Decisão Arbitral
I – Relatório
1. No dia 22 de Outubro de 2015, A…– Actividades Hoteleiras, Lda, pessoa colectiva nº…, com sede na Rua … nº…, …, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral para que se pronuncie sobre os actos de liquidação de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de € 30.644,75 (documento n.º…) e de Imposto do Selo (IS) no valor de € 4.168,00 (documento n.º…), que deverão ser anulados, com devolução das importâncias pagas, e pagamento de juros vencidos e vincendos. Juntou, para além da procuração forense, catorze documentos.
2. No Pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro tendo sido por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, designada como árbitro único a signatária, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.
3. O tribunal arbitral ficou constituído em 4 de Janeiro de 2016.
4. A Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) enviou, em 2 de Fevereiro de 2016, a sua Resposta e o processo administrativo (PA), tendo a Requerente apresentado em 23 de Fevereiro de 2016 resposta às excepções invocadas e três documentos.
5. A AT suscitou em 1 de Março de 2016 inoportunidade das questões de facto e de direito tratadas no texto da Requerente sobre as excepções, mas após alguns despachos arbitrais a questão ficou estabilizada, ficando o tribunal de conhecer a final as excepções, e a Requerida de realizar o contraditório em alegações finais.
6. Depois de diversas tentativas frustradas de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT com vista a inquirição de testemunhas, a última das quais em 8 de Julho, a Requerente veio prescindir da audição de testemunhas e insistir na entrega por parte da Requerida de um vasto conjunto de informação referente ao falecido B… (como imóveis adquiridos, contratos de arrendamento, locais de residência, declarações de rendimento), o que foi objecto de indeferimento por despacho arbitral de 7 de Julho, sendo ainda esclarecido em despacho de 8 de Julho de 2016 que ficava, com anuência da Requerida, dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT, marcado prazo de 15 dias para alegações, a decorrer sucessivamente, sendo prorrogado o prazo para decisão nos termos do art. 21º, nº 2, do RJAT para 4 de Setembro. Entretanto, atendendo ao decurso de férias judiciais, foi novamente adiado o prazo para emissão de decisão, cuja data foi, depois da apresentação de alegações, respectivamente em 22 de Agosto e 6 de Setembro, marcada para dia 30 de Setembro.
7. O Pedido de Pronúncia
O Requerente sustenta, em síntese:
- Adquiriu o prédio sito na Rua …, … a …, correspondente ao artigo … da freguesia de … em …, pelo valor de € 521.000,00, no âmbito do processo de insolvência, n.º…/10… …, pendente no 6º Juízo Cível de ….
- O prédio objecto da compra corresponde a um edifício composto de rés-do- chão, dois andares e águas furtadas e a estabelecimento do falecido B…, cuja herança, aberta pelo seu óbito, foi declarada insolvente no referido processo.
- O falecido nunca habitou no prédio, adquiriu-o no âmbito da sua actividade empresarial, explorando-o comercialmente, dando de arrendamento parte à Requerente e a outros inquilinos, retirando rendimentos prediais.
- Antes da aquisição do prédio, a Requerente requereu a emissão de guias quanto ao IMT e ao Imposto do Selo, com isenção, no âmbito do processo de insolvência mas a Requerida emitiu as guias sem qualquer isenção, antes com liquidação de IMT e IS respectivamente no valor de € 30.644,75 e € 4.168,00 que a Requerente pagou mas pedindo, em 22 de Janeiro de 2015, a anulação dos actos de liquidação e devolução dessas importâncias.
- Notificada do projecto de indeferimento, exerceu o direito de audição, mas a reclamação foi indeferida por despacho notificado a 28 de Julho de 2015, com a indicação de que o mesmo poderia ser impugnado no prazo de três meses.
- Para efeitos do CIRE é empresa toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de uma actividade económica (art. 5º do CIRE), pelo que a venda de um estabelecimento da massa insolvente, como é o caso, sempre estaria isenta da liquidação de IMT e Imposto do Selo, por aplicação dos artigos 269º, alínea e), e art. 270º, nº 2, ambos do CIRE.
- A referida compra e venda estaria abrangida pela aplicação dos referidos artigos, por se tratar de mera venda de activo de massa insolvente, não estando prevista na lei a condição mencionada no despacho de indeferimento de que as isenções se limitam aos casos em que os bens imóveis se integram na universalidade da empresa ou estabelecimento vendido, aliás como vem sendo entendimento do STA.
- O CIRE pretendeu (nº 49 do preâmbulo) manter, no essencial, os benefícios fiscais os regimes existentes no CPEREF, cujo artigo 121º isentava de sisa as transmissões de bens imóveis integrados em qualquer das providências de recuperação de empresa que decorram, designadamente, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa pelo que o que consta do preâmbulo deve ser tido como interpretação autêntica do disposto no artigo 270º, nº 2 do CIRE.
- Esta interpretação é a única compatível com a autorização legislativa concedida pela Lei nº 3972003, de 22 de Agosto, e com o âmbito da isenção de imposto de sisa aí prevista no nº 3 do artigo 9º, sendo qualquer interpretação restritiva do artigo 270º, nº 2 do CIRE inconstitucional por violação da reserva de competência da Assembleia da República.
- Devem pois ser anulados os actos de liquidação de IMT e Imposto do Selo ora impugnados sendo ordenada a devolução da importância de impostos paga, acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa de 4% ao ano.
8. A Resposta
A Requerida respondeu, em síntese:
Existência de excepções
Intempestividade do pedido de pronúncia arbitral
- O pedido apresentado em 22 de Outubro de 2015 mostra-se intempestivo por estar ultrapassado o prazo de impugnação dos actos de liquidação cuja anulação visa, com data limite de pagamento em 24 de Outubro de 2014.
- Embora a Requerente tenha deduzido Reclamação Graciosa contra os dois atos de liquidação, não apresenta no Pedido quaisquer argumentos contra o acto de indeferimento que sobre aquela recaiu e que deveria ser, como decidido em outros processos no CAAD, o objecto directo do Pedido, sob pena de intempestividade do pedido que conduz a absolvição da instância (artigos 577.º e 278.º/1 ambos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT).
Impropriedade do meio processual
- Alegando a Requerente violação do direito às isenções fiscais previstas nos artigos 269.º/-e) e 270.º/2 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (“CIRE”), existe erro na forma de processo porque o meio processual adequado para apreciação da concessão de benefícios fiscais é a acção administrativa, meio adequado à apreciação de actos em matéria tributária (artigo 97.º/2 do CPPT), e não o pedido de pronúncia arbitral, meio de reação destinado a apreciação de actos tributários, verificando-se impropriedade do meio processual que consubstancia uma excepção dilatória conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa.
Incompetência do Tribunal Arbitral Singular em razão da matéria
- Assim, o Tribunal Arbitral Singular é incompetente (art. 2º RJAT) para julgar o pedido porque a apreciação de quaisquer questões referentes ao reconhecimento de isenções fiscais é matéria reservada à jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais o que conduz à absolvição da instância.
- O Tribunal Arbitral é, aliás, incompetente para a apreciação do reconhecimento de duas isenções fiscais relacionadas com a transmissão de bens imóveis integradas em processo de insolvência porque apenas o juiz titular do processo de insolvência está em condições de proceder à verificação dos pressupostos legais exigidos no artigo 270.º/2 do CIRE (a exemplo do que acontece com a verificação pelo juiz judicial dos pressupostos para aplicação da similar isenção prevista no artigo 8.º do Código do IMT, em que é necessária a apresentação do auto judicial ou de sentença homologatória da transacção) não detendo o Tribunal Arbitral elementos mínimos para aferir da verificação dos pressupostos legais exigidos nos artigos 269.º-e) e 270.º/2 do CIRE, elementos esses que a Requerente nem sequer alega e, menos ainda, prova). Sendo o reconhecimento das isenções uma questão sujeita à jurisdição judicial, verifica-se uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância.
Impugnação
- O de cujus, B…, jamais possuiu um estabelecimento comercial, fosse ele dedicado à compra e venda de imóveis, fosse ele dedicado a qualquer outra actividade por não se encontrarem reunidos os demais elementos exigidos pela lei e pela doutrina sobre esta matéria.
- O enquadramento em actividade de compra e venda de bens imobiliários não o tornaria, apenas por esse facto, numa empresa para efeitos de aplicação dos artigos 269.º-e) e 270.º/2 do CIRE.
- Não constitui um estabelecimento comercial um prédio adquirido por uma pessoa singular liberal com vista a auferir, através do seu arrendamento, rendimentos prediais tratando-se de um bem próprio, um activo imobiliário de uma pessoa singular.
- Mesmo que o de cujus B… constituísse, por si só, um estabelecimento comercial, a venda do prédio urbano em causa reconduzir-se-ia à venda de um activo do próprio estabelecimento e nunca à venda do próprio estabelecimento - a própria Requerente reconhece que o prédio urbano aqui em causa era apenas um entre «entre outros» adquiridos pelo de cujus B… não se percebendo se defende que o de cujus tinha um estabelecimento comercial em cada e por cada um dos prédios arrendados de que era proprietário.
- O de cujus ao cessar a sua actividade profissional a 21 de Junho de 1991 deixou de ser comerciante em nome individual pelo que sempre teria deixado nessa altura de ter um estabelecimento comercial.
- Ainda que o de cujus B… fosse um estabelecimento comercial, os autos de insolvência no processo n.º…/10. … …, 6.º Juízo Cível, não correspondem à insolvência do pretenso “estabelecimento comercial B…” mas da herança aberta de B…, que não é uma empresa, um comerciante ou um estabelecimento.
- Além de assentar em pressupostos factuais errados, a Requerente faz uma errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis porque, antes do surgimento do CIRE, os benefícios fiscais em matéria falimentar constavam dos artigos 120.º e 121.º do CPEREF, aprovado pelo Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril, que previam respetivamente isenção de IS e de Imposto de Sisa (IMT depois da reforma de 2004) na transferência de estabelecimentos comerciais e a venda de elementos do activo da empresa, definindo o nº 2 do artigo 121º as transmissões de imóveis, integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa.
- Após a substituição em 2004 do CPEREF pelo CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei 53/2004, de 18 de Março, o artigo 270.º deste diploma passou a ter redacção diversa do art. 121º do CPEREF, alterada também pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro»
- Confrontando as redacções do artigo 121.º do CPEREF e o estabelecido na letra do artigo 270.º/2 do CIRE, referentes às isenções de sisa e IMT, conclui-se que manteve-se o teor da norma referente a isenção de IMT resultante da dação em cumprimento e da cessão de bens aos credores (artigo 121.º-b) do CPREF agora artigo 270.º/1-c) do CIRE) mas quanto aos actos de venda, permuta ou cessão, o legislador efectuou uma alteração de fundo.- a isenção de IMT resultante de atos de venda, permuta ou cessão da empresa deixou de fazer referência aos “elementos do activo da empresa” e aos “arrendamentos a longo prazo” [artigo 121.º/2-c) do CPEREF], mas apenas e só à “empresa” ou “estabelecimentos desta” última [artigo 270.º/2) do CIRE].
- Em face dos elementos carreados para os autos, os quais apontam para que a Requerente apenas tenha adquirido um activo imobiliário de uma pessoa singular (e não um estabelecimento comercial e muito menos de uma empresa insolvente), forçoso se torna concluir que não está em condições de usufruir das isenções fiscais estabelecidas nos artigos269.º-e) e 270.º/2 do CIMT, nada havendo por isso a apontar às liquidações objecto do pedido de pronúncia arbitral.
- O artigo 270.º/2 do CIRE não padece de inconstitucionalidade porque o legislador não legislou em sentido diverso do constante da autorização legislativa, respeitou o sentido que lhe foi conferido (i.e., a atribuição de benefícios fiscais no âmbito do processo de insolvência), numa extensão inferior àquela que lhe foi atribuída pelo legislador ordinário, não ultrapassando nenhum limite.
9. Objecto do pedido
Está em causa apreciar a legalidade de actos de liquidação de Imposto do Selo e IMT e que não aplicaram à aquisição de imóvel efectuada pela Requerente as isenções previstas, respectivamente, na alínea e) do artigo 269º e nº 2 do artigo 270º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Como questões prévias, apresentam-se as excepções suscitadas pela Requerida relativas à tempestividade do Pedido, propriedade do meio processual e à competência do tribunal.
10. Decisão sobre as excepções
10.1. Intempestividade do Pedido
Quanto à tempestividade do Pedido, a Requerida defende que, por aplicação dos artigos 10º, nº 1, do RJAT e 102º, nºs 1 e 2, do CPPT, a Requerente deveria ter apresentado o Pedido de pronúncia arbitral no prazo de 90 dias contados a partir da data limite de pagamento voluntário da liquidação, em 24 de Outubro de 2014. Reconhece que a Requerente apresentou reclamação graciosa dos actos tributários mas, tendo sido esta objecto de total indeferimento, diz que não foi formulado qualquer pedido tendente à anulação da respectiva decisão, pelo que o Pedido, apresentado em 22 de Outubro de 2015, de pronúncia sobre a legalidade do acto de liquidação é intempestivo, não podendo o tribunal pronunciar-se sobre o que não foi pedido. No sentido da sua tese cita várias decisões arbitrais proferidas no âmbito do CAAD.
A Requerente respondeu à excepção, invocando, desde logo, que alegara expressamente a existência da decisão do processo de reclamação graciosa e que pretendia impugnar o despacho em causa, alegando as respectivas desconformidades legais e constitucionais. Pelo que, antecipando a eventualidade deste convite, a Requerente esclareceu que o pedido é de anulação do despacho da Administração Tributária de 22 de Julho de 2015, que indeferiu a reclamação da requerente que correu termos como …2015…, e a anulação dos actos de liquidação de IMT e imposto de selo, documentos … e …, ordenando-se a devolução à requerente da importância de €4168,00, que pagou a título de imposto de Selo, e de 30.644,75€, que pagou a título de IMT, acrescida dos respectivos juros vencidos, que se liquidam nesta data em 1.392,51 €, e os juros vincendos, à taxa de 4% ao ano, até integral e efectivo pagamento, e sem prejuízo dos juros decorrentes do disposto no art. 43, nº5, da LGT.
O Tribunal aceita a nova formulação do Pedido, mais perfeita que a inicial, reconhecendo-se de resto, que a Requerente mencionara (cf. nºs 12 a 15 do Pedido) a decisão de indeferimento nos processos de reclamação graciosa, que atacou implícita e explicitamente (exemplo, nº 20 do pedido), pelo que não se estaria perante uma situação de intempestividade do pedido[1].
De qualquer forma, entender-se-á que o Pedido formulado pela Requerente é o correspondente à formulação posteriormente apresentada.
10.2. Impropriedade do meio processual e competência do tribunal
A Requerida defende que o objecto do Pedido de pronúncia arbitral tem como objecto o direito a isenções fiscais previstas no CIRE pelo que está em causa a concessão de um benefício fiscal, matéria que, segundo a lei, deve ser objecto de apreciação através de uma acção administrativa - artigo 97.º/2 do CPPT - que não cabe na competência deste tribunal, circunscrita às matérias elencadas no artigo 2.º/1 do RJAT, por ser reservada aos tribunais administrativos e fiscais
E sustenta que, tratando-se de apreciação do reconhecimento de uma isenção fiscal relacionada com a transmissão de bens imóveis integrada em processo de insolvência, por a isenção fiscal prevista no artigo 270.º/2 do CIRE assentar na verificação de pressupostos legais cujo conhecimento cabe ao tribunal judicial onde correu o processo de insolvência, apenas o juiz titular do processo judicial (executivo, falimentar ou de insolvência) está em condições de proceder à verificação dos pressupostos legais exigidos naquela lei, feita por via de auto judicial ou de sentença homologatória da transacção, sendo a apreciação da isenção do artigo 270.º/2 do CIRE uma questão sujeita à jurisdição judicial
A Requerente discorda invocando as decisões proferidas nos processos arbitrais 99/2015-T e 123/2015-T.
Porque a situação e os argumentos da Requerida são idênticos aos presentes nos processos arbitrais nºs 123/2015 e 599/2015 e porque este tribunal concorda inteiramente com a fundamentação aí utilizada, transcreve a análise sobre a matéria feita nas respectivas decisões acerca das “questões do erro na forma de processo e da incompetência material” (sublinhados nossos), adoptando a respectiva fundamentação e conclusão:
«A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte: 1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa: Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
Como se vê, apenas em relação a matérias aduaneiras a definição de competências é feita tendo em atenção o tipo de tributos a que se dirigem as pretensões. E quanto a estes a Autoridade Tributária e Aduaneira só se vinculou quanto aos impostos por esta administrados. Quanto ao resto, a competência é definida apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto da impugnação, não havendo, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT. Uma liquidação de imposto que parta da desconsideração de uma isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração não deixa, portanto, de ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação.
No caso em apreço, é impugnado um acto de liquidação de IMT, que se inserem na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, e cuja apreciação não é excluída por qualquer das normas da referida Portaria.
Assim, no processo arbitral pode, em regra, ser imputada aos actos de liquidação qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 99.º do CPPT, subsidiariamente aplicável.
Só não será assim, nos casos em que a lei preveja a impugnabilidade autónoma de actos administrativos que são pressuposto dos actos de liquidação, como pode suceder com os actos de reconhecimento de isenções fiscais, que, nos casos das isenções não automáticas, assumem a natureza de actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa. Mas, para haver esta limitação à impugnabilidade do acto de liquidação impugnado, teria de ser praticado, anteriormente, algum acto administrativo que fosse pressuposto do acto de liquidação, o que não sucedeu no caso em apreço.
Por outro lado, neste caso, está-se perante uma isenção de reconhecimento automático, como resulta da alínea d) do n.º 8 do artigo 10.º do CIMT, pelo que nem tinha de haver qualquer acto autónomo de reconhecimento da isenção, sendo no momento apropriado para a prática de um acto de liquidação a Autoridade Tributária e Aduaneira terá de apreciar se o interessado usufrui de benefício fiscal.
Por isso, sendo o acto de liquidação lesivo dos interesses da Requerente e sendo o único acto praticado pela administração tributária sobre a situação, tem de ser assegurada a sua impugnabilidade contenciosa com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre do princípio da tutela judicial efectiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.
Por outro lado, a questão de saber se o acto de liquidação é legal, quando não há qualquer acto destacável trata-se a questão de saber se tem ou não de haver um reconhecimento da isenção (pelo Tribunal Judicial ou pela Autoridade Tributária e Aduaneira) são questões que têm a ver com a legalidade da liquidação, que devem ser apreciadas nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
No que concerne à tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que seria exclusivamente competente o Tribunal Judicial onde correu termos o processo de insolvência, é manifesto que ela não tem qualquer fundamento legal.
Na verdade, não há qualquer norma especial do processo de insolvência que atribua competência aos tribunais judiciais para reconhecerem isenções fiscais e o regime geral dos benefícios fiscais contraria inequivocamente essa hipótese.
Com efeito, o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) aplica-se a todos os benefícios fiscais (seu artigo 1.º). Do artigo 5.º do EBF resulta que os benefícios fiscais, quando são automáticos, não são objecto de qualquer acto autónomo de reconhecimento, pelo que é no próprio momento adequado a decidir se deve ser praticado um acto de liquidação que se coloca a questão da verificação pela Autoridade Tributária e Aduaneira da ocorrência ou não dos pressupostos do benefício fiscal. No que concerne aos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, este é feito através de acto administrativo, como resulta dos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo 5.º, em consonância com os artigos 54.º, n.º 1, alínea d), da LGT e 65.º do CPPT.
No específico caso da isenção prevista no artigo 270.º do CIRE, está-se perante um benefício fiscal para o qual só se prevê, no artigo 16.º, n.º 2, do CIRE, a necessidade de reconhecimento prévio pela Autoridade Tributária e Aduaneira quando aplicado no âmbito de processo de reestruturação e revitalização de empresas, previsto no Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto (…). Nos outros casos enquadráveis no artigo 270.º do CIRE, não se prevendo expressamente a necessidade de reconhecimento prévio (nem no CIRE, nem no EBF, nem no artigo 10.º do CIMT), está-se perante isenção de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no artigo 19.º, n.º 1, do CIMT, como resulta do disposto na alínea d) do n.º 8 daquele artigo 10.º
Por outro lado, sendo o direito a benefícios fiscais direito em matéria tributária, a possibilidade do seu reconhecimento directo pelos Tribunais está reservada aos Tribunais Tributários, através da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, nos termos dos artigos 212.º, n.º 3, da CRP, 144.º, n.º 1,da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), 49.º, n.º 1,alínea c), do ETAF, 101.º, alínea b) da LGT e 97.º, n.º 1, alínea h) e 145.º do CPPT, pelo que não há qualquer suporte legal para afirmar a competência exclusiva dos Tribunais Judiciais para reconhecimento da isenção em apreço.
Por isso, improcedem as excepções do erro na forma de processo e da incompetência material suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.»
11. Saneamento
O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não padece de qualquer nulidade.
Cumpre apreciar e decidir do mérito do pedido.
II Fundamentação
11. Factos provados
11.1. A Requerente, A…– Actividades Hoteleiras, Limitada, é uma sociedade por quotas constituída por dois sócios, marido e mulher, e tem sede na Rua … nº…, … dto. (doc. nº 1),
11.2. A Requerente era arrendatária de um local a funcionar como loja, sita na morada referida no número anterior, onde explorava um restaurante, sendo senhorio o respectivo proprietário, B… (doc. nº 3 junto com o Pedido).
11.3. Em 2007, no âmbito de uma execução para pagamento de quantia certa, em processo interposto por C… contra B…, as rendas mensais no valor de € 356, 23 pagas pela Requerente em contrapartida do espaço arrendado no nº … da Rua … foram objecto de penhora até ao montante de € 2.207,03 (Doc. nº 3 junto com o Pedido).
11.4. O prédio referido nos números anteriores integra o edifício com números de polícia … a … da Rua …, composto por rés-do-chão, 2 andares e águas furtadas, numa área total de 447m2 - composta de 142m2 de área coberta, uma dependência de 49m2 e jardim com 250 m2 – actualmente com matriz nº … da freguesia de … (doc. nº 2 junto com o Pedido).
11.5. Consta dos registos de cadastro da administração tributária que B… esteve inscrito como exercendo actividade empresarial, com início em 1 de Janeiro de 1968, tendo tal inscrição sido objecto de cessação em 21 de Junho de 1991, ao abrigo do artigo 114º, nº 3 do CIRS (PA., fls. 31).
11.6. B… faleceu em 4 de Junho de 2007, com 89 anos, deixando como sucessores seus dois filhos, D… e E…, tendo o primeiro, que era cabeça de casal da herança, falecido em 21 de Agosto de 2009, deixando como herdeiros, cônjuge e dois filhos (cf. habilitação herdeiros e certidão de óbito, juntas aos autos).
11.7. Em 20 de Janeiro de 2012, a Requerente apresentou à Requerida uma nota de declaração de rendimentos prediais pagos em 2011 em nome do titular do contrato de arrendamento referido em 11.2. no valor de € 2.024, 40, com retenção para efeitos de IRS do montante de € 334,08 (doc nº 5 junto com o Pedido).
11.8. A Requerente adquiriu o prédio urbano, sito no nº … a … da Rua …, freguesia de…, concelho de …, inscrito na matriz sob o número…, e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número …/… no âmbito do processo de insolvência n.ºn.º…/10…. Y…, pendente no 6º Juízo Cível de …, (Docs. 1 e 2 juntos com o Pedido).
11.9. Tendo E… interposto acção de inventário para pôr termo à comunhão por óbito de B… (certidão junta pela Requerida em 02/05/2016), vieram os herdeiros a requerer declaração de situação de insolvência nos termos do artigo 1361º do CPC (redacção então vigente).
11.10. A acção foi considerada procedente por sentença de 13 de Maio de 2014 que declarou a insolvência da herança aberta por óbito de B…, passando os autos a seguir os termos de insolvência, com nomeação de administrador de insolvência.
11.11. No âmbito do processo de insolvência referido no número anterior, foi realizado, em 23 de Outubro de 2014, o contrato de compra e venda do prédio referido no número… ., pelo preço de quinhentos e vinte e um mil euros, sendo outorgantes o administrador de insolvência, nessa qualidade, e os sócios da Requerente.
11.12. A intervenção da Requerente como compradora baseou-se no exercício de direito de preferência, conforme troca de e-mails de 15 e 16 de Outubro de 2014 (Documento nº 8 junto com Pedido, e PA, fls. 22).
11.13. Em 22 de Outubro de 2014, a Requerente pediu emissão de guias para pagamento de IMT e Imposto do Selo com isenção em processo de insolvência para a aquisição referida no número anterior, invocando que “o prédio em causa integrava estabelecimento do falecido B… (…), havendo sido adquirido no âmbito da sua actividade empresarial” (doc. nº 8 junto com o Pedido).
11.14. As guias de IMT e Imposto do Selo relativas à alienação do prédio descrito com artigo matricial U-…, freguesia de …, sito na Tv. … nº…, com destino a habitação, foram emitidas em 23 de Outubro de 2014, com liquidação de imposto: IMT, no montante de € 30.644,75 e Imposto do Selo, no montante de € 4.168,00, tendo sido no acto de compra e venda, apresentados comprovativos da liquidação e pagamento de ambos os impostos, 23 de Outubro de 2014 (Doc. nº 1 junto com pedido).
11.15. Em 23 de Outubro de 2014 e 6 de Novembro de 2014, foram registadas, respectivamente, a promessa de alienação e a aquisição do prédio em causa, sendo sujeito activo “F.., Lda.” e sujeito passivo a Requerente (Doc. nº 2 junto com Pedido).
11.16. Em 19 de Junho de 2014 foi registada uma acção de declaração e nulidade interposta por G…, Unipessoal, Lda, contra a massa insolvente da herança, H… e A…, invocando que o prédio lhe havia sido adjudicado em 18 de Setembro de 2014.
11.17. A Requerente apresentou, em 22 de Janeiro de 2015, reclamação graciosa das liquidações referidas em 11.14. (Doc. 11 junto com o Pedido), tramitadas como processos nºs …2015… (Imposto do Selo) e …2015… (IMT), cujos projectos de despachos de indeferimento decisão foram notificados por ofícios de 8 de Junho de 2015 e de 2 de Julho de 2015 (Doc. nº 12, junto com Pedido) transformados, após exercício do direito de audição (Doc. nº 13), em despachos finais de indeferimento (Doc. 14).
12. Factos não provados
Não se provou que o edifício adquirido pela Requerente fizesse parte de empresa do autor da herança objecto de processo de insolvência.
13. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelas Partes, designadamente com o pedido de pronúncia arbitral e o processo administrativo.
14. Aplicação do direito
14.1. A situação de facto a enquadrar juridicamente
Analisando os factos provados identifica-se a seguinte situação:
A Requerente é uma sociedade com sede no edifício vendido - nº … a … da Rua do …- constituída por um casal que explora (ou explorou) o restaurante “A …” sito em espaço existente no mesmo edifício, nº… . A loja estava arrendada, sendo o senhorio B…, proprietário de todo o edifício, composto da loja e dois andares, com casas de habitação. B… esteve registado, para efeitos de tributação, como exercendo actividade empresarial, iniciada em 1 de Janeiro de 1968. O registo de exercício de actividade foi feito cessar em 21 de Junho de 1991, oficiosamente pela administração tributária, ao verificar que não existia actividade[2].
O proprietário faleceu em 4 de Junho de 2007, com 89 anos, deixando como sucessores seus dois filhos, um deles falecido entretanto, em 21 de Agosto de 2009, deixando por sua vez como herdeiros, cônjuge e dois filhos.
O filho sobrevivo, na qualidade de cabeça de casal, interpôs acção de inventário facultativo para partilha de bens para pôr termo à comunhão por óbito do de cujus, e, depois os herdeiros requereram declaração de situação de insolvência, dando origem ao processo de insolvência n.º…/10… X…, no 6º Juízo Cível de … com nomeação de administrador de insolvência, acção que foi considerada procedente por sentença de 13 de Maio de 2014.
Em 23 de Outubro de 2014, realizou-se o contrato de compra e venda de todo o prédio sito na Rua …, nºs … a…, pelo preço de quinhentos e vinte e um mil euros, sendo outorgantes o administrador de insolvência, nessa qualidade, e os sócios da Requerente.
A Requerente adquiriu o prédio invocando exercício de direito de preferência, e na mesma data da aquisição terá outorgado com F…, Lda”, contrato promessa de alienação do prédio em causa, realizando a venda do mesmo em 6 de Novembro de 2014 (Doc. nº 2 junto com Pedido).
Em 19 de Junho de 2015 foi registada uma acção de declaração e nulidade interposta contra a Requerente (e também contra a massa insolvente da herança representada pelo administrador de insolvência e uma empresa consultora de avaliação) por entidade que invoca ser a proprietária por adjudicação realizada em 18 de Setembro de 2014.
14.2. Aplicação do direito
14.2.1. Preceitos legais aplicáveis – dúvidas de interpretação
Nos presentes autos está em causa a aplicação do disposto nos artigos 269º, alínea e), e 270º, nº 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2014, de 18 de Março, referentes, respectivamente, a benefícios “relativos a imposto do selo” e “ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis”.
No primeiro caso[3], trata-se de eventual aplicação do segmento da norma que prevê isenção de imposto do selo relativamente a venda de elementos do activo da empresa, desde que previstos em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
No segundo caso[4], trata-se de saber se há lugar à aplicação da isenção de IMT nos actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
Estas normas estão inseridas no Título XIII do CIRE, referente a “Benefícios emolumentares e fiscais”, referindo-se o artigo 268º a benefícios em sede de IRS e IRC[5]. Correspondem aos artigos 118º a 121º (secção VI do Título II) do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril.
Enquanto a actual alínea e) do artigo 269º do CIRE reproduz o teor da alínea f) do artigo 120º do CPEREF o nº 2 do art. 270º do CIRE não é inteiramente coincidente com o teor do artigo 121º do CPEREF, cujo nº 2 dispunha que estão ainda isentas de imposto municipal da sisa as transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa, que decorram “da autonomização jurídica de estabelecimentos comerciais ou industriais, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como de arrendamentos a longo prazo (…)” (alínea c) do nº 2).
14.2.2. Dúvidas de interpretação – posições em confronto quanto a isenção de sisa/IMT
A propósito do alcance da isenção de IMT concedida no nº 2 do art. 270º do CIRE têm surgido diversas situações de litigância quer em casos submetidos a julgamento dos tribunais administrativos e fiscais quer no âmbito da arbitragem tributária.
Uma das questões controvertidas é a de saber se a isenção de IMT prevista no artigo 270.º n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) se aplica à aquisição, em fase de liquidação de activos em processo de insolvência, de um bem imóvel que integrara o património da empresa insolvente, sendo que a Administração Tributária entende que os benefícios fiscais previstos naquela disposição dependem de os bens imóveis transmitidos se integrarem na universalidade da empresa ou estabelecimento vendidos, permutados ou cedidos no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da empresa insolvente.
O Acórdão proferido em 30 de Maio de 2012 pelo STA, no processo nº 0949/11, citado por outras decisões do mesmo tribunal, assim como por numerosas decisões arbitrais já proferidas no âmbito do CAAD, entendeu que estão «isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente». Apesar do reconhecimento de que “em face da letra da lei, quer uma, quer outra das interpretações são defensáveis, afigurando-se contudo, gramaticalmente mais correta a sustentada pela administração tributária, pois que os termos vender, permutar e ceder são todos eles verbos transitivos, daí que na frase a referência à empresa ou estabelecimentos desta surgisse como complemento directo de todos três”. Contudo, recorrendo a outros elementos interpretativos, designadamente a afirmação no n.º 49 do preâmbulo do CIRE que se mantinha o anterior regime de benefícios fiscais sendo que, face ao artigo 121.º do anterior Código, a isenção de sisa abrangia as transmissões de elementos do activo da empresa e de o diploma ter sido emitido no uso de autorização legislativa em que constava a possibilidade da isenção abranger a venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos.
Assim, porque o Governo não respeitou “o sentido e extensão da autorização legislativa que lhe foi concedida, tendo legislado em matéria reservada à assembleia da República em desrespeito da credencial parlamentar que lhe foi conferida”, e apesar de considerar “duvidoso que o legislador ordinário do CIRE tenha pretendido conferir à isenção de Sisa/IMT prevista no n.º 2 do seu artigo 270.º o mesmo âmbito que tinha a anterior isenção de Sisa prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 121.º do CPEREF”, o STA decidiu que “a opção do sentido da sua restrição não lhe era consentida, pois que em matéria de benefícios fiscais legisla em domínio reservado à Assembleia da República, havendo que respeitar os limites que esta lhe fixe, designadamente os respeitantes ao sentido e extensão da autorização”.
Um outro Acórdão proferido pelo STA, em 17 de Dezembro de 2014, no processo nº 01085/13, ultrapassou a ambiguidade do texto do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, propondo uma “leitura mais clara e inequívoca sem recurso a qualquer interpretação extensiva”. Considerou-se que atenta a finalidade de “fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões do interesse dos credores e do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador, dando um bónus (fiscal) a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente” não faz diferença “que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu ativo e o passivo, que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, que se esteja a vender bens que integravam o seu património mas não eram utilizados no seu giro comercial, como seria por exemplo o caso de um imóvel recebido em pagamento de uma dívida de que a empresa insolvente era credora, para que se esteja perante uma venda que é praticada no âmbito da liquidação da massa insolvente”.
As interpretações acima referidas têm sido acolhidas em diversas decisões do STA e de tribunais arbitrais no âmbito do CAAD. Contudo, em sentido contrário, a decisão arbitral proferida no processo nº 200/2015-T, pronunciando-se também sobre o alcance do nº 2 do artigo 270.º do CIRE, optou por, invocando a insusceptibilidade de aplicação analógica das normas sobre benefícios fiscais e os diversos elementos de interpretação, considerar confirmada a literalidade da referida norma.
Recordando que as normas do CIMT têm por objecto a variedade de transmissões reais ou ficcionadas, utilizando indistintamente, e às vezes até com alguma redundância e falta de rigor, diversas denominações como, por exemplo, venda, alienação, compra e venda, permuta, cessão, tudo expressões que visam captar os vários tipos de transmissão fiscal sujeita, conclui, tal como o STA no proc. 949/2011, ser gramaticalmente mais correta a posição sustentada pela administração tributária, pois que os termos vender, permutar e ceder são todos eles verbos transitivos e, sendo assim, a referência à empresa ou estabelecimentos desta surge como complemento directo dos referidos verbos.
Quanto ao elemento racional, a finalidade da lei, considera que nada permite concluir que o benefício fiscal se deva aplicar a toda e qualquer transmissão dos bens da empresa insolvente ou sequer que o legislador ou a própria lei quisessem esse resultado.
Quanto ao elemento sistemático, observando o paralelismo e diferenças na formulação dos artigos 268.º, 269º e n.º 1 do artigo 270.º do CIRE, conclui designadamente, que, diferentemente de outras normas em que o fim prosseguido com os benefícios fiscais foi diverso, o legislador, no nº 2 do art. 270º do CIRE, privilegiou a alienação do conjunto dos activos da empresa insolvente ou de qualquer dos seus estabelecimentos tendo em vista proteger a sua continuação e a sua laboração noutra titularidade.
Quanto ao elemento histórico, conclui que, ainda que se entenda que na redacção do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, o Governo não respeitou o sentido e extensão da autorização legislativa concedida pela Lei nº 39/2003, de 22 de Agosto, tem que se ter em conta que com a alteração de redacção do art. 270º do CIRE pela Lei nº 66-B/2012, de 31/12 (artigo 234.º) esse argumento deixou de ter qualquer relevância uma vez que a própria Assembleia da República, ao manter, nessa parte, a redacção do n.º 2 do artigo 270.º anteriormente dada pelo Governo, sanou, pelo menos para o futuro, qualquer vício e qualquer objecção que se pudesse imputar à publicação inicial da norma em causa.
Em relação a esta controvérsia sempre se dirá, apesar de, e ao contrário da ponderação feita pela Requerente, não se entender ser directamente relevante para a solução do caso dos autos, que este tribunal considera de acolher a fundamentação e conclusões adoptadas na decisão arbitral nº 200/2015-T, pelas razões a seguir enunciadas.
14.2.3. Processo de insolvência e finalidade das isenções concedidas na aquisição de bens
A aprovação do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, introduziu uma viragem histórica no processo de falência, passando de mera defesa do direito do credor garantir o seu crédito a um meio de recuperação das empresas[6].
As alterações ao CPEREF introduzidas pelo DL nº 315/98, de 20/10, reconheceram para além da falência e insolvência, “um tertium genus, um novo pressuposto do processo, ou seja, uma situação económica difícil evidenciada por ponderáveis dificuldades económicas ou financeiras que embaracem o normal funcionamento da empresa ou a prossecução do seu objecto social”[7]
No CPREF as isenções referentes ao imposto da sisa constavam do artigo 121º que dispunha (sublinhados nossos):
“1 - Estão isentas de imposto municipal da sisa as transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa, que se destinem: a) À constituição da sociedade, nos termos do artigo 80.º, e à realização do seu capital; b) À realização do aumento do capital da sociedade nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 88.º e do artigo 90.º, bem como do n.º 1 do artigo 100.º.
2 - Estão ainda isentas de imposto municipal da sisa as transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa, que decorram: a) Da cedência a terceiros ou da alienação de participações representativas do capital da sociedade, previstas nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 88.º e no artigo 91.º , bem como nos n.ºs 1 e 2 do artigo 100.º ; b) Da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores, previstas nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 88.º e no artigo 93.º, bem como no n.º 1 do artigo 100.º; c) Da autonomização jurídica de estabelecimentos comerciais ou industriais, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como dos arrendamentos a longo prazo, previstos, respectivamente, nas alíneas e), f) e g) do n.º 1 do artigo 101.º
A Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, autorizou o Governo a legislar sobre a insolvência de pessoas singulares e colectivas revogando o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência e aprovando o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas. Este novo Código regularia um processo de execução universal com a finalidade de liquidação do património de devedores insolventes e a repartição do produto obtido pelos credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência baseado nomeadamente na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente (nº 1 e 2 do artigo 1º).
Quanto a benefícios fiscais no âmbito do processo de insolvência, previa-se, nº 3 do artigo 9º da mesma lei de autorização legislativa:
«3 - Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente:
a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;
b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;
c) As que decorram da cedência a terceiros ou da alienação de participações representativas do capital da sociedade, da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores, da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimentos ou elementos dos seus activos, bem como dos arrendamentos a longo prazo».
O CIRE, como já referido, concretizou a autorização legislativa prevista na alínea c) do nº 3 do artigo 9º no nº 2 do artigo 270º, que dispõe “Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”. (a que a Lei nº 66-B/2012, de 31/12 acrescentou “ou de recuperação” ).
Parece-nos de acentuar que o CIRE, embora tenha alargado a aplicação de processos de recuperação a devedores pessoas singulares, mantém-se fundamentalmente como um Código dirigido à solução de situações de incumprimento na actividade empresarial. Por outro lado, embora se mantenha a preocupação com a recuperação das empresas, põe-se agora o acento tónico na necessidade de satisfazer os créditos dos que se encontram na actividade, realçando que o interesse público na viabilização das empresas insolventes deve ser objecto de decisão pelos mesmos credores [8].
O grosso da regulamentação é claramente dirigida a sujeitos da actividade empresarial [9] sendo identificadas as normas (inovadoras) relativas às pessoas singulares não comerciantes [10].
Assim, o nº 49 do preâmbulo ao afirmar que “Mantêm-se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais, bem como à indiciação de infracção penal”, deve ser interpretado tendo em conta a letra e o espirito de ambos os diplomas.
Quando o artigo 121º do CPEREF previa na alínea c) do nº 2, isenção de IMT para transmissões que decorram “Da autonomização jurídica de estabelecimentos comerciais ou industriais, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como dos arrendamentos a longo prazo (…)” exigia que se tratasse de “transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa” (proemio do nº 1 do artigo 121º).
O artigo 270º, nº 2, do CIRE equivalente à alínea c) do nº 2 do artigo 121º do CPEREF, diz que: “Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”[11]. (E, na versão inicial, o legislador ter-se-á esquecido de incluir a possibilidade de inclusão do acto num processo de recuperação, o que foi acrescentado na Lei nº 66-B/2012, de 31/12).
Ao contrário do que acontecia com os nºs 1 e 2 do art. 121º do CREPFE, verifica-se que no CIRE não existe completo paralelismo entre os pressupostos de aplicação do nº 1 e nº 2 do artigo 270º do CIRE, já que o nº 1 enumera situações de transmissão de bens imóveis que podem usufruir de isenção de IMT integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos e o nº 2 enumera transmissões integradas num plano ou no âmbito da liquidação da massa insolvente.
Dada a maior abertura quanto ao tipo de procedimento em que se opera a transmissão, parece justificado que o legislador tenha considerado mais adequado não incluir, contudo, na enumeração de isenções os casos de transmissões isoladas de imóveis da empresa. E, a ser assim, como reputamos lógico, teria sido realmente essa a ratio legis, quer no Decreto-Lei nº 53/2004 (Governo) quer na Lei nº 39/2003 (AR).
Porque, apesar de o CIRE ter acentuado o interesse dos credores em verem satisfeitos os seus créditos, nada parece indicar que se tenha pretendido alargar o âmbito da isenção, em “outras situações” previstas no nº 2 do art. 270º (e diversas das previstas no nº 1 do art. 270º, referentes a transmissão para os próprios credores)[12], em que os bens da empresa serão vendidos a terceiros, dando-lhes a possibilidade de obter vantagens adicionais por encontrarem situações de colapso de empresas, aproveitando-se de despojos, e sem que isso signifique a manutenção da actividade empresarial (nem do devedor nem do credor).
Por estas razões, aderimos à interpretação acolhida na decisão 200/2015-T, entendendo de resto que a aí referida manutenção do texto aquando das alterações ao artigo efectuadas pela Lei nº 66-B/2012, é confirmativa da real vontade legislativa.
14.3. A aplicação do direito ao caso concreto
De acordo com os factos considerados provados, temos portanto a seguinte situação:
- A Requerente é uma sociedade que explorava um restaurante sito em loja arrendada no prédio transmitido pelo administrador judicial de herança de B… (senhorio), falecido em 2007 com 89 anos. O proprietário do imóvel – composto da loja e andares para habitação – tinha vários bens e dívidas pelo que os herdeiros recorreram a acção de inventário facultativo e depois a processo de insolvência, tendo sido declarada insolvência da herança em 13 de Maio de 2014.
- O autor da herança consta dos registos da AT como tendo estado inscrito para exercício de actividade empresarial entre 1968 e 1991, ano em que a inscrição foi cessada oficiosamente por falta de actividade.
- A Requerente adquiriu todo o prédio em que se situa a loja arrendada, ao abrigo do exercício de preferência, tendo realizado o contrato em 23 de Outubro de 2014, data em que também prometeu vender o mesmo prédio a uma sociedade aparentemente dedicada a investimentos imobiliários, tendo concretizado a venda em 6 de Novembro de 2014, existindo à data de apresentação do presente pedido arbitral um litígio judicial tendo por objecto a legalidade da adjudicação à Requerente.
A Requerente, invocando o disposto nos artigos 269º e 270º, nº 2 do CIRE, pretende ter direito a isenção de Imposto do Selo e de IMT relativamente à aquisição realizada no âmbito do processo de insolvência supra referido, do imóvel onde se situa a loja de que era arrendatária.
Como já referido, não são idênticos os pressupostos definidos, respectivamente nos artigos 269º e 270º do CIRE, para concessão de isenção de IS e IMT, relativamente a transmissões de imóveis de empresas no âmbito de processo de insolvência, porque o primeiro prevê, na alínea e), benefício para cessão de elementos do activo da empresa, enquanto o artigo 270º, nº 2, não prevê a isenção para os imóveis transmitidos separadamente, dando origem às dúvidas acima expostas.
Contudo, neste caso, não está em causa a transmissão de imóvel de uma empresa mas de um prédio constante de uma herança jacente, declarada insolvente, sendo que a compradora é uma sociedade que tinha arrendado um espaço utilizado como loja (restaurante) existente no mesmo prédio e que a compra incidiu não apenas sobre o espaço afecto a essa loja como a todo o edifício, prédio não dividido em partes susceptíveis de utilização independente.
A compradora, Requerente nos presentes autos e de acordo com os factos provados, nem terá continuado a sua actividade de restauração no espaço, revendendo todo o prédio a uma outra entidade (existindo, aparentemente, até um litígio sobre a respectiva legitimidade para aquisição).
Assim, relativamente ao IMT e independentemente da posição tomada na polémica referida acima, não tem lugar a aplicação de benefício previsto no nº 2 do artigo 270º do CIRE, porque sempre teria que tratar-se de bens imóveis que integrassem o património de uma empresa e não os bens imóveis de pessoas singulares (ou constantes da respectiva herança), com a única justificação de fazerem parte de um processo de insolvência.
Assim, se decidiu, e bem quanto a nós, no Acórdão proferido pelo STA em 3 de Julho de 2013, no proc. nº 0765/13, que quanto ao âmbito da isenção de IMT consagrada no nº 2 do art. 270º do CIRE considerou não ser clara admitindo “poderá, quando muito, interpretar-se como abrangendo não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente” (ponto I do sumário). E concluiu, no caso em questão, “a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação, que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, independentemente da mesma pertencer a pessoa singular ou colectiva (entidade empresarial).
Nos presentes autos, o prédio adquirido pela Requerente consta na matriz como prédio para habitação não susceptível de utilização individualizada e fazia parte de património de uma pessoa singular que auferia com o respectivo arrendamento rendimentos prediais e não empresariais, não sendo pois abrangido pela isenção de IMT prevista no nº 2 do artigo 270º do CIRE.
E também quanto ao Imposto do Selo, relativamente ao qual é invocada a aplicação da alínea e) do artigo 269º do CIRE, apesar de esta norma abranger actos de transmissão de imóveis de empresa, não há lugar, nestes autos, à aplicação da isenção, porque não está em causa a venda de um bem imóvel pertença de uma empresa ou destinado ao exercício de actividade empresarial – o edifício nº 137 a 141 era propriedade de uma pessoa singular, que recebia rendimentos em forma de rendas prediais, pelo menos relativamente ao espaço ocupado por uma loja, mas que era classificado como prédio para habitação.
Como decidido pelo Acórdão do STA proferido em 25 de Setembro de 2013, no proc. nº 866/13, «I - De acordo com o disposto no art. 269.º, alínea e), do CIRE, ficam isentas de IS as vendas de «elementos do activo da empresa». II - Assim sendo, a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, antes havendo de demonstrar-se que o bem vendido integra o activo de uma empresa.».
No mesmo sentido se decidiu no processo nº 13/2016-T, onde se concluiu que a alínea e) do artigo 269º do CIRE confere isenção de IS às vendas de elementos do activo de empresas, não se podendo aqui entender incluídas as vendas de bens de pessoas singulares, não empresários ou titulares de empresas, uma vez que tal não está previsto na norma em análise[13].
Pelo que fica dito, conclui-se que o caso dos autos – situação em que o prédio pertencente ao acervo da herança em processo de insolvência não se encontrava afecto a actividade empresarial, nem da herança nem, anteriormente, do autor da herança - não é subsumível à previsão da alínea e) do artigo 269.º do CIRE, referente exclusivamente à venda de “elementos do activo da empresa”.
Assim, o presente Pedido é julgado improcedente, confirmando-se que nem as decisões que indeferiram as reclamações graciosas interpostas nem os próprios actos de liquidação padecem de ilegalidade, inexistindo violação dos artigos 269º, alínea e), e 270º, nº 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
E, improcedendo o pedido arbitral, improcede também o pedido de reembolso de montantes pagos, assim como de juros indemnizatórios.
III. DECISÃO
15. Em face do exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar improcedente o presente pedido de declaração da ilegalidade da liquidação de IMT no montante de € 30.644,75 (trinta mil seiscentos e quarenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) e da liquidação de Imposto de Selo no montante de € 4.168,00 (quatro mil cento e sessenta e oito euros), mantendo-se os referidos actos de liquidação assim como as decisões de indeferimento proferidas em procedimento gracioso que teve por objecto aqueles actos.
b) Condenar o Requerente a pagar as custas do presente processo.
16. Valor do processo e custas
Fixa-se o valor do processo em € 36.205,26 (trinta e seis mil duzentos e cinco euros e vinte e seis cêntimos) nos termos do artigo 97º- A, nº 1, do CPPT, aplicável por força do artigo 29º, nº 1, a) do RJAT e do art. 3º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Fixa-se o montante das custas em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), a cargo do Requerente e calculadas de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, tudo nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, do RJAT e art. 4º do RCPAT.
Lisboa, 26 de Setembro de 2016.
A Árbitro
Maria Manuela Roseiro
[1] Como temos defendido noutros processos (nºs 434/2015-T, 165/2015-T e 347/2015-T), cremos que o que se visa com o frequentemente citado entendimento jurisprudencial, pacífico e reiterado, de que a “impugnação judicial que se segue a decisão de reclamação graciosa apresentada contra um acto de liquidação tem por objecto imediato o acto decisório da reclamação e por objecto mediato o acto de liquidação em si, conforme, aliás, se extrai da alínea c) do nº 1 do artigo 97º do CPPT” (por todos, Ac. do STA de 20 de Maio de 2015, in proc. nº 01021/14), é, fundamentalmente, que “anulado o indeferimento da reclamação por vício procedimental desta, cabe ao tribunal conhecer dos restantes vícios imputados ao acto de liquidação, uma vez que este é competente para conhecer, em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação quer dos vícios imputados à liquidação” (acórdão referido e que cita outros arestos do STA, de 16.06.2004, no proc. nº 01877/03, de 28.10.2009, no proc. nº 0595/09, de 18.05.2011, no proc. nº 0156/11, de 16.11.2011, no proc. nº 0723/11, de 18.06.2014, no proc. nº 01942/13).
[2] Redacção do artigo 114º, nº 3, dispõe que Independentemente dos factos previstos no n.º 1, pode ainda a administração fiscal declarar oficiosamente a cessação da actividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem há intenção de a exercer, ou sempre que o sujeito passivo tenha declarado o exercício de uma actividade sem que possua uma adequada estrutura empresarial em condições de a exercer. Corresponde ao art. 106º antes da redacção do Código dada pelo DL 198/2001 , de 3 de Julho. (Apesar da cessação ser de 1991, as menções encontrar-se-ão actualizadas automaticamente porque a actividade empresarial também não era na altura categoria B mas C).
modificações dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos sobre a insolvência; b) Os aumentos de capital, as conversões de créditos em capital e as alienações de capital; c) A constituição de nova sociedade ou sociedades; d) A dação em cumprimento de bens da empresa e a cessão de bens aos credores; e) A realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como a locação de bens; f) A emissão de letras ou livranças.
[4] Artigo 270.º, referente a “Benefício relativo ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis “, prevê: “1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos: a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital; b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora; c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou de recuperação praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente” (redacção dada pelo artigo 234.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro - OE para 2013, que introduziu o segmento sublinhado).
[5] Artigo 268.º, referente a Benefícios relativos a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas, prevê: “1 - As mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento de bens do devedor e da cessão de bens aos credores estão isentas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas, não concorrendo para a determinação da matéria colectável do devedor. 2 - Não entram igualmente para a formação da matéria colectável do devedor as variações patrimoniais positivas resultantes das alterações das suas dívidas previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos. 3- O valor dos créditos que for objecto de redução, ao abrigo de plano de insolvência ou de plano de pagamentos, é considerado como custo ou perda do respectivo exercício, para efeitos de apuramento do lucro tributável dos sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas”.
[6] O nº 2 do artigo 1º do Código dizia: “só deve ser decretada a falência de empresa insolvente quando ela se mostre economicamente inviável ou se não considere possível, em face das circunstâncias, a sua recuperação financeira”. O Preâmbulo (nº 7) fala de normas insufladas pelo novo espírito que melhor se coaduna com o pensamento prioritário da recuperação das empresas devedoras.
[7] Cf. preâmbulo do DL n.º 315/98. Que contém afirmações no sentido da necessidade de empresas viáveis para o tecido empresarial português, considerando viáveis muitas das empresas em processo de recuperação e que os mecanismos constantes do CPEREF têm idoneidade para a consecução daquele objectivo, quer pelos meios consagrados à recuperação da empresa, quer pela segurança oferecida pelo processo de falência.
[8] No preâmbulo afirma-se designadamente que: O objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores. Quem intervém no tráfego jurídico, e especialmente quando aí exerce uma actividade comercial, assume por esse motivo indeclináveis deveres, à cabeça deles o de honrar os compromissos assumidos. A vida económica e empresarial é vida de interdependência, pelo que o incumprimento por parte de certos agentes repercute-se necessariamente na situação económica e financeira dos demais. Urge, portanto, dotar estes dos meios idóneos para fazer face à insolvência dos seus devedores, enquanto impossibilidade de pontualmente cumprir obrigações vencidas. Sendo a garantia comum dos créditos o património do devedor, é aos credores que cumpre decidir quanto à melhor efectivação dessa garantia, e é por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado. Quando na massa insolvente esteja compreendida uma empresa que não gerou os rendimentos necessários ao cumprimento das suas obrigações, a melhor satisfação dos credores pode passar tanto pelo encerramento da empresa, como pela sua manutenção em actividade. Mas é sempre da estimativa dos credores que deve depender, em última análise, a decisão de recuperar a empresa, e em que termos, nomeadamente quanto à sua manutenção na titularidade do devedor insolvente ou na de outrem. E, repise-se, essa estimativa será sempre a melhor forma de realização do interesse público de regulação do mercado, mantendo em funcionamento as empresas viáveis e expurgando dele as que o não seja (ainda que, nesta última hipótese, a inviabilidade possa resultar apenas do facto de os credores não verem interesse na continuação). (cf. nº 3 do preâmbulo). E diz-se ainda: “Fugindo da errónea ideia afirmada na actual lei, quanto à suposta prevalência da via da recuperação da empresa, o modelo adoptado pelo novo Código explicita, assim, desde o seu início, que é sempre a vontade dos credores a que comanda todo o processo. A opção que a lei lhes dá é a de se acolherem ao abrigo do regime supletivamente disposto no Código — o qual não poderia deixar de ser o do imediato ressarcimento dos credores mediante a liquidação do património do insolvente ou de se afastarem dele, provendo por sua iniciativa a um diferente tratamento do pagamento dos seus créditos. Aos credores compete decidir se o pagamento se obterá por meio de liquidação integral do património do devedor, nos termos do regime disposto no Código ou nos de que constem de um plano de insolvência que venham a aprovar, ou através da manutenção em actividade e reestruturação da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiros, nos moldes também constantes de um plano” (nº 6 do preâmbulo do DL 53/2004).
[9] “A sujeição ao processo de insolvência de pessoas singulares e colectivas, tanto titulares de empresas como alheias a qualquer actividade empresarial, não é feita sem a previsão de regimes institutos diferenciados para cada categoria de entidades, que permitam o melhor tratamento normativo das respectivas situações de insolvência. Conforme atrás referido a propósito do plano de insolvência, este será tendencialmente usado por empresas de maior dimensão. No tratamento dispensado às pessoas singulares, destacam-se os regimes da exoneração do passivo restante e do plano de pagamentos” (cf. nº 44 do preâmbulo do DL 53/2004).
[10] O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa-fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da «exoneração do passivo restante». O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste (cf. ponto 45 do preâmbulo do DL 53/2004).
[11] No nº 1 do artigo 270º enumera-se situações de transmissão de bens imóveis que podem usufruir de isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos: a) destinadas à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital; b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora; c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores. Trata-se de medidas que satisfazem o interesse dos credores mantendo a empresa devedora, embora com mudança de titularidade, ou criando outra(s) empresa(s) .
[12] Como observado no Acórdão do STA em 17/12/2014, proc. 1085/13, “O nº 2 deste artigo (leia-se 270º) , não repete a isenção que estatuiu no nº 1, estende-a para as pessoas que, exteriores ao processo de insolvência porque não são os credores que adquiriram os bens, a empresa insolvente que viu aumentado o seu capital social, ou a empresa que se formou a partir deste processo, estes, já contemplados no nº 1 do artº 270º, mas àqueles que adquiram bens imóveis unitariamente considerados ou integrados na aquisição global ou parcial da empresa.
[13] Citando:« (…) a norma em análise prevê clara e expressamente que a isenção de IS se aplica à “venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa” e não prevê que a isenção de IS se aplica à venda, permuta ou cessão de elementos detidos por pessoas singulares. Em consequência, ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus. Donde, a isenção de IS prevista na alínea e) do artigo 269.º do CIRE só se aplica relativamente a bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não a bens imóveis de pessoas singulares».