Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 786/2015-T
Data da decisão: 2016-06-26  IRC  
Valor do pedido: € 342.374,42
Tema: IRC – RETGS; sociedade dominante não residente; liberdade de estabelecimento
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Decisão arbitral

 

 

1.      Relatório

 

A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua …, n.º…, …, em ..., (adiante designada por “A…”);

B…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na…, …, …, n.º…, em ..., (adiante designada por “B…”);

C… – Sociedade Unipessoal, Lda., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua…, n.º…, …, em ..., (adiante designada por “C…”);

 

vieram, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a), e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade dos atos de liquidação de IRC n.ºs 2013…, 2013 … e 2013…, referentes ao ano de 2012.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 29-12-2015.

 

As Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 16-02-2016, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 08-03-2016.

 

Devidamente notificada, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido, defendendo-se por excepção e impugnação.

 

No dia 25-05-2016, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo-se procedido então à decisão das excepções, que improcederam, seguida da produção de alegações orais pelas partes, reiterando e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas.

 

Foi fixado o dia 31 de Julho para a prolação da decisão final.

 

Pretendem as Requerentes que seja declarada a ilegalidade e inerente anulação das liquidações de IRC n.ºs 2013…, 2013 … e 2013…, referentes ao ano de 2012, alegando em síntese:

 

a)      As Requerentes são sociedades de direito português, sujeitas ao regime geral de tributação em IRC e integradas num grupo económico dominado pela sociedade D…S.p.A., sociedade de direito italiano e residente em Itália.

b)      As Requerentes apresentaram, em 31.05.2013, as Declarações Modelo 22 de IRC, relativas ao exercício de 2012, apurando relativamente à A…Portugal e à B… um lucro tributável nos montantes, respectivamente, de € 1.547.814,63 e de € 21.471,47 e, relativamente à C…, um prejuízo fiscal de € 4.939.833,63, tendo sido tributadas individualmente por, nos termos da legislação interna em vigor à data – art. 69.º, n.º 3, al. a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), não ser legalmente admissível a opção pelo Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), uma vez que a sociedade dominante – D…S.p.A., não era residente em território português, para efeitos fiscais.

c)      Contrariando a jurisprudência e a legislação da União Europeia, no que a esta matéria concerne, em Portugal apenas foi possível optar pelo RETGS a partir da entrada em vigor da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, que veio permitir a consolidação fiscal horizontal.

d)     As Requerentes já optaram em conformidade com o disposto no art. 69.º - A do CIRC, em relação ao período de tributação de 2015, enquanto sociedades dominadas, pela aplicação do RETGS.

e)      Pretendem beneficiar igualmente desse regime no que se refere ao período de tributação de 2012.

f)       Para esse efeito, submeteram individualmente reclamações graciosas, por erro, das já referidas autoliquidações, em 29 de Maio de 2015, não tendo, até à presente data, obtido qualquer resposta da AT.

g)      O que dá lugar a uma presunção de indeferimento tácito nos termos do art. 102.º, n.º 1, al. d) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

h)      O não reconhecimento pela AT da possibilidade de opção pelo RETGS no que ao período de tributação de 2012 se refere, corresponde a uma clara violação da liberdade de estabelecimento tal como resulta do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), implementada pela legislação e jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e já reconhecida, em enquadramento semelhante, em jurisprudência anterior do CAAD.

 

Por seu turno, a Requerida veio em resposta alegar, em síntese:

 

a) O RETGS recorta-se no modelo de integração fiscal ou seja de agregação dos resultados fiscais apurados individualmente por cada sociedade do grupo.

b) Sendo um regime especial é de aplicação opcional, devendo a opção ser comunicada nos termos legais.

c) Nenhuma das Requerentes formulou a opção pelo início da aplicação do RETGS até ao final do 1º trimestre do período de tributação de 2012.

d) A jurisprudência da União Europeia invocada pelas Requerentes não tem valor constitutivo, não tem efeito retroactivo nem as situações em que foi proferida são exactamente iguais à situação sub judice.

e) Logo, a interpretação fornecida por aquela jurisprudência apenas será vinculativa no processo em que o TJUE foi solicitado a pronunciar-se.

f) E mesmo que assim fosse, sempre teria que se ter em atenção que, no caso das Requerentes, o acesso à aplicação do RETGS depende e dependia (em 2012) da formulação de uma opção que não foi efetivada por nenhuma delas em devido tempo.

g) Caso tivessem exercido tal opção, desencadearia uma resposta da AT a qual, em caso de desacordo, poderia ter sido contestada judicialmente.

h) Não é de aplicar ao caso sub judice nem a jurisprudência da União Europeia nem a jurisprudência do CAAD, uma vez que ambas versam sobre situações distintas da aqui em apreço.

i) Devendo, assim, improceder, por falta de fundamento, o pedido arbitral.

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e foi regularmente constituído.

 

 As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A / 2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II. Decisão

 

1. Matéria de facto

 

1.1.Factos dados como provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    Por referência a 1 de Janeiro de 2015, a estrutura societária do grupo a que pertencem as Requerentes pode ser reproduzida de acordo com o seguinte organigrama:  

                

b)   As sociedades portuguesas, ora Requerentes, são detidas diretamente pelas sociedades F… S.A. e E… S.p.A., as quais são residentes fiscais noutros Estados membros da União Europeia (Luxemburgo e Itália, respetivamente);

c)    A sociedade mãe do grupo é a sociedade D…S.p.A. e a percentagem de acções que detém nas ora Requerentes permanece inalterada desde 1 de Janeiro de 2003;

d)   Como a D… S.p.A. não é residente em Portugal, a A… Portugal foi designada para assumir a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações que incumbem à sociedade dominante, nos termos e para o disposto no CIRC.

e)    As Requerentes integram formalmente o RETGS D… desde o dia 1 de Janeiro de 2015.

f)    As Requerentes apresentaram, em 31.05.2013, as Declarações Modelo 22 de IRC, relativas ao exercício de 2012, apurando relativamente à A…Portugal e à B… um lucro tributável nos montantes, respectivamente, de € 1.547.814,63 e de € 21.471,47 e, relativamente à C… um prejuízo fiscal de € 4.939.833,63, tendo sido tributadas individualmente por, nos termos da legislação interna em vigor à data, não ser legalmente admissível a opção pelo RETGS, uma vez que a sociedade dominante – D… S.p.A., não ser residente em território português, para efeitos fiscais.

g)   As Requerentes apresentaram junto da AT, em 29 de Maio de 2015, reclamações graciosas, invocando erro dos actos de autoliquidação de IRC referentes ao período de tributação de 2012.

h)   Até à presente data, as reclamações graciosas não foram objecto de decisão.

i)        O presente pedido de pronúncia arbitral foi proposto em 28.12.2015.

 

1.2. Factos dados como não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

1.3. Fundamentação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelas partes e constantes do processo administrativo, bem como das posições das partes, sendo de referir não emergir das posições assumidas por Requerentes e Requerida efetiva discordância relativa à matéria de facto, confinando-se o dissídio à matéria de direito.

 

2. Do Direito

 

A questão controvertida que se coloca nos presentes autos é a da inclusão das Requerentes no perímetro do RETGS, relativamente ao exercício de 2012, enquanto sociedades dominadas, sendo sociedade dominante a D… S.p.A, sociedade de direito italiano e residente fiscal em Itália.

De facto, em Portugal, apenas foi admitida esta possibilidade de inclusão no RETGS aquando da entrada em vigor da Lei n.º 82-C / 2014, de 31 de Dezembro, regime jurídico pelo qual as Requerentes optaram logo que tal lhes foi permitido.

Importa começar por descrever o enquadramento legal vigente à data dos factos tributários em causa no caso em apreço.

Os n.ºs 3 e 4 do art. 69.º do CIRC, tinham, então, a seguinte redacção:

 

 “3 - A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direcção efectiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada;

b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;

c) A sociedade dominante não é considerada dominada de nenhuma outra sociedade residente em território português que reúna os requisitos para ser qualificada como dominante.

d) A sociedade dominante não tenha renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime

 

4 - Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes:

a) Estejam inactivas há mais de um ano ou tenham sido dissolvidas;

b) Tenha sido contra elas instaurado processo especial de recuperação ou de falência em que haja sido proferido despacho de prosseguimento da acção;

c) Registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos;

d) Estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação;

e) Adoptem um período de tributação não coincidente com o da sociedade dominante;

f) O nível de participação exigido de, pelo menos, 90% seja obtido indirectamente através de uma entidade que não reúna os requisitos legalmente exigidos para fazer parte do grupo;

g) Não assumam a forma jurídica de sociedade por quotas, sociedade anónima ou sociedade em comandita por acções, salvo o disposto no n.º 10.”

 

O CIRC previa, assim, a tributação dos grupos de sociedades pelo somatório dos resultados fiscais apurados nas declarações de rendimentos de cada uma das sociedades integrantes do grupo, desde que verificados cumulativamente os requisitos e as condições previstos nos já referidos n.ºs 3 e 4 do art. 69.º do CIRC.

 

Requisitos que não se verificavam no grupo de sociedades em apreço porquanto a sociedade dominante não tinha residência em território português, não se preenchendo, desse modo, o disposto na al. a) do n.º 3 e a al. f) do n.º 4 da referida disposição.

 

De facto, a exigência da verificação destes requisito e condição impedia as sociedades Requerentes, detidas por uma sociedade de direito italiano e residente fiscal em Itália, de optar pelo RETGS.

 

Esta exigência tem como consequência a submissão a regimes fiscais diferenciados de sociedades residentes em território nacional em razão da localização geográfica das sociedades dominantes, o que traduz uma clara violação do direito da União Europeia. De facto, a exclusão de sociedades residentes em território português detidas por sociedades residentes na União Europeia configura uma discriminação em razão da nacionalidade e da residência e um entrave à liberdade de estabelecimento consagrada no art. 49.º do TFUE (anteriormente art. 43.º do Tratado da Comunidade Europeia - TCE).

 

Como já foi explicado em acórdão do CAAD, proferido em 12.01.2015, no Proc. 280/2014-T, “apesar de só os Estados-Membros terem competência em matéria de impostos directos, o TJUE tem sustentado, através das suas decisões, que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia. Evitando, assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais: (i) a livre circulação de mercadorias (artigos 28.º e seguintes do TFUE); (ii) a livre circulação de trabalhadores (artigos 45.º e seguintes do TFUE); (iii) a liberdade de estabelecimento (artigo 49.º e seguintes do TFUE); (iv) a liberdade de prestação de serviços (artigo 56.º e seguintes do TFUE) e (v) a livre circulação de capital (artigo 63.º e seguintes do TFUE). Através da protecção de cada uma destas liberdades, directamente aplicáveis, ocorre uma verdadeira harmonização pela via jurisprudencial que se traduz na obrigatoriedade de as legislações nacionais se conformarem a cada uma dessas liberdades. (…) O acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em 27 de Novembro de 2008, no Proc.º C-418/07, conhecido por Acórdão Papillon, concluiu que as normas que desfavoreçam no plano fiscal as situações comunitárias em comparação com as situações puramente internas, constituem uma restrição proibida pelas normas de direito comunitário relativas à liberdade de estabelecimento.”

 

O TJUE veio retomar essa mesma ideia no acórdão proferido em 12 de Junho de 2014, nos Processos apensos n.ºs C-39/13, C-40/13 e C-41/13, ao considerar que normas semelhantes à que aqui se discute (então art. 69.º do CIRC), traduzem um tratamento fiscal diferenciado e discriminatório em razão do Estado membro de localização da sociedade dominante. O TJUE considerou ainda que a situação de uma sociedade mãe residente com filiais residentes é comparável à de uma sociedade mãe não residente com filiais residentes, devendo ser-lhes dispensado tratamento fiscal idêntico.

 

Seguindo de perto o afirmado pela Advogada Geral nas conclusões apresentadas nos processos subjacentes ao acórdão do TJUE vindo de referir, constitui jurisprudência assente que devem ser consideradas restrições à liberdade de estabelecimento todas as medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o seu exercício. Haverá restrição à liberdade de estabelecimento quando, em situações comparáveis, se verifique um tratamento desigual entre entidades residentes e não residentes, acrescentando que “a única diferença que existe, no caso em apreço, relativamente a situações comparáveis consiste em que esta sociedade mãe está sediada noutro Estado membro e, por isso, não pode ser incluída na unidade fiscal”. O que também se verifica no caso sub judice.

Em relação ao conteúdo e efeitos da liberdade de estabelecimento tal como foi consagrada nos tratados constitutivos da União Europeia, ensina Alexandre Mota Pinto, em comentário ao art. 49.º do TFUE [1], que esta disposição legal “proíbe expressamente todas as restrições à liberdade de estabelecimento, sendo claro quanto à aplicabilidade directa das normas que prevêem o direito de estabelecimento, oportunamente afirmada pela jurisprudência comunitária” (Reyners / Belgica, proc. 2/74), não restando dúvidas quanto à eficácia directa vertical da liberdade de estabelecimento.

 

Ora, de acordo com o primado do Direito da União Europeia, é vedado aos tribunais nacionais aplicar normas de direito nacional que contrariem o que naquele se impõe, sendo que, havendo acórdão interpretativo proferido pelo TJUE, a decisão nele proferida retroage à data da entrada em vigor da respectiva norma, excepto se no próprio acórdão se dispuser de forma diferente [2], como já foi sublinhado em Acórdão do STA de 18.12.2013, proferido no Proc. 568/2013.

 

E, se num primeiro momento, o TJUE considerou que incumbia aos tribunais nacionais deixar inaplicada qualquer disposição de direito nacional contrária ao direito da União Europeia, posteriormente tal obrigação tornou-se extensiva a todos os órgãos da administração, como foi decidido no Acordão Fratelli Costanzo.[3]

 

No caso em apreço, as Requerentes apresentam uma configuração societária apta à aplicação do RETGS, apesar da limitação decorrente do então art. 69.º do CIRC, sendo possível conceber que, por via do direito da União Europeia, se possa alargar o âmbito de aplicação daquele regime legal.

 

Contudo, e na senda do que alegam as Requerentes no seu pedido arbitral, à data dos factos em apreciação, a opção pelo RETGS não era permitida pelas normas legais nacionais. Logo, qualquer comunicação por parte das Requerentes para esse efeito, cuja ausência a AT invoca, seria desprovida de sentido.

 

Não pode igualmente proceder o argumento invocado pela AT de que o ordenamento jurídico português não estava então adequado à aplicação do RETGS a grupos de sociedades em que a sociedade dominante não fosse residente em território nacional.

 

Retomando o já citado acórdão do CAAD proferido no Proc. 280/2014-T,o facto de o legislador nacional não adequar atempadamente o ordenamento jurídico ao direito comunitário não pode impedir que o contribuinte veja a sua a situação corrigida e a legalidade resposta. Assim, o contribuinte pode invocar junto dos tribunais nacionais qualquer norma comunitária com vista a obter uma interpretação das normas internas conforme ou compatível com o direito comunitário. Importa referir que o legislador nacional só com a recentemente aprovada Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro que alterou o CIRC, transpondo a Directiva n.º 2014/86/UE, do Conselho, de 8 de Julho, que altera a Directiva n.º 2011/96/UE relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados membros diferentes adequou o regime especial de tributação de grupos de sociedades à jurisprudência recente do TJUE”, directiva esta (2011/96/EU) que Portugal nunca chegou a transpor.

 

Ora, como explica Miguel Gorjão-Henriques, em comentário ao art. 288.º do TFUE[4], a propósito da Directiva, este acto gera para o Estado, a partir da sua vigência a nível da EU, uma vinculação imediata. Se o Estado estava obrigado a transpor a Directiva e não o faz (no prazo fixado), coloca-se numa situação de incumprimento (…) e não pode, segundo o TJUE, prevalecer-se (beneficiando) perante os particulares do seu próprio incumprimento.”

 

Resulta assim do exposto que os actos de autoliquidação de IRC, relativos ao exercício de 2012, devem ser declarados ilegais por violação de lei e erro sobre os pressupostos de direito, uma vez que o cálculo para determinação da matéria colectável deveria ter incidido sobre o lucro tributável do grupo fiscal das Requerentes e não sobre o lucro tributável de cada sociedade individualmente considerada;

 

Com efeito, as Requerentes devem ser incluídas no perímetro do RETGS em consequência da interpretação conforme ao Direito da União Europeia no que se refere aos requisitos de que depende a aplicação do RETGS e do respeito pela sua jurisprudência, nomeadamente, pelo acórdão Papillon.

 

3. Decisão

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral:

 

a)    Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais as liquidações n.ºs 2013…, 2013 …e 2013…, referentes ao ano de 2012, anulando-as, considerando como válida a aplicação, no período de tributação de 2012, do RETGS, procedendo-se à tributação, em sede de IRC, do mesmo período, à luz dos arts. 69.º e seguintes do CIRC, com todas as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis.

b)   Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

4. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 342.374,42, nos termos do artigo 305.º, n.º 2 do CPC e 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

5. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem a cargo da Requerida em € 5.814,00, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de Junho de 2016

 

O Árbitro Presidente,

 

(José Baeta de Queiroz)

 

O Árbitro Vogal,

 

 (Cristina Aragão Seia)

 

O Árbitro Vogal,

 

 (Rodrigo Domingues)

 



[1] In Tratado de Lisboa, Anotado e Comentado, Coord. Manuel Lopes Porto e Gonçalo Anastácio, Almedina, Coimbra, 2012, pag. 319.

[2] Este acórdão do STA, segue de perto o acórdão proferido pelo TJUE em 10/05/2012, nos processos apensos C-338/11 a C-347/11 :

«58 (…) segundo jurisprudência constante, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma norma de direito da União, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267º TFUE, esclarece e precisa o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ou deveria ter sido cumprida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Donde se conclui que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que decida o pedido de interpretação, se também se encontrarem reunidas as condições que permitam submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (v., designadamente, acórdãos de 3 de outubro de 2002, Barreira Pérez, C-347/00, Colet., p. I-8191, nº 44, e de 17 de fevereiro de 2005, Linneweber e Akritidis, C-453/02 e C-462/02, Colet., p. I-1131, nº 41, e de 6 de março de 2007, Meilicke e o., C-292/04, Colet., p. I-1835, nº 34).

59 Só a título excecional é que o Tribunal de Justiça pode, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por si interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa-fé. Para que se possa decidir por esta limitação, é necessário que se encontrem preenchidos dois critérios essenciais, ou seja, a boa-fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves (v., designadamente, acórdãos de 10 de janeiro de 2006, Skov e Bilka, C-402/03, Colet., p. I-199, nº 51, e de 3 de junho de 2010, Kalinchev, C-2/09, Colet., p. I-4939, nº 50).».

 

[3] Acórdão de 22 de Junho de 1989, proferido no Proc. 103/88.

[4] In Tratado de Lisboa, Anotado e Comentado, Coord. Manuel Lopes Porto e Gonçalo Anastácio, Almedina, Coimbra, 2012, pag.1030.