Decisão Arbitral
IMT- benefícios fiscais utilidade turística
I - RELATÓRIO
1. Em 2 de Fevereiro de 2016, A…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, S.A., com sede na…, n.º … –…, …–… …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único de matrícula e de identificação fiscal … (doravante «Requerente»), na qualidade de sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário «B… – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional» registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, com o número de identificação fiscal … (adiante «Fundo B…»), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, apresentando, nos termos do artigo 2.º número 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), Pedido de Pronúncia com vista a apreciação da legalidade das liquidações de IMT (no montante de € 27.764,75) e Imposto do Selo (no montante de € 3.880,00), relativas a aquisição de um prédio com n.º de matriz U-…-…, da freguesia de … e…, com declaração de nulidade ou anulação dos actos tributários e restituição das quantias pagas, assim como reconhecimento do direito a juros indemnizatórios. Juntou dois documentos.
2. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro.
3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, foi designada como árbitro singular, a signatária Maria Manuela do Nascimento Roseiro, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.
4. Notificadas as partes e não havendo recusa da referida designação (artigo 11.º, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico), veio o tribunal arbitral a ficar constituído em 20 de Abril de 2016, de acordo com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, sendo, na mesma data, proferido despacho arbitral de notificação da Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) nos termos do artigo 17.º do RJAT.
5. Em 4 de Maio de 2014, a Requerida veio apresentar Resposta, pedindo dispensa de junção de processo administrativo e juntando três decisões arbitrais em processos idênticos.
6. Na sequência de despachos arbitrais a Requerente respondeu a excepção suscitada pela Requerida e, com anuência das Partes, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, marcando-se prazo de dez dias para apresentação de alegações, a decorrer sucessivamente.
7. As alegações foram apresentadas em 22 de Junho e 8 de Julho de 2016, respectivamente, tendo a Requerente juntado três documentos entre os quais uma decisão arbitral proferida em processo idêntico e um Parecer doutrinário. O tribunal indicou que a decisão arbitral seria apresentada até dia 5 de Agosto de 2016.
8. Pedido de pronúncia arbitral
O Requerente invoca, em síntese (da nossa responsabilidade):
a) Os artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (OE para 2009) aprovaram o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, prevendo no art. 8.º do regime constante do art. 104.º o “regime tributário” dos FIIAH.
b) Com base no referido artigo 8.º, após aditamento dos n.ºs 14 a 16, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (OE para 2014), e de uma disposição transitória, constante do artigo 236.º desse OE, a Requerente solicitou à Autoridade Tributária a liquidação de IMT e de Imposto do Selo (IS), por causa da alienação pelo Fundo B…do prédio sito na…, …, Bloco…, …, com a inscrição matricial U-…-… da Freguesia de … e … .
c) Foram emitidas as liquidações n.º…, de IMT, no valor de € 27.764,75, e n.º…, de Imposto do Selo (IS), no valor de € 3.880,00.
d) O n.º 14 aditado pela Lei n.º 83-A/2013, concretizou de forma inequívoca, e pela primeira vez, o significado da expressão “prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente” como os que são, para efeitos do regime especial, objecto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo.
e) As normas aditadas também concretizaram as circunstâncias em que os prédios que integrem o activo dos FIIAH deixam de beneficiar do regime de isenções previsto nos n.ºs 6 e 8 do Regime Tributário dos FIM, prevendo que, nos casos em que os prédios que integrem o património dos FIIAH não tenham sido objecto de arrendamento no prazo de 3 anos a partir do referido ingresso, ou nos casos de alienação de prédios pelo FIIAH, ou liquidação do próprio FIIAH, antes de decorrido o prazo de 3 (três) anos, contado a partir da data da entrada dos prédios relevantes no património do FIIAH, o sujeito passivo solicite à Autoridade Tributária, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo a liquidação do imposto respectivo.
f) Sendo o IMT e o Imposto do Selo impostos de obrigação única, e verificando-se que, à data da entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, o prédio em causa nos autos estava integrado no património da Requerente e fora adquirido com as isenções previstas nos n.ºs 7 e 8 do Regime Tributário dos FIIAH, reconhecidas previamente a requerimento do Fundo B…, deve entender-se que as isenções ficaram cristalizadas na ordem jurídica.
g) Porque as isenções não eram, naquela data, condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias nem sujeitas a qualquer regime de caducidade, a imposição superveniente relativa a isenções cristalizadas na ordem jurídica enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal consagrado no art. 103.º da CRP.
h) A extensão, prevista no artigo 236.º do OE para 2014, de aplicação do actual Regime dos FIIAH aos prédios que tenham sido adquiridos antes de 1 de Janeiro de 2014 (…) consagra um novo regime de caducidade das isenções previstas nos n.ºs 7, a) e 8 do art. 8.º, violando de forma directa e inequívoca o referido princípio da não retroactividade da lei fiscal.
i) E porque esse princípio da irretroactividade fiscal reveste o carácter de um direito fundamental, dotado do regime jurídico protector deste direito, o seu desrespeito origina, segundo alguma doutrina, a nulidade (ou mesmo a inexistência jurídica) das liquidações, podendo a impugnação ser efectuada a todo o tempo.
j) Assim, e ainda que se considere estar em causa apenas a anulabilidade, deve ser dado provimento ao Pedido quanto à ilegalidades das liquidações, mandando restituir as importâncias entretanto pagas acrescidas de juros indemnizatórios.
8. A Resposta da Requerida
A Requerida respondeu, em síntese (da nossa responsabilidade):
Por excepção
a) O Tribunal Arbitral é incompetente para aferir ou declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31/2, estando a competência para a fiscalização abstracta da constitucionalidade reservada ao Tribunal Constitucional (art. 281.º da CRP), pelo que se verifica uma excepção dilatória conducente à absolvição da instância (artigo 576.º/1 e 2 e no artigo 577.º-a) do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT).
Por impugnação:
b) A obrigatoriedade de destinar o imóvel ao arrendamento habitacional não é requisito das alterações introduzidas pelo OE para 2014, mas sim um requisito do regime fiscal dos FIIAH (art. 8.º) aprovado pelo OE para 2009 pelo que os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções sempre tiveram que cumprir o pressuposto de que tais prédios seriam destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.
c) As liquidações ora impugnadas tiveram precisamente como fundamento o facto de ter sido dado ao imóvel um destino diferente daquele que originou a atribuição do benefício fiscal existindo nesse sentido já diversa jurisprudência arbitral no sentido de que não se trata de retroactividade ou não da norma aplicada, mas sim de alienação de imóveis sem que tenham cumprido o seu destino de afectação ao arrendamento habitacional permanente, porque foram alienados sem realização daquele destino, ou seja sem cumprimento do requisito estabelecido para a aplicação da isenção de IMT.
d) Para cumprimento da alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º não basta uma intenção declarada na aquisição do imóvel mas uma efectiva afectação ao arrendamento para habitação permanente, requisito que o ora Requerente não comprova de forma alguma neste processo, nem no procedimento administrativo anterior.
e) Nestes casos, dando-se a alienação do imóvel determina-se a reposição automática da tributação regra.
f) Quanto à alegada nulidade das liquidações impugnadas, o regime regra de invalidade dos actos administrativos no ordenamento jurídico-administrativo português é, por razões de segurança jurídica, a mera anulabilidade.
g) A nulidade afecta apenas atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, os que contendem com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, e não aqueles que contendem com o princípio da legalidade, como no caso dos autos, até porque isso criaria uma insustentável incerteza generalizada e perpétua no domínio das finanças públicas, impossibilitando qualquer programação financeira consistente a médio prazo.
h) O regime dos FIIAH introduzido pela Lei que aprovou o Orçamento para 2009, teve como objectivo apoiar as pessoas com dificuldade em pagar as prestações mensais dos empréstimos relativos à compra de casa, possibilitando a venda e arrendamento do imóvel, com direito de recompra.
i) A lei nova não altera os pressupostos, as condições de atribuição e de reconhecimento do benefício fiscal de isenção de IMT e de IS, apenas prevê tempo e modo de cumprimento do requisito legal, previamente estabelecido, não existindo qualquer violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal por não se verificar imposição superveniente de quaisquer condições determinantes da caducidade do direito à isenção de IMT ou de IS que não estivessem inicialmente previstas.
j) Neste caso não se pode dizer que o sujeito passivo fosse surpreendido com exigência de prova de contrato de arrendamento, a caducidade da isenção por falta de pressupostos de atribuição já se encontrava expressamente consagrada no artigo 14.º/2 do EBF, limitando-se o artigo 8.º, n.º 16 do regime dos FIIAH a estabelecer um prazo definido cuja contagem apenas se inicia após a entrada em vigor da lei nova.
k) Em qualquer caso, e sem conceder, não podendo a Requerida recusar a aplicação da lei com fundamento na sua inconstitucionalidade, não existe erro na actuação da entidade requerida ou imputável aos serviços, não sendo devidos juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º da LGT.
9. Questões a decidir
Para além da excepção, suscitada pela Requerida, sobre a incompetência do tribunal, as questões decidendas são:
A. Legalidade das liquidações de IMT e de Imposto do Selo efectuadas pela Requerida aquando da alienação, por um Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH), de prédio que anteriormente adquirira com as isenções previstas no artigo 8.º do regime especial dos FIIAH, criado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (OE para 2009), apreciando-se designadamente, se está em causa a aplicação de normas aditadas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (OE para 2014), com violação do artigo 103.º da CRP.
B. Direito a juros indemnizatórios, no caso das liquidações em causa serem ilegais.
10. Saneamento
Quanto à questão invocada pela Requerida de incompetência do tribunal arbitral para decidir acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada norma, o pedido não visa obter uma declaração de inconstitucionalidade de normas jurídicas mas apenas pronúncia quanto à respectiva aplicação concreta a determinada situação, avaliando-se se o resultado constitui violação de uma norma constitucional.
Porque o tribunal arbitral tem, como os outros tribunais, competência para não aplicar normas que infrinjam o disposto na constituição ou os princípios nela consignados (artigo 204.º da CRP), considera-se improcedente a excepção suscitada pela Requerida.
O Tribunal é, pois, materialmente competente, encontrando-se regularmente constituído nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
Pelo que se passa à decisão de mérito.
II. FUNDAMENTAÇÃO
11. Factos provados
11.1. A Requerente, designada por A… – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, S.A., é uma sociedade gestora do fundo imobiliário “Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional”, registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários com o número fiscal … (Pedido).
11.2. A Requerente adquiriu a fracção … do artigo … da freguesia de …, actual … da União de freguesias de … e … a entidade com NIF …, tendo sido requerida e concedida isenção nos termos do art. 10.º do CIMT (art. 21º do Pedido e doc. n.º 1 junto com o Pedido).
11.3. Relativamente à aquisição referida no número anterior, foi, em 26 de Julho de 2013, efectuada liquidação de IMT “usufruindo do benefício fiscal 92, FIIAH/SIIAH (art. 87.º do OE/09) ”[1] (doc. n.º 1).
11.4. Em 20 de Janeiro de 2016, antes da alienação do imóvel referido em 11.2, a Requerida efectuou liquidação de IMT e de Imposto do Selo relativamente à anterior aquisição[2] do mesmo prédio, pelo preço de 485.000 euros, o que resultou nos montantes, respectivamente, de € 27.764,75 (IMT) e € 3.880,00 (IS) (art. 6º do Pedido e art. 5º da Resposta e doc. n.º 1 junto com pedido).
11.5. Nos documentos de liquidação é mencionado, quanto ao IMT, que a liquidação se deve a caducidade da isenção nos termos dos números 1 e 2 do artigo 34.º do CIMT em consequência de realização de venda do prédio, a efectuar em 20 de Janeiro de 2016[3], com alteração do destino em que assentara a concessão do benefício (doc. n.º 1).
11.6. Os impostos liquidados nos termos dos dois números anteriores foram pagos em 21 de Janeiro de 2016 (Doc. n.º 2)
12. Factos não provados
A matéria dada como provada revela-se suficiente para apreciação da questão de direito, inexistindo factos não provados relevantes para a solução do presente litígio.
13. Fundamentação da prova
A fixação da factualidade fez-se com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como nos documentos juntos aos autos.
14. Aplicação do direito
14.1. Tipo de ilegalidade em apreciação
A Requerente invoca violação do artigo 103.º da CRP, concluindo que se está perante uma situação de nulidade dos actos tributários objecto do pedido de pronúncia.
A Requerida responde, citando diversa jurisprudência do STA, que ainda que os actos de liquidação em causa se baseassem numa norma inconstitucional o vício de que padeceriam seria sempre a anulabilidade e não a nulidade, por que esta apenas ocorre em casos de ofensa do conteúdo de um direito fundamental (alínea d) n.º 2 do artigo 133.º do CPA) e não em situações de mera violação de legalidade como é o caso.
Subscreve-se a posição da Requerida, na linha da jurisprudência citada, entendendo-se que os actos de liquidação objecto do pedido não são nulos e que, na decisão sobre a legalidade da liquidação a emitir nos autos, está em causa a eventual anulabilidade dos actos tributários.
14.2. O regime especial para FIIAH e SIIAH criado pela Lei do OE para 2009
Nos seus artigos 102.º a 104.º, a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, aprovou um regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH) (artigo 102.º), constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da mesma lei e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período (ou seja, entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013) (art. 103.º) mandando aplicar à respectiva constituição e funcionamento o Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20 de Março (art. 104.º).[4]
Os Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH)[5], de acordo com o disposto nos artigos 1.º a 4.º do regime aprovado pelo OE para 2009:
- integravam na sua denominação a expressão ‘fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional’ ou a abreviatura FIIAH, que só eles (ou seja, com as características dos artigos 2.º a 6.º), poderiam adoptar;
- o respectivo valor do activo total deveria ao fim do primeiro ano atingir o montante mínimo de € 10 milhões e, quando constituído com o recurso a subscrição pública, ter, pelo menos, 100 participantes, cuja participação individual não pode exceder 20 % do valor do activo total do fundo, sendo que o incumprimento do referido limite de participação individual determinava a suspensão imediata e automática do direito à distribuição de rendimentos do FIIAH no valor da participação que exceda aquele limite.
- quanto a composição do património do FIIAH, diz-se aplicável o artigo 46.º [6] do Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, mas pelo menos, 75 % do seu activo total é constituído por imóveis, situados em Portugal, destinados a arrendamento para habitação permanente.
O artigo 5.º do Regime consagrado pela Lei 64-A/2008, prevê que:
- Os mutuários de contratos de crédito à habitação que procedam à alienação do imóvel objecto do contrato a um FIIAH podem celebrar com a entidade gestora do fundo um contrato de arrendamento (n.º 1);
- Previamente à celebração do contrato de transmissão da propriedade do imóvel para o FIIAH, a respectiva entidade gestora presta ao alienante, em papel ou noutro suporte duradouro, informação sobre os elementos essenciais do negócio, como seja o preço da transacção, incluindo, também, caso seja aplicável, o valor da renda, as respectivas condições de actualização e os critérios de fixação do preço e os termos gerais do exercício da opção de compra (n.º 2);
- O arrendamento efectuado pelos mutuários, nos termos previstos no n.º 1, constitui o arrendatário num direito de opção de compra do imóvel, ao fundo, susceptível de ser exercido até 31 de Dezembro de 2020, direito de opção que só é transmissível por morte do titular. (n.ºs 3 e 4);
- O referido direito de opção de compra cessa se o arrendatário incumprir a obrigação de pagamento da renda ao FIIAH por um período superior a três meses (n.º 5);
- Os termos e condições do exercício da opção são regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, devendo assegurar o direito do alienante à recompra do imóvel ao FIIAH por referência ao valor actualizado da alienação, bem como, no caso de não exercício do direito de opção, o direito a receber a diferença entre o valor da alienação futura do imóvel e o valor actualizado da aquisição desse mesmo imóvel pelo FIIAH.
O artigo 7.º do Regime prevê a criação de uma Comissão de acompanhamento (constituída por três pessoas independentes) para verificar o cumprimento do regime legal e regulamentar aplicável à actividade dos FIIAH, designadamente a observância do regime jurídico e dos princípios de bom governo que devem reger a gestão do FIIAH (p. ex. política de investimento e de financiamento das responsabilidades; respeito, pela entidade gestora, dos direitos dos participantes e dos arrendatários; cumprimento dos deveres de informação) e a verificação, em especial, do cumprimento pelo FIIAH do regime de exercício da opção de compra pelo arrendatário.
O artigo 8.º contém o “Regime tributário” prevendo diversas isenções. Para além de isenções em IRC e IRS[7], prevê-se quanto aos prédios:
- Isenção de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, dos prédios urbanos, destinados ao arrendamento para habitação permanente, que integrem o património dos fundos.
- Isenção de IMT quanto às aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento, bem como quanto às aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento.
- Isenção de Imposto do Selo quanto a todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto.
(sublinhados nossos).
14.3. As alterações introduzidas pelo Orçamento de Estado para 2014 e sua aplicação no tempo
O Orçamento de Estado para 2014 (aprovado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) veio, no seu artigo 235.º, estender aos FIIAH constituídos até 31 de Dezembro de 2015 a isenção de rendimentos em IRC prevista no n.º 1 do art. 8.º do Regime e aditar ao mesmo artigo os números 14 a 16, com o seguinte teor:
«14 — Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
15 — Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
16 — Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.» (sublinhados nossos)
E no artigo 236.º, o OE para 2014, prescreveu um regime transitório para os FIIAH e SIIAH, no sentido de que:
«1 — O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.
2 — Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.º 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando -se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.».
Sobre o efeitos das alterações introduzidas pelo art. 235.º do Orçamento de Estado para 2014 (aprovado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) às situações ocorridas na vigência da redacção da Lei do OE para 2009, a Requerente entende que, de acordo com a redacção inicial do artigo 8.º do regime especial para o FIIAH, as isenções de IMT e IS não eram, à data em que o imóvel foi adquirido pelo Fundo B…, condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias nem sujeitas a qualquer regime de caducidade, e que continuam a não ser, porque a aplicação da extensão, consagrada pelo artigo 236.º do OE para 2014, às aquisições anteriores a 1 de Janeiro de 2014 representa uma violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado no artigo 103.º da CRP.
Ao contrário, a Requerida entende que o regime aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, já exigia que os beneficiários das isenções em questão, quer em sede de IMT, quer em sede de Imposto do Selo, tivessem que cumprir o pressuposto de que os prédios abrangidos fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.
14.4. O tipo de benefícios em causa e a questão da respectiva caducidade
Na apreciação da situação dos autos, aplicando os princípios de interpretação jurídica consagrados, há que ter em conta a ratio e o contexto da criação do regime jurídico criado pela Lei do OE para 2009.
As condições específicas do tempo em que a lei foi criada confirmam o que deriva da letra da norma, interpretada em conjunto com outras normas do sistema jurídico. «Aquando da sua criação, em 2008 (com efeitos a 1 de Janeiro de 2009), o regime tributário acima descrito destacava-se através das suas isenções tributárias, como “medida de estímulo ao arrendamento (…), com o objectivo de aliviar a carga fiscal sobre proprietários e inquilinos”, permitindo-se que as famílias com empréstimos à habitação, e com dificuldade em pagar a prestação do seu crédito, pudessem converter as respectivas prestações, no pagamento de uma renda, mediante a venda do respectivo imóvel ao FIIAH, e a celebração, com a entidade gestora do fundo (SIIAH), de contrato de arrendamento sobre o mesmo imóvel, podendo ainda manter, até 2020, a opção de compra do imóvel.» [8]
Ou, como afirmado no douto parecer junto aos autos pela Requerente, com as alegações, o regime dos FIIAH consagrou “um mecanismo que pretendia proteger o interesse dos mutuários de créditos à habitação, com dificuldades de cumprimento, em manterem a possibilidade de aquisição dos imóveis, a prazo (por isso lhes sendo atribuído um direito de opção), embora passassem desde logo a ser meros arrendatários do FIIAH, a quem vendiam o imóvel em causa” (cf. art. 5.º).
Ou seja, tudo leva a crer que as isenções previstas no artigo 8.º do Regime Especial para FIIAH se destinavam apenas a imóveis adquiridos com essa afectação concretizada ou a concretizar em breve, em muitos casos logo no momento da aquisição do imóvel pelo Fundo, da integração no respectivo património.
Atenta a natureza em si provisória, conjuntural, do “regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH)” aprovado pela Lei n.º 64-A/2008 (arts 102.º a 104.º)[9], designadamente através de concessão de benefícios fiscais (artigo 8.º), não pode deixar de entender-se que os benefícios só se justificavam se reunidas e mantidas as finalidades delineadas para as novas figuras jurídicas de FIIAH.
Não se tratava de isentar a aquisição de um imóvel destinado em abstracto a arrendamento habitacional, mas sim um imóvel que, em concreto, tem que ser afectado a essa finalidade. Não se visava isentar os FIIAH relativamente a qualquer aquisição de prédios mas apenas nas aquisições de prédios destinados efectivamente a arrendamento habitacional.
Assim, apareceria como situação excepcional, não pretendida pelo legislador, que os imóveis adquiridos com expressa destinação para arrendamento para habitação permanente não se encontrassem arrendados para habitação permanente.
E o facto de a isenção prevista pretender realizar um interesse público extrafiscal relevante superior ao da tributação que impede (n.º 1 do art. 2.º do EBF), exige fiscalização da situação (art. 7.º do EBF). Recorde-se que, atendendo certamente à relevância política e social dos fins deste regime especial, ele próprio prevê a fiscalização, por uma comissão permanente, do cumprimento do regime legal e regulamentar aplicável à actividade dos FIIAH (n.º 7 do art. 8.º do Regime especial).
Está-se, pois, perante um benefício fiscal condicionado à verificação de requisitos na lei, previstos desde a redacção inicial do regime especial dos FIIAH.
Perante a evidência da ratio da norma é difícil aceitar a conclusão de que a redacção originária das isenções não exigia qualquer requisito relativo ao arrendamento efectivo, muito menos um prazo, sendo apenas necessário o escopo da sua aquisição para arrendamento[10]. Esta tese parece encerrar uma contradição nos termos, equivalendo a dizer que a concessão de isenção era para prédios a afectar a arrendamento mas que também poderiam não ser …
Apesar de o Regime constante do artigo 8.º da redacção da Lei do OE para 2009 não especificar nada sobre o período de tempo permitido para que, relativamente aos imóveis adquiridos, se concretize a realização da finalidade “afectação a arrendamento para habitação permanente”, tal omissão parece dever-se ao facto de se ter minimizado as dificuldades de controlo, pensando-se, quiçá, que sendo as transmissões originadas na passagem do mutuário a arrendatário não se encontrariam situações de não afectação dos prédios adquiridos a arrendamento para habitação permanente[11].
Mas o Tribunal não subscreve a tese da Requerente no sentido de que as isenções em apreço não eram originalmente condicionadas por quaisquer factos ou circunstâncias, considerando, ao invés, que face à redacção do regime aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, não pode deixar de se entender que os benefícios fiscais estariam já então sujeitos a caducidade na medida em que a inobservância das obrigações impostas, fosse imputável ao beneficiário (n.º 2 do art. 14.º do EBF).
E seria, então, também aplicável o n.º 3 do art. 14.º do EBF, que prevê que “Quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à directa realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei”.
Porque, tratando-se de um benefício fiscal condicionado à verificação de requisitos na lei, previstos desde a redacção inicial, não poderia deixar de se aplicar as normas existentes sobre a matéria e que garantem a unidade do sistema jurídico. A atribuição pela lei de uma isenção, a conceder no pressuposto de se atingir uma finalidade, não sujeita a controlo de verificação do resultado, seria sim um convite à fraude à lei resultando numa violação de princípios constitucionais, designadamente a justiça e igualdade tributária.
Assim, não parece correcto dizer que “sem as alterações ao Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, a Requerente não teria de, nem nunca iria, apresentar qualquer pedido de liquidação de IMT e IS ao proceder à permuta do imóvel (…)” (§ 26 das alegações).
E a afirmação de que “O requisito único da isenção, à data em que a Requerente adquiriu o imóvel em apreço e em que tal isenção se consumou, era o de que os prédios adquiridos pelos FIIAH se destinassem a ser arrendados para habitação permanente (…)” e só com a alteração do Regime que veio dispor que “a alienação de prédios de propriedade dos FIIAH – ou a liquidação do próprio FIIAH – antes de decorrido o prazo de três anos, contados a partir da entrada nos prédios relevantes no património do FIIAH (…) conduz à caducidade da isenção” assenta numa leitura incorrecta do conceito “prédios destinados a arrendamento para habitação permanente” (§ 27 das alegações), como se a afectação efectiva não fosse um pressuposto da isenção, uma condição cuja ausência conduz à caducidade do benefício.
Na prática, o regime aprovado pelo OE para 2009, poderia proporcionar alguma insegurança e desigualdade na aplicação da lei, nos casos em que os prédios que usufruíam de isenção não estivessem de imediato afectados aos fins em vista dos quais lhes fora concedida a isenção. Ou seja, na medida em que não se previa nenhum prazo para a afectação aos fins apontados, dificultava a aplicação do segmento do n.º 2 do art. 14.º do EBF “caducidade na medida em que a inobservância das obrigações impostas, seja imputável ao beneficiário”.
Por exemplo, poderiam surgir situações em que, invocando a crise económica e dificuldades em arrendar, os fundos beneficiários da isenção, concedida expressamente pela lei no pressuposto de reunião de determinados requisitos, viessem a conseguir usufruir de isenção adiando sempre a concretização dos fins extrafiscais legalmente pretendidos e que legitimavam a perda de receita fiscal.
Neste aspecto, a previsão da norma transitória contida no art. 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, ao fixar um prazo, bastante dilatado, para a afectação aos fins (3 anos) parece, na prática, ter até alargado esse prazo para os imóveis já adquiridos anteriormente pelos FIIAH, ao prever a possibilidade de afectação ao arrendamento para habitação no prazo de (mais) três anos a partir de Janeiro de 2014[12].
Mas a lei não veio acrescentar a obrigatoriedade de afectar a arrendamento para habitação permanente os imóveis anteriormente adquiridos com isenções concedidas.
É que tal obrigação derivava já, aquando da aquisição dos imóveis, do regime tributário previsto na Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.
14.5. Conclusão quanto à situação dos autos
Assim, o caso dos autos tem que ser resolvido tendo em conta que:
- Os FIIAH, constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, nos termos da legislação aplicável, com activo constituído em pelo menos 75% por imóveis destinados a arrendamento para habitação permanente, usufruíam de isenção de impostos na aquisição (IMT e Selo) e pela detenção (IMI) dos imóveis adquiridos durante aquele período e destinados a afectação a arrrendamento para habitação permanente
- Os benefícios em causa eram concedidos no caso de mutuários de contratos de crédito à habitação que, dentro do mesmo período, procedessem à alienação de imóvel objecto do contrato a um FIIAH, celebrando com a entidade gestora do fundo um contrato de arrendamento, constituindo-se num direito de opção de compra do imóvel (ao FIIAH) susceptível de ser exercido até 31 de Dezembro de 2020.
- É nesse contexto – preenchidos esses requisitos - que se justifica a isenção de IMT nas aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos, destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento, bem como quanto às aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos, destinados à habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento.
- Assim como a isenção do Imposto do Selo dos actos conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados à habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra antes referido.
No caso dos autos trata-se de liquidações de IMT e IS efectuadas em 2015, no momento da alienação de um prédio adquirido em Julho de 2013 (não se sabe exactamente a quem mas não parece tratar-se de um mutuário), com isenções previstas no n.º 7 do art. 8.º do Regime dos FIIAH e em que não foi feita qualquer prova ou sequer invocado que tinha sido afectado a arrendamento para habitação permanente. Também não foi alienado a um arrendatário ou com qualquer condicionalismo quanto ao fim da sua afectação.
Assim, se as isenções concedidas, inicialmente, na aquisição de um imóvel adquirido por um FIIAH se mantivessem num caso destes, a finalidade da lei seria completamente inatingida sem correspondente perda de benefício. E, nas situações de aquisição de prédios adquiridos por Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional, estes usufruiriam de isenção de IMT e Imposto de Selo na aquisição e de IMI no período decorrido até revenda sem necessidade de os imóveis virem a estar efectivamente afectados a arrendamento para habitação permanente, bastando a eventualidade de o poderem vir a ser… Ou seja a concessão de benefícios deixava de ser condicionada, bastando a forma jurídica da entidade adquirente.
Contudo, os benefícios em sede de IMT, Imposto do Selo e IMI não são concedidos aos Fundos por terem uma determinada actividade mas concedidos aos prédios, se e enquanto destinados, em concreto, a essa actividade. E, claramente determinado pós 2014, durante um período mínimo previsto na lei.
No presente caso, não foi invocada a efectiva afectação do prédio em causa mas sim a mera qualidade do Fundo adquirente que procedeu a revenda de um prédio decorridos dois anos após a respectiva aquisição, de um prédio que terá usufruído de isenções previstas na lei para os prédios afectados a arrendamento para habitação permanente.
A Requerente diz, em alegações[13], que quando requereu o pagamento dos impostos em causa invocou o art. 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro e não a afectação do imóvel “a destino diferente daquele em que assentou o benefício”.
Contudo, é certo que, com base nas declarações da Requerente de que ia alienar o imóvel, a Requerida entendeu que havia caducidade da isenção por alteração do destino do prédio, fundamentando a liquidação na afectação do bem a destino diferente daquele em que assentara o benefício.
Não são invocados os aditamentos efectuados pelo artigo 203.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (cuja inconstitucionalidade de resto não nos parece confirmada dada a interpretação perfilhada acima) mas até o artigo do CIMT 34.º que prevê que os sujeitos passivos peçam a liquidação de imposto antes de ocorrer a caducidade da respectiva isenção. Ainda que a Requerente não tivesse pedido a liquidação prévia, a Requerida poderia vir, com a fundamentação invocada, a realizar a liquidação, de acordo com o artigo 35.º do CIMT.
Nestas condições e com os fundamentos expostos, o tribunal considera legal a liquidação fundamentada na caducidade de isenção por verificação da falta de pressupostos previstos no artigo 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12.
E resulta da interpretação acima perfilhada que os aditamentos efectuados pelo artigo 203.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, não constituirão violação do artigo 103.º da CRP mas, porque a liquidação não necessita de invocar a aplicação das normas aditadas, considera-se inútil uma mais aprofundada apreciação jurídica da invocada questão da inconstitucionalidade.
E, improcedendo o pedido arbitral, improcede também o pedido de reembolso de montantes pagos, assim como de juros indemnizatórios.
III. DECISÃO
15. Em face do exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar improcedente o presente pedido de declaração da ilegalidade da liquidação de IMT no montante de € 27.764,75 (vinte e sete mil euros, setecentos e sessenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) e da liquidação de Imposto de Selo no montante de € 3.880,00 (três mil e oitocentos e oitenta euros).
b) Condenar a Requerente a pagar as custas do presente processo.
16. Valor do processo e custas
Fixa-se o valor do processo em € 31.644,75 (trinta e um mil seiscentos e quarenta e quatro euros e setenta e cinco) nos termos do artigo 97.º- A, n.º 1, do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Fixa-se o montante das custas em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), a cargo do Requerente e calculadas de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, tudo nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e art. 4.º do RCPAT.
Lisboa, 5 de Agosto de 2016.
A Árbitro
Maria Manuela Roseiro
[1] Parece existir gralha (deve ter-se pretendido referir o art. 8.º, n.º 7, do regime aprovado pelo art. 104.º do OE).
[2] Nos impressos de liquidação, o espaço referente a “facto tributário” descreve “15-permuta de imóveis”, mas no final dos documentos anota-se ”Observações: onde se lê facto tributário 15 deve ler-se facto tributário 1-Aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis”.
[3] Desconhece-se a data em que foi concretizada a venda, tendo sido o imposto pago em 21-01-2016.
[4] Com as alterações dos diversos diplomas referidos no artigo 100.º da Lei n.º 64-A/2008, veio a ser, posteriormente, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de Junho.
[5] O artigo 9.º dispõe que o regime previsto nos artigos anteriores é aplicável, com as devidas adaptações, às sociedades de investimento imobiliário (SIIAH) que venham a constituir-se ao abrigo de lei especial e que observem o disposto no regime especial aplicável aos FIIAH.
[6] Das regras do artigo 46.º do Regime de FII retenha-se que a) O desenvolvimento de projectos de construção não pode representar, no seu conjunto, mais de 50% do activo total do fundo de investimento; b) O valor de um imóvel não pode representar mais de 25% do activo total do fundo de investimento; c) O valor dos imóveis arrendados, ou objecto de outras formas de exploração onerosa, a uma única entidade ou a um conjunto de entidades que, nos termos da lei, se encontrem em relação de domínio ou de grupo, ou que sejam dominadas, directa ou indirectamente, por uma mesma pessoa, singular ou colectiva, não pode superar 25% do activo total do fundo de investimento; d) O fundo de investimento pode endividar-se até um limite de 25% do seu activo total.
[7] Nos números 1 a 5 prevê-se isenções no âmbito do IRS e IRC, designadamente: isenção de IRC quanto aos rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas; isenção de IRS e de IRC quanto aos rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares (…) quer seja por distribuição ou reembolso, excluindo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação das unidades de participação; isenção de IRS quanto às mais-valias resultantes da transmissão de imóveis destinados à habitação própria a favor dos fundos de investimento, que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento.
[8] Cita-se Decisão proferida em 20 de Maio de 2016 no processo arbitral n.º 735/2015-T (n.º 6.18.)
[9] O artigo 103.º da Lei n.º 64-A/2008, dispõe que “o regime constante da presente secção é aplicável a FIIAH ou SIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da presente lei e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período” e o n.º 2 do art. 9.º do regime “O regime constante da presente secção vigora até 31 de Dezembro de 2020, operando -se nessa data a conversão dos FIIAH em fundos de investimento imobiliário sujeitos na íntegra ao Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário”.
[10] Como no douto Parecer junto aos autos pela requerida.
[11] Assim, e também ao contrário da tese do Parecer junto aos autos (“existe uma diferença clara entre a comprovação da finalidade da aquisição de imóveis pelos FIIAH, como pressuposto das isenções originariamente previstas e a restrição destas pela introdução de novos pressupostos, como ocorreu em 2014”) crê-se não ser curial entender que a posterior explicitação de prazos e actuações signifique que, na redacção original, a afectação efectiva do prédio a arrendamento para habitação permanente não era já um pressuposto essencial para a atribuição de isenção.
[12] Alargamento de benefícios exprime-se também no n.º 1 do art. 8.º, para os FIIAH constituídos até 31 de Dezembro.
[13] Cf. § 20 a 23. A “título de exemplo” a requerente juntou um requerimento, alegando que foi apresentado noutros casos, sem fornecer nenhuns dados concretos sobre o imóvel em causa nos autos, revendido dois anos depois de ter sido adquirido com isenção tributária concedida nos termos do regime especial para os FIIAH.