Decisão Arbitral
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), o Dr. João Taborda da Gama e o Prof. Doutor Sérgio Pontes, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. A…- SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A., Pessoa Coletiva n.º…, com sede na … …, Lugar da …, …-… …, Distrito de … (doravante designada por Requerente), apresentou, em 3/2/2016 um pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o art. 102.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou AT).
2. A Requerente visa a anulação do ato de liquidação de IRC respeitante ao exercício de 2011, com o n.º 2015…, relativo ao grupo de sociedades de que a Requerente é sociedade dominante, por terem sido efetuadas correções à matéria tributável do resultado fiscal individual em IRC da sociedade “B… S.A.” no valor global de €270.963,13.
3. Em 5/2/2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
3.2. Em 5/4/2016, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.
3.2. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 20/4/2016.
3.3. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
a) A correção de €261.790,20 decorre do facto de as “perdas do abate da participação social da empresa C…, Lda. no ano de 2011” terem sido consideradas no apuramento do resultado fiscal de IRC apenas em 50% do seu valor, o que consubstancia uma errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente da aplicação do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC a uma situação de perda por liquidação.
b) A correção de €9.172,93, relativa a “Gastos com amortizações e depreciações não aceites no apuramento do resultado fiscal de IRC dos anos de 2011”, na medida em que não considerou dedutíveis os gastos relativos a imóveis que não se encontrarem em utilização e não geraram rendimentos para a Requerente, resulta de erro nos pressupostos de facto e errónea interpretação e aplicação da lei, em especial os artigos 23.º, n.º 1 e 29.º, n.º 3 do Código do IRC.
c) Conclui por isso a Requerente que deve ser anulada a correção e liquidação adicional impugnada e ser a Fazenda Pública condenada a pagar as custas do processo.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e juntou o Processo Administrativo, invocando, em síntese, o seguinte:
a) A conjugação da teleologia anti-abusiva do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, do seu elemento histórico, das regras gerais de interpretação, e do facto de a empresa liquidada (C…, Lda.) ser detida em 98% pela B…, recomenda que se faça uma interpretação do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC que não se ancore apenas na letra da lei e que, portanto, o deve considerar aplicável às perdas decorrentes de uma liquidação.
b) Invoca ainda, quanto a este ponto, que seria violador do princípio constitucional da igualdade limitar a 50% a dedutibilidade das menos-valias no caso de transmissão onerosa de partes sociais, e não o fazer nos casos de menos-valias decorrentes de uma liquidação.
c) Quanto à desconsideração dos gastos relativos à amortização de imóveis, a Requerida afirma “em momento algum foi colocada em causa a legitimidade dos investimentos realizados, não se realizando qualquer juízo de valor sobre a estratégia que os órgãos da aqui Requerente tenham reputado como adequada, ou sobre a rentabilidade dos atos de gestão”, sendo relevante apenas “o facto de os gastos em questão não serem passíveis de serem fiscalmente dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do CIRC, dada a não comprovação do requisito da indispensabilidade”.
d) Conclui, por isso, a Requerida pela legalidade do ato de liquidação de IRC de 2011 contestado pela Requerente, pelo que o pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado totalmente improcedente, por não provado, com as consequências legais.
6. Por despacho, de 31 de maio de 2016, foi dispensada a reunião do art. 18.º do RJAT e fixado o dia 20 de outubro de 2016 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
7. A Requerente e a Requerida não apresentaram alegações.
II. Saneamento
8.1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
8.2. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
8.3. O processo não enferma de nulidades.
8.4. Não foram suscitadas exceções.
8.5. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III. Mérito
III.1. Matéria de facto
9. Factos provados
9.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão–se como assentes e provados os seguintes factos:
i) A Requerente é uma sociedade anónima que se encontra enquadrada na CAE com a atividade principal … “Atividades das sociedades gestoras de participações sociais não financeiras”;
ii) A atividade da Requerente consiste na gestão de participações sociais, obtenção e concessão de empréstimos e serviços de gestão a empresas do grupo;
iii) Em sede de IRC, a Requerente está enquadrada no Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), sendo que, até 13/12/2012, era a sociedade dominante de um grupo de empresas onde se incluía a sociedade B…, S.A., doravante designada por “B…, S.A.”, na qual a Requerente detinha uma participação de 100%;
iv) A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva que decorreu sob as ordens de serviço internas n.º OI2015… e OI2015…, e que gerou o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) notificado à Requerente por Ofício n.º…, de 20/10/2015;
v) Desse RIT resultou uma correção técnica no valor global de €270.963,13 ao resultado fiscal em IRC do grupo de sociedades de que a Requerente era sociedade dominante, quanto ao exercício de 2011;
vi) Esta correção foi apurada na sociedade B…, S.A., que é proprietária de diversos imóveis registados como propriedades de investimento;
vii) No exercício de 2011, alguns desses imóveis registados como propriedades de investimento estavam arrendados, e os restantes estavam disponíveis para arrendamento ou venda;
viii) No resultado fiscal de IRC de 2011, a sociedade B…, S.A. deduziu € 523.580,40 relativos à perda obtida do resultado de partilha da dissolução da empresa participada, a C…, Lda., doravante designada por “C…, Lda.”;
ix) A correção no valor global de €270.963,13 encontra-se dividida da seguinte forma:
- Correção de €261.790,20, relativa a perdas do abate da participação social da empresa C…, Lda. no ano de 2011, considerada no apuramento do resultado fiscal de IRC em 50%;
- Correção de €9.172,93, relativa a gastos com amortizações e depreciações não aceites no apuramento do resultado fiscal de IRC do ano de 2011;
x) As correções apuradas pela AT têm por base os seguintes fundamentos:
- Correção de €261.790,20: no entendimento da AT, a perda de € 523.580,40, registada pela B…, S.A. no ano de 2011, resultante da dissolução da sua empresa participada C…, Lda., é considerada como “outras perdas relativas a partes de capital”, devendo por isso concorrer para o apuramento do resultado fiscal em apenas 50%, e não na sua totalidade (de acordo com o artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, na redação em vigor à data);
- Correção de €9.172,93: no entendimento da AT, as perdas com amortizações dos imóveis registados como propriedades de investimento que não estão a ser utilizados e que não geraram rendimentos sujeitos a IRC, não são dedutíveis (de acordo com o artigo 23.º, n.º 1 e 29.º, n.º 3 do Código do IRC, na redação em vigor à data);
xi) Em consequência, foi a Requerente, como sociedade dominante, notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2015…, relativa ao exercício de 2011;
xii) Inconformada com a referida decisão, a Requerente apresentou em 3/2/2016 o pedido de pronúncia arbitral, requerendo a anulação da correção e liquidação adicional impugnada.
9.2. Fundamentação da matéria de facto
A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada e não contestada, bem como no Processo Administrativo junto pela Requerida.
9.3. Não existem factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
III.2. Matéria de Direito
III.2.1 – Do tratamento das menos-valias fiscais incorridas em sequência da partilha de sociedade participada.
Cabe, em síntese, verificar se o regime aplicável à diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, consagrado, à data da verificação dos factos, no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC, é aplicável à diferença negativa entre o valor atribuído aos sócios em resultado da partilha, abatido do custo de aquisição da correspondente parte social, diferença essa qualificada, na alínea b) do n.º 2 do artigo 81.º do mesmo Código, como menos-valia.
Alega a Requerente que a dissolução, liquidação e partilha de sociedades dispõe de um tratamento jurídico-fiscal específico, consagrado, no que à matéria fiscal respeita, nos artigos 79.º a 82.º do Código do IRC, o qual estabelece, em concreto na alínea b) do n.º 2 do artigo 81.º, que a diferença negativa entre o valor atribuído aos sócios em resultado da partilha e o custo de aquisição da correspondente parte social, é qualificado como menos-valia, considerada, na determinação do lucro tributável, pela sua totalidade. Alega, ainda, que, na presença deste regime especial, deve considerar-se inaplicável o regime então constante do artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, que, para efeitos de determinação do lucro tributável, admite a dedução de apenas metade das menos-valias fiscais realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares.
Em sentido distinto, argumenta a Requerida que a norma especial, constante da alínea b) do n.º 2 do artigo 81.º do Código do IRC, não se sobrepõe ao n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC, devendo a diferença negativa entre o valor atribuído aos sócios em resultado da partilha e o custo de aquisição da correspondente parte social, a menos-valia, para efeitos de determinação do lucro tributável, deduzir-se apenas em metade.
Para o devido enquadramento da questão, entende-se por necessário apreciar a evolução legislativa nesta matéria, bem como a jurisprudência e doutrina entretanto produzidas.
A determinação do lucro tributável em sede de IRC assenta no princípio, também designado modelo, de dependência parcial[1], da fiscalidade face à contabilidade, princípio este que encontra suporte legal no artigo 3.º e, designadamente, no 17.º, ambos do Código do IRC. Estabelece este último, no seu n.º 1 que: «O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».
O lucro determinado nos termos da contabilidade, de acordo com a qual qualquer menos-valia é componente negativa do resultado, considerada no mesmo pela sua totalidade, é, para efeitos de determinação da matéria coletável de IRC, suscetível de correções, as quais encontram consagração legal ao longo do respetivo Código.
No que tange a mais e menos-valias, o Código do IRC inclui alguns afastamentos – correções – à contabilidade, incluídos nos artigos, à data dos factos, 46.º a 48.º, os quais, entre o mais, definem mais e menos-valias, a respetiva forma de cálculo e explicitam a sua tributação.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 46.º apresenta a definição de mais e menos-valias, estabelecendo que: «consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afetação permanente a fins alheios à atividade exercida, respeitantes a: a) Ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis, ativos biológicos que não sejam consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclassificado como ativo não corrente detido para venda; b) Instrumentos financeiros, com exceção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º».
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo estabelece o respetivo método de determinação, ao referir que: «as mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas no artigo 35.º, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente, sem prejuízo da parte final do n.º 5 do artigo 30.º».
O referido valor de aquisição, por força do n.º 1 do artigo 47.º, tendo por objetivo evitar a tributação da valorização por mero efeito da inflação, é ajustado do efeito temporal do dinheiro, ou seja, «o valor de aquisição corrigido nos termos do n.º 2 do artigo anterior é atualizado mediante aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda para o efeito publicados em portaria do Ministro das Finanças, sempre que, à data da realização, tenham decorrido pelo menos dois anos desde a data da aquisição, sendo o valor dessa atualização deduzido para efeitos da determinação do lucro tributável».
O legislador estabeleceu, portanto, um conjunto de regras para a quantificação das mais e menos-valias realizadas em três circunstâncias concretas: transmissão onerosa, sinistro e afetação permanente de ativos a fins alheios à atividade exercida.
A legislação acolheu, também, regras de restrição das menos-valias dedutíveis, as quais não constavam da versão original do Código do IRC aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro. Foi através da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2003), introduzindo no artigo 42.º, correspondente ao referido artigo 45.º à data dos factos, o seu n.º 3, o qual estabelece que: «a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valo[2]r[i]».
A redação original deste artigo apresentava-se como se segue: «a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
A introdução deste número[3] e a consequente alteração da respetiva redação[4] foram enquadradas pelo legislador no âmbito do combate à fraude e evasão fiscais. A intenção do legislador é objetiva quando, na página 53 do Relatório do Orçamento do Estado para 2003, identifica a alteração concreta a introduzir no Código do IRC, da seguinte forma: «determina-se a exclusão parcial (50%) das menos-valias registadas na alienação de partes sociais pela generalidade das empresas». Resulta claro que o facto gerador da exclusão parcial das menos-valias é a alienação de partes sociais. O Orçamento de Estado para 2006 alargou esta limitação às transmissões onerosas de “outras componentes do capital próprio”.
Conforme jurisprudência recente[5], «a norma, em qualquer das suas versões, integra uma medida anti-abuso, na medida em que o legislador terá pretendido (para além do alargamento da base tributável) evitar a manipulação do resultado fiscal».
De um ponto de vista contabilístico, o investimento de uma empresa noutra configura, para aquela que investe, um ativo; para a que beneficia do investimento, uma componente do capital próprio. É, naquela que investe, o desconhecimento desse ativo, ou seja, a sua ‘retirada’ do balanço, que origina uma mais-valia ou uma menos-valia. Aquela que investe pode fazê-lo em capital social da beneficiária do investimento, ou através de outras formas, como prestações suplementares, as quais originam na beneficiária outras componentes de capital próprio.
Ademais, atente-se na jurisprudência firmada pelo CAAD, nomeadamente no acórdão arbitral de 07 de setembro de 2012, proferido no âmbito do processo n.º 9/2012 – T[6], onde ficou consignado que «apesar de o capital social e as prestações suplementares constituírem uma contribuição dos sócios para o reforço do património da sociedade, são obrigações intrinsecamente distintas e, por isso, o legislador nunca integrou as prestações suplementares no conceito de “parte de capital”». Sendo assim, a redação inicial do n.º 3 do artigo 45.º (à época n.º 3 do artigo 42.º), ao mencionar apenas “partes de capital”, omitia o tratamento a dar aos restantes montantes investidos numa empresa, mas a coberto de outros instrumentos jurídicos, tais como as prestações suplementares.
Daqui resulta claro que, considerando a versão inicial do n.º 3 do art.º 45.º do Código do IRC, ao alienar uma participação social, incluindo nessa alienação todos os direitos e obrigações, a eventual menos-valia gerada pela “parte de capital” é dedutível apenas em 50%, mas a menos-valia gerada pela alienação do investimento efetuado “noutras componentes do capital próprio da beneficiária”, tais como prestações suplementares, era dedutível na totalidade.
Com a versão original do artigo ora em análise, a manipulação do resultado fiscal era conseguida diferenciando o investimento em “partes de capital” e em “outras componentes do capital próprio”: quanto menor a componente de investimento em “partes de capital” (cuja menos-valia é dedutível apenas em 50%) e maior a componente em “outras componentes do capital próprio” (cuja menos-valia na versão original do artigo era dedutível na totalidade), menor o encargo fiscal. O legislador, ao sujeitar as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa da totalidade do investimento realizado numa sociedade, quer esse investimento seja efetuado no capital social e, portanto, contabilizado como “partes de capital”, quer seja efetuado “noutras componentes do capital próprio, designadamente, prestações suplementares”, torna neutra a forma de investimento, pois, aquando da respetiva transmissão onerosa, todo o investimento efetuado, seja a que título for, “parte de capital” ou “outras componentes de capital próprio”, é fiscalmente tratado de forma semelhante.
Ainda no que concerne à interpretação do n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC aqui em causa, veja-se o acórdão do CAAD de 25 de novembro de 2013, proferido no processo n.º 108/2013-T[7] o qual preconiza que:
«A análise do texto normativo revela com clareza que o legislador elegeu, para nele incluir, três tipos de situações que se deverão ter, em função da presunção de boa técnica legislativa, por distintas, a saber:
a. “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital”;
b. “outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”;
c. “outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”.
[…]
A aparente abrangência indiscriminada das previsões em causa [refere-se às situações elencadas sob as alíneas b) e c)], poderá, contudo, ser razoavelmente mitigada se se atentar que “perdas” e “outras variações patrimoniais negativas”, serão conceitos, não redundantes, mas dotados de um sentido próprio e distinto.
Para compreender tal facto, será necessário recuar aos artigos 23.º e 24.º do mesmo Código, atentando na evolução terminológica operada pelo artigo [leia-se, pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Dezembro].
Com efeito, antes da entrada em vigor deste último diploma, os artigos referidos do CIRC referiam, respectivamente, que: “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)”; “Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto: (...)”.
Verifica-se, deste modo, que aquando da consagração da redacção actual do artigo 45.º/3 do CIRC, este Código distinguiu expressamente, para o que aqui releva, três tipos de situações, a saber:
a. Custos;
b. Perdas;
c. Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício.
A previsão do artigo 42.º/3 (predecessor do actual 45.º/3), dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24.º. Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos “a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), relativas àquelas partes.
E que assim é, ou seja, que a expressão “outras perdas ou variações patrimoniais negativas” utilizada no actual artigo 45.º/3 do CIRC não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido nos artigos 23.º e 24.º, decorre desde logo do facto de o legislador ter empregue a mesma distinção.
[…]
A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, não terá alterado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23.º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continua a utilizar a expressão “perdas”, incluindo no próprio artigo 23.º (cfr. n.º 1, alínea h)). Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3.e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de Julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas”.
Deste modo, conclui-se que o artigo 45.º/3 do CIRC aplicável, se reportará a:
a. diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital;
b. outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e
c. outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio,
sendo que por “perdas” se deve entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, e por “variações patrimoniais negativas” se deverá entender variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, tal como definidas no artigo 24.º.
Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio».
Vem o acórdão do STA, de 17/02/2016, processo n.º 01401/14, citar o parafraseado acórdão do CAAD de 25 de novembro de 2013, proferido no processo n.º 108/2013-T, para, em decorrência, concluir: «tendo presente o que vimos de dizer, podemos avançar no sentido de que as referidas menos-valias também não se enquadram nas situações previstas sob as alíneas b) e c) acima descritas. Desde logo, porque sendo o art. 81.º, n.º 2, alínea b), do CIRC que, qualificando a natureza dos rendimentos, equipara a menos-valias a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais, não faria sentido considerar agora essa diferença como outra perda ou outra variação patrimonial negativa».
Pelo exposto, não pode a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais equiparar-se legalmente, no artigo 81.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRC, a menos-valia e, simultaneamente, considerar-se “outra perda” ou “outras variações patrimoniais negativas”.
São, portanto, figuras distintas.
Enquanto a alienação de “partes de capital”, bem como de “outras componentes do capital próprio”, consubstanciam decisões de gestão tomadas em continuidade, a dissolução, liquidação e partilha de uma sociedade constitui um processo, na maioria das vezes não decorrente de uma decisão de gestão, mas antes da incapacidade para operar em continuidade – a continuidade cessou. Continuidade essa que cessou, numa grande maioria das vezes, por fatores exógenos à gestão, portanto, por fatores que a gestão não controla. Consequentemente, a manipulação do resultado fiscal que se pretendeu evitar com o n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC, será, face à alienação de partes sociais, substancialmente menor no processo de dissolução, liquidação e partilha. Neste sentido, pode ler-se em recente acórdão do STA, de 17/02/2016, processo n.º 01401/14, que : «os riscos de evasão fiscal por manipulação do resultado fiscal não são tão evidentes nos casos da dissolução e partilha de uma sociedade como nos casos de transmissão onerosa de partes sociais».
Atento o modelo de dependência parcial, a continuidade tem uma importância tal que, no “direito contabilístico” é normativamente tratada como um pressuposto[8] que, quando afastado, implica o ajustamento das regras contabilísticas. O processo de dissolução, liquidação e partilha, é, quer do ponto de vista da gestão, quer do ponto de vista da contabilidade, uma situação de verdadeira exceção: trata-se, afinal, do fim da sociedade. De igual forma, do ponto de vista do direito societário, as caraterísticas únicas deste processo exigiram a consagração de regras próprias. O Capítulo XII do Código das Sociedades Comerciais (CSC) trata da dissolução de sociedades, enquanto o Capítulo XIII trata da respetiva liquidação. Para o que releva neste processo, importa referir que o artigo 156.º do CSC inclui-se neste último e estabelece as regras inerentes à partilha.
De forma semelhante, do ponto de vista fiscal estão estabelecidas regras específicas para o tratamento do resultado da partilha.
O artigo 81.º do Código do IRC estabelece a natureza dos rendimentos gerados nesta operação, consagrando no seu n.º 1 que «é englobado para efeitos de tributação dos sócios, no exercício em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais», precisando o n.º 2 as regras desse englobamento: «no englobamento, para efeitos de tributação da diferença referida no número anterior, deve observar-se o seguinte: a) Essa diferença, quando positiva, é considerada como rendimento de aplicação de capitais até ao limite da diferença entre o valor que for atribuído e o que, face à contabilidade da sociedade liquidada, corresponda a entradas efetivamente verificadas para realização do capital, tendo o eventual excesso a natureza de mais-valia tributável; b) Essa diferença, quando negativa, é considerada como menos-valia, sendo dedutível apenas quando as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução, e pelo montante que exceder os prejuízos fiscais transmitidos no âmbito da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades e desde que a entidade liquidada não seja residente em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças».
Esta norma estabelece, portanto, que «o regime e as regras, especiais, aplicáveis ao apuramento das mais e menos-valias decorrentes da partilha pelos sócios, fixando condições para a dedutibilidade das menos-valias apuradas, a saber: i) as participações têm de permanecer na titularidade do sócio nos três anos imediatamente anteriores à dissolução; ii) as participações têm de estar registadas por montante que exceda os prejuízos fiscais transmitidos no âmbito da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades; iii) a entidade liquidada não pode ser residente em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças» (acórdão do STA, de 17/02/2016, Proc. n.º 01401/14, Relator: Francisco Rothes).
O citado acórdão referencia um parecer do Centro de Estudos Fiscais, sancionado por despacho do Diretor Geral dos Impostos de 12 de março de 97[9]. Embora este parecer seja anterior à norma consagrada no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC, esclarece que «se as mais-valias e as menos-valias a que se referem, respetivamente as alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 67º do CIRC [correspondente ao aqui em análise art.º 81.º, n.º 2, alíneas a) e b)], são abrangidas pelo regime fiscal definido nos art.ºs 42.º a 44.º do mesmo Código [correspondentes, à data dos factos, aos art.ºs 46.º a 48.º], ou se apenas lhes é aplicável a disciplina própria prevista no art.º 67.º».
Naquele parecer, após o ponto n.º 1, citado anteriormente, portanto, logo no n.º 2, a argumentação parece suficientemente conclusiva, referindo-se que «[…] o legislador foi suficientemente explícito sobre o regime que pretendia aplicar às diferenças, positivas e negativas, apuradas pelos sócios, no momento da partilha do produto da liquidação, pois o art.º 67.º contém todos os elementos indispensáveis quer à respetiva qualificação e quantificação quer ao tratamento que lhe é conferido para efeitos do apuramento do lucro tributável dos sócios».
No ponto 4, o referido parecer esclarece o motivo dos distintos regimes da seguinte forma: «[…] ainda que o legislador […] declare que […]a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição é considerada menos-valia dedutível não acrescenta que lhe é aplicável o regime fiscal previsto para as mais-valias e menos-valias realizadas, decerto porque não cabem na definição geral dada pelo n.º 1 do art. 42.º [depois, 46.º], o qual atende, sobretudo, à natureza da operação de transferência dos elementos do ativo imobilizado – venda (voluntária ou involuntária), troca, inutilização e afetação permanente a fins alheios à empresa. Efetivamente, o elemento distintivo entre estas situações geradoras […] de menos-valias e a situação de partilha, reside em que, nesta última, o facto relevante de cuja ocorrência resulta o apuramento das diferenças qualificadas como […] menos-valias se consubstancia na extinção das partes sociais em consequência da dissolução da sociedade.»
Conclui-se, no ponto n.º 8, que «o art. 67.º, n.º 2, alíneas a) e b) [correspondente ao citado art. 81.º, n.º 2, alíneas a) e b)] não se limita a qualificar como mais-valia a diferença positiva entre o valor das entradas efetivamente verificadas para a realização do capital social e o custo de aquisição das partes sociais e como menos-valia a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais, pois define também o respetivo regime de tributação, não lhes sendo, portanto, aplicável, dada a sua distinta natureza, o disposto nos arts. 42.º a 44.º do Código do IRC».
Em síntese de tudo quanto antes se apresenta:
I. As regras de determinação das mais-valias e das menos-valias não assumem identidade entre contabilidade e a fiscalidade, estabelecendo o legislador, no âmbito do modelo de dependência parcial, normas específicas de determinação, quantificação e tributação destas grandezas, as quais são de exclusiva aplicação a situações de transmissão onerosa, sinistro e afetação permanente a fins alheios à atividade exercida. Estas regras, conforme reconheceu a AT, não são aplicáveis à diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais, porquanto, nesta circunstância, o legislador foi suficientemente explícito sobre o regime que pretendia aplicar, quer quanto à qualificação e quantificação, quer quanto ao tratamento que lhe é conferido para efeitos do apuramento do lucro tributável dos sócios.
II. O legislador estabeleceu, igualmente, regras restritivas da dedutibilidade (a) das diferenças negativas entre as mais e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de “partes de capital”, conceito circunscrito à contribuição dos sócios em capital social, circunstância que justificou o alargamento legal do preceito, incluindo o mesmo (b) outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio e (c) outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio. As menos-valias consignadas no artigo 81.º, n.º 2, alínea b), não se enquadram nas situações previstas em a), b) e c).
III. Conforme reconheceu a jurisprudência anterior, não pode a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais equiparar-se legalmente, no artigo 81.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRC, a menos-valia e, simultaneamente, considerar-se “outra perda” ou “outras variações patrimoniais negativas”.
IV. É, igualmente, neste sentido que se apresenta a jurisprudência produzida sobre esta matéria. No acórdão proferido pelo TCA Sul, a 17 de abril de 2012, no âmbito do processo n.º 05315/12[10] concluiu-se, acerca do n.º 3 do artigo 42.º do Código do IRC [n.º 3 do artigo 45º do Código do IRC à data dos factos], que «[…] na redacção resultante da Lei 60-A/2005, de 30/12, o legislador considera que somente concorrem para a formação do lucro tributável em metade do seu valor (50%) as menos-valias resultantes da alienação onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução do capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares. Por outras palavras, o artº. 42, nº.3, do C.I.R.C., veio declarar indedutível metade do valor das menos-valias, independentemente das condições da sua realização. A norma em causa quer obstar à dedutibilidade das supra aludidas menos-valias […] não sendo aplicável aos casos de liquidação e partilha de sociedades (cfr. artºs.73 a 75, do C.I.R.C.), regime em que está em causa o cálculo das menos-valias efectivamente realizadas […], resultantes da extinção das partes sociais em consequência da dissolução da sociedade».
V. Nesta senda, em jeito de conclusão, preparando a decisão, e parafraseando o sumário do profusamente citado acórdão do STA, de 17/02/2016, no âmbito do processo n.º 01401/14: «O art. 81.º, n.º 2, alínea b), do CIRC, não só qualificava como menos-valia a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais no caso da dissolução e partilha da sociedade, como também fixava o respectivo regime, especial, para a tributação do resultado da partilha, com uma forma própria de cálculo e com deduções específicas. Dado o regime especial assim fixado e na ausência de remissão para o regime de limitação da dedutibilidade então fixado pelo n.º 3 do art. 45.º do CIRC, este não é aplicável àquela situação.»
Improcede, assim, a argumentação da AT.
III.2.2 – Indispensabilidade dos gastos com a amortização de imóveis
A questão central a decidir gira em torno de saber se são dedutíveis os gastos com a amortização de imóveis que são contabilizados como propriedades de investimento de uma sociedade, os quais, num determinado momento, apesar de estarem disponíveis para arrendamento ou venda, não estão a ser utilizados pela sociedade.
No entendimento da AT, os gastos com as amortizações dos imóveis registados como propriedades de investimento, disponíveis para arrendamento ou venda, mas que não estão a ser utilizados e que não geraram rendimentos sujeitos a IRC, não são dedutíveis de acordo com o artigo 23.º, n.º 1, e 29.º, n.º 3, do Código do IRC, na redação em vigor à data. O RIT não fundamenta a correção, apenas afirma a indedutibilidade, de forma conclusiva, depois de transcrever, acrescentando alguns sublinhados, os preceitos legais referidos.
No entendimento da Requerente, os artigos em questão do Código do IRC, tal como concretizados ao longo de décadas pela jurisprudência e pela doutrina, não impedem a plena dedutibilidade destes gastos, nomeadamente pelo facto de se dever entender que não é exigida uma relação causal e direta entre um gasto e rendimento, como no passado, mas apenas que o gasto seja incorrido “no interesse da empresa”, que se trate de um “ato de gestão”, ou de atos “abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo”.
Entendemos que tem razão a Requerente.
Por um lado, é hoje absolutamente pacífico, e confirmado pela redação atual do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, aquilo que há muito se vinha defendendo na doutrina e na jurisprudência: para que um gasto seja considerado dedutível basta apenas que seja “uma despesa com um fim empresarial, o que não quer dizer uma despesa que tenha um fim imediata e directamente lucrativo; o que é indispensável é que tenha, na sua origem, e na sua causa o interesse específico da empresa”[11]. O facto de uma empresa, que além do mais tem no seu objeto social a gestão de imóveis, ter inscrito no seu balanço um conjunto de imóveis, parte dos quais arrenda e explora em determinado exercício, é suficiente para que, em relação a todos eles, se possa presumir a ligação ao fim empresarial, ainda para mais quando comprovadamente – e como admitido pela AT – os imóveis não arrendados estavam disponíveis para arrendamento e/ou venda. Ou seja, a dedução dos gastos deve ser admitida tendo em conta o disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC.
Também improcede a invocação pela AT do artigo 29.º, n.º 3, do Código do IRC.
Segundo este artigo, na redação então em vigor, “salvo razões devidamente justificadas e aceites pela Direcção-Geral dos Impostos, os elementos do activo só se consideram sujeitos a deperecimento depois de entrarem em funcionamento ou utilização”.
A AT não justifica no RIT a transcrição deste artigo, com um sublinhado acrescentado, nem explica por que entende que o mesmo se aplica ao caso concreto. Para além da deficiente fundamentação, sempre se deve dizer que consideramos que o artigo transcrito não é aplicável ao caso concreto, uma vez que aquele preceito apenas pretende marcar o momento inicial normal de depreciação de ativos, excluindo em regra a dedutibilidade fiscal quanto aos “investimentos em curso”, e os imóveis cujas amortizações se contestam estavam já inscritos no balanço como “propriedades de investimento”. Uma coisa é o momento inicial da consideração da depreciação para efeitos fiscais[12] (que o artigo 29.º, n.º 3, do Código do IRC procura resolver), outra o facto de um ativo em concreto, num determinado momento, estar a ter uma utilização normal tendente à sua rentabilização mas não estar, por qualquer razão, a gerar diretamente rendimentos (por exemplo, porque ainda não se encontrou um arrendatário).
Em suma, o artigo 29.º, n.º 3, do Código do IRC não é aplicável aos gastos com as amortizações dos imóveis não arrendados, mas disponíveis para arrendamento ou venda, sendo, portanto, dedutíveis esses gastos.
Termos em que, por tudo o quanto vai exposto, julga-se procedente o pedido da Requerente, no que se refere à ilegalidade da correção ao resultado fiscal individual em IRC, 2011, da Sociedade “ B… S.A.,” no valor € 270.963,13, refletida no resultado do Grupo, com a consequente anulação da liquidação adicional impugnada.
IV. Decisão
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, declarar ilegal a liquidação de IRC n.º 2015…, no valor de €270.963,13, respeitante ao exercício de 2011, com a sua consequente anulação, por erro sobre os pressupostos de direito e de facto, por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 23.º, n.º 1 e 29.º, n.º 3, do Código do IRC; e
b) Condenar a AT no pagamento das custas do processo.
V. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €270.963,13.
VI. Custas
De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se, a cargo da Requerida, o montante das custas em € 4.896,00.
Notifique.
Lisboa, 10 de agosto de 2016.
Os árbitros,
Fernanda Maçãs
Sérgio Pontes
João Taborda da Gama
[1] Tomás Castro Tavares, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos, Ciência e Técnica Fiscal, 1999, 396.
[2] Redação introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2006).
[3] Relatório do Orçamento do Estado para 2003; outubro-2002; pp. 34 e 53; disponível em http://www.dgo.pt/.
[4] Relatório do Orçamento do Estado para 2006, outubro-2005, 31, disponível em http://www.dgo.pt/.
[5] Acórdão do STA, de 17 de fevereiro de 2016, Proc. n.º 01401/14, Relator: Francisco Rothes.
[6] Acórdão do CAAD, de 07 de setembro de 2012, Proc. n.º 9/2012-T, disponível em https://caad.org.pt.
[7] Acórdão do CAAD, de 25 de novembro de 2013, Proc. n.º 108/2013-T, disponível em https://caad.org.pt.
[8] Cfr. § 23 do Aviso n.º 15652/2009 relativo à Estrutura Concetual do Sistema de Normalização Contabilística, entretanto substituído pelo Aviso n.º 8254/2015, publicado no DR, 2.ª série, n.º 146, de 29 de julho de 2015.
[9] Maria dos Prazeres Lousa, Tratamento Fiscal das mais-valias e menos-valias apuradas no momento da partilha do saldo de liquidação, Ciência e Técnica Fiscal, Centro de Estudos Fiscais, n.º 387, julho - setembro 1997, 375-379.
[10] Acórdão do TCA Sul, de 17 de abril de 2012, Proc. n.º 05315/12, Relator: Joaquim Condesso.
[11] Por todos, J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª ed, Coimbra, 2007, 384.
[12] O STA confirmou uma aplicação do artigo 29.º n.º 3 do Código do IRC no sentido da não dedutibilidade de gastos com um hotel quando este ainda não tinha entrado em funcionamento (acórdão do STA de 5 de julho de 2012, Proc. n.º 658/11, Relator: Fernanda Maçãs).