Decisão Arbitral
I.RELATÓRIO
A… com o número de identificação fiscal na Alemanha DE …, e com sucursal em Portugal com o n.º de identificação fiscal…, com morada em Portugal na …, … –…, …-… … (A…, ou requerente), estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de … …, designada nas liquidações aqui em causa por A…– Sucursal em Portugal, veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral.
Os atos objeto deste pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral são os indeferimentos parciais de recursos hierárquicos – que identifica - e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), parte das liquidações adicionais de IRC (e derramas) n.ºs 2013 … e 2013 … (Docs. n.ºs 1 e 2), relativas aos exercícios de 2010 e 2011, e correspondentes juros, e as correções à matéria tributável efetuadas em sede de Inspeção tributária que lhes subjazem e que foram objeto de pagamento parcial no montante de € 18.066,81 e garantia bancária a favor da AT, quanto à liquidação respeitante ao exercício de 2010 (cfr. Docs. n.ºs 5, 6, e 7), e de garantia bancária quanto à liquidação respeitante ao exercício de 2011 (Docs. n.ºs 8 e 9).
Pretende a ora requerente submeter à apreciação do Tribunal Arbitral (i) a legalidade destes indeferimentos (parciais) dos recursos hierárquicos, na medida em que (alegadamente) desatendem o reconhecimento da ilegalidade de parte das liquidações de IRC (e derramas) e correspondentes juros referentes aos exercícios de 2010 e 2011 e, bem assim, (ii) a legalidade de parte das liquidações de IRC (e derramas) e correspondentes juros referentes a estes exercícios de 2010 e 2011, mais especificamente a alegada ilegalidade no que respeita aos montantes de € 568,787,80 (2010) e € 174.373,30 (2011), respetivamente, num total de € 743.161,09.
A parte das liquidações cuja declaração de ilegalidade e anulação se pretende é a seguinte:
i) liquidação n.º 2013 … (2010): correções ao lucro tributável no montante de € 1.820.188,39, a que corresponde imposto (incluindo derramas) no montante de € 555.990,27 e juros nos montantes de € 9.095,22 e € 3.702,31, num total de € 568,787,80;
ii) liquidação n.º 2013 … (2011): correções ao lucro tributável nos montantes de € 450.923,71 e € 142.805,78, num total de € 593.729,49, a que corresponde imposto (incluindo derramas) nos montantes de € 130.767,88 e € 41.533,27, respetivamente, num total de € 172.301,15, e juros nos montantes de € 1.573,76 e € 498,40, num total de € 2.072,16, tudo num total de € 174.373,30;
iii) num total, no conjunto dos dois anos, de € 743.161,09 em imposto e juros,
tudo conforme melhor discriminado na folha de cálculo que junta como Doc. n.º 10.
Alega que aqueles atos (incluindo os correspondentes juros) e correções que lhes subjazem devem ser declarados ilegais e anulados nas partes em causa, porquanto padecem de vício de violação de lei e, consequentemente, violam o princípio da legalidade.
Fundamenta assim, em síntese e no essencial, o seu pedido:
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A Requerente, A… (A…), é uma entidade alemã com o número de identificação fiscal na Alemanha DE…– cfr. a p 6, segundo parágrafo, do Relatório da Inspeção Tributária (RIT) que aqui se junta como Doc. n.º 11.
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A Requerente começou por obter, em 3 de Março de 2009, número de identificação fiscal em Portugal (número de identificação de pessoa coletiva – NIPC) junto do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC), a título de entidade residente sem estabelecimento estável em Portugal – cfr. a p 6, quarto parágrafo, do RIT atrás junto como Doc. n.º 11. Foi o NIPC… .
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Este NIPC foi obtido junto do RNPC, e registado como tal, para efeitos apenas de prática de ato isolado de aquisição de uma participação social (no caso concreto, participação num agrupamento complementar de empresas – ACE –, como se perceberá infra) – cfr. Doc. n.º 12 –...,
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...não lhe tendo sido associado o registo da A… para efeitos fiscais em Portugal – cfr. a p 6, quarto parágrafo, do RIT atrás junto como Doc. n.º 11.
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Decorrido pouco mais de um mês a Requerente concluiu que por imposição legal tinha de reconhecer a emergência jurídica em Portugal de um estabelecimento estável (sucursal, na linguagem societária) e registar-se fiscalmente em Portugal (declaração de início de atividade), tendo para o efeito promovido, em 7 de Abril de 2009, o reconhecimento de uma representação permanente em Portugal – cfr. a p 6 do RIT, segundo parágrafo (Doc. n.º 11), e o Anexo I ao mesmo (Doc. n.º 13).
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Para o efeito foi gerado um segundo NIPC pelo RNPC, o NIPC/n.º de contribuinte…, uma vez que o anterior tinha sido pedido e obtido no pressuposto de inexistência de um estabelecimento estável (sucursal) em Portugal, e, ato contínuo, ...
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...em 13 de Abril de 2009 a requerente declarou então, por referência a este segundo NIPC, início de atividade em Portugal como sujeito passivo não residente com sucursal (estabelecimento estável) em Portugal, indicando as atividades de “engenharia e técnicas afins” e indicando o Técnico Oficial de Contas que zelaria pela preparação da prestação de contas da sua atividade/estabelecimento estável em Portugal – cfr. p 6 do RIT, oitavo parágrafo, p 7 do RIT, primeiros 3 parágrafos, e o Anexo I do RIT.
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Para que não haja dúvidas, transcrevem-se aqui as partes relevantes do RIT (pp 5 e 6 do Doc. n.º 11):
“Em cumprimento do disposto nas Ordens de Serviço n° 012013…, 012013… e 012013…, emitidas em 2013.01.16, e com despacho datado de 2013.01.21, nos termos do disposto nos artigos 2.°, n.° 1 e n.° 2, alínea a), 12.°, n.° 1 e 14.° n.° 1 alínea a), todos do RCPIT, foi ordenado procedimento inspetivo externo, relativo aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, ao sujeito passivo A… SUCURSAL EM PORTUGAL, com o NIPC:…, e sede declarada na … …., … -…, …-… Lisboa.
(…)
De acordo com a informação disponibilizada pelo portal da empresa do Ministério da Justiça, através da certidão permanente, conclui-se que o sujeito passivo é uma representação permanente, sob a forma de sucursal, da sociedade de direito alemão A…, cuja identificação fiscal é DE…, doravante designada por A… . Esta representação permanente foi constituída em 2009.04.07 (cf. anexo I).
A entidade alemã A…, de que o sujeito passivo é uma sucursal, constituiu, em 2009.04.17, um Agrupamento Complementar de Empresas, conjuntamente com a B…(…).
Para a constituição do ACE, a A… utilizou o NIPC…, correspondente a entidade não residente sem estabelecimento estável, obtido junto do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC) em 2009.03.03, não apresentando qualquer declaração para efeitos fiscais, nem de mero registo.
(…)
É, pois, neste contexto de execução de parte do projeto de expansão do terminal de C…-, junto do ACE D…, com quem celebrou um contrato de empreitada em 2009.05.04, que surge a sucursal em Portugal da entidade alemã A…- estabelecimento estável para a realização de uma atividade em território nacional (cf. anexo III).
Para efeitos fiscais, declarou o inicio de atividade em 2009.04.13, como sujeito passivo não residente com estabelecimento estável, e desenvolvendo "atividades de engenharia e técnicas afins", a que corresponde o CAE… .”
9. Ou seja, nada do que supra se descreveu é disputado. Designadamente, não é controverso que foi a entidade de direito alemão A… (com o número de identificação fiscal na Alemanha DE…) quem obteve para si em Portugal, primeiro o NIPC … (entidade sem estabelecimento estável/sucursal em Portugal, e para efeitos exclusivamente de ato isolado de aquisição de participação social – Doc. n.º 12) e depois o NIPC … (entidade com estabelecimento estável/sucursal em Portugal) – cfr. a descrição dos factos relativos à A… em Portugal constantes da p. 6 do RIT (Doc. n.º 11).
10. O que a Inspeção Tributária disputa, ou tenta impor, é outra coisa: tenta impor o juízo de que havendo dois NIPC portugueses para esta sociedade alemã, haveria (ao que parece) o desdobramento em Portugal em duas entidades distintas: entidade com, e sem, estabelecimento estável.
11. E, assentando nessa putativa dicotomia de entidades em Portugal, mais impôs a Inspeção tributária, num segundo e distinto passo, a conclusão de que uma série de custos ou encargos não seriam imputáveis ao estabelecimento estável (sucursal) em Portugal da A…, mas antes diretamente à A… na Alemanha (NIPC sem estabelecimento estável em Portugal e expressamente obtido apenas para efeitos de ato isolado de aquisição de participação social), desconsiderando que esta tinha, por imposição legal, um estabelecimento estável em Portugal. Mas mais abaixo se desenvolverá melhor isto, que já começa a entrar na matéria de direito.
12. Prosseguindo, também não é controvertida a razão pela qual a A… (requerente) se viu na necessidade (por imposição legal) de reconhecer e registar um estabelecimento estável em Portugal: a requerente constituiu com a B…S.A. (B…) um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), denominado de “D…”, que por sua vez foi o instrumento de cooperação entre estas duas empresas através do qual foi celebrado, em 08 de Maio de 2009, com a E…, S. A. (dona da obra – doravante, E…), um contrato de empreitada para a expansão do terminal de C…– cfr. a p 6 do RIT, parágrafos 3 a 5, e o seu anexo II (Docs. n.ºs 11 e 13).
13. O ACE por sua vez – instrumento jurídico para uma cooperação, temporária, entre a B… e a A…, para uma obra específica – celebrou dois contratos de subempreitada com os seus dois membros (B…, e TGE A…, ou requerente), para efeito da execução da referida expansão do terminal de C… – cfr. a p 6 do RIT, parágrafo 6, e o seu anexo III (Docs. n.ºs 11 e 13).
14. Quer isto dizer que em termos finais a execução material dos trabalhos ficava a cargo dos membros do ACE, entre os quais a requerente, sendo o ACE o instrumento jurídico escolhido que permitia a relação conjunta e unitária da B… e da requerente, de um lado (contraparte única), com o dono da obra (a E…), do outro lado
15. Relação essa com o dono da obra que não podia deixar de ser estabelecida em conjunto (por oposição a separadamente), esclareça-se, por imposição da E…, conforme cláusula relevante do anúncio público do concurso (Doc. n.º 14) que aqui se transcreve:
“III.1.3) Forma jurídica que deve assumir o agrupamento de operadores económicos adjudicatário
Podem concorrer empresas ou grupos de empresas sem que entre elas exista qualquer vínculo jurídico, mas, em caso de adjudicação, estas associar-se-ão obrigatoriamente, antes da celebração do contrato, na modalidade de agrupamento complementar de empresas, de consorcio externo, em regime de responsabilidade solidária, nos termos previstos no Programa de Procedimento e no Decreto-lei nº 231/81, de 28 de Julho, ou agrupamento europeu de interesse económico (AEIE).”.
16. Com relevo para se perceber por que razão a requerente acabou por concluir haver necessidade de reconhecer a emergência jurídica de um estabelecimento estável (sucursal) em Portugal com imputação ao mesmo das operações relativas à empreitada de expansão do terminal de C…, transcrevem-se ainda as seguintes cláusulas do concurso público lançado pela E… para o efeito (Doc. n.º 14), nas quais assentaram a contratualização da empreitada entre a E… e o ACE de que a requerente era membro e subempreiteiro:
“SECÇÃO II: OBJECTO DO CONTRATO
II.1) DESCRIÇÃO
II.1.1) Designação dada ao contrato pela entidade adjudicante
Concurso Público denominado por "implementação do "Projeto de Expansão do Terminal C…", na modalidade de preço global, revisível, e "chave na mão", para a realização da EMPREITADA de Engenharia, Fornecimento e Construção "Engineering-Procurement-Construction", igualmente designado por (EPC - PETS)" para o Projeto de Expansão do Terminal C… (…).
(…)
II.1.5) Breve descrição do contrato ou das aquisições
É objeto deste Concurso Público a EMPREITADA de implementação do "Projeto de Expansão do Terminal C…", na modalidade de preço global, revisível, e "chave na mão", compreendendo, nomeadamente mas não exclusivamente, os Serviços de Estudo, Conceção, Engenharia, Seguro, Fabrico, Transporte, Fornecimentos, Preparação do Sítio e Acessos, Construção, Montagem, Peças de Reserva, Pré-Comissionamento, Comissionamento, Interligação ao Terminal existente, Formação e Treino do Pessoal.
(…)
II.3) DURAÇÃO DO CONTRATO OU PRAZO PARA A SUA EXECUÇÃO
(a contar da data de adjudicação)
Com início em 02/03/2009 Conclusão em 16/05/2012”
17. O contrato de empreitada (subempreitada, se se quiser) por sua vez celebrado entre o ACE e o seu membro e aqui requerente, A…, referenciado na p 6, parágrafos 6 e 7, do RIT (Doc. n.º 11), era um espelho destes mesmos termos e condições, entre outros (cfr. os Considerandos e Definições iniciais e, entre outras, as cláusulas 1 – objeto da empreitada – e 6 – prazo de execução do contrato de empreitada/subempreitada –, constantes do Anexo III ao RIT – Doc. n.º 13).
18. Prosseguindo com os factos relevantes, toda a relação com a E…, dona da obra, incluindo a faturação, era levada a cabo pelo ACE, por oposição a ser levada cabo por cada um dos seus membros separadamente. Por exigência do dono da obra, como se viu.
19. O ACE, por sua vez, não era apenas fiscalmente falando transparente para os seus membros. Era também contratualmente falando transparente para os seus membros, designadamente (mas não só) no sentido em que todos os encargos em que incorresse relativos à empreitada para a qual foi constituído, eram assumidos pelos seus membros, o que se concretizou, no que aqui importa, via débitos desses encargos que o ACE lhes fazia (cfr., em especial, o Considerando 5 do contrato de empreitada, ou subempreitada, se se quiser, celebrado entre o ACE e a requerente, e bem assim a sua cláusula 2, constante do Anexo III ao RIT, em especial a alínea b) do n.º 1 – cfr. Doc. n.º 13).
20. Fazendo um parêntesis relevante: débitos estes para efeitos dos quais foi indicado e utilizado o NIPC da A… correspondente à Sucursal em Portugal, isto é, ao seu registo como entidade com estabelecimento estável em Portugal, ou seja, o NIPC …(cfr. o Anexo IX do RIT constante do Doc. n.º 13).
21. Mais ainda. Débitos estes que como se referiu têm por base o contrato de empreitada (ou subempreitada, se se quiser) celebrado entre o ACE e a requerente, onde esta se identificou e assinou com o NIPC correspondente ao reconhecimento do seu estabelecimento estável em Portugal, o referido NIPC … (cfr. o Anexo III do RIT, logo na sua p 8, a página inicial do contrato de empreitada, constante do Doc. n.º 13)
22. Prosseguindo, quer aquilo dizer que, perante o ACE, os respetivos membros, entre os quais, mais concretamente, a Requerente, se comprometeram contratualmente a assumir todas as responsabilidades e encargos que da execução do contrato de empreitada entre a E… e o ACE pudessem resultar para este último.
23. No caso da requerente cabia-lhe uma percentagem de 64,29% de tais encargos, e no caso da B… a restante percentagem de 35,71% (cfr. o acordo entre a requerente e a B… quanto ao funcionamento do ACE que consta do Anexo VI do RIT, designadamente a sua cláusula 8 – Doc. n.º 13).
24. Em contrapartida desta assunção de encargos, e de outros encargos suportados diretamente pela requerente ou pela B… com a execução da empreitada/subempreitada, o ACE entregava à requerente e à B… a totalidade do preço da empreitada recebido do dono da obra (a E…), como se especificará a seguir.
25. No caso da percentagem a que a requerente tinha direito no confronto com a B…, isso traduziu-se no montante a receber de € 102.058.508, previsto na cláusula 5, n.º 3, do contrato de empreitada (ou subempreitada) celebrado entre a requerente e o ACE (Anexo III do RIT – Doc. n.º 13), que por sua vez mais não é do que o resultado da aplicação da referida percentagem de 64,29% ao preço total da obra adjudicada pela E…, que era de € 158.743.766,06 (cfr. o parágrafo 5 da p 6 do RIT).
26. A alternativa a esta transparência total (“full back-to-back principle”) no operar do ACE nas suas relações com os seus membros, seria a B… e a A… capitalizarem adiantadamente o ACE com meios substanciais, com a inerente complexidade (controlo e fiscalização) que isso originaria para ambos, em vez de, como fizeram, o irem provendo gradualmente, contra notas de débitos, dos meios necessários para ir fazendo face aos encargos que fossem sendo faturados por terceiros ao ACE.
27. ACE este constituído como mero instrumento de cooperação temporária entre a B… e a A… (Requerente), recorda-se, para efeitos do projeto de expansão do terminal de C… pertença da E… (cfr. o objeto do ACE, constante do Anexo II do RIT – Doc. n.º 13).
28. Nada tem de ilegal esta última opção (a seguida), como se verá infra, e do ponto de vista da adequação empresarial/gestão, é sem sombra de dúvida, a mais simples/adequada, porquanto B… e A… são parceiros meramente temporários para um único projeto com data fixada para o seu termo (cfr. o objeto do ACE, constante do Anexo II do RIT – Doc. n.º 13 – e os pontos relevantes do anúncio do concurso para a empreitada do terminal de C…, pertença da E…, acima referenciados – Doc. n.º 14).
B) As correções tributárias aqui em causa, e os fundamentos invocados pela AT para as mesmas
29. Em termos de correções ao lucro tributável está aqui em causa a recusa, por parte da Inspeção tributária, na sequência de uma inspeção conjunta aos anos de 2009, 2010 e 2011, em aceitar a imputação fiscal de encargos da empreitada supra descrita ao estabelecimento estável (sucursal) em Portugal da requerente.
30. Os encargos em causa nas correções que aqui se discutem são os referenciados no RIT (Doc. n.º 11) nos pontos III.1.1.1.1 e III.1.1.1.2 (pp10 a 12 e 12 a 14)), nos montantes de € 1.820.188,39 (2010) e de € 450.923,71 e € 142.805,78 (2011). Estão em causa encargos com a empreitada suportados e debitados pelo ACE aos seus membros (no caso destes autos relevando apenas o débito ao membro A…), e encargos com a empreitada debitados à sede, na Alemanha, da requerente, e imputados fiscalmente, via reedito interno, ao seu estabelecimento estável (sucursal) em Portugal.
31. Os fundamentos para a recusa de imputação destes encargos ao estabelecimento estável (sucursal) da requerente em Portugal já acima foram, em parte, sumariamente introduzidos, e reconduzem-se ao que a seguir se transcreve diretamente do Relatório da Inspeção:
1.º Fundamento
i) “(…) os encargos suportados pelo ACE não deverão ser debitados diretamente aos seus membros, mas deverão ser relevados para efeitos de apuramento do respetivo lucro ou prejuízo fiscal, a imputar aos seus membros, nas proporções estabelecidas no respetivo contrato constitutivo (…)” (p 10, penúltimo parágrafo, do Doc. n.º 11; sublinhado nosso).
Não poderão os encargos em causa ser imputados ao membro do ACE “pelo facto de que sendo o ACE uma entidade com sede ou direção efetiva em território nacional, que se constituiu e funciona nos termos legais, e com contabilidade organizada, os gastos e réditos da mesma deverão, nos termos do artigo 17.° do CIRC, permitir o apuramento do lucro ou prejuízo do exercício, e este sim, imputável aos respetivos membros na proporção da sua participação, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 6.° do CIRC.” (p 11, in fine, e 12, do RIT).
2.º Fundamento
ii) “Mas, no caso concreto, é de referir outra particularidade: o sujeito passivo sob análise não corresponde a qualquer dos membros do ACE em causa – D… . É a própria entidade de direito alemão, com registo em território nacional como não residente sem estabelecimento estável – NIPC…– que integra o ACE em causa (anexo II). Salienta-se, ainda, o facto de à data da constituição do ACE -2009.04.17 - já a sociedade de direito alemão A…, ter constituído uma sucursal (representação permanente) neste território, sem contudo, ter usado o respetivo NIPC para a constituição do ACE em causa. Portanto, poder-se-á concluir, que foi opção da A… ter utilizado o NIPC de não residente sem estabelecimento estável.
(…)
[O] sujeito passivo sob análise [NIPC associado ao reconhecimento de um estabelecimento estável] não é um membro daquele ACE, ou seja, não foi o seu NIPC utilizado para a constituição do mesmo e nem é conhecida qualquer alteração, na sua composição, nesse sentido.
Considerando-se, assim, que o sujeito passivo não está legalmente autorizado a suportar aqueles encargos debitados pelo ACE D…, (cujas cópias das respetivas notas de débito se juntam como anexo IX), a título de custos comuns, e que são da responsabilidade de terceiros [do primeiro NIPC obtido em Portugal], os mesmos não são fiscalmente aceites, nos termos do disposto no artigo 45.° do CIRC, nos montantes de 1.820.188,39 e de E 450.923,71, respetivamente nos exercícios de 2010 e de 2011” (p 11, segundo, penúltimo e último parágrafos do Doc. n.º 11; sublinhado nosso).
32. O primeiro dos invocados fundamentos é o que é e não carece, na fase dos factos, de maior desenvolvimento na sua descrição.
33. Já o segundo dos fundamentos carecerá porventura de algumas considerações, ainda nesta fase dos factos: entendeu a AT que pelo facto de a requerente ter sido identificada no contrato de constituição do ACE por referência ao primeiro NIPC por si obtido em Portugal – o NIPC para entidade não residente sem estabelecimento estável em Portugal –, estaria impedida de imputar ao seu estabelecimento estável (sucursal) em Portugal custos relacionados com a empreitada (este ponto não é disputado) na origem do ACE e na origem da necessidade de reconhecer a emergência jurídica de um estabelecimento estável da requerente em Portugal.
34. Porquê este impedimento? Nesta fundamentação acabada de transcrever é de sublinhar, num primeiro momento, a atribuição pela AT de uma opção ao contribuinte e, num segundo momento, a conclusão de que pelo facto de a requerente ter sido identificada no contrato de constituição do ACE por referência ao primeiro NIPC por si obtido em Portugal (obtido declaradamente para efeitos, apenas, da aquisição de participação social, nas circunstâncias do caso, outorga da escritura de participação no ACE – Doc. n.º 12), teria exercitado a opção que alegadamente existiria no sentido de afastar o seu estabelecimento estável da empreitada em Portugal.
35. Invoca ainda a Inspeção tributária no âmbito do seu segundo fundamento, aqui sob análise da perspetiva factual, que quer a Direção de Serviços de Registo de Contribuintes (DSRC) quer o RNPC convergiriam na conclusão de que pelo facto de terem sido obtidos dois NIPC em Portugal pela sociedade de direito alemão A…[1], esta seria agora duas entidades (cfr. a p. 11 do RIT – Doc. n.º 11), pretendendo a Inspeção reforçar com isso o raciocínio que gravita em torno da existência de uma opção.
36. Com relevo para a parte factual ainda, concluiu assim a AT mesmo sabendo que o contrato de empreitada entre o ACE e a requerente, na origem do débito de tais encargos, foi outorgado pela requerente identificando-se por referência ao segundo NIPC por si obtido em Portugal, isto, é o NIPC…, associado ao reconhecimento de um estabelecimento estável em Portugal (cfr. o contrato de empreitada constante do Anexo III do RIT – junto atrás como Doc. n.º 13), e mesmo sabendo, adicionalmente, que os encargos relacionados com a empreitada, debitados pelo ACE aos seus membros, foram debitados à requerente também com indicação e utilização, e por ela assim aceites e contabilizados, do segundo NIPC por si obtido em Portugal, isto, é o NIPC…, associado ao reconhecimento de um estabelecimento estável em Portugal (cfr. as notas de débito dos encargos aqui em causa, referenciados no último parágrafo da p. 11 do RIT, constantes do Anexo IX do RIT – junto atrás como Doc. n.º 13).
37. Finalmente, para uma parcela menor dos encargos, a Inspeção invoca ainda um terceiro fundamento, qual seja o de que quanto a € 142.805,78 em encargos contabilizados em 2011, redebitados internamente pela sede na Alemanha ao seu estabelecimento estável em Portugal, “(…) para além do supra referido, também não foi provada a ocorrência e indispensabilidade dos mesmos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto do sujeito passivo, nos termos do artigo 23.° do CIRC, [pelo que] os mesmos não poderão ser aceites” (p. 14, segundo parágrafo, do RIT).
Alega ainda a Requerente:
A imputação das operações da requerente em Portugal (empreitada de expansão do terminal de C…) a um estabelecimento estável (sucursal) em Portugal não assenta ou assentou em opção de espécie alguma.
Resulta do cumprimento da lei portuguesa que, por ter andado muito fugida do Relatório da Inspeção, aqui se transcreve (Código do IRC):
“Artigo 2.º
Sujeitos passivos
1 - São sujeitos passivos do IRC:
(…)
c) As entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direção efetiva em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS.”
No caso concreto a entidade em causa é, como se viu, a sociedade de direito alemão A… Prosseguindo (Código do IRC):
“Artigo 3.º
Base do imposto
1 - O IRC incide sobre:
(…)
c) O lucro imputável a estabelecimento estável situado em território português de entidades
referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior;”.
Como se pode ver, o sujeito passivo, a entidade sujeita a imposto, é a entidade estrangeira não residente, e não o estabelecimento estável, figura jurídica que, para além de nada ter de opcional, tem já que ver com o plano diferente do modo particular de tributação em Portugal da entidade estrangeira não residente.
Isto mesmo é reconhecido sem dificuldade de espécie alguma pela jurisprudência. Como se pronunciou o coletivo arbitral no processo n.º 1/2013-T (Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Dr. José Pedro Carvalho e Dr. João Sérgio Ribeiro), “[s]erá, portanto, o não residente que detém o estabelecimento estável e não o próprio estabelecimento estável a ser tributado, pois, como parece claro à face do preceituado no n.º 2 do artigo 4.º do CIRC, para que remete a parte inicial do n.º 3 do mesmo artigo (…), o estabelecimento estável, apesar de ser tratado como uma massa patrimonial autónoma para efeitos de determinação do montante dos lucros tributáveis em Portugal, não tem personalidade tributária autónoma, sendo unicamente uma presença especialmente relevante do não residente: são «as pessoas Coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português (que) ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos»” (p. 27 da versão PDF publicada no site do CAAD).
De outra perspetiva, como salienta Paulo Olavo Cunha, importa recordar que “[a] sucursal não reveste personalidade jurídica, não constituindo por isso um sujeito autónomo de Direito, apesar de ter personalidade tributária. Não se distinguindo verdadeiramente da sociedade estrangeira, a que pertence e da qual constitui um prolongamento, a sucursal depara com naturais limitações legais aos negócios jurídicos que pretenda celebra com a sociedade estrangeira, não obstante a lei tributária (portuguesa) permitir que ela fature à sucursal os serviços prestado e que sejam incorporados na faturação final desta, desde que devidamente comprovados”[2] (sublinhado e negrito nossos).
Prosseguindo com a lei, vejamos então a seguir o que ela nos diz adicionalmente sobre o estabelecimento estável (Código do IRC):
“Artigo 4.º
Extensão da obrigação de imposto
(…)
2 - As pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, (…)”
Mais uma vez a confirmação legal de que não há opção alguma: se há rendimentos imputáveis a estabelecimento estável (de entidade não residente) situado em território português, eles têm de ser aqui tributados.
E, como se viu, o que é tributado quando o não residente (A…, no caso) se qualifique legalmente como tendo um estabelecimento estável em Portugal, é o lucro imputável a esse estabelecimento estável, o que por sua vez nos remete para os artigos 17.º e ss do Código do IRC: rendimentos ou proveitos, menos gastos ou custos, eis, em síntese, o que se tributa.
E quando se qualifica a atividade do não residente como fazendo emergir juridicamente um estabelecimento estável em Portugal? Estará aqui a opção de que fala a AT? Era bom para os não residentes que assim fosse, uma vez que isso significaria que não pagariam aqui imposto por referência a inúmeras atividades lucrativas, por mais demorada, significativa e evidente que fosse a sua presença e atividade em Portugal (como foi o caso nesta empreitada para a expansão do terminal de C…). Mas não é, evidentemente, assim (Código do IRC):
“Artigo 5.º
Estabelecimento estável
1 - Considera-se estabelecimento estável qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
2 - Incluem-se na noção de estabelecimento estável, desde que satisfeitas as condições estipuladas no número anterior:
a) Um local de direção;
b) Uma sucursal;
c) Um escritório;
d) Uma fábrica;
e) Uma oficina;
f) Uma mina, um poço de petróleo ou de gás, uma pedreira ou qualquer outro local de extração de recursos naturais situado em território português.
3 - Um local ou um estaleiro de construção, de instalação ou de montagem, as atividades de coordenação, fiscalização e supervisão em conexão com os mesmos ou as instalações, plataformas ou barcos de perfuração utilizados para a prospeção ou exploração de recursos naturais só constituem um estabelecimento estável se a sua duração e a duração da obra ou da atividade exceder seis meses.
4 - Para efeitos de contagem do prazo referido no número anterior, no caso dos estaleiros de construção, de instalação ou de montagem, o prazo aplica-se a cada estaleiro, individualmente, a partir da data de início de atividade, incluindo os trabalhos preparatórios, não sendo relevantes as interrupções temporárias, o facto de a empreitada ter sido encomendada por diversas pessoas ou as subempreitadas.
5 - Em caso de subempreitada, considera-se que o subempreiteiro possui um estabelecimento
estável no estaleiro se aí exercer a sua atividade por um período superior a seis meses.
(…)”
Os sublinhados são nossos. E transcreveu-se também o n.º 5 uma vez que sendo a relação contratual de empreitada com o dono da obra assumida pelo ACE, a relação deste, por sua vez, com a A… (e a B…) para efeitos de concretização material daquela empreitada, qualificar-se-á como subempreitada.
Tudo isto é pacífico: AT não põe em causa que os trabalhos de empreitada de alargamento do terminal de C… (com duração muito superior a seis meses) tiveram como consequência que a A…, entidade não residente em Portugal, tivesse de reconhecer que a sua presença e atividade em Portugal se subsumia na figura jurídica do estabelecimento estável.
E se por absurdo isto fosse questionado pela AT, nenhuma liquidação adicional de IRC seria devida. Com efeito, nesse caso os custos suportados seriam irrelevantes uma vez que também os € 102.058.508 auferidos pela A… dessa empreitada[3] não seriam imputáveis a um estabelecimento estável em Portugal[4], e a correção que a AT teria então de promover seria a favor da A…: a totalidade do IRC apurado e pago pela A… em Portugal tê-lo-ia sido indevidamente.
Então, se há um estabelecimento estável, se por causa disso não há dúvida que se tem de apurar o lucro imputável a esse estabelecimento estável que será sujeito a tributação em Portugal, se esse lucro se apura considerando as receitas e despesas relacionadas com a empreitada que originou a emergência desse estabelecimento estável, se na sua fundamentação para as correções a AT não põe em causa a relação dos encargos objeto da inspeção com essa empreitada e receitas obtidas com a mesma[5], porquê a correção, porquê o afastamento dos encargos aqui em causa do cômputo do lucro do estabelecimento estável da entidade não residente A…?
Porque, diz a AT num dos seus dois fundamentos, recorda-se, e se bem se entende, que tendo sido obtidos sucessivamente pela sociedade alemã A… dois NIPC em Portugal, um primeiro ainda sem reconhecimento de que a atividade originaria um estabelecimento estável, e um segundo associado ao reconhecimento de que a atividade originaria um estabelecimento estável, haveria um desdobramento em duas entidades. E, partindo desta base, acrescenta a AT depois a este seu fundamento que, perante estas duas entidades em Portugal, teria sido intenção da A… exercer uma opção (que, portanto, para a AT existiria de jure) em usar com respeito às suas relações com o ACE a entidade (NIPC) sem estabelecimento estável em Portugal.
Quanto à primeira pedra na fundação deste fundamento, não tem qualquer arrimo legal, nem a AT invoca qualquer arrimo legal: limita-se a invocar o modo como a Direção de Serviços de Registo de Contribuintes e o RNPC alegadamente tratam procedimentalmente e informaticamente os NIPC, impedindo, ao que parece, que a um NIPC pré-existente possa ser associado subsequentemente o reconhecimento da emergência jurídica de um estabelecimento estável em Portugal (cfr. p 11 do RIT).
Ora, como é evidente, as práticas, procedimentos ou constrangimentos informáticos, ou modo de organização adotado, informático ou outro, não criam nem podem criar desdobramento de entidades. A entidade sempre foi e continua a ser uma só, teve foi de pedir um segundo NIPC a partir do momento em que se apercebeu que a sua atividade ia gerar a emergência jurídica de um estabelecimento estável e que não era possível, informática ou procedimentalmente falando, limitar-se a acrescentar ao cadastro do anterior NIPC este novo elemento ainda por reconhecer no mesmo.
Designadamente, o reconhecimento de um estabelecimento estável não cria entidade ou sujeito passivo, novos. Estes pré-existem e são o que são, como resulta da lei, e como bem se explicou no acórdão arbitral atrás citado, proferido no processo n.º 1/2013-T (Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Dr. José Pedro Carvalho e Dr. João Sérgio Ribeiro; cfr. a p. 27 da versão em PDF publicada no site do CAAD).
Mas mesmo que por absurdo assim não fosse e esta primeira pedra da fundamentação da AT estivesse correta, sempre a segunda pedra (também necessária à sua construção), a da existência de uma opção, cairia por terra, como se julga ser imediatamente apreensível depois de se ter percorrido em detalhe os factos do caso, e bem assim o direito respeitante a saber quando uma atividade em Portugal desencadeia, ou não, a emergência jurídica de um estabelecimento estável.
Que (perante uma dada atividade) não existe opção nenhuma é, pois, questão de direito que acima foi já suficientemente analisada: se a atividade origina, de acordo com os critérios legais, a emergência jurídica de um estabelecimento estável, automaticamente essa atividade deverá ser tratada fiscalmente de acordo com as regras de tributação aplicáveis ao estabelecimento estável, designadamente em termos de confrontação das receitas e despesas dessa atividade com vista a apurar o lucro obtido com a mesma e que será tributado em Portugal (o lucro dito imputável à figura jurídica do estabelecimento estável).
Acresce que esta visão da AT de que existiria uma opção, para além da ausência de base legal, é particularmente perversa e contraditória na aplicação que dela faz a AT, e que se reconduz a tratar o contribuinte como padecendo de esquizofrenia e masoquismo: a putativa opção de operar à margem do estabelecimento estável teria sido exercida para efeitos dos encargos debitados pelo ACE à requerente, mas outro tanto não teria ocorrido com a faturação da requerente (mais de 100 milhões) ao mesmo ACE! Eis um rico exemplo de falta de isenção, incongruência, e desobediência à lei, da parte da Inspeção tributária. Em várias direções.
Se por absurdo proceder esta tese da existência de uma opção (cuja base legal a AT não aponta, nem será alguma vez capaz de apontar), terá, pois, de ser levada às últimas consequências (coisa que a Inspeção não fez), sob pena de violação grosseira dos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real, desconsiderando-se igualmente a faturação da A… ao ACE, com o que desaparece o segundo elemento sem o qual esta liquidação adicional de IRC não existira: a existência de proveitos ou, na nova linguagem do CIRC, de rendimentos.
Mais: a interpretação da norma jurídica concedente de uma opção, norma ainda hoje por identificar pela AT, no sentido de que com base nessa putativa norma se poderia negar a imputação de custos relacionados com a atividade que gerou a emergência jurídica de um estabelecimento estável, a pretexto de que num dos contratos relacionados com essa atividade (o contrato de constituição do ACE) a entidade se identificou por referência a um NIPC anterior ao do reconhecimento do estabelecimento estável, ou a pretexto, na linguagem da AT, de que pelo facto de uma mesma sociedade estrangeira ter obtido sucessivamente dois NIPC em Portugal, teria havido o desdobramento em duas entidades,
sem simultaneamente e por força da mesma putativa base legal se reconhecer que então também nenhum dos proveitos (faturação) será imputável ao referido estabelecimento estável, é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade (e proibição de arbítrio), da neutralidade e da capacidade contributiva ou rendimento real, consagrados nos artigos 13.º (e 2.º, enquanto emanação do Estado de direito democrático), 62.º. n.ºs 1, 2, 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, da Constituição, e bem assim do principio da proporcionalidade que encontra expressão qualificada nos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, e é uma emanação do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
Finalmente, e sem querer com isso emprestar credibilidade a uma tese que não tem nenhuma, não quer a requerente deixar de relembrar, a terminar, que em qualquer caso não se entende a conclusão da AT no sentido de que a requerente teria exercitado uma putativa opção nas suas relações com (pelo menos) o ACE, de operar à margem da figura jurídico-fiscal do estabelecimento estável: como pode concluir a AT que teria sido exercida uma opção de associar relações contratuais (por oposição a situações jurídicas decorrentes da qualidade de membro do ACE), no caso de subempreitada, onde assentam os débitos do ACE à requerente, ao primeiro NIPC obtido pela requerente em Portugal, se este foi declarada e expressamente obtido exclusivamente para efeitos de um “ato isolado de aquisição de uma participação social” (cfr. Doc. n.º 12)?
Esta correção tributária vive no reino da fantasia. Fantasia que se agrava com a omissão pela Inspeção do mais que se verá a seguir.
Com efeito: como pode concluir isso a AT se as relações com o ACE em causa nos débitos desconsiderados pela AT assentam no contrato de empreitada (subempreitada) assinado entre a requerente e o ACE, e nesse contrato o NIPC utilizado foi o segundo, o NIPC associado ao reconhecimento da emergência jurídica de um estabelecimento estável em Portugal[6]?
Mais ainda: como pode a AT concluir isso (exercício de tal putativa opção), se nota de débito após nota de débito emitido pelo ACE, por sua vez assente no contrato de (sub)empreitada, a requerente foi identificada com recurso ao NIPC associado ao reconhecimento da emergência jurídica de um estabelecimento estável em Portugal[7]?
Como pode a AT concluir isso se nos fluxos de sinal contrário, aqueles que originaram rendimento em Portugal para a requerente – a faturação ao ACE da subempreitada, por parte da requerente – assentam igualmente no mesmo NIPC (o segundo obtido em Portugal) associado ao reconhecimento da emergência jurídica de um estabelecimento estável em Portugal? E se por absurdo assim não fosse, pela mesma “razão” indicada pela AT para os débitos aqui em causa do ACE à requerente, por que razão se corrigiu o lucro tributável para mais (+), em vez de concluir, coerentemente, que a haver correção teria de ser para menos (-) (igual irrelevância, neste quadro mental da fundamentação da AT, da faturação da requerente ao ACE)?
É caso para dizer que ainda que a AT pudesse estar certa no Direito (no que seria um Direito absurdo), na aplicação desse seu direito faz uma seleção completamente distorcida e parcial dos factos a que teve acesso (e constam do RIT e seus anexos) para efeitos do discurso com que pretende a legitimação das correções que fez[8].
Mas o absurdo não acaba aqui. É que acresce ainda que, nunca foi iniciada atividade, para efeitos fiscais (IRC ou IVA), do referido primeiro NIPC, o …, não tendo sido desenvolvida qualquer atividade em Portugal por intermédio deste número (conforme referenciado na parte dos factos – p. 6 do Relatório da inspeção, atrás junto como Documento 11), expressa e declaradamente obtido junto do RNPC para efeitos unicamente de “ato isolado de aquisição de participação social” (Doc. n.º 12).
Ao invés, a Requerente sempre atuou em território nacional através da sua Sucursal (NIPC…) a qual foi constituída por forma a garantir o cumprimento dos imperativos legais e tributários decorrentes do desenvolvimento de um único empreendimento em Portugal (o Projeto de Expansão do Terminal C…), como se viu supra.
O NIPC que a AT pretende agora considerar não teve nunca associada qualquer atividade, não tem qualquer efeito fiscal, e não teve qualquer registo fiscal como se viu supra nos factos (cfr. a p. 6 do RIT Doc. n.º 11). Na verdade tal NIPC não existe para efeitos tributários/da AT.
E, continua a Requerente:
Não há impedimento legal algum a que o ACE debite encargos em que incorra à requerente (ou à B…, o outro membro do ACE)
Este é o primeiro dos fundamentos descrito na parte dos factos, invocado pela AT, como se viu supra, tratado na parte do Direito deste pedido de pronúncia arbitral em segundo e último lugar: ao que parece, na visão da Inspeção o artigo 6.º, n.º 2, do CIRC, impediria que um ACE se relacionasse com os seus membros em modo de transparência total de receitas e despesas, como sucedeu no caso concreto.
Vejamos então o que diz o artigo 6.º, n.º 2, do CIRC:
“Artigo 6.º
Transparência fiscal
(…)
2 - Os lucros ou prejuízos do exercício, apurados nos termos deste Código, dos agrupamentos complementares de empresas e dos agrupamentos europeus de interesse económico, com sede ou direção efetiva em território português, que se constituam e funcionem nos termos legais, são também imputáveis diretamente aos respetivos membros, integrando-se no seu rendimento tributável.”
Nada nesta base legal invocada pela AT, e menos ainda o artigo 17.º do CIRC (que se limita a prescrever como se apura o lucro), impõe que o ACE se abstenha de debitar os respetivos encargos aos seus membros.
Dito de outro modo, esta base legal prevê apenas que o lucro ou prejuízo apurado pelo ACE seja imputável aos seus membros. Em lado algum impede que no cômputo desse lucro entrem, pela positiva, débitos aos seus membros e, pela negativa, faturações dos seus membros ao ACE, como sucedeu no caso.
É talvez este o momento para sublinhar a circularidade e neutralidade, no plano fiscal, das alternativas de funcionamento: o ACE é dotado de meios próprios, técnicos, humanos, financeiros, e faz diretamente a empreitada contratada pela E…, nada debitando aos seus membros e estes nada lhe debitando, e no final apura um resultado que imputa aos seus membros.
Ou o ACE permanece como uma estrutura simples e leve, com o estritamente necessário para a função temporária para o qual foi constituído no caso (unificação da posição e responsabilidade de duas empresas distintas, a B… e a requerente, perante o dono da obra, a E…), e nesse caso, como sucedeu, A… e B… assumem a execução material da empreitada através de um subcontrato de empreitada, celebrado com o ACE, faturando então ao ACE o preço correspondente à sua percentagem de execução da empreitada e provendo o ACE, contra notas de débitos por este emitidas, dos meios necessários para este fazer face quer a despesas que não resultem diretamente da execução material da empreitada (v.g., despesas de funcionamento do ACE, por mínimas que sejam, e custos de garantias bancárias que o ACE tenha de apresentar em nome próprio ao dono da obra, etc.), quer a despesas que respeitem diretamente à execução da empreitada quando porventura incorridas em nome do ACE (contratos de água, eletricidade, ferramentas ou materiais que o ACE adquira para a execução da empreitada pelos seus subempreiteiros, etc.).
Numa e noutra alternativa o resultado fiscal é exatamente o mesmo: o ACE nunca é tributado (artigo 12.º do CIRC), e aos seus membros, seja via imputação de resultados do ACE (artigo 6.º, n.º 2, do CIRC), seja via faturação ao ACE e redébito pelo ACE dos seus custos (redébito no caso contratualmente previsto no contrato de subempreitada com o ACE), fica cabendo na íntegra o resultado da atividade económica formalmente intermediada pelo ACE.
Donde mais esta razão legal a acrescer à da ausência de base legal para a correção: como pode a Inspeção recusar o redébito de encargos pelo ACE à requerente sem fazer simultaneamente a correção consequente e simétrica de diminuir o resultado do ACE (ou aumentar-lhe o prejuízo) em razão da desconsideração desses redébitos que o beneficiavam e, com isso, diminuir no mesmo montante o resultado (ou aumentar o prejuízo) do ACE imputado à requerente?
Este modo de proceder assimétrico, para além de violar flagrantemente o princípio constitucional e legal da justiça, viola ainda os princípios constitucionais da capacidade contributiva, do rendimento real, da igualdade e da proporcionalidade, supra melhor identificados a outro propósito, e a interpretação do artigo 55.º da LGT, designadamente dos princípios da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade aí previstos, no sentido de que autorizaria este modo de proceder, é inconstitucional por violação dos referidos princípios constitucionais.
Acrescente-se ainda que para além da ausência de base legal no n.º 2 do artigo 6.º (ou no artigo 17.º) do CIRC para a correção efetuada, acresce ainda que a mesma, e a filosofia que lhe subjaz, matam, contrariam, o regime legal e propósitos do ACE: estruturas de cooperação, pensadas para poderem ser também usadas com flexibilidade, leveza e simplicidade, sempre que dois ou mais agentes económicos queiram ou precisem de cooperar (num determinado projeto, por exemplo) sem com isso se fundirem, ou fundirem projeto e atividade de cada um, num ente novo, designadamente numa nova sociedade.
A Base II, n.º 1, da Lei n.º 4/73, de 4 de Junho (quer institui e regula a figura do ACE), resume tudo sobre a leveza, irrelevância legal do lucro próprio do ACE e permissão legal para a simplicidade patrimonial e de meios do mesmo:
“Base II
Os agrupamentos complementares de empresas não podem ter por fim principal a realização e partilha de lucros e constituir-se-ão com ou sem capital próprio.” (sublinhados nossos).
E mais acrescenta o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 430/73, de 25 de Agosto (que desenvolve a regulamentação do ACE), que:
“O agrupamento complementar de empresas pode ter por fim acessório a realização e partilha de lucros apenas quando autorizado expressamente pelo contrato constitutivo.”
E o contrato constitutivo do ACE em causa, por sua vez, nada impõe, apenas permite: “(…) podendo ter como fim acessório a realização e a partilhas de lucros” (cfr. o Anexo II do RIT, constante do Doc. n.º 13, e o objeto do ACE aí transcrito).
Não há, pois, qualquer imposição (legal ou contratual) de que os ACE apurem lucros, ou de que este ACE em particular apure lucros, ou que tenham estrutura patrimonial ou outra em dose suficiente para lhes permitir ser mais do que um intermediário transparente que unifica, na relação com terceiros, dois cooperantes independentes. Quanto aos lucros o princípio é até justamente o inverso. E o artigo 6.º do Código do IRC em nada altera isso. Apenas prevê, como não podia deixar de ser, que os lucros (ou prejuízos) que possam haver serão imputados diretamente aos membros do ACE.
Dito de outro modo, em momento algum o artigo 6.º do CIRC impõe que o ACE tenha lucros, e menos ainda impõe em lado algum que ele e os seus membros estabeleçam o seu modo de funcionamento e relacionamento patrimonial e financeiro, do modo “A”, “B” ou “C”. E se por absurdo o fizesse, estaria a contrariar frontalmente a legislação (e propósitos que esta serve) que regula os ACE, conforme acima referenciado, e a interferir ilegítima e cegamente com a liberdade de organização empresarial.
Para além da falta de fundamento na legislação fiscal, esta correção tributária levada a cabo pela Inspeção contraria ainda a legislação que se acabou de transcrever, porquanto o que faz é impedir fiscalmente (fustigando fiscalmente) que o ACE seja usado como mera figura intermediária transparente, de cooperação, entre duas sociedades, estas sim com meios patrimoniais e financeiros, e com escopo lucrativo.
Finalmente, mas não menos importante, a alegada interpretação do artigo 6.º, n.º 2, do CIRC, ou do seu artigo 17.º, que subjaz às correções aqui em causa, no sentido de que estes artigos impediriam que o ACE debitasse aos seus membros os encargos em que vai incorrendo, dá corpo a um sentido normativo que, a prevalecer (no que não se concede), constitui uma interferência fiscal indiscriminada com a organização e gestão das empresas e entidades auxiliares das mesmas que viola, sem qualquer justificação apreensível, os artigos 62.º (direito de propriedade privada), 80.º, alínea c) (liberdade de iniciativa e de organização empresarial), 81.º alínea f) (liberdade de gestão empresarial, que tem por contraponto um Estado que promove a neutralidade por oposição a criar distorções) 82.º, nºs 1 e 3 (garantia de existência do sector privado) e 86.º, n.º 2 (proibição de intervenção por parte do Estado na gestão das empresas privadas), todos da Constituição.
Finalmente, quanto em especial à correção à parcela da matéria tributável do exercício de 2011 no montante de € 142.805,78 e à invocação, adicional, a esse respeito, de que quanto a estes encargos redebitados internamente pela sede na Alemanha ao seu estabelecimento estável em Portugal, “(…) para além do supra referido, também não foi provada a ocorrência e indispensabilidade dos mesmos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto do sujeito passivo, nos termos do artigo 23.° do CIRC, [pelo que] os mesmos não poderão ser aceites” (p 14, segundo parágrafo, do RIT; e seu Anexo XI – Doc. 15),há uma manifesta insuficiência, e uma manifesta incorreção.
A insuficiência deste fundamento radica no desconhecimento da razão pela qual a Inspeção assim concluiu; a incorreção está em que as garantias bancárias prestadas diretamente ao dono da obra (E…), ou indiretamente (via intermediário ACE ou B…) com a correspondente necessidade de apresentar contragarantias ao intermediário, são uma necessidade incontornável em empreitadas desta natureza e dimensão (cfr. o ponto “III.1.1) Cauções e garantias exigidas”, do anúncio público do concurso para a expansão do terminal de C…– Doc. n.º 14).
Dos juros indemnizatórios e da indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia
As liquidações de IRC e dos juros correspondentes aqui em causa foram objeto de garantia bancária (Docs. n.ºs 6, 7, 8 e 9) legalmente exigida de modo a operar a suspensão do processo de execução fiscal dirigido à cobrança dos montantes (acrescidos de juros de mora), sendo que a liquidação respeitante a 2010 foi ainda objeto de um pagamento parcial no montante de € 18.066,81 (cfr. Docs. n.ºs 5 e 6).
Os prejuízos que resultam da prestação desta garantia deverão ser ressarcidos à requerente em caso de procedência – como se espera e é de direito – do presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral, e o pagamento parcial efetuado deverá ser reembolsado, com pagamento de juros indemnizatórios contados desde 20 de Dezembro de 2013 (cfr. Doc. n.º 5).
Com efeito, os montantes de imposto em causa neste pedido de pronúncia arbitral e correspondentes juros não se mostram devidos, pelos motivos e com os fundamentos acima explanados.
Acresce que os erros de que padecem as liquidações em causa cuja legalidade agora se discute são erros dos serviços na compreensão do direito e dos factos, como supra bem se demonstrou.
Nestas circunstâncias – erro imputável aos Serviços – deverá ser reconhecido à requerente o direito a indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia (cfr. artigo 53.º da LGT), e juros indemnizatórios pelos montantes indevidamente pagos (artigo 43.º da LGT).
Note-se ainda, a este propósito, que a doutrina e a jurisprudência têm defendido uma posição muito abrangente a respeito do erro imputável aos serviços.
De acordo com a doutrina, "o erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação" (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Vislis, 1999, p. 141).
A jurisprudência, por seu lado, tem alinhado pelo mesmo diapasão: “em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa mesma liquidação” (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 31 de Outubro de 2001, Processo n.º 26167, de 28 de Novembro de 2001, Processo n.º 26405).
No mesmo sentido, a propósito da situação idêntica dos juros indemnizatórios “anulado judicialmente o ato de liquidação, fica demonstrado o erro dos serviços ao procederem a ele, sendo devidos juros indemnizatórios a favor da reclamante que pagou a quantia liquidada” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15 de Novembro de 2000, proferido no âmbito do Processo n.º 22791).
Em suma, “a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (artigos 266.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 55.º da Lei Geral Tributária), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Dezembro de 2001, Processo n.º 26233).
Assim sendo, dúvidas não restam de que, anuladas as liquidações de IRC e correspondentes juros na parte aqui em causa, deverá também ter-se por verificado erro imputável aos Serviços para efeitos de indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia.
Os prejuízos resultantes da prestação de garantia só poderão, evidentemente, ser apurados no momento em que a AT devolva e com isso cancele finalmente a garantia, o que ainda não ocorreu.
Em face do exposto, dúvidas não restam de que a procedência do presente pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IRC e correspondentes juros na parte aqui em causa deverá determinar a indemnização da requerente pela totalidade dos custos incorridos com a garantia prestada.
E bem assim deverá a procedência do presente pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IRC e correspondentes juros na parte aqui em causa determinar o reembolso do montante, indevidamente pago, de € 18.066,81, e o pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre este montante desde 20 de Dezembro de 2013 até integral reembolso.
Conclusões
Do acima exposto, em síntese, resulta que quer os indeferimentos parciais dos recursos hierárquicos, quer as correções efetuadas à matéria tributável aqui em causa e supra melhor identificadas, quer ainda a parte das liquidações de IRC (incluindo derramas) n.ºs 2013 … e 2013…, relativas aos exercícios de 2010 e 2011, respetivamente, e correspondentes juros, que se lhes seguiram, padecem de vício material de violação de lei, devendo:
a) ser declarada a ilegalidade e anulados os indeferimentos parciais dos recursos hierárquicos na medida em que recusaram a anulação da parte ilegal, nos termos que aqui se discutiram, das liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2010 e 2011, com isso violando o princípio da legalidade;
b) ser declarada a ilegalidade das correções (e serem consequentemente anuladas) aqui em causa efetuadas pela Inspeção tributária aos exercícios de 2010 e 2011, nos montantes de € 1.820.188,39 (exercício de 2010) e de € 593.729,49 (exercício de 2011);
c) ser declarada a ilegalidade da parte das liquidações (e serem consequentemente anuladas) que lhes respeita, mais concretamente ilegalidade nos montantes (incluindo juros) de € 568,787,80 (2010) e de € 174.373,30 (2011), num total de € 743.161,09;
d) ser, consequentemente, reconhecido o direito a indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia e ainda, no que respeita à liquidação respeitante ao exercício de 2010, o direito ao reembolso do montante do pagamento parcial indevido de € 18.066,81, e o direito a juros indemnizatórios contados sobre o mesmo montante desde 20 de Dezembro de 2013 até integral reembolso.
Constituição do Tribunal Arbitral
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida, tudo nos termos legais.
Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos previstos, foram designados como árbitros, o Juiz Dr. José Poças Falcão como presidente, e, como vogais, o Professor Doutor João Sérgio Ribeiro e o Professor Doutor António Martins, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 2-3-2016, em consonância com a prescrição da alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
A Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
Em sede de resposta ao pedido de pronúncia, a AT contestou os fundamentos do mesmo com base, no essencial, nas razões já invocadas na fundamentação do indeferimento parcial dos recursos hierárquicos apresentados.
Invocou, designadamente, que em 17 de Abril de 2009 a entidade alemã A…–…–, utilizando o NIF/NIPC…, constituiu um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), conjuntamente com a B… SA, nas proporções, de contribuição genérica para os encargos do mesmo, de 15% e de 85%, respetivamente, designado por “D…, ACE” (doravante D…), sendo àquele ACE atribuído o NIPC/NIF… .
Em 08 de Maio de 2009 aquele ACE assinou um contrato de empreitada com a sociedade comercial Terminal de F…, SA, NIPC/NIF … (propriedade da E…), sendo o objeto daquele contrato de empreitada a concretização de expansão do terminal C… .
Para a execução daquele contrato o ACE celebrou dois contractos de subempreitada, sendo um deles com a aqui Requerente -A…– Sucursal em Portugal.
Conclui daqui a AT haver duas entidades distintas, com dois NIPC/NIF distintos: uma com estabelecimento estável [NIF…] e outra sem estabelecimento estável [NIF…], sendo que quem assinou o contrato de ACE e recebeu a respetiva adjudicação foi a entidade não possuidora de estabelecimento estável [NIF…], isto é a A…(sublinhado nosso), sendo que foi da exclusiva responsabilidade da Requerente a opção pelo NIF da sucursal (representação permanente).
Alega ainda a AT que o Registo Nacional de Pessoas Coletivas considerou que não era viável a associação de NIPC’s, nos seguintes termos:
Por esta razão entende suscitar o que denomina “incidente provocado de terceiros” e pede o chamamento ao processo do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC), nos termos do artigo 316.º, do CPC ou, não sendo este incidente admissível, que seja então chamado ao processo o RNPC como assistente nos termos e para os efeitos do artigo 326.º, do CPC.
Reunião prevista no artigo 18º, do RJAT – Dispensa – Alegações finais escritas
A reunião do Tribunal com as partes (artigo 18.º, do RJAT) foi, sem oposição destas, dispensada, tendo o processo prosseguido com a concessão de prazo para alegações finais escritas.
Ambas as partes produziram as suas alegações finais dentro dos respetivos prazos e em que desenvolveram e atualizaram os argumentos em função da Jurisprudência entretanto produzida.
Saneador
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º nº 1 alínea a), 5.º e 6.º n.º 1 do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-a/2011, de 22 de Março.
Incidente de chamamento de terceiros e/ou de assistência (arts 316.º e 326.º, do CPC)
Nos artigos 18º e seguintes, da Resposta apresentada pela AT, esta suscita o incidente (de instância) de intervenção de terceiros ou, subsidiariamente, de assistência, do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
Os sobreditos incidentes de instância estão previstos nos artigos 316.º e 326.º, do CPC.
A intervenção de terceiros no processo tributário, não constitui um caso omisso, a preencher pelas normas do Código de Processo Civil.
Com efeito, como é do conhecimento geral, o contencioso tributário português parte de uma matriz objetivista, estando estruturado, grosso modo, como um “processo a um ato” (tributário). Ou seja, o contencioso tributário, por norma e tal como acontece no caso sub juditio, tem por objeto um ato tributário cuja legalidade cumpre sindicar.
Em coerência com tal modelo, a legitimidade passiva cabe ao autor do ato, sendo a ele que incumbe defender a legalidade da sua atuação. Daí que, por exemplo, na petição inicial caiba apenas ao A. indicar aquele (artigo 108.º/1 do CPPT), e nada mais a tal respeito.
Por outro lado, a legitimidade ativa, caberá aos visados com o ato tributário impugnado, que, no caso de este ser uma liquidação, serão aqueles a quem o imposto liquidado haja sido exigido, para além dos responsáveis solidários e subsidiários, verificados que sejam os requisitos, respetivamente, dos n.ºs 2 e 3 do artigo 9.º do CPPT e dos artigos 2.º e 3.º, do RJAT.
Compreendidas as coisas deste modo, fácil é de ver que a intervenção de terceiros interessados na manutenção ou na anulação do ato tributário impugnado, deverá ser fortemente restringida, senão mesmo excluída. Não deverá, portanto, a ausência de regulamentação relativa à intervenção de terceiros, no processo tributário ser encarada como uma lacuna, mas como uma deliberada intenção de a excluir, em tudo o que não resulte como admissível nos termos do próprio CPPT e do RJAT.
Aliás, e no que diga respeito ao lado passivo, essa deliberada intenção de excluir a intervenção principal provocada, ressaltará para além do mais, do contraste com as disposições do processo administrativo, onde se dispõe que o autor, para além do mais, deve, na petição inicial, identificar os contra-interessados na manutenção do ato impugnado [artigo 78.º/2/b) do CPTA].
Isto mesmo foi já afirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo em situação análoga, no âmbito do processo 0624/10, em cujo acórdão datado de 17-11-2010 se escreveu que “(…)atenta a natureza subjetiva do contencioso tributário em geral e a estrutura do processo de impugnação judicial … se não encontra espaço para a defesa de contra-interesses particulares na manutenção do ato impugnado(…)” (acórdão disponível para consulta na página www.dgsi.pt).
Efetivamente, a atendibilidade de interesses terceiros em relação ao ato impugnado no âmbito do processo tributário, redundaria na profunda subversão da sua estrutura.
Ainda que assim não fosse, devidamente ponderadas as exigências de celeridade que devem orientar as decisões deste tribunal arbitral em matéria de regulação da relação processual, e as previsíveis repercussões do deferimento da pretensão da entidade demandada que ora se aprecia no andamento da marcha processual, sempre se deveria entender que as normas do Código de Processo Civil relativas à intervenção principal provocada e incidente de assistência, que poderiam fundar a pretensão da entidade demandada nesta matéria, serão, em concreto, inaplicáveis à presente instância arbitral.
Destarte, indefere-se o pedido de intervenção principal provocada e/ou de assistência, formulados pela AT.
O processo não enferma de nulidades, e não foram invocadas exceções.
Cumpre apreciar o mérito do pedido.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Factos provados
a) A requerente, A… (A…), é uma entidade alemã, com o número de identificação fiscal na Alemanha DE…, que começou por obter, em 3 de Março de 2009, número de identificação fiscal em Portugal (número de identificação de pessoa coletiva – NIPC) junto do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC), a título de entidade residente sem estabelecimento estável em Portugal –NIPC… .
b) Este NIPC foi obtido junto do RNPC para efeitos de prática de ato isolado de aquisição de uma participação social (no caso concreto, participação num agrupamento complementar de empresas – ACE) não lhe tendo sido associado o registo da A… para efeitos fiscais em Portugal.
c) Decorrido pouco mais de um mês a requerente concluiu que deveria reconhecer a emergência jurídica em Portugal de um estabelecimento estável e registar-se fiscalmente em Portugal (declaração de início de atividade), tendo para o efeito promovido, em 7 de Abril de 2009, o reconhecimento de uma representação permanente em Portugal e
d) ...para o efeito foi gerado um segundo NIPC pelo RNPC, o NIPC/n.º de contribuinte …, uma vez que o anterior tinha sido obtido no pressuposto de inexistência de um estabelecimento estável (sucursal) em Portugal.
e) Em 13 de Abril de 2009 a requerente declarou então, por referência a este segundo NIPC, início de atividade em Portugal como sujeito passivo não residente com sucursal (estabelecimento estável) em Portugal, indicando as atividades de “engenharia e técnicas afins”.
f) Os Serviços de Inspeção Tributária, em inspeção realizada, concluíram que uma série de custos ou encargos não seriam imputáveis ao estabelecimento estável (sucursal) em Portugal da A…, mas antes diretamente à A… na Alemanha.
g) Em 17 de abril de 2009, a requerente constituiu com a B… S.A. (B…) um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), denominado de “D…, ACE”, que por sua vez foi o instrumento de cooperação entre estas duas empresas através do qual foi celebrado, em 08 de Maio de 2009, com a E…, S. A. (dona da obra – doravante, E…), um contrato de empreitada para a expansão do terminal de C… .
h) O ACE – instrumento jurídico para a cooperação entre a B… e a A…, para uma determinada obra – celebrou dois contratos de subempreitada com os seus dois membros (B… e A…, ou requerente), para efeito da execução da referida expansão do terminal de C… .
i) A execução material dos trabalhos ficava a cargo dos membros do ACE, entre os quais a requerente, sendo o ACE o instrumento jurídico escolhido que permitia a relação conjunta e unitária da B… e da requerente, de um lado (contraparte única), com o dono da obra (a E…), do outro lado. A relação essa com o dono da obra foi em conjunto por imposição da E…, conforme cláusula relevante do anúncio público do concurso.
j) A relação com a E…, dona da obra, incluindo a faturação, era levada a cabo pelo ACE, por oposição a ser levada cabo por cada um dos seus membros separadamente, por exigência do dono da obra.
k) O ACE, por sua vez, não era apenas fiscalmente transparente para os seus membros. Era também contratualmente transparente para os seus membros, designadamente (mas não só) no sentido em que todos os encargos em que incorresse relativos à empreitada para a qual foi constituído, eram assumidos pelos seus membros, o que se concretizou, no que aqui importa, via débitos desses encargos que o ACE lhes fazia.
l) Para esses débitos foi indicado e utilizado o NIPC da A… correspondente à Sucursal em Portugal, isto é, ao seu registo como entidade com estabelecimento estável em Portugal. Esses débitos têm por base o contrato de empreitada (ou subempreitada) celebrado entre o ACE e a requerente, onde esta se identificou e assinou com o NIPC correspondente ao reconhecimento do seu estabelecimento estável em Portugal, o referido NIPC… .
m) O ACE prevê a contribuição genérica para os encargos do ACE D… de 15% por parte da A… e de 85% por parte do outro membro.
Segundo o acordo entre a requerente e a B… quanto ao funcionamento do ACE, no caso da requerente cabia-lhe uma percentagem de 64,29% de tais encargos, e no caso da B… a restante percentagem de 35,71%. (cf. Anexo 6 do RIT-cláusula 8)
n) Em contrapartida desta assunção de encargos, e de outros encargos suportados diretamente pela requerente ou pela B… com a execução da empreitada/subempreitada, o ACE entregava à requerente e à B… a totalidade do preço da empreitada recebido do dono da obra (a E…).
o) No caso da percentagem a que a requerente tinha direito no confronto com a B…, isso traduziu-se no montante a receber de € 102.058.508, previsto na cláusula 5, n.º 3, do contrato de empreitada (ou subempreitada) celebrado entre a requerente e o ACE que por sua vez mais não é do que o resultado da aplicação da referida percentagem de 64,29% ao preço total da obra adjudicada pela E…, que era de € 158.743.766,06.
p) Os fundamentos para a recusa de imputação dos encargos controvertidos ao estabelecimento estável da requerente em Portugal reconduzem-se, no essencial, ao que a seguir se transcreve do Relatório da Inspeção:
i) “(…) os encargos suportados pelo ACE não deverão ser debitados diretamente aos seus membros, mas deverão ser relevados para efeitos de apuramento do respetivo lucro ou prejuízo fiscal, a imputar aos seus membros, nas proporções estabelecidas no respetivo contrato constitutivo (…)”
Não poderão os encargos em causa ser imputados ao membro do ACE “pelo facto de que sendo o ACE uma entidade com sede ou direção efetiva em território nacional, que se constituiu e funciona nos termos legais, e com contabilidade organizada, os gastos e réditos da mesma deverão, nos termos do artigo 17.° do CIRC, permitir o apuramento do lucro ou prejuízo do exercício, e este sim, imputável aos respetivos membros na proporção da sua participação, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 6.° do CIRC.”
ii) “No caso concreto, é de referir outra particularidade: o sujeito passivo sob análise não corresponde a qualquer dos membros do ACE em causa – D… . É a própria entidade de direito alemão, com registo em território nacional como não residente sem estabelecimento estável – NIPC…– que integra o ACE em causa (anexo II). Salienta-se, ainda, o facto de à data da constituição do ACE -2009.04.17 - já a sociedade de direito alemão A…, ter constituído uma sucursal (representação permanente) neste território, sem contudo, ter usado o respetivo NIPC para a constituição do ACE em causa. Portanto, poder-se-á concluir, que foi opção da A… ter utilizado o NIPC de não residente sem estabelecimento estável.
(…)
O sujeito passivo sob análise não é um membro daquele ACE, ou seja, não foi o seu NIPC utilizado para a constituição do mesmo e nem é conhecida qualquer alteração, na sua composição, nesse sentido. Considerando-se, assim, que o sujeito passivo não está legalmente autorizado a suportar aqueles encargos debitados pelo ACE D…, (cujas cópias das respetivas notas de débito se juntam como anexo IX), a título de custos comuns, e que são da responsabilidade de terceiros, os mesmos não são fiscalmente aceites, nos termos do disposto no artigo 45.° do CIRC, nos montantes de 1.820.188,39 e de E 450.923,71, respetivamente nos exercícios de 2010 e de 2011”.
q) As liquidações de IRC e dos juros correspondentes aqui em causa foram objeto de garantia bancária (Docs. n.ºs 6, 7, 8 e 9) legalmente exigida de modo a operar a suspensão do processo de execução fiscal dirigido à cobrança dos respetivos montantes (acrescidos de juros de mora), sendo que a liquidação respeitante a 2010 foi ainda objeto de um pagamento parcial, em 20 de dezembro de 2013, no montante de € 18.066,81 (cfr. Docs. n.ºs 5 e 6).
Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão, provados ou não provados.
Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram considerados provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e na cópia do processo administrativo instrutor junta aos autos pela AT, não havendo controvérsia sobre os mesmos.
II FUNDAMENTAÇÃO (cont)
O DIREITO
Impõe-se recordar o que vem sendo entendido pela Jurisprudência desde há anos, ou seja, que os Tribunais não têm que apreciar todos os argumentos formulados pelas partes (Cfr. inter alia, Ac do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Séc – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094).
Este entendimento jurisprudencial encontra-se estribado, atualmente, no disposto nos artigos 607.º-2 e 3, do CPC e 123.º - 1ª parte, do CPPT, quando impõem apenas ao Juiz (ou ao Tribunal) que, depois de identificar as partes e o objeto do litígio e enunciar as questões decidendas, fundamente a decisão discriminando os factos provados e os não provados e indique, interprete e aplique as normas correspondentes para a sua conclusão final (decisão).
O RJAT (DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro e alterações) sufraga igualmente este entendimento quando, no artigo 22.º-2, do RJAT, dispõe que “(...) é aplicável à decisão arbitral o disposto no artigo 123º, primeira parte, do CPPT, relativamente à sentença judicial (...)”
1. Os Agrupamentos Complementares de Empresas: breve enquadramento geral
A constituição de Agrupamentos Complementares de Empresas (ACE) só pode ser feita por entidades com personalidade jurídica singulares ou coletivas, estando naturalmente incluídas as sociedades, tal como resulta da Lei n.º 4/73, de 4 de Junho, Base I:
«1. As pessoas singulares ou colectivas e as sociedades podem agrupar-se, sem prejuízo da sua personalidade jurídica, a fim de melhorar as condições de exercício ou de resultado das suas atividades económicas.
2. As entidades assim constituídas são designadas por «agrupamentos complementares de empresas».
Os ACE estão sujeitos a um regime de transparência fiscal (art. 6.º, n.º 2 do CIRC) que implica a isenção dos lucros obtidos por estes no domínio do IRC (art. 12º do CIRC) e uma imputação dos lucros ou prejuízos aos respetivos membros, integrando-se no seu rendimento tributável no contexto do CIRC (art. 6.º, n.º 2 do CIRC). Essa imputação é feita aos membros nos termos que resultarem do ato constitutivo do ACE (art. 6.º, n. 3), sejam estes residentes ou não residentes. No caso dos não residentes considera-se que estes obtêm os lucros ou prejuízos através de um estabelecimento estável situado em Portugal, sendo-lhe estes, por conseguinte, imputados nesse enquadramento (art.5.º, n.º 9).
Os encargos em que que incorre o ACE são apenas considerados no âmbito da determinação do rendimento tributável deste, não sendo, consequentemente, imputados aos membros. A imputação é limitada aos lucros ou prejuízos do exercício.
Os ACE não podem ter como finalidade principal a obtenção de lucros, como decorre da Lei n.º 4/73, de 4 de Junho, Base II:
«1. Os agrupamentos complementares de empresas não podem ter por fim principal a realização e partilha de lucros e constituir-se-ão com ou sem capital próprio».
Neste contexto, é, portanto, concebível que o ACE não tenha lucros e que, num enquadramento deste tipo, não haja lugar a qualquer imputação de lucros aos seus membros.
2. O caso sub juditio
2.1. Sobre o envolvimento da sucursal na constituição do ACE
No caso em análise a constituição do ACE pressupunha o envolvimento de duas sociedades. Isto é, não poderia ter sido constituído por uma sucursal ou outra qualquer entidade sem personalidade jurídica, não havendo qualquer possibilidade de opção pelo envolvimento da Sucursal, dado que a lei, transcrita anteriormente, é absolutamente clara a esse respeito: o ACE só poderia ter sido constituído pela A… e nunca pela sua sucursal em Portugal.
O estabelecimento estável não é mais do que uma presença do sujeito passivo não residente que, pela sua expressividade, justifica que esse não residente seja tributado, neste caso em Portugal, nos mesmos termos em que seria tributado se fosse um residente. Neste contexto, quando a atividade cumpre os requisitos necessários para que surja um estabelecimento estável (art. 5.º do CIRC) a este, por imposição legal e por um imperativo de ordem prática, deve ser associado um NIPC, para efeitos de tributação dos lucros suscetíveis de serem imputados à atividade desenvolvida no âmbito daquele. Sendo pacífico, nesse enquadramento que o sujeito da relação jurídica tributária que surja nesse âmbito, não seja o estabelecimento estável, naturalmente, pois não tem personalidade tributária, mas a sociedade não residente, neste caso a A… . Este entendimento, solidamente firmado, decorre não só da natureza do EE, mas da própria lei (artigo 4.º, n.ºs 2 e 3 do CIRC) e jurisprudência.
Esta abordagem implica, por conseguinte, que todas as atividades do estabelecimento estável sejam atividades da pessoa coletiva não residente a quem pertence o estabelecimento estável. Esta circunstância não é, todavia, incompatível com o facto de poderem existir atividades do não residente em Portugal não suscetíveis de ser reconduzidas ao estabelecimento estável. Isto é, o não residente pode desenvolver a sua atividade quer diretamente quer através do estabelecimento estável.
No nosso sistema, contudo, é adotado o princípio da força de atração do estabelecimento estável (sublinhado nosso), na modalidade da atração limitada, que implica que se reconduzam ao estabelecimento estável todas as operações realizadas pela empresa não residente no Estado do estabelecimento estável que sejam semelhantes às prosseguidas pelo estabelecimento estável (art. 3.º, n.º 3 do CIRC), dando, ainda assim, margem para que nem todas as atividades desenvolvidas pelo não residente sejam reconduzidas ao estabelecimento estável[9].
Deste modo, ainda que algumas atividades possam hipoteticamente ser por este «atraídas», elas não deixam de ser atividades da sociedade de que faz parte o estabelecimento estável. O que pode acontecer é que para efeitos de tributação estas sejam imputadas àquele. Significa isto que, apesar de algumas atividades do ACE poderem, na sequência da imputação à A…, ser atraídas para o seu estabelecimento estável, isso não altera o facto de só poder ser membro desse ACE a sociedade A… e nunca o seu estabelecimento estável. Não existia, por conseguinte, qualquer opção que permitisse constituir o ACE através da sucursal.
2.2. Imputação dos custos e proveitos do ACE à sucursal da A… em Portugal
Nos termos do art. 6.º, n.º 2 do CIRC os lucros e os prejuízos do ACE são imputados aos seus membros. De onde decorre que na eventualidade de existirem lucros ou prejuízos do ACE, estes serão considerados na esfera jurídica da A… . Isso sem prejuízo, de estando nós, no caso concreto, perante um não residente com estabelecimento estável, estes rendimentos virem a ser-lhe imputáveis (art. 3.º, n.º 3 do CIRC, reforçado pelo art. 5.º, n.º 9), por via de aplicação do princípio da atração e porque os rendimentos em causa resultam de atividades semelhantes às prosseguidas pelo estabelecimento estável.
Sucede, porém, que o ACE não teve lucros (pelo menos não está demonstrado que os tivesse tido), pelo que ainda que fosse este o regime, não haveria lucros a imputar.
O direito aplicável não se resume, todavia, ao CIRC. Existe um acordo de dupla tributação celebrado entre Portugal e Alemanha (Lei n.º 12/82, de 3 de junho) que, apesar de ser de fonte internacional, é direito interno.
Como é sabido o direito consagra uma cláusula de receção automática plena do direito convencional internacional. Nesses termos, o direito convencional, depois de regularmente aprovado e ratificado, adquire relevância independentemente de outra formalidade que não seja a mera publicação (artigo 8.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa). Daqui decorre que os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, podendo, por isso, ser diretamente invocados perante os tribunais.
Os tratados são ainda superiores à lei ordinária. Esta superioridade decorre não só dos artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, mas igualmente do artigo 8.º nºs 1 e 2 da CRP. Pois, para que a convenção vigore na ordem interna, é necessário que a lei ordinária a não possa revogar. Consequentemente, o direito internacional convencional não pode ser afastado por uma lei interna ordinária posterior.
Nestes termos, a convenção celebrada entre Portugal e a Alemanha, em caso de conflito, sobrepõe-se ao que decorre do CIRC. Verifica-se que o artigo 5.º da Convenção celebrada com a Alemanha não consagra o princípio da atração, pelo que, mesmo num contexto de identidade de atividades realizadas pela sociedade não residente e as levadas a cabo pelo seu estabelecimento estável, não seria de todo pacífico que os rendimentos desta pudessem ser imputados àquele. Os rendimentos obtidos pelo ACE seriam imputados à A… e tributados na sua esfera, sendo provável que não existisse tributação dos seus rendimentos em Portugal por a atividade (desenvolvida no contexto do ACE, leia-se) não ter sido desenvolvida através de um estabelecimento estável, mas pela A… diretamente. Nem sequer valendo, por não estar previsto no artigo 5.º da Convenção com a Alemanha, o artigo 5.º, n.º 9 do CIRC.
O problema no caso concreto não se põe, apesar de tudo, porque segundo o que resulta da matéria de facto, não está demonstrada a obtenção de lucros pelo ACE.
Questão totalmente diferente e independente da tributação das atividades da A… no âmbito do ACE é a tributação da atividade que desenvolveu em Portugal através da sua sucursal, no contexto de um contrato de subempreitada.
Essa atividade está certamente sujeita a tributação, não só porque resulta enquadramento jurídico estritamente nacional [art. 3., n.º1, al. c) e art. 5.º do CIRC, entre outros], mas, igualmente, porque esse regime está perfeitamente em sintonia com o que decorre dos art. 5.º e 7.º da Convenção celebrada com a Alemanha.
Neste ponto não havendo dúvidas que os rendimentos obtidos pela A… no âmbito da sua sucursal são sujeitos em tributação no domínio do CIRC. Relativamente aos encargos, afigura-se-nos óbvio que os encargos do ACE não podem ser imputados nem aos seus membros, apenas podendo ser imputados a estes lucros ou prejuízos, e por maioria de razão às suas sucursais. Isso não significa, contudo, que os encargos assumidos no âmbito do contrato de subempreitada e que resultam do contrato junto aos autos, não possam ser considerados. Sejam ou não coincidentes com os encargos inerentes à empreitada. No caso concreto, por acaso, são. Isso, todavia, não os transforma em encargos não dedutíveis. Os termos em que foram assumidos resultam do contrato de subempreitada e são devidamente refletidos na contabilidade. Não havendo, por conseguinte, qualquer óbice legal, por um lado, à sua assunção e, por outro, a que se considere serem estes indispensáveis para realização da subempreitada.
Faz parte da liberdade de gestão, desde que não se utilizem cláusulas abusivas e contrárias à ordem pública e bons costumes, suportar os encargos que se considerem essenciais para levar a cabo uma determinada atividade.
É invocado a este propósito, no sentido de desconsiderar os encargos assumidos, o artigo 45.º n.º alínea c) do CIRC:
«Artigo 45.º
Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
1 — Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
…
c) Os impostos e quaisquer outros encargos que incidam sobre terceiros que o sujeito passivo não esteja legalmente autorizado a suportar;…»
Ora, em primeiro lugar, a disposição apenas considera como não dedutíveis os encargos que incidam sobre terceiros que o sujeito passivo não esteja legalmente autorizado a suportar, o que não é seguramente o caso. Depois, os encargos, em rigor, não são os de terceiros, isto é, os do ACE, não obstante a simetria perfeita com aqueles, mas os encargos que resultam da assunção de uma obrigação contratual no contexto de um contrato específico que pressupõe uma articulação entre encargos e proveitos - expressão legítima do exercício da liberdade contratual.
Relativamente à indispensabilidade, importa afirmar que a obtenção de rendimentos pela sucursal da A… só se verificou porque foi celebrado o contrato de subempreitada e aceites as cláusulas que dele fazem parte. Pelo que a aceitação da cláusula referente à assunção de parte dos encargos do ACE é claramente uma condição essencial para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto.
Concluindo:
O SP (sujeito passivo do imposto ora Requerente) tinha em Portugal um estabelecimento estável e, apesar de o NIF que consta no contrato ser o da entidade alemã sem estabelecimento estável, de um ponto de vista substancial, económico ou de facto, é o estabelecimento que desenvolve a atividade económica que concretiza a empreitada de Sines. A questão dos dois NIPC não tem assim a relevância e efeitos que a Autoridade Tributária e Aduaneira lhe conferem.
Por outro lado, é ainda de assinalar a, digamos, assimetria das correções da AT na medida em que são corrigidos os custos mas não os proveitos.
Na verdade, se a AT questiona a imputação de custos teria de analisar a correspondente imputação de proveitos, pois ambas surgem no contexto da empreitada do ACE (que a requerente integra) efetuada para a E… em … .
Daqui decorre assistir razão à Requerente quando pede a anulação dos atos de liquidação.
Juros indemnizatórios
Determinada a ilegalidade da liquidação e a sua consequente anulação, encontrando-se paga, total ou parcialmente, a dívida tributária indevida, o direito a juros indemnizatórios subsiste, sempre que tal decorra de erro imputável aos serviços da AT, conforme prevê o n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).
As normas legais determinantes na análise desta questão são o artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do CPPT, sendo que o artigo 43.º, da LGT define as situações que originam o pagamento de juros indemnizatórios e o artigo 61.º, do CPPT define os prazos de pagamento e os termos inicial e final da contagem dos juros indemnizatórios. Estas duas normas têm de ser entendidas em consonância.
Quando por erro imputável aos serviços da administração fiscal o contribuinte paga indevidamente um tributo e o ato de liquidação foi impugnado através de reclamação graciosa ou de impugnação judicial [ou pedido de pronúncia arbitral] no respetivo prazo legal (artigo 43.º n.ºs 1 e 2 da LGT), os juros indemnizatórios são contados desde a data do pagamento do imposto indevido até que seja emitida a respetiva nota de crédito (artigo 61.º n.º 5 do CPPT).
À luz da Jurisprudência uniforme do STA desde há largos anos, “em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa mesma liquidação” (cfr., v. g., Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31 de Outubro de 2001, Processo n.º 26167).
No caso dos autos, ocorreu um pagamento parcial das liquidações [€ 18.066,81] em 20 de dezembro de 2013.
Consequentemente e à luz do exposto, tem a Requerente direito ao reembolso desta importância acrescida de juros indemnizatórios desde 20-12-2013.
Assinale-se ainda que embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, é manifesto, reafirma-se, que, na sequência da ilegalidade parcial dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.
No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do ato é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa praticou sem suporte legal.
Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagaram indevidamente.
Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir á Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento (20-12-2013) e calculados sobre o valor pago [€18.066,81] até à data do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).
Indemnização por garantia indevida
Nos termos do artigo 53.º da Lei Geral Tributária, «1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida. 2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo».
Tem entendido a doutrina, a propósito do citado preceito legal, que «a razão que justifica a atribuição do direito a indemnização é o presumível prejuízo provocado ao particular por uma atuação ilegal da administração tributária, ao efetuar erradamente uma liquidação» (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada, 3.ª Edição, Vislis Editores, p. 230).
Convergentemente, observou o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 21 de novembro de 2007 (processo de recurso n.° 633/07), que «o fundamento do direito à indemnização reside no facto complexo integrado pelo prejuízo resultante da prestação de garantia e pela ilegal atuação da administração devida a erro seu, ao liquidar indevidamente, forçando o contribuinte a incorrer em despesas com a constituição da garantia que, não fora aquela sua atuação, não teria sido necessário prestar».
A consagração do direito do contribuinte a ser ressarcido dos encargos suportados com a prestação e manutenção de garantia assenta assim, essencialmente, na verificação de um erro imputável aos serviços, determinativo da ilegalidade do ato reclamado ou impugnado e, consequentemente, da prestação — necessariamente indevida — de garantia por parte do contribuinte.
O mesmo é dizer, portanto, que a procedência do presente pedido de pronúncia arbitral implicará o reconhecimento de um erro imputável à Administração Tributária, e, consequentemente, o reconhecimento do direito da Requerente ao pagamento dos prejuízos/custos derivados da prestação de garantia para obter a suspensão da execução fiscal emergente da falta de pagamento das quantias (indevidamente) liquidadas (cfr. ainda o disposto no artigo 176.º-2, do CPPT) uma vez que é público e notório que pelo serviço de prestação de garantias bancárias são pagos encargos/comissões aos Bancos em função, designadamente, do risco, valor e prazo da garantia.
Há assim que reconhecer e concluir que a Requerente suportou [e eventualmente continua a suportar] encargos pela manutenção das garantias prestadas pelo valor total das liquidações objeto desta impugnação, juros, custas e demais acréscimos (Cfr. artigo 199.º-6, do CPPT).
Ou seja: reconhecem-se reunidos os pressupostos que conferem à requerente direito a indemnização nos termos do citado artigo 53.º, da LGT.
Certo que não foi concretizado o quantum indemnizatório.
Tal, porém, não teria obrigatoriamente de ser alegado porquanto quem exige indemnização não necessita de indicar a importância exata dos danos – Cfr. artigo 569.º, do C. Civil.
A liquidação da indemnização terá assim de se processar em sede de execução de julgado e tendo presente as limitações do seu quantum previstas no artigo 53.º-3, da LGT.
III DECISÃO
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar totalmente procedentes os pedidos de declaração da ilegalidade das correções aqui em causa efetuadas pela Inspeção Tributária aos exercícios de 2010 e 2011, nos montantes de € 1.820.188,39 (exercício de 2010) e de € 593.729,49 (exercício de 2011);
– declarar a ilegalidade da parte das liquidações nos montantes (incluindo juros) de € 568,787,80 (2010) e de € 174.373,30 (2011), num total de € 743.161,09;
– anular as mencionadas liquidações objeto de impugnação neste pedido de pronúncia arbitral;
– reconhecer o direito da Requerente a ser indemnizada pela Requerida pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia nos termos expostos e a liquidar em execução de julgado;
– reconhecer o direito da Requerente ao reembolso pela Requerida do montante do pagamento parcial indevido de € 18.066,81;
– condenar a Requerida no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios contados sobre o mesmo montante (€ 18.066,81) desde 20 de Dezembro de 2013 até à do processamento da nota de crédito, em que devem ser incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT), às taxas legais que vigorarem até ao pagamento, nos termos do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
– condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do presente processo.
Valor do processo
De conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 47/2013, de 26 de Junho, 97.º - A), n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 743.161,09
Custas
Nos termos dos artigos 12.º n.º 2, 22.º n.º 4 do RJAT, e artigos 2.º e 4.º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em €10.710,00, a cargo da Requerida.
Lisboa, 22 de agosto de 2016
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão
(Árbitro Presidente)
João Sérgio Ribeiro
(Árbitro Adjunto)
António Martins
(Árbitro Adjunto)
[1] O primeiro dos quais no pressuposto de que não teria estabelecimento estável em Portugal, recorda-se. Pressuposto errado, pressuposto que não se viria a verificar, donde a diligência em obter um segundo NIPC na qualidade de entidade, afinal de contas, cuja atividade projetada fará emergir juridicamente um estabelecimento estável em Portugal.
[2] Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, 5.ª edição, p. 141.
[3] Ver, conforme descrito supra, a cláusula 5, n.º 3, do contrato de empreitada, ou subempreitada, celebrado entre a requerente e o ACE – Anexo III do RIT, constante do Doc. n.º 13.
[4] Recorda-se que fora da imputação a um estabelecimento estável em Portugal não seria possível tributar esta receita, uma vez que a Convenção Contra a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha (aprovada pela Lei n.º 12/82, de 3 de Junho, e entrada em vigor em 8 de Outubro de 1982 – cfr. Aviso publicado no Diário da República de 14 de Outubro de 1982) impede a tributação dos rendimentos empresariais, entre os quais os provenientes de serviços de empreitada, pelo Estado da fonte, quando a presença do não residente no Estado da fonte não origine um estabelecimento estável – cfr. em especial os artigos 5.º, 7.º e 22.º da Convenção. De qualquer modo nada disto está em causa na fundamentação do ato tributário: ninguém discute que a presença da A… em Portugal por causa da aludida empreitada, preenche os critérios de emergência jurídica de um estabelecimento estável em Portugal.
[5] Exceto, como se viu supra, para uma parcela menor dos encargos, mais concretamente encargos no montante de € 142.805,78, em que a Inspeção invoca ainda este fundamento adicional: “(…) para além do supra referido, também não foi provada a ocorrência e indispensabilidade dos mesmos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto do sujeito passivo, nos termos do artigo 23.° do CIRC, [pelo que] os mesmos não poderão ser aceites” (p 14, segundo parágrafo, do RIT).
[6] Cfr. supra a parte dos factos e a documentação aí referenciada.
[7] Cfr. supra a parte dos factos e a documentação aí referenciada.
[8] Para além, como se viu supra, da seletividade (arbitrariedade) das consequências jurídicas que a Inspeção associa ao putativo Direito por si invocado. Que se fosse assim, nenhuma tributação permitiria em Portugal, nem a tributação constante da liquidação adicional da AT, nem a anteriormente autoliquidada pela A … nas suas modelo 22 apresentadas à AT portuguesa.
[9] Contrariamente a alguns sistemas que adotam o princípio da força da atração do estabelecimento estável na modalidade da atração ilimitada. Nesses sistemas são reconduzidas ao estabelecimento estável todas as atividades da empresa não residente desenvolvidas diretamente através dela ou por outras partes daquela empresa no território do estabelecimento estável, não permitindo que haja atividades desenvolvidas pelo não residente na ordem jurídica onde está o estabelecimento estável que a este não sejam reconduzidas.