Decisão Arbitral
Requerente: A…– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, S.A. (doravante “Requerente”)
Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” e “Requerida”)
1. Relatório
A…– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, S.A., com o número de pessoa coletiva…, com sede em…, n.º…, …, …-… …, na qualidade de sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário «B… – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional», com o número de identificação fiscal…, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação das liquidações de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e de Imposto do Selo (IS), com os n.º … e …, no valor de € 839,00 e € 671,20, respetivamente.
A Requerente fundamenta a ilegalidade dos atos tributários de IMT e IS e consequente anulação das versadas liquidações, assente nos seguintes vícios que aqui sinteticamente se alinham:
A) Ilegalidade das liquidações: na medida em que o facto objecto de tributação é, quer em sede de IMT quer em sede de IS, a aquisição da propriedade dos prédios relevantes pelo Fundo e as isenções de IMT e IS não eram, à data em que ingressaram no património do Fundo, condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias nem, tampouco, sujeitas a qualquer regime de caducidade, dado que no momento em que os prédios ingressaram no património do Fundo ficaram definitivamente cristalizadas na ordem jurídico-tributária as isenções de IMT e IS, tal qual previstas no Regime Tributário dos FIIAH; pelo que, não estando legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, quaisquer factos ou circunstâncias de que dependia a caducidade da isenção reconhecida, é manifesto que a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na ordem jurídico-tributária da Requerente enferma de inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º número 3, da Constituição da República Portuguesa, considerando estar-se perante um exemplo de retroatividade autêntica, visto que o facto tributário já havia produzido todos os seus efeitos à data em que entrou em vigor a lei nova.
B) Da nulidade das liquidações: No entender da Requerente a violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal é in casu geradora de nulidade dos atos tributários, uma vez que a violação tem por objeto um direito fundamental, razão pela qual os atos tributários devem ser declarados nulos;
Peticiona ainda, a final, não só o estorno dos montantes de imposto pagos, bem como assim o pagamento de juros indemnizatórios.
A Autoridade Tributária, por seu turno, defendeu inexistir qualquer ilegalidade por alegada violação a preceito constitucional, pugnando assim pela conformidade legal dos atos tributários e consequente improcedência dos pedidos formulados pela Requerente.
O árbitro único foi designado e nomeado em 02.02.2016.
Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 17.02.2016.
Face à questão objeto dos presentes autos ser exclusivamente de direito e não terem sido erigidas quaisquer exceções, o Tribunal dispensou a realização de reunião arbitral, sendo que foram Requerente e Requerida notificadas para, querendo, formular alegações escritas, o que a Requerente veio a apresentar, reiterando o sentido do peticionado no seu pedido de pronúncia arbitral, tendo nesse ensejo juntado parecer jurídico relativo à alegada inconstitucionalidade.
A Requerida AT prescindiu de formular alegações.
2. Saneamento
O tribunal arbitral singular é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
A cumulação de pedidos efetuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em que estão em causa atos de liquidação de IMT e IS, assentam na mesma base factual e fazem apelo a um mesmo enquadramento jurídico, encontrando-se, pelo exposto, plenamente justificada a versada cumulação face ao princípio da economia processual consagrado no artigo 3.º do RJAT.
O processo não padece de qualquer nulidade, não existem exceções que obstem à apreciação do mérito da causa, o pedido é tempestivo, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.
3. Matéria de facto
3. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida e o posicionamento das partes, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
1. A Requerente é a sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário “B… – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional”, registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), com o número de identificação fiscal… .
2. A Requerente procedeu em 30 de Dezembro de 2013 à aquisição da fração autónoma “…” inscrita na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo…, tendo em tal aquisição beneficiado de isenção de IMT e de IS ao abrigo da al. a) do n.º 7 e n.º 8, respetivamente, do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH;
3. A Requerente alienou, na referida qualidade, em 13 de Outubro de 2015, a fração autónoma “…” inscrita na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo…, tendo solicitado à Requerida AT, previamente à outorga da escritura pública de alienação, as seguintes liquidações:
4.
IMÓVEL
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IMPOSTO
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LIQUIDAÇÃO
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MONTANTE
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U-…-…
(inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de…)
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IMT
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…
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€ 839,00
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IS
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…
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€ 671,20
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5. As liquidações de IMT e de IS identificadas no ponto anterior foram emitidas a 13 de Outubro de 2015.
6. A Requerente efetuou o pagamento dos supra referidos atos tributários em 14 de Outubro 2015.
7. Em 04.12.2015 foi apresentado, via plataforma informática, o pedido de pronúncia e de constituição de tribunal arbitral pela Requerente.
8. A Requerente procedeu ao pagamento da taxa de justiça inicial;
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa.
3.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos, bem como do posicionamento manifestado pelas partes.
3.3. Factos não provados
A matéria dada como provada revela-se suficiente para apreciação das questões erigidas nestes autos, as quais se reconduzem a questões de direito, inexistindo factos não provados relevantes para a solução do presente litígio.
4. Matéria e fundamentação de direito:
O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a aferição sobre a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de IMT e de IS.
A questão central ora suscitada pela Requerente e ora em apreciação funda-se em aferir da desconformidade com norma da Constituição da República Portuguesa – artigo 103.º, n.º 3 – por alegada verificação de retroatividade autêntica de norma jurídica posterior à verificação do facto tributário.
Assim, impõe-se, antes de mais, efetuar a resenha relativa ao enquadramento jurídico infraconstitucional em que gravita a questão a solucionar, desde logo tendo em consideração o regime tributário que confere um tratamento diferenciado ao regime-regra em matéria de IMT e IS e o qual se subsume, pelas razões infra expendidas, a um benefício fiscal, logo sujeito à disciplina constante do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
Nos termos do artigo 2.º do EBF, “consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”, sendo consideradas como benefícios fiscais, nomeadamente, “(…) as isenções (…)”.
O benefício fiscal funciona assim como enquanto facto impeditivo da constituição da relação tributária, pelo que as normas que presidem à sua criação, e que legitimam a sua concessão, são, em termos do direito, especiais, visando cobrir realidade factuais de natureza excecional, sendo que se ancoram em interesses eminentemente extrafiscais, relevados como de interesse público e com guarida constitucional.
O legislador admite desta forma a derrogação ao regime-regra de tributação e ao princípio da capacidade contributiva em nome de determinados interesses públicos, de raiz extrafiscal, que este considera prevalecentes com vista à criação de um desvio ao princípio da tributação segundo a capacidade contributiva do sujeito passivo
Nos termos do artigo 12.º do EBF, “o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento (…)”, de onde é possível extrair com suficiente segurança que, tendencialmente, o direito aos benefícios fiscais se tem por constituído com a verificação dos pressupostos pela lei erigidos para deles um sujeito passivo poder beneficiar.
Estabelece o artigo 5.º do EBF, que os benefícios fiscais podem ser “automáticos e dependentes de reconhecimento”, sendo que “os primeiros resultam direta e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento”.
Sendo que, por força do preceituado no artigo 7.º do EBF, “todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira (…) para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios”.
Já em matéria de extinção desses mesmos benefícios, de acordo com o disposto no artigo 14.º do EBF, essa extinção pode ter lugar pela caducidade, pela alienação de bens para fins diferentes daqueles para que foi concedido o benefício ou pela revogação do ato administrativo de concessão e pela simples renúncia aos benefícios pelo seu titular.
Sendo que, em qualquer das situações supra alinhadas, a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação regra, o que vincula os titulares do direito aos benefícios fiscais a declarar, no prazo de 30 dias da ocorrência da cessação da situação de facto ou de direito em que se baseava o benefício, salvo quando essa cessação for de conhecimento oficioso, conforme se pode colher do estatuído no artigo 9.º do EBF.
Visto o entorno do regime dos benefícios fiscais, importa atentar no enquadramento legal dos benefícios in casu atinentes à isenção de IMT e IS ora sub judice.
A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional.
No seu artigo 104.º, a lei do Orçamento de Estado para 2009 estabeleceu o regime jurídico aplicável aos fundos de investimento imobiliário, o qual se passa a citar:
Artigo 104.º
Regime jurídico
1 - A constituição e o funcionamento dos FIIAH, bem como a comercialização das respetivas unidades de participação, regem-se pelo disposto no Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20 de Março, alterado pelos Decretos-Leis n.os 252/2003, de 17 de Outubro, 13/2005, de 7 de Janeiro, e 357-A/2007, de 31 de Outubro, e subsidiariamente, pelo disposto no Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 61/2002, de 20 de Março, 38/2003, de 8 de Março, 107/2003, de 4 de Junho, 183/2003, de 19 de Agosto, 66/2004, de 24 de Março, 52/2006, de 15 de Março, 219/2006, de 2 de Novembro, e 357-A/2007, de 31 de Outubro, com as especificidades constantes dos artigos seguintes:
«Artigo 1.º
Denominação e características
1 - Os fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional integram na sua denominação a expressão 'fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional' ou a abreviatura FIIAH.
2 - Só os FIIAH podem integrar na sua denominação as expressões referidas no número anterior.
3 - São FIIAH os fundos que se constituam com as características mencionadas nos artigos 2.º a 6.º do presente regime jurídico e que adoptem essa denominação.
Artigo 2.º
Tipos e forma de subscrição
Os FIIAH são constituídos sob a forma de fundos fechados de subscrição pública ou de subscrição particular.
Artigo 3.º
Valor do activo e dispersão
1 - Após o primeiro ano de actividade o valor do activo total do FIIAH deve atingir o montante mínimo de (euro) 10 milhões e, quando constituído com o recurso a subscrição pública, ter, pelo menos, 100 participantes, cuja participação individual não pode exceder 20 /prct. do valor do activo total do fundo.
2 - O incumprimento do limite de participação individual previsto no número anterior determina a suspensão imediata e automática do direito à distribuição de rendimentos do FIIAH no valor da participação que exceda aquele limite.
3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, em caso de incumprimento do disposto no n.º 1 pode a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) revogar a autorização do FIIAH.
Artigo 4.º
Composição do património
1 - À composição do património do FIIAH é aplicável o disposto no artigo 46.º do Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, sendo que, pelo menos, 75 /prct. do seu activo total é constituído por imóveis, situados em Portugal, destinados a arrendamento para habitação permanente.
2 - O limite percentual definido no número anterior é aferido em relação à média dos valores verificados no final de cada um dos últimos seis meses, sendo respeitado no prazo de dois anos a contar da data de constituição do FIIAH, e de um ano a contar da data do aumento de capital, relativamente ao montante do aumento.
Artigo 5.º
Opção de compra
1 - Os mutuários de contratos de crédito à habitação que procedam à alienação do imóvel objecto do contrato a um FIIAH podem celebrar com a entidade gestora do fundo um contrato de arrendamento.
2 - Previamente à celebração do contrato de transmissão da propriedade do imóvel para o FIIAH, a respectiva entidade gestora presta ao alienante, em papel ou noutro suporte duradouro, informação sobre os elementos essenciais do negócio, como seja o preço da transacção, incluindo, também, caso seja aplicável, o valor da renda, as respectivas condições de actualização e os critérios de fixação do preço e os termos gerais do exercício da opção de compra.
3 - O arrendamento nos termos previstos no n.º 1 constitui o arrendatário num direito de opção de compra do imóvel, ao fundo, susceptível de ser exercido até 31 de Dezembro de 2020.
4 - O direito de opção de compra do imóvel previsto no número anterior só é transmissível por morte do titular.
5 - O direito de opção de compra previsto no n.º 3 cessa se o arrendatário incumprir a obrigação de pagamento da renda ao FIIAH por um período superior a três meses.
6 - Os termos e condições de exercício da opção prevista nos números anteriores são regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, devendo assegurar o direito do alienante à recompra do imóvel ao FIIAH por referência ao valor actualizado da alienação, bem como, no caso de não exercício do direito de opção, o direito a receber a diferença entre o valor da alienação futura do imóvel e o valor actualizado da aquisição desse mesmo imóvel pelo FIIAH.
7 - A portaria prevista no número anterior determina, igualmente, os critérios de fixação e actualização dos valores nele referidos.
Artigo 6.º
Distribuição de resultados
Os resultados referentes às unidades de participação do FIIAH são distribuídos com uma periodicidade mínima anual e em montante não inferior a 85 /prct. dos resultados líquidos do fundo.
Artigo 7.º
Comissão de acompanhamento
1 - Compete a uma comissão de acompanhamento a verificação do cumprimento do regime legal e regulamentar aplicável à actividade dos FIIAH e o controlo da observância de princípios de bom governo.
2 - A comissão de acompanhamento é constituída por três pessoas independentes designadas pelo membro do Governo responsável pela área das finanças, de acordo com critérios de competência, idoneidade e experiência profissional.
3 - As funções da comissão de acompanhamento são, designadamente, as seguintes:
a) Verificar a observância do regime jurídico e dos princípios de bom governo que devem reger a gestão do FIIAH, nomeadamente em matéria de implementação da política de investimento e de financiamento das responsabilidades, bem como o respeito, pela entidade gestora, dos direitos dos participantes e dos arrendatários, nomeadamente quanto ao cumprimento dos deveres de informação estabelecidos a favor dos mesmos;
b) Verificar, em especial, o cumprimento pelo FIIAH do regime de exercício da opção de compra pelo arrendatário;
c) Exercer as demais funções que lhe sejam atribuídas no regulamento de gestão do fundo.
4 - As deliberações da comissão de acompanhamento são registadas em acta, devendo as mesmas ser enviadas à CMVM.
5 - O funcionamento da comissão de acompanhamento é regulado, em tudo o que não se encontre definido na presente lei ou em regulamento da CMVM, pelo regulamento de gestão do fundo.
6 - Os membros da comissão de acompanhamento, nessa qualidade, exercem o seu mandato com independência, sendo o respectivo estatuto determinado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.
Artigo 8.º
Regime tributário
1 - Ficam isentos de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) os rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIIAH constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2015, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas nos artigos anteriores.
2 - Ficam isentos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de IRC os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento referidos no número anterior, pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares, quer seja por distribuição ou reembolso, excluindo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação das unidades de participação.
3 - Ficam isentas de IRS as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis destinados à habitação própria a favor dos fundos de investimento referidos no n.º 1, que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento.
4 - As mais-valias referidas no número anterior passam a ser tributadas, nos termos gerais, caso o sujeito passivo cesse o contrato de arrendamento ou não exerça o direito de opção previsto no n.º 3 do artigo 5.º, suspendendo-se os prazos de caducidade e prescrição para efeitos de liquidação e cobrança do IRS, até final da relação contratual.
5 - São dedutíveis à colecta, nos termos e limites constantes da alínea c) do n.º 1 do artigo 85.º do Código do IRS, as importâncias suportadas pelos arrendatários dos imóveis dos fundos de investimento referidos no n.º 1 em resultado da conversão de um direito de propriedade de um imóvel num direito de arrendamento.
6 - Ficam isentos de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente que integrem o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.
7 - Ficam isentos do IMT:
a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.
8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º
9 - Ficam isentas de taxas de supervisão as entidades gestoras de FIIAH no que respeita exclusivamente à gestão de fundos desta natureza.
10 - Ficam excluídas das isenções constantes do presente artigo as entidades que sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
11 - As obrigações previstas no artigo 119.º e no n.º 1 do artigo 125.º do Código do IRS devem ser cumpridas pelas entidades gestoras ou registadoras.
12 - Caso os requisitos referidos no n.º 1 deixem de se verificar, cessa a aplicação do regime previsto no presente artigo, passando a aplicar-se o regime previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, devendo os rendimentos dos fundos de investimento referidos no n.º 1 que, à data, não tenham ainda sido pagos ou colocados à disposição dos respetivos titulares ser tributados às taxas previstas no artigo 22.º-A do referido diploma, acrescendo os juros compensatórios correspondentes.
13 - As entidades gestoras dos fundos de investimento referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto dos fundos cuja gestão lhes caiba. (grifado nosso).
Artigo 9.º
Regime transitório
1 - Nos seis meses seguintes à data de autorização do FIIAH e, no limite, até 31 de Dezembro de 2009, podem as entidades gestoras realizar transacções entre fundos de investimento imobiliário sob a sua gestão com a finalidade exclusiva de integrar na carteira do FIIAH imóveis destinados à habitação permanente, desde que observadas todas as garantias legais, nomeadamente, em matéria de protecção dos interesses dos investidores.
2 - As transacções realizadas ao abrigo do disposto no número anterior são comunicadas à CMVM no termo daquele prazo, com a identificação dos elementos essenciais das mesmas.»
2 - O regime constante da presente secção vigora até 31 de Dezembro de 2020, operando-se nessa data a conversão dos FIIAH em fundos de investimento imobiliário sujeitos na íntegra ao Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário.”
Não perdendo de vista a dinâmica legislativa que o regime jurídico dos veículos de investimento ora em análise, temos que, por via da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, o legislador veio aditar ao artigo 8.º os números 14.º a 16.º, os quais mereceram a seguinte redação:
“14 — Para efeitos do disposto nos nºs 6 a 8, considera--se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
15 — Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
16 — Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”
O identificado diploma legal veio igualmente consagrar no seu artigo 236.º, o seguinte regime transitório:
“1 — O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.
2 — Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando -se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”
Por seu turno, o artigo 11.º da Lei Geral Tributária estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:
Artigo 11.º
Interpretação
1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.
Os princípios gerais da interpretação das leis, para que remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, são estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:
Artigo 9.º
Interpretação da lei
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Tendo como referencial os princípios decorrentes das normas supra citadas, cumpre apreciar a sua aplicação ao caso concreto.
Da leitura ao regime jurídico dos FIIAH e ancorados nos princípios e regras gerais de interpretação das normas jurídicas, importa, antes de mais, efetuar um enquadramento sumário da ratio legislativa para a criação deste regime jurídico (e tributário).
O legislador, porventura face ao cenário de crise económico-financeira que se abateu sobre a economia portuguesa a partir do segundo semestre de 2008, pretendeu encontrar soluções legislativas que permitissem minorar as situações dos indivíduos e famílias com dificuldades em dar cumprimento ao pagamento dos seus compromissos relativos ao crédito à habitação a que recorreram, cujo imóvel adquirido para o efeito é mais das vezes dado à entidade mutuante enquanto colateral garantístico do bom pagamento desse mesmo crédito à habitação e, por outro lado, pretenderia evitar desequilíbrios no sistema bancário, os quais poderiam ocorrer por força da colocação massiva em venda pela banca de imóveis adquiridos em resultado do prévio incumprimento pelos mutuários, situação essa que faria desequilibrar a oferta e a procura e levaria a uma maior depreciação do valor de mercado desses mesmos imóveis e assim mesmo a uma erosão do valor dos ativos imobiliários garantes do pagamento desses mútuos.
Para tal fim, forjou o legislador um mecanismo que potenciasse aos mutuários (ou a terceiros) permanecer na habitação dada como garantia desse mesmo mútuo em caso de impossibilidade de cumprimento das obrigações financeiras a ele associadas, arrendando-as junto destes FIIAH, o que se conseguiria pela aquisição pelos FIIAH dos imóveis em causa e subsequente arrendamento aos mutuários dessas mesmas habitações, assim se evitando uma dramática subida do número de imóveis disponíveis para venda no mercado imobiliário, muito superior à procura, com os implicantes reflexos negativos que tal situação teria nos preços na ótica do vendedor.
Regime jurídico este que estabelecia, desde logo, o direito dos arrendatários a adquirirem o imóvel tomado de arrendamento aos FIIAH, através de um direito de opção de compra – n.º 3 do artigo 5.º do regime jurídico dos FIIAH.
Para que tal regime pudesse ser uma solução bem sucedida e com acolhimento, importaria que tais operações associadas aos imóveis não fossem tributariamente penalizadoras para os indivíduos e entidades nelas intervenientes.
Destarte, consagrou o legislador diversas normas que visaram tornar tendencialmente neutro e mesmo vantajoso, do ponto de vista tributário, o recurso a este mesmo regime jurídico.
Sendo que, em matéria de IMT (e igualmente de IS), preconizaram-se as seguintes isenções, nos termos do n.º 7 do artigo 8.º da LOE2009:
- A aquisição pelos FIIAH de prédios ou frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação;
- A aquisição de prédios ou frações autónomas de prédios urbanos destinados à habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos FIIAH;
Ora, está-se assim na presença de isenções aplicáveis a factos tributários absolutamente distintos: a primeira das situações de isenção aplicável aquando da aquisição pelos FIIAH de imóveis habitacionais com o fito exclusivo de os dar em arrendamento.
E o segundo facto tributário suscetível de isenção ocorre quando, num segundo momento, os arrendatários dos imóveis titulados pelos FIIAH exercem o direito de opção de aquisição sobre o imóvel tomado de arrendamento.
De onde, sem margem para qualquer hesitação, cumpre assentar que a circunstância da alienação pela Requerente para finalidade diferente da constante da al. b) do n.º 7 do artigo 8.º do artigo 104.º da LOE2009 em nada colidiria com o direito à isenção pelo FIIAH (pela Requerente gerido) relativamente à isenção a que se reporta a al. a) do já referido normativo.
Isto porque, no caso dos autos arbitrais em apreço, o FIIAH gerido pela Requerente havia beneficiado da isenção na primeira das situações enunciadas, o que passava por respeitar a finalidade exclusiva da versada al. a) constante, isto é, que o FIIAH da Requerente destinasse o imóvel exclusivamente ao arrendamento para habitação permanente, independentemente da circunstância de a posteriori o alienar ao abrigo ou não da al. b) do n.º 7.º do artigo 8.º.
Ora, as alterações trazidas através da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em nada modificaram a essência do regime tributário que advinha da LOE2009, isto porque, na verdade, o legislador continuou a fazer depender da destinação ao arrendamento habitacional permanente o reconhecimento da isenção.
Não se procedeu sequer a qualquer alteração ao quadro normativo já pré-existente, antes ao aditamento de diversos números a artigos já vigentes e procedendo igualmente à aprovação de um regime transitório de articulação entre as duas diferentes leis que estão na base do atual regime jurídico dos FIIAH (aprovadas em 2008 e 2013).
Quer isto significar que a introdução de aditamentos aos normativos existentes mantiveram, na sua essência, os factos sujeitos a isenção de IMT (e IS), apenas (no que para a apreciação destes autos importa) procedendo à regulamentação do que se devia entender por destinar a arrendamento habitacional permanente, concretizando-o em termos de arrendamento efetivo e respetivo balizamento temporal a que aquele deveria obedecer.
Ora, a este respeito e tendo presente o já supra enunciado relativamente à ratio legislativa que está na base deste regime jurídico, mal se entenderia que pudesse ser interpretado o quadro legal-tributário dos FIIAH, no segmento a que respeita a al. a) do n.º 7 e n.º 8 do artigo 8.º - artigo 104.º da LOE2009 - como não vinculando os FIIAH à efetivação do arrendamento habitacional permanente relativamente aos imóveis adquiridos para tal fim pelos FIIAH.
O fito legislativo extrafiscal que está na base da concessão desta exceção ao regime-regra de tributação da transmissão de imóveis não se afigura como tendo sido o de meramente permitir aos FIIAH parquear de modo passivo imóveis com vista à sua posterior revenda, até porque para tal efeito já existe uma isenção consagrada no Código do IMT, consagrada no artigo 7.º do Código do IMT.
Ou seja, considerando o desiderato legislativo e as regras gerais de interpretação das normas – vide n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, não é possível conceber o regime tributário dos FIIAH no que à isenção de IMT ao abrigo da versada al. a) do n.º 7 (e quanto ao n.º 8 em matéria de IS) concerne sem que a concretização do efetivo arrendamento seja elemento constitutivo desse mesmo direito ao benefício fiscal em apreço.
A este respeito, deve, de resto, referir-se, que lido o requerimento inicial de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente não resulta sequer qualquer menção ao facto desta ter desde a data da aquisição da fração autónoma – ou em momento posterior - efetivado qualquer arrendamento habitacional permanente sobre o imóvel beneficiário da isenção.
Isto é, não há evidência que entre a aquisição e a alienação tenha a Requerente procedido ao arrendamento do imóvel para fim habitacional permanente.
Pelo que, não tendo sequer tal matéria vindo expressamente invocada, muito menos o foi comprovada, sendo que tal ónus probatório lhe competia nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, não olvidando igualmente que não se está perante liquidações de IMT e IS geradas por iniciativa da AT (oficiosas), mas antes perante atos tributários emitidos na sequência de declarações prestadas pela Requerente com vista a essa mesma finalidade – emissão das competentes liquidações de IMT e IS.
O que equivale a afirmar que a Requerente não logrou comprovar um elemento constitutivo do seu direito ao benefício fiscal materializado na isenção de IMT ao abrigo da al. a) do n.º 7 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH (e de IS, nos termos do n.º 8), independentemente da redação legal à luz da qual se pretenda aferir do direito da Requerente ao benefício fiscal que vimos analisando.
Razão pela qual, na falta de presença de tal elemento constitutivo do direito ao benefício fiscal, mesmo à luz da redação vigente até 2013, resulta espúria e prejudicada a invocada violação do direito à proteção da confiança, segurança e expetativa jurídicas em que se alicerça a Requerente no domínio da alegada violação do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, face à não comprovação do elemento constitutivo do direito a tal benefício fiscal, o que sempre se teria de verificar a montante da aferição sobre a eventual inconstitucionalidade.
Não obstante, não podemos deixar de aqui fazer referência, por acompanhar o seu sentido e fundamentação, ao acordado pelo Tribunal Constitucional no âmbito do acórdão 85/2010, de 3 de Março, segundo o qual:
“No Acórdão n.º 287/90, de 30 de Outubro, o Tribunal estabeleceu já os limites do princípio da protecção da confiança na ponderação da eventual inconstitucionalidade de normas dotadas de «retroactividade inautêntica, retrospectiva». Neste caso, à semelhança do que sucede agora, tratava-se da aplicação de uma lei nova a factos novos havendo, todavia, um contexto anterior à ocorrência do facto que criava, eventualmente, expectativas jurídicas. Foi neste aresto ainda que o Tribunal procedeu à distinção entre o tratamento que deveria ser dado aos casos de «retroactividade autêntica» e o tratamento a conferir aos casos de «retroactividade inautêntica» que seriam, disse-se, tutelados apenas à luz do princípio da confiança enquanto decorrência do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição.
De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:
a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).
Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.
Este princípio postula, pois, uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui protecção.
Por isso, disse-se ainda no Acórdão n.º 287/90 – e importa ter este dito presente no caso – que, em princípio, e tendo em conta a autorevisibilidade das leis, «não há (…) um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados»”.
Resulta assim para que se possa falar com propriedade em tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário que o legislador tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade, o que de todo em todo sucede neste caso, uma vez que perplexidade não podia deixar de gerar uma formulação tão pouco densificada quanto a versão normativa aprovada em 2008.
Em segundo lugar, devem tais expectativas dos contribuintes «afetados» ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões, o que igualmente não se afigura subsumir ao caso dos autos, dada a redação tenuemente concretizada de 2008 ser potencialmente geradora de situações em que a ratio legislativa era objeto de total desvirtuação e distorção das finalidades que presidiram à concessão excecional do benefício fiscal em apreço, desde logo e à cabeça: assegurar a efetivação do arrendamento a que o imóvel estava destinado.
Sem necessidade sequer de entrar em linha de consideração com os dois restantes «testes», dada a cumulatividade dos quatro, não pode a sustentação de inconstitucionalidade merecer, também por este prisma, acolhimento.
Neste conspecto, censura alguma, em matéria de desconformidade com a ordem jurídica, infra ou constitucional, merecem as liquidações de IMT e de IS objeto destes autos, as quais resultam, como oportunamente se referiu, em declarações prestadas pela própria Requerente.
Em face de tudo o quanto supra se expendeu e concluiu supra, não sendo emitido um juízo de ilegalidade sobre os atos tributários objeto da presente pronúncia arbitral, está prejudicada a apreciação da indemnização compensatória ao nível dos juros a suportar pela Requerida a favor do Requerente e, bem assim e naturalmente, a restituição desses mesmos tributos pagos.
Por fim, invoca ainda a Requerente a nulidade dos atos tributários de liquidação por força da violação do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Ora, face à fundamentação supra expendida em matéria de não verificação de qualquer aplicação de normativo jurídico-tributário desconforme com a CRP, está igualmente prejudicada a procedência do reconhecimento e declaração de nulidade de tais atos tributários, sendo que, ainda que tal desaplicação por razões de não constitucionalidade ocorresse, tal circunstância não ditaria de per si a nulidade do ato tributário.
Propende este Tribunal a acompanhar o entendimento reiteradamente vertido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de considerar que a nulidade que possa estar na base de um ato tributário não gera por si só a nulidade desse mesmo ato (a menos que ofendesse o conteúdo essencial de um direito fundamental, o que não ocorre pelas razões já supra alinhadas), mas antes a sua ilegalidade abstrata, razão pela qual a aplicação de norma com base na sua errónea validade ou existência deverá conduzir à anulabilidade do ato tributário, assente em erro sobre os pressupostos de direito em que a liquidação assentava.
5. DECISÃO:
Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, decide este tribunal arbitral:
-
Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de nulidade e ilegalidade dos atos tributários de liquidação de IMT e IS, por não verificação de qualquer dos vícios que lhe vinham apontados pela Requerente.
-
Condenar a Requerente ao pagamento das custas nos termos da Tabela I do RCPTA, calculadas em função do valor da causa - arts. 4.º-1, do RCPTA e 6.º, n.º 2, al. a) e 22.º, n.º 4, do RJAT
Valor da causa: € 1.510,20 – arts. 97.º-A, do CPPT, 12.º, do RJAT (DL 10/2011), 3.º-2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.
Lisboa, 1 de Agosto de 2016.
O árbitro singular
(Luís Ricardo Farinha Sequeira)
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.