014…, de 2015 (Serviços de Inspecção Tributária)», assim não identificando, sequer de forma aproximada, os actos tributários objecto da acção.

Tanto, representa omissão de uma formalidade essencial, bem como de elemento de menção incontornável em sede de causa de pedir.

A esta omissão, soma-se a circunstância de, em violação do previsto no art. 10.º, n.º 2, c), do RJAT, a Requerente ter omitido, igualmente, a formulação de pedido. Na verdade, a petição culmina com a exibição de gráficos, a formulação de requerimento probatório, a designação de árbitro e a indicação do valor do processo, não sendo dirigido qualquer pedido ao Tribunal.

Como Alberto dos Reis observa, em Comentário ao C.P.C., vol. 2.º, p. 372, “importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente… Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessárias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta”.

Tudo o que revela, nesta medida, que, no presente caso, não está em causa a mera insuficiência, incompletude ou mesmo ininteligibilidade do pedido, mas a sua total inexistência.

Com efeito, se a ausência de menção aos actos tributários objecto da acção representa, pelo menos, omissão de parte essencial de causa de pedir, já no que diz respeito ao pedido, a omissão, cometida pela Requerente, assume natureza integral, o que, em conformidade com o estipulado no art. 186.º, n.º 2, a), do CPC, constitui causa de ineptidão da petição inicial.

Verifica-se, portanto, um dos tipos de deficiências “de carácter substancial, que irremediavelmente” comprometem “a finalidade da petição inicial” (Antunes Varela, Sampaio e Nora e Miguel Bezerra, Manual de Processo Civil, 1985, Coimbra Editora, p. 244).

Esta consubstancia, por seu turno, irregularidade geradora da nulidade de todo o processo (cfr. art. 186.º, n.º 1 do CPC), cuja previsão legal, enquanto excepção dilatória, consta do art. 89.º, n.º 4, b) do CPTA.

Representa, por outro lado, nulidade insanável, como decorre do estipulado no art. 98.º, n.º 1, a), do CPPT, determinando, consequentemente, a absolvição da Requerida da instância (cfr. art. 576.º, n.º 2 do CPC).

De referir, a este propósito que, ainda que, porventura, fosse sustentável o entendimento no sentido de que a ineptidão da petição inicial não é de julgar procedente quando se verificasse que o réu interpretou convenientemente a petição inicial (art. 186.º, n.º 3 do CPC), entende, o Tribunal, que tal solução só pode valer relativamente a elementos que, embora de forma ininteligível, constem, efectivamente, da petição.

Apenas quanto a elementos que, embora de modo gravemente ambíguo ou obscuro, se encontrem no articulado, se pode concluir que, não obstante tal irregularidade, houve uma interpretação correcta.

Já não é passível de interpretação (boa ou má) o que não consta da peça processual.

Ora, como acima referido, a Requerente omitiu completamente a formulação de pedido, o que, assim, sempre tornaria subsistente o vício da ineptidão da petição e, consequentemente, a nulidade de todo o processo.

Por outro lado, o pedido é um elemento da petição inicial que, para além de ser importante para o réu (de modo a devidamente poder conformar a sua defesa), assume carácter essencial para o tribunal, na medida em que é com base no pedido que o tribunal aquilata o tipo de actividade jurisdicional que lhe é solicitada e define as balizas e objecto de conhecimento do mérito que lhe são permitidos e devidos. Conclusões que, no presente caso, em face do teor da petição inicial, e, em particular, da ausência, nela, da formulação de pedido, o tribunal não consegue apurar, não se reunindo, pois, as condições mínimas para que este possa conhecer do mérito.

Termos em que, e ainda que, em abstracto e em incoerência lógica, se pudesse dizer que a requerida interpretou devidamente um elemento inexistente no articulado, sempre o tribunal o não logrou fazer, quando tanto era essencial para poder conhecer da substância da causa, assim se não tendo por suprida a ineptidão da petição inicial.

d)     Acresce, por outro lado, que a procedência desta excepção dilatória não implica, no caso concreto, a sobreposição da justiça formal à justiça material. Com efeito, ainda que este vício se considerasse sanável ou se pudesse considerar, no caso concreto, tal vício, insubsistente, sempre a acção seria de considerar improcedente. Por duas ordens essenciais e exemplificativas de razões.

d.1) Na verdade, e por um lado, a Requerente não identifica quais os actos tributários objecto de impugnação.

A Requerente reporta-se, apenas, ao relatório de inspecção de 30 de Julho de 2015, que junta como Doc. 1.

Invocou, a Requerente (na audiência realizada), em sede de resposta à excepção de incompetência do Tribunal (arguida pela Requerida), que o objecto da impugnação que formula não é o relatório inspectivo, mas as consequências que originaram a liquidação. Realce-se que tanto não resulta do teor do seu articulado e que, tratando-se, os actos de liquidação, de factos essenciais, seria a petição inicial a sede própria e o momento correcto para a sua alegação e junção de prova documental (art. 10.º, n.º 2, d) RJAT).

Veio, a Requerente, em requerimento posterior, invocar novos factos (correspondentes a actos de liquidação e identificação das respectivas notas de liquidação) e requerer a junção de prova documental relativa à nova factualidade invocada.

Porque os factos novos, correspondiam a factos não supervenientes, que a Requerente deveria ter alegado na petição inicial - articulado onde, como referido, o não fez, não tendo aí identificado sequer quaisquer actos de liquidação, o tribunal considerou que tais pronúncia e alegação de facto se tinham por não escritas, porque intempestivas.

No que diz respeito ao requerimento de junção de prova documental, o tribunal pronunciou-se no sentido de que - reportando-se, tal prova, a nova factualidade, de invocação inadmissível no momento em que tem lugar, e na medida em que toda a prova há-de, necessariamente, respeitar a factos regularmente invocados no processo (o que não sucede na presente hipótese) – o referido requerimento ia indeferido, devendo os documentos em causa ser desentranhados.

Está, assim, em causa, matéria de facto essencial insusceptível de alegação nos momentos em que a Requerente o faz.

Porém, ainda que, por hipótese, se considerasse o relatório de inspecção objecto susceptível de impugnação ou se pudesse conceder algum relevo ao que a Requerente invoca, a sua intenção impugnatória continuaria a não merecer procedência.

d.2) Com efeito, sempre padeceria, tal pretensão, de extemporaneidade.

Se não, vejamos.

A Requerente dispunha do prazo de três meses (art. 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário) para dar início à acção impugnatória, mediante oferecimento de petição inicial.

O momento do início de contagem de tal prazo coincide com o momento da notificação.

A notificação a que se faz alusão nos articulados e documentos juntos – relativa ao relatório de inspecção - foi efectuada por via postal registada através do ofício da Direcção de Finanças de … n.º … de 13/08/2015 (vd. 4.ª parte do PA), o que se revela em consonância com o previsto no art. 38.º do Código de Procedimento e Processo Tributária. O registo da carta em causa teve lugar em 13/08/2015 (vd. 5ª. parte do PA) e foi recebida em 14/08/2015, conforme documento comprovativo dos CTT junto pela requerida à sua resposta (vd. doc. n.º 2).

Nesta hipótese, e de acordo com o previsto no art. 39.º, n.º 1 do CPPT, a notificação presume-se efectuada no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil subsequente a esse. Ou seja, a notificação teve lugar no dia 17 de Agosto de 2015, iniciando-se o prazo peremptório de três meses no dia seguinte (18.08.2015).

Como resulta do n.º 1 do art. 20.º do CPPT, os prazos de impugnação judicial contam-se nos termos do art. 279.º do Código Civil (contagem contínua, iniciada no dia posterior ao da notificação, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte, caso termine a um Sábado, Domingo ou feriado), pelo que o último dia para propositura da acção correspondeu ao dia 18.11.2015.

No mesmo sentido, veja-se, a título de exemplo, com referências doutrinais e jurisprudenciais, Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, 2016, Almedina, pp. 263 e 264.

Tendo o pedido de pronúncia arbitral sido oferecido apenas no dia 18.12.2015, a Requerida não interveio em tempo de impedir o decurso do prazo de caducidade, ainda que o acto em causa impugnável fosse.

Como vimos, sustentou, em audiência, a Requerente, que beneficiaria do prazo dilatório de 25 dias contemplado no art. 39.º, n.º 10, do Código de Procedimento e Processo Tributário. Arguiu, para esse efeito, que os actos de liquidação lhe teriam sido notificados, via electrónica, no dia 15 de Setembro de 2015 e que não teve acesso à caixa postal electrónica em momento anterior.

Ora, e em primeiro lugar, como ficou dito, a Requerente reporta-se, nessa invocação, a actos de liquidação, quando, no momento oportuno (fase dos articulados), não o fez. Não procedeu, aí, como lhe incumbia, à identificação dos actos de liquidação, não se reportando, igualmente, à data da notificação destes, nem fazendo prova quanto a qualquer destes aspectos.

A intempestiva referência (em sede de audiência) aos actos de liquidação é, por outro lado, vaga e imprecisa, não tendo, sequer aí, procedido, a Requerente, à devida indicação dos elementos identificadores dos actos tributários a que se reporta.

Em segundo lugar, a Requerente não fez qualquer prova, nem da data da notificação dos actos em causa, nem de que essa notificação tenha ocorrido por via electrónica, nem de que não teve acesso à caixa postal electrónica em momento anterior.

À falta de alegação oportuna acresce, assim, a falta de prova, pelo que o prazo de caducidade sempre teria decorrido, ainda que, por alguma via, se pudesse considerar que o presente processo houvesse tido por efectivo objecto actos de liquidação.

Caso se verificasse a improcedência da excepção dilatória (se para esta não houvesse fundamento), a decisão da acção culminaria na absolvição da Requerida do pedido.

Explicitações que têm por intuito salientar que a procedência da excepção dilatória de ineptidão da petição inicial não representa, na presente acção, sobreposição, indevida, da forma à substância, assim não constituindo mero óbice formal e ritualista ao ganho de causa.

 

***

 

IV. Decisão

 

Em face de tudo quanto antecede, decide-se absolver a Requerida da instância.

 

***

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em €316.101,99, nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

Lisboa, 7 de Setembro de 2016.

 

Os Árbitros,

 

 Fernanda Maçãs

(Presidente)

 

Fernando Pinto Monteiro

 

Américo Brás Carlos

 

Declaração de voto de vencido

 

Votei contra a decisão do Tribunal Coletivo no processo n.º 764/2015-T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) - Arbitragem Tributária, pelas seguintes razões:

Embora reconheça que a petição inicial da A…, S.A. é deficiente, por falta de indicação clara e expressa, de pedido e de causa de pedir, entendo, porém, que tal deficiência não a torna inepta, já que, a análise cuidada da Petição Inicial, como se exige numa opção com estas consequências, parece não deixar dúvidas quanto ao que a autora, ora Requerente, pretende.

Não podemos esquecer que o regime legal, expressamente, adotou um processo mais ligeiro, que designou de "processo sem formalidades especiais", conforme consta do preâmbulo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

É unanime, entre os especialistas nomeadamente, e por todos, o professor JOSÉ ALBERTO DOS REIS, a interpretação, segundo a qual "a petição é inepta quando por meio dela não pudemos descobrir qual a espécie de providência que o autor se propõe obter do Juiz, ou qual o efeito jurídico que pretende conseguir por via da ação".

Em nosso entender é o caso presente.

Concedo que a redação da petição não é feliz, mas não ao ponto de ser inepta, pois dá perfeitamente para entender o que a autora pretende, o que também se deduz do facto de o pedido ser aceite e não recusado liminarmente.

Por outro lado, e reforçando a legalidade (embora deficiente) do pedido, a AT, na sua contestação, demonstra perfeitamente que entendeu o pedido, sem margem para dúvidas, tanto que, coerentemente, a contestou ponto por ponto, pelo que o artigo 186.º, n.º 3, do Código de Processo Civil tem aqui plena aplicação e impede a qualificação de inepta.

No mesmo sentido, entre outros, o AC. do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 24944/10.2T2SNT.L 1-6, "reconhece ser esta a única situação de ineptidão inicial que é passível de superação através de atuações processuais e, expressamente, deriva do artigo 193.º n.º 3 do Código de Processo Civil." (Atual 186.º, n.º 3).

De resto o pedido foi inicialmente aceite, o que também demonstra que foi entendido.

Em nosso entender, o espírito da lei é "salvar" os pedidos que apenas formalmente são imperfeitos, pelo que deveria ter sido dada, à Requerente, a oportunidade de aperfeiçoar o pedido da petição, onde, entre outros, deveria ser clarificada a questão da tempestividade do pedido, que não foi demonstrada na petição inicial, embora o devesse ter sido.

Dado que o despacho de aperfeiçoamento serve para colmatar e suprir deficiências, continuo a pensar que deveria ter sido proferido um despacho de aperfeiçoamento, dando um prazo razoável — 15 dias-, para a A. superar as deficiências.

Entre as questões a "aperfeiçoar estaria a tempestividade do pedido. A Requerente, por mudança do técnico responsável, não tinha acesso à caixa postal e, ao "iniciar funções" teve de começar de novo e isso demorou algum tempo, que o acórdão não teve em consideração.

 

Lisboa, 7 de setembro de 2016

 

 

Fernando Pinto Monteiro