Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 671/2015-T
Data da decisão: 2016-08-25  IRS  
Valor do pedido: € 1.433.287,08
Tema: IRS – Cláusula Geral Antiabuso; substituto tributário; devedor originário
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Decisão Arbitral

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), José Poças Falcão (que votou vencido a decisão principal, conforme declaração de voto junta) e Jorge Carita (que votou vencido a decisão quanto ao pedido subsidiário, conforme declaração de voto junta), designados como árbitros no Centro de Arbitragem Administrativa, para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 09 de Novembro de 2015, A…, S.A., com sede na … n.º…, …-… …, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva…, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) de 2010 n.º 2014…, de 11 de novembro, no valor de € 1.232.680,93, e da respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2014…, no valor de € 200.606,15.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
  2. foram os sujeitos passivos que identifica na sua petição inicial, os beneficiários das vantagens fiscais que resultaram da operação em causa nos presentes autos, pelo que, deverão ser estes os responsáveis pelo pagamento das quantias correspondentes a essas mesmas vantagens, e não a Requerente, por ser totalmente alheia à situação, designadamente, por não ter usufruído de qualquer vantagem fiscal. Apoia esta sua argumentação na decisão do CAAD proferida no processo n.º 379/2014-T;
  3. a consequência que poderá advir da letra do n.º 2 do artigo 38.º da LGT quanto à aplicação da cláusula antiabuso é a ineficácia do acto ou negócio jurídico considerado abusivo, apenas e somente, para efeitos fiscais, mantendo-se, contudo todos os demais efeitos produzidos por aqueles actos ou negócios, permanecendo incólume, designadamente a sua qualificação jurídica.
  4. não pode a AT, com base na aplicação da cláusula antiabuso, pretender operar uma reconstituição da realidade, hipotética e alternativa, que existiria se tivessem sido, de facto, distribuídos rendimentos de capitais, em vez de rendimentos de mais valias, ao ponto de responsabilizar o Requerente por haver incumprimentos de uma obrigação de retenção na fonte existente, e apenas na realidade concebida para aferição da vantagem fiscal que beneficiou outros que não o mesmo;
  5. considerando que o Requerente é substituto tributário, relativamente a todos os actos em que tenha intervenção, segundo a acepção da AT, com a qual aquele não concorda, teria de proceder à determinação não apenas do respectivo e normal enquadramento jurídico fiscal, mas também apurar, se e em que medida, as contrapartes estariam a tomar parte em tais actos  motivadas essencial ou principalmente por preocupações de natureza fiscal, e se na perspectiva dessas contrapartes os actos jurídicos em causa poderiam ser considerados como abusivos, caso em que lhe incumbiria proceder à retenção na fonte no montante que se mostrasse devido em face, não do acto jurídico praticado, mas daquele que previsivelmente teria lugar caso a actuação abusiva não existisse.
  6. a admitir-se que à AT, apurada a posteriori a existência de uma conduta abusiva, competiria apenas exigir do substituto o imposto abusivamente evitado pelo contribuinte, com o argumento de que foi incumprido um dever de retenção na fonte, tal comportamento corresponderia à transferência integral para a esfera do substituto, não apenas do dever de fiscalização tributária de condutas fiscalmente abusivas – responsabilidade da AT – mas também do próprio encargo do imposto – obrigação do contribuinte – vendo-se o substituto numa situação em que não disporia já das quantias sobre as quais a retenção na fonte haveria de ocorrer, suportando na sua esfera o imposto em falta.
  7. entende o Requerente que tal interpretação, obrigaria a que os substitutos tributários se deparassem com a tarefa altamente complexa (ou mesmo impossível) de averiguar e determinar as motivações intelectuais das suas contrapartes no contexto do normal desenrolar dos negócios jurídicos, correndo o risco da natureza da actuação daquelas e vivendo na contingência da respectiva responsabilização por incumprimento de um dever de retenção existente, apenas, em face desse eventual abuso. – interpretação, esta que considera, inconstitucional, conforme se explica na decisão do CAAD proferida no processo n.º 379/2014 T, por violação dos princípio da proporcionalidade e do direito a propriedade (artigo 18.º/2 e 62.º/1 da CRP).
  8. menciona, ainda, o Requerente, na sua petição inicial, que a cláusula geral antiabuso prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, contém 5 elementos de verificação cumulativa, a saber: a) Elemento meio; b) Elemento resultado; c) Elemento intelectual; d) Elemento normativo; e e) Elemento sancionatório.
  9. tendo em consideração que foram os sujeitos passivos enunciados no parágrafo 15 da petição inicial que obtiveram vantagens fiscais com a operação realizada, ou seja, a não tributação dos rendimentos em 2009, e tributação dos rendimentos em 2010, à taxa de 20%, em vez de 21,5%, e não o Requerente – não se verifica o elemento resultado, vendo-se por isso prejudicada por inútil a apreciação dos restantes elementos.
  10. considera o Requerente que é errada a interpretação adoptada pela AT no que toca à aplicação da cláusula geral antiabuso ao Requerente, devendo, neste contexto ser anulada a totalidade da demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR n.º 2014…, de 11.11 e da respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2014…, no montante de € 1.433.287,08.
  11. admitindo, no entanto, que, no caso em apreço, se encontravam verificados os elementos da cláusula antiabuso – o que não se concede – entende o Requerente que a AT apenas poderia proceder à liquidação do montante de imposto de € 211.872,17 respeitante ao nascimento da obrigação tributária datada de 05.07.2010, face à caducidade da obrigação nascida a 02.07.2009, ao invés, do que como pretende a AT no montante liquidado de € 1.232.680,93.

 

  1. No dia 10-11-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. O Requerente procedeu à indicação de árbitro, tendo indicado o Exm.º Sr. Conselheiro Jorge Manuel Lopes de Sousa, nos termos do artigo 11.º/2 do RJAT. Não tendo a referida nomeação sido aceite, foi, então, nomeado pelo Requerente Exm.º Sr. Juiz José Poças Falcão,

 

  1. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro o Exm.º Sr. Dr. Jorge Carita.

 

  1. Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos. Nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT e do artigo 5.º do Regulamento de Seleção e de Designação de Árbitros em Matéria Tributária, foi nomeado para presidir a este Tribunal Arbitral o ora Relator, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.

 

  1. Em 19-01-2016 as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 08-02-2016.

 

  1. No dia 09-03-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação, e alegando, em síntese, que:
  2. a valorização das acções de €1,00 para € 1.380214 é fictícia e artificiosa, não passando de um esquema artificioso para pagar a remuneração de uma aplicação financeira sem ter que a sujeitar à taxa liberatória prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS, na medida em que não reflecte a realidade da B… e da sua participada C…, porquanto, por um lado, e atendendo à aquisição por parte da B… de 33.75% da participação da C… ao D… por € 37.294.399,52 de onde resulta uma avaliação da C… em € 110.501.924,50 não se coaduna com a realidade, e com a informação prestada pela AT Húngara, segundo a qual “a avaliação do património da empresa em mais de 100 milhões de euros em 2008, não está correcto”, atento que, em 2008 a 2010, a C… detinha um património valorizado em € 19.670.374, 57, um valor muito inferior ao da avaliação que suporta a compra da mesma pela B… ao D…, e que, por outro lado, da análise das contas da B…, nos exercícios de 2008 a 2010, verificou-se que esta empresa apresentava sistematicamente prejuízos e diminuição do total do capital próprio de € 20.000.000,00 em 25.08.2008 para € 12.446.231,47 em 31.12.2010;
  3. as operações efectuadas pelos accionistas e valorização das acções de €1,00 para €1,380214 por acção não encontra qualquer justificação, a qual também não se poderá explicar com base em movimentos especulativos do mercado, uma vez que a B… não é uma empresa cotada;
  4. em Abril de 2009, a sociedade E… SGPS, SA adquiriu mais 7,5% do capital da C… por €6.030.000,00 a que corresponde a uma valorização total desta sociedade em €80.400.000,00, o que já se tinha verificado com a aquisição de mais de 11,25% da C… em Setembro de 2008 pela B… pelo valor de € 9.045.237,60;
  5. o principal activo da B… (ou seja, a C…) perdeu valor de 2008 para 2009, passando de uma avaliação total de € 110.501.924,50 para € 80.400.000,00, isto é, perdeu 27%;
  6. não se compreende como é que o D… compra definitivamente, a 05.07.2010, as acções da B… aos accionistas que subscreveram o aumento de capital a 25.06.2008, por € 1,380214 por acção, e no fecho de contas de 2010 reconhece uma imparidade nas acções da B… em € 12.800.000,00, passando aquelas acções a ter um valor nominal de € 0,66 cada acção;
  7. todas as operações de compra, venda e recompra, venda definitiva foram sempre sugeridas pelos gestores de cliente do D… e o investimento na Hungria pertencia ao Grupo F… e continuou a ser gerido pelo D… após a entrada dos novos accionistas;
  8. os negócios jurídicos em análise resultaram de um esquema, pré-planeado com a interposição da B… entre o investidor e o D…, SGPS, SA que culminou com a valorização artificial das acções da sociedade B… com o intuito de minimizar os impostos a “suportar” na remuneração que é paga ao investidor pela aplicação de capitais;
  9. não obstante a maioria do capital social, aquando do aumento de capital pertencer aos sujeitos passivos (accionistas particulares), a verdade é que o controlo e centro de decisão sempre pertenceu e se manteve no D…;
  10. estamos perante um conjunto de actos ou negócios sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário (encadeados), com vista a atingir o objectivo fiscal visado: remunerar investidores sem os sujeitar a tributação à taxa liberatória prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS;
  11. pela via da valorização artificial das acções, a remuneração da aplicação de capitais é disponibilizada aos accionistas, evitando retenções na fonte a título definitivo e beneficiando da exclusão de tributação prevista no artigo 10.º/2 do CIRS, à data dos factos;
  12. não obstante, os actos e negócios jurídicos que compõem esta estrutura sejam, em si mesmos, válidos e lícitos, correspondentes à vontade dos sujeitos passivos, a verdade é que não se lhes pode assacar qualquer substância económica, porquanto, a abstenção de participação por parte dos accionistas na gestão da sociedade, o facto de o investimento estar a ser gerido pelo D… e continuar a sê-lo, mesmo após a passagem a acionista minoritário no capital da B…, acrescido do facto de as remunerações dos administradores desta sociedade serem um encargo do D…, sem que os accionistas maioritários sejam chamados a comparticipar nas despesas, leva a concluir que com esta operação, os novos accionistas na B… em nada alteraram a sua posição, ou seja, tinham uma aplicação financeira no D… e mantiveram-na, devendo, deste modo, considerar-se que estamos perante um rendimento de capitais e não um rendimento de mais-valias, pela valorização das acções não ter sido efectiva, mas tão somente artificial.

 

  1. No dia 18-03-2016, foi proferido despacho, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art. 16.º, e n.º 2 do art. 29.º, ambos do RJAT, dispensando a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações e indicando o prazo de 60 dias para a entrega da decisão.

 

  1. A data indicada para entrega da decisão foi prorrogada sucessivamente por 60 e 30 dias, por despachos, respectivamente, de 16-05 e 17-07, e o prazo fixado no artigo 21.º/1 do RJAT foi prorrogado por 2 meses, ao abrigo do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, por despacho de 07-08.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2014… foi determinada uma acção inspectiva interna ao Requerente realizada pela Direcção de Finanças de… .

2-      Em 22 de julho de 2014, foi o Requerente notificado do projecto de relatório de inspeção tributária para aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

3-      O Requerente optou por não exercer o direito de audição prévia que lhe assistia, e a correção proposta no montante de € 1.232.680,93, constante do projecto de relatório tornou-se definitiva, através do Ofício n.º…, de 14 de Novembro de 2014.

4-      Em 31 de Dezembro de 2014, o Requerente procedeu ao pagamento voluntário do imposto e juros compensatórios adicionalmente liquidados, no valor total de € 1.433.287,08.

5-      Em 30 de Abril de 2015, o Requerente deduziu Reclamação Graciosa contra as referidas liquidações.

6-      Através do Ofício n.º…, datado de 9 de Julho de 2015, da Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, o Requerente foi notificado do projeto de decisão da Reclamação Graciosa, nos termos do qual foi mantida a correção efectuada.

7-      Tendo o Requerente optado por não exercer o direito de audição prévia que lhe assistia, através do Ofício n.º…, de 10 de Agosto de 2015, foi notificado de que a Reclamação Graciosa, havia sido indeferida, por despacho proferido na mesma data, pela Senhora Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes.

8-      A B…, SGPS, S.A. foi constituída em 18 de Junho de 2008 com um capital de €4.200.000,00, a que correspondem 4.200.000 acções, de valor nominal de €1,00 cada, com um único accionista: o D…, SGPS, SA.

9-      Em 25 de Junho de 2008, o capital social da B… foi aumentado em €15.800.000,00, com a entrada de novos accionistas identificados no Relatório de Inspecção Tributária.

10-  O capital social ficou distribuído da seguinte forma:

11-  Os novos accionistas passaram a deter 78,79% do capital social da B… .

12-  A empresa manteve os mesmos administradores (G… e H…, quadros superiores do Grupo F…) e a sede nas instalações do Grupo F… .

13-  Por acta de 23 de Junho de 2008, determinou-se que os órgãos sociais não receberiam remuneração.

14-  Os dois Administradores da B… recebiam, à data, rendimentos da categoria A nos exercícios em questão, pagos pelo D…, S.A.

15-  Nas Assembleias Gerais de aprovação de contas de 2008 e 2009, de 25 de Maio de 2009 e de 25 de Maio de 2010, respectivamente, os novos accionistas nomearam como seu representante, o referido G…, a quem conferiram “… plenos poderes para votar, como melhor lhe aprouver, todos os pontos da Ordem de Trabalhos estabelecida para a referida Assembleia Geral”.

16-  Assim, apesar das mudanças na estrutura accionista resultante do aumento do capital social, mantiveram-se os mesmos administradores (pertencentes aos quadros do D…), a sede no mesmo local e a representação dos novos accionistas ficou a cargo do referido G… (administrador à data do D… SGPS).

17-  Em 2 de Dezembro de 2010, na sequência do resultado da Operação Pública de Aquisição do D… SGPS, SA, lançada pelo I…, IPSS, os referidos administradores renunciaram ao cargo, tendo o novo accionista indicado novos administradores.

18-  De acordo com as actas da Assembleia Geral da B… a sua actividade resume-se à gestão da participação da C..., sociedade húngara.

19-  No dia 26 de Junho de 2008, o seguinte ao aumento de capital da B…atrás referido, a empresa adquiriu 33,75% da participação da C…, ao D…, S.A. pelo valor de € 37.294.399,52.

20-  No relatório de contas consolidado para o exercício de 2007 do Grupo, sendo o D… SGPS a sociedade “mãe”, o custo de aquisição da C… declarado foi de €22.598,00.

21-  Em Setembro de 2008, a B… adquiriu ao D… mais 11.25% da C… pelo valor de €9.045.237,60.

22-  Em Abril de 2009, a E… registou a aquisição de 7,5% do capital da C… por €6.030.000,00.

23-  De acordo com o livro de actas do Conselho de Administração, até Dezembro de 2009, a B… procedeu às seguintes emissões de papel comercial:

                                                              i.            Em 26-06-2008, €20.000.000,00;

                                                            ii.            Em 15-12-2008, €10.000.000,00;

                                                          iii.            Em Junho de 2009, €25.000.000,00;

                                                          iv.            Em Dezembro de 2009, €20.000.000,00.

24-  Em 31 de Dezembro de 2010, o financiamento à C…, contabilizado na B… como suprimentos, na conta “41- Investimentos Financeiros”, totalizava €12.105.738,00.

25-  De acordo com as contas da B…, nos exercícios de 2008, 2009 e 2010, esta empresa apresentou sempre prejuízos.

26-  As referidas perdas resultam essencialmente da aplicação do método da equivalência patrimonial e dos juros de financiamento.

27-  No âmbito do pedido de informação formulado à Administração Fiscal da Hungria, ao abrigo da convenção celebrada entre a República Portuguesa e a República da Hungria, com o intuito de caracterizar a actividade da C…, foi possível apurar que:

                                                              i.            A C… possuía n.º de identificação fiscal húngaro, e sede em Budapeste;

                                                            ii.            A actividade exercida era a gestão de património;

                                                          iii.            Os accionistas eram as sociedades portuguesas B…, SGPS, J… SGPS e E…, SGPS;

                                                          iv.            As pessoas responsáveis pela gestão eram K…, L…, M… e N…, à data assalariados da O…, SA, e P…, à data assalariado do D… .

28-  O contribuinte Q… (fundador do Grupo R…) declarou, no ano de 2009, a alienação e recompra das acções da B…, ocorrida em 2 de Julho de 2009, por um valor unitário de €1,3163 por acção e com um custo de aquisição de €1,00 por acção, de onde resultou uma mais-valia de €3.711.375,63, que beneficiou da exclusão de tributação prevista na alínea a), do n.º 2, do artigo 10.º do CIRS.

29-  No ano de 2010, declarou a venda das acções da B…, com um valor de realização de €1,380214 por acção e com um custo de aquisição €1,3163 por acção, tendo a mais-valia declarada de €702.203,94 sido tributada, em resultado da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010 de 26 de Julho, que revogou o n.º 2 do art. 10.º do CIRS.

30-  O contribuinte Q… foi notificado, através do ofício n.º … de 2013-05-21, na sequência da Ordem de Serviço Interna n.º OI2013…, para a análise das declarações Modelo 39, dos anos de 2010 e de 2011, para fazer prova da fonte de rendimentos que lhe permitiu auferir aquele montante de juros no ano de 2011, tendo sido possível apurar os factos constantes das páginas 26 e 27 do RIT.

31-  O contribuinte S… e mulher declararam, em 2009, também, a alienação e recompra de acções da B…, ocorrida em 2.07.2009, por um valor unitário por acção de €1,3163 e com um custo de aquisição de €1,00 por acção, de onde resultou uma mais valia de €1.098.674,38, que beneficiou da exclusão de tributação prevista na alínea a), do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS.

32-  Em 2010 declarou novamente a venda das acções da B…, com um valor de realização de €1,380214 por acção e com um custo de aquisição €1,3163 por acção, tendo a mais-valia declarada de €222.006,55 sido tributada, em resultado da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010 de 26 de Julho.

33-  T… e U… declararam, também, a alienação e recompra de acções da B… de onde resultou uma mais-valia não tributada de €66.992,34 (2009) e, no ano de 2010, declararam a venda das acções da B…, de onde resultou uma mais-valia de €13.536,99 tributada, em resultado da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010 de 26 de Julho.

34-  Em 2010, o contribuinte V… declarou a alienação das acções da B… adquiridas no aumento de capital de 25.06.2008 com um custo de aquisição unitário de €1,3163.

35-  Este custo de aquisição resulta, também, da venda e recompra de 84.720 acções no dia 2.07.2009 pelo valor por acção de €1,3163.

36-  Em 2 de Julho de 2009 adquiriu mais 407.505 acções, por €1,3163/cada, o que totaliza o valor de €536.398,83.

37-  No dia 5 de Julho de 2010 vendeu a totalidade das acções por €1,380214, de onde resultou um ganho de €58.257,01.

38-  Por fim, a contribuinte W… procedeu à alienação e recompra das acções da B… em 2009 e à venda definitiva em 2010.

39-  Nas declarações de rendimentos, dos anos de 2009 e de 2010, dos cinco accionistas que subscreveram o aumento de capital da B…, todos os accionistas adoptaram o mesmo comportamento, ou seja, subscreveram o aumento de capital por €1,00, em 25.08.2008, venderam e recompraram em 2.07.2009 por €1,3163 por acção e venderam, definitivamente, em 5 de Julho de 2010, as acções ao D… SGPS por €1,380214 por acção.

40-  As operações em causa, reflectem-se nos seguintes quadros:

41-  No dia 17 de Junho de 2014, os serviços de inspecção notificaram os sujeitos passivos Q… e S…, colocando-lhes as questões indicadas nas páginas 11 a 15 do RIT, onde constam as respostas obtidas àquelas questões, onde se lê, para além do mais:

os capitais envolvidos vinham sendo aplicados no D… desde há muitos anos atrás, em aplicações de depósitos a prazo. (…) regularmente as minhas aplicações eram sempre a 6 meses e nas novas aplicações propostas sempre pretendi manter o mesmo prazo.

Seguidamente o Banco veio propor uma outra aplicação, numa sociedade B… SGPS, S.A. [que me era] desconhecida, a aplicação feita foi proposta pelo banco na sequência da operação anterior vencida, nunca tive conhecimento do montante de capital que essa empresa detinha, muito menos que com a aplicação financeira efectuada atingiria uma posição maioritária na mesma. (…) não sabia que a aplicação daria lugar a qualquer aumento de capital, mas pensava que somente seria uma aplicação financeira proposta pelo banco.

(..) Da actividade dessa sociedade, foi-me simplesmente informado, na altura que era uma sociedade do ramo imobiliário, com investimentos na Roménia, mas como a operação era apresentada e proposta pelo banco. O meu único objectivo era a aplicação financeira e a respectiva rentabilidade e nunca a intervenção na empresa.

Nunca fui notificado de qualquer assembleia nem sequer fui informado da ordem de trabalhos nas mesmas, nem posteriormente das resoluções tomadas, nem a empresa ou até o banco me mostrou qualquer acta. Também não sei, nem tive conhecimento, porque é que os administradores aceitaram gerir a sociedade sem auferirem qualquer renumeração da B…, (…).

O móbil da realização da operação de venda em 02.07.2009 e compra no mesmo dia, foi porque as minhas operações eu assimilo-as a operações financeiras como de depósitos a prazo se tratassem, como provinham do passado e sempre pretendi saber do resultado das minhas aplicações por períodos de seis meses ou de um ano, (…). Como a proposta de operação inicial foi feita integralmente pelo banco, esse mesmo procedeu à venda e posteriormente compra das acções da mesma sociedade. Como não tive qualquer interesse na escolha das acções a comprar e sendo a operação proposta pelo banco, este efectuou-a como a apresentou. (…) o meu objectivo era a rentabilidade financeira e como a operação era apresentada pelo banco, para mim não estava em causa aonde investir. De modo diferente ocorreu no período seguinte, em 05.07.2010, quando passou a haver incidência de mais valias e então, não aceitei que o banco fizesse a aplicação em acções e voltou-se à aplicação a depósitos a prazo.

(…) as operações, que eram inicialmente e por muito anos de depósitos a prazo, só deixaram de o ser por proposta do D…, porque o mercado financeiro mudou na oferta de taxas, reduzindo-as. Por conseguinte, não tive qualquer interesse pessoal em comprar e vender as acções da mesma empresa e no mesmo dia (recordo que não sabia da minha representatividade qualificada no capital da sociedade.) Quanto ao preço das acções, esse era-me informado e indicado directamente e unicamente pelo banco.

42-  No pedido de informação formulado à Administração Fiscal Húngara foi colocada a questão: “Validar se o património da empresa justifica a sua avaliação em mais de 100 milhões de euros, em 2008”, ao que foi obtida a seguinte resposta: “No que respeita à avaliação do património da empresa em mais de 100 milhões de euros em 2008, informam que este valor não está correto e que o valor correto consta nos anexos:”.

43-  Em 2008 e até 2010, a C… detinha um património valorizado em €19.670.374,57.

44-  Em Abril de 2009, a sociedade E… SGPS, S.A. adquiriu mais 7,5% do capital da C… por €6.030.000,00.

45-  O D… comprou definitivamente as acções da B… aos accionistas que subscreveram o capital em 25 de Junho de 2008, no dia 5 de Julho de 2010, por €1,380214 por acção.

46-  No fecho de contas de 2010, o mesmo D… reconheceu uma imparidade nas acções da B… em €12.800.000,00.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

 

B. DO DIREITO

 

            Nos termos do artigo 124.º do CPPT:

“1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”.

            Cumpre, então, apreciar os vícios assacados pela Requerente ao acto tributário objecto da presente acção arbitral, no sentido de apurar da respectiva procedibilidade.

            A situação que se apresenta a decidir nos presentes autos é, no que toca aos traços essenciais relevantes para o efeito, de simples definição. Verifica-se no caso, em suma, que, confrontada com uma situação que entendeu elisiva, em termos de justificar a aplicação da cláusula geral antiabuso (CGAA), a AT entendeu exigir o imposto que entende devido ao substituto tributário, e não ao sujeito passivo. Insurge-se aquele contra o decidido pela AT, porquanto, pelos argumentos seguidamente apreciados, entende que o mecanismo da CGAA é insuscetptível de ser aplicado ao substituto tributário.

            Alega então o Requerente, como primeiro argumento, que, foram os sujeitos passivos que identifica na sua petição inicial, os beneficiários das vantagens fiscais que resultaram da operação em causa nos presentes autos, pelo que, deverão ser estes os responsáveis pelo pagamento das quantias correspondentes a essas mesmas vantagens, e não o Requerente, por ser totalmente alheio à situação, designadamente, por não ter usufruído de qualquer vantagem fiscal. Apoia esta sua argumentação na decisão do CAAD proferida no processo n.º 379/2014 T.

Acrescenta, de seguida, que a consequência que poderá advir da letra do n.º 2 do artigo 38.º da LGT quanto à aplicação da cláusula anti-abuso é a ineficácia do acto ou negócio jurídico considerado abusivo, apenas e somente, para efeitos fiscais, mantendo-se, contudo todos os demais efeitos produzidos por aqueles actos ou negócios, permanecendo incólume, designadamente a sua qualificação jurídica, pelo que, defende não pode a AT, com base na aplicação da cláusula anti-abuso, pretender operar uma reconstituição da realidade, hipotética e alternativa, que existiria se tivessem sido, de facto, distribuídos rendimentos de capitais, em vez de rendimentos de mais-valias, ao ponto de responsabilizar o Requerente por haver incumprimentos de uma obrigação de retenção na fonte concebida para aferição da vantagem fiscal que beneficiou outros que não o mesmo.

Assim, considerando que o Requerente é substituto tributário, relativamente a todos os actos em que tenha intervenção, segundo a acepção da AT, com a qual aquele não concorda, teria de proceder à determinação não apenas do respectivo e normal enquadramento jurídico fiscal, mas também apurar, se e em que medida, as contrapartes estariam a tomar parte em tais actos motivadas essencial ou principalmente por preocupações de natureza fiscal, e se na perspectiva dessas contrapartes os actos jurídicos em causa poderiam ser considerados como abusivos, caso em que lhe incumbiria proceder à retenção na fonte no montante que se mostrasse devido em face, não do acto jurídico praticado, mas daquele que previsivelmente teria lugar caso a actuação abusiva não existisse.

Alega, ainda o Requerente que a admitir-se que à AT, apurada a existência de uma conduta abusiva, competiria apenas exigir do substituto o imposto abusivamente evitado pelo contribuinte, com o argumento de que foi incumprido um dever de retenção na fonte, tal comportamento corresponderia à transferência integral para a esfera do substituto, não apenas do dever de fiscalização tributária de condutas fiscalmente abusivas – responsabilidade da AT – mas também o próprio encargo do imposto – obrigação do contribuinte – vendo-se o substituto numa situação em que não disporia já das quantias sobre as quais a retenção na fonte haveria de ocorrer, suportando na sua esfera o imposto em falta.

Com efeito, entende o Requerente que tal interpretação, obrigaria a que os substitutos tributários se deparassem com a tarefa altamente complexa (ou mesmo impossível) de averiguar e determinar as motivações intelectuais das suas contrapartes no contexto do normal desenrolar dos negócios jurídicos, correndo o risco da natureza da actuação daquelas e vivendo na contingência da respectiva responsabilização por incumprimento de um dever de retenção existente, apenas, em face desse eventual abuso – interpretação, esta que considera, inconstitucional, conforme se explica na decisão do CAAD proferida no processo n.º 379/2014 T, por violação dos princípio da proporcionalidade e do direito a propriedade (artigo 18.º/2 e 62.º/1 da CRP).

Sustenta, ainda, o Requerente, na sua petição inicial, que tendo em consideração que foram os sujeitos passivos indicados na petição inicial que obtiveram vantagens fiscais com a operação realizada, ou seja, a não tributação dos rendimentos em 2009, e tributação dos rendimentos em 2010, à taxa de 20%, em vez de 21,5%, e não o Requerente – não se verifica o elemento resultado da CGAA, um dos 5 elementos de verificação cumulativa em que tradicionalmente aquela se divide (o elemento resultado), vendo-se por isso prejudicada por inútil a apreciação dos restantes elementos.

Deste modo, considera o Requerente que é errada a interpretação adoptada pela AT no que toca à aplicação da cláusula geral anti-abuso ao Requerente, devendo, neste contexto ser anulada a totalidade da demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR n.º 2014…, de 11.11 e da respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2014…, no montante de € 1.433.287,08.

Para a hipótese de, no caso em apreço, se considerar que se encontram verificados os elementos da CGAA – o que não concede – entende o Requerente que a AT apenas poderia proceder à liquidação do montante de imposto de €211.872,17 respeitante ao nascimento da obrigação tributária datada de 05-07-2010, face à caducidade da obrigação nascida a 02-07-2009, ao invés, do que como pretende a AT no montante liquidado de €1.232.680,93.

 

*

A AT, por sua vez, sustenta que a transformação de uma aplicação financeira, numa compra e venda de acções, com a valorização artificial das mesmas, não teve outra motivação que não fosse aproveitar uma exclusão de tributação prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS, de forma a diminuir ou eliminar a tributação, pelo que incumbe à AT considerar ineficaz, no âmbito tributário, a consideração deste rendimento como sendo um rendimento de mais-valias e considerá-lo como um rendimento de capitais, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, sujeito à taxa liberatória prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do mesmo diploma.

Considerando, então, que se está perante um conjunto ou sucessão de actos/negócios coordenados entre si, deve o aplicador da lei operar um tratamento integrado visualizando-as como uma única transacção, propendendo para um único e final resultado, o qual se reportará, no caso em apreço, à recepção de acréscimos patrimoniais com a venda definitiva das acções, que seria o que aconteceria na ausência da operação compósita evasiva, ou seja, à data de 05-07-2010, pois só nessa data foi dado a conhecer aos investidores qual o valor do seu incremento patrimonial, e só nesse momento estariam em condições para o exigir do D…, ocorrendo nesse momento, a data do vencimento, que vale para determinar o nascimento da obrigação tributária para o substituto fiscal, que no caso em apreço é o D…, o qual deveria ter retido à taxa liberatória de 21,5% o valor de €1.260.147,78 quando colocou à disposição os rendimentos, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 101.º do CIRS.

No caso em apreço, não vislumbra a AT qualquer racionalidade económica, na operação, uma vez que:

a)      Não houve criação de valor pela B… em consequência da entrada dos novos investidores, antes pelo contrário, a sociedade apresentou prejuízos, assim como a sua participada C…;

b)      A B… é uma sociedade veículo criada pelo D…, não tendo outra actividade que não seja a detenção da participação na C… e o financiamento a esta participada;

c)      O financiamento à C… foi inteiramente efectuado pelo D…, não havendo interferência de outros bancos;

d)     O investimento na sociedade competia ao Grupo F… e continuou a ser gerido por ele, independentemente da sua participação no capital da sociedade húngara se ter reduzido de uma participação directa de 33,75% para uma participação indirecta de 21,21% sobre 33,75%, a que corresponde apenas a 7,15%;

e)      Não se verificou qualquer acontecimento no mercado que pudesse levar à valorização extraordinária da participação B…;

f)       No ano de 2010, as acções da B… são recompradas pelo D… por € 1,38 por acção e, nesse mesmo ano, é reconhecida uma perda por imparidade que reduz o custo de aquisição das acções para € 0,66 por acção;

g)      Em 2011, quando as acções são vendidas pelo D… ao A… também foi esse o preço praticado, €0,66 por acção.

Neste quadro, e considerando que, no caso, não existe substância económica na operação, mas tão só uma motivação fiscal preponderante, que se manifestou nas formas adoptadas, e que fez prevalecer a finalidade fiscal do negócio sobre a finalidade não fiscal, encontrar-se-ão verificadas as condições para a aplicação do disposto no artigo 38.º, n.º 2 da LGT e no artigo 63.º do CPPT, razão pela qual se deve considerar ineficaz, no âmbito tributário, a valorização artificial das acções da B… de € 1,00 para € 1,38, no período de 25-06-2008 a 05-07-2010, na medida em que tal operação foi praticada com abuso das formas jurídicas e, teve como objectivo essencial a eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou a obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas total ou parcialmente sem utilização desses meios.

Entende também a AT que o Requerente teve uma intervenção directa nos factos que fundamentam a aplicação da cláusula geral anti-abuso, porquanto, por um lado, não contesta os factos constantes do RIT, por outro lado, foi o Requerente que decidiu adquirir 33,75% da C… pela B…, por outro ainda, foi o Requerente que adquiriu participações dos accionistas em Julho de 2010, e por último, foi, ainda, o Requerente que sugeriu todas as operações de compra, venda e recompra, e venda definitiva das acções da B…, detendo todo o controlo na sua gestão.

No que toca ao pedido subsidiário de declaração de ilegalidade parcial pela caducidade do direito à liquidação, entende a AT que só a partir do momento em que os accionistas vendem as suas participações sociais ao D…, sem as recomprarem no mesmo momento, como haviam feito anteriormente, é que é possível considerar-se completo o esquema elisivo engendrado pelo D…, porquanto antes da venda definitiva, não pode estabelecer-se – sem margem para dúvidas – que as operações não resultam de uma vontade própria das pessoas singulares envolvidas em investir nas empresas em causa, pese embora os fracos resultados operacionais por estas apresentados.

Para a AT, só a partir do momento em que os accionistas vendem as participações sociais ao D…, sem as recomprarem no mesmo momento, é possível denotar uma atitude de desinteresse no investimento na B…, facto que permitiu à AT começar a investigar a verdadeira natureza do investimento efectuado, nomeadamente os contornos das operações, os titulares dos órgãos sociais da B…, alheios aos accionistas, o percebimento por tais titulares de órgãos sociais de rendimentos da categoria A pagos pelo D…, e mormente, a iniciativa e autoria moral de todo o esquema, pelo que só a partir desse momento da venda definitiva se pode compaginar ocorrer o termo inicial da contagem do prazo de caducidade.

Invoca ainda a Requerida, conforme se fez constar da decisão administrativa, tomada em sede de reclamação graciosa, a step transaction doctrine, acolhida no Acórdão do TCA Sul, no processo n.º 4255/10, de 02-05-2011, bem como o entendimento de que se chegaria ao mesmo resultado, por mera aplicação do disposto no artigo 9.º do Código Civil, nomeadamente por via da presunção do legislador razoável.

Deste modo, e atendendo a que no âmbito do direito tributário, a caducidade do direito à liquidação visa garantir o cumprimento da acção da administração tributária dentro de um prazo razoável, entende a AT que a aplicabilidade da CGAA deve ser analisada face à situação pelo seu todo, ou seja, no caso em apreço, desde o seu início em 2008, até à venda definitiva, em Julho de 2010, pois caso contrário, caso se entendesse que o termo inicial do prazo de caducidade ocorre a partir de determinada operação meramente intermédia, cairíamos numa situação de violação da presunção do legislador razoável, na medida em que antes de praticados os actos finais – que comprovam o carácter elisivo de todo o esquema ou do conjunto de actos – não poderia ser exigido à AT agir e investigar.

 

*

 

            Antes de prosseguir para a análise e decisão da questão fundamental que é apresentada a dirimir por este Tribunal Arbitral, cumpre notar que, como aponta a AT, o Requerente não põe em causa a conclusão formulada pela AT no procedimento inspectivo, segundo a qual se verificou a ocorrência de um esquema elisivo, proscrito pelo ordenamento jurídico no seu todo. Opta o Requerente por sustentar a sua discordância com o acto tributário sub iudice, na circunstância de, no quadro da relação jurídico-tributária definida por aquele, ocupar a posição de substituto tributário, e não de sujeito passivo.

            Efectivamente, a situação do Requerente face ao quadro factual delineado, é definida pelas normas do artigo 71.º/2, da alínea b) do n.º 2 do artigo 101.º, ambos do CIRS, conjugadas com os artigos 20.º, 22.º e 28.º da LGT.

            Assim, dispõe a primeira das referidas normas que:

“Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 21,5%, os rendimentos de valores mobiliários pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares, residentes em território português, devidos por entidades que não tenham aqui domicílio a que possa imputar-se o pagamento, por intermédio de entidades que estejam mandatadas por devedores ou titulares ou ajam por conta de uns ou outros.”.

            Já a segunda, prescreve que:

“Tratando-se de rendimentos referidos no artigo 71.º, a retenção na fonte nele prevista cabe: (...)

b) Às entidades que paguem ou coloquem à disposição os rendimentos referidos nos n.ºs 2 e 13 do artigo 71.º.”.

            Por sua vez, dispõe o artigo 20.º da LGT:

“1 - A substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte.

2 - A substituição tributária é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido.”.

            Já o artigo 22.º da mesma LGT, refere que:

“1 - A responsabilidade tributária abrange, nos termos fixados na lei, a totalidade da dívida tributária, os juros e demais encargos legais.

2 - Para além dos sujeitos passivos originários, a responsabilidade tributária pode abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas.

3 - A responsabilidade tributária por dívidas de outrem é salvo determinação em contrário, apenas subsidiária.”.

            É esta posição do Requerente, enquanto substituto tributário, nos termos do referido artigo 20.º/2 da LGT, decorrente da obrigação de retenção na fonte consagrada nos artigos 71.º/2, da alínea b) do n.º 2 do artigo 101.º, ambos do CIRS, e, consequentemente, responsável tributário, nos termos do artigo 22.º, n.ºs 1 a 3 da LGT, que tem de ser enquadrada à luz do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, que consagra que:

“São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”

            Centra, como se viu já, o Requerente a posição jurídica que defende nos presente autos de processo arbitral tributário na circunstância de, no seu entender, não ter, da execução do esquema elisivo cuja ocorrência não contesta, resultado para si quaisquer “vantagens fiscais”, o que, e bem, entende ser pressuposto necessário à correcta aplicação da referida norma do artigo 38.º/2 da LGT.

            Ora, desde logo, não se pode subscrever este postulado da posição jurídica sustentada pelo Requerente perante este Tribunal Arbitral. Com efeito, ao longo de toda a argumentação que tece, o Requerente parece fazer equivaler “vantagem fiscal” a “vantagem patrimonial”.

            Ora, se é certo que do quadro factual que se desenha não se pode seguramente concluir que para o Requerente tenha resultado, do esquema elisivo implementado, uma vantagem patrimonial – o que é evidente, na medida em que a posição de substituto tributário é, por definição, patrimonialmente neutra[2], considera-se, todavia, que o conceito de “vantagem fiscal”, empregue pela norma em análise, não se deverá confundir com o conceito de vantagem patrimonial.

            Assim, desde logo e pela negativa, os princípios hermenêuticos do legislador razoável, e de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, consagrado no artigo 9.º do Código Civil, levam a concluir que se o legislador tivesse pretendido fazer equivaler ao conceito de vantagem patrimonial o conceito de “vantagem fiscal”, teria empregue aquela, e não esta, expressão.

            Por outro lado, e já pela positiva, o elemento sistemático subsidia significativamente o que se deve entender como conteúdo do referido conceito. Efectivamente, o Despacho n.º 14592/2008 de 27 de Maio, que veio estabelecer as orientações interpretativas em matéria de revelação de esquemas de planeamento fiscal para prevenção e combate a actuações abusivas e evasivas, decorrentes do Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de Fevereiro, e da Portaria n.º 364 A/2008, de 14 de Maio, refere no seu ponto I.7.i) que se considera “como vantagem fiscal a redução, eliminação ou diferimento temporal de imposto ou a obtenção de benefício fiscal, que não se alcançaria, no todo ou em parte, sem a utilização do esquema ou a actuação”.

            Deste modo, e para o que ora importa, dever-se-á ter como verificada uma vantagem fiscal, sempre[3] que se verifique “a redução, eliminação ou diferimento temporal de imposto”.

            Ora, no caso, conclui-se que é o que verifica. Efectivamente, não fora o esquema elisivo implementado, o Requerente – cumprindo a legalidade como seria seu dever – teria procedido à retenção na fonte do imposto devido, e tê-lo-ia entregue ao Estado. Por força daquele mesmo esquema, o imposto que deveria, na altura própria ter sido entregue ao Estado, não o foi, e o que foi, na decorrência daquele mesmo esquema, foi-o em quantitativo inferior. Verifica-se, assim e em suma, que ocorreu efectivamente um diferimento temporal e uma diminuição de imposto, pelo que, nos termos e para os efeitos do artigo 38.º da LGT, devidamente interpretado, se deverá ter como verificada a ocorrência de uma vantagem fiscal.

 

*

 

            Questão distinta da de saber se, in casu, se verifica, ou não, a ocorrência de vantagens fiscais, é a de saber se tais vantagens fiscais têm de beneficiar o contribuinte a quem, em obediência ao estatuído na CGAA (a tributação de acordo com as normas aplicáveis na ausência do esquema elisivo) deve ser exigido o imposto.

            A este respeito, note-se desde logo que tal não resulta nem do texto da norma do artigo 38.º/2 da LGT, nem da formulação do preceito do ponto I.7.i) do Despacho n.º 14592/2008 de 27 de Maio.

Entende-se, assim, que a operação de verificação da prossecução da obtenção de vantagens fiscais com o esquema abusivo (operação esta relativa à determinação dos pressupostos da norma), deve ser desligada da operação de tributação de acordo com as normas aplicáveis na ausência daquele esquema (operação relativa à estatuição da norma), ou seja, que o relevante para a verificação dos pressupostos da aplicação da CGAA, no que à questão do direcionamento do esquema abusivo à obtenção de vantagem fiscal diz respeito, é independente do resultado da definição da tributação devida de acordo com as normas aplicáveis na ausência daquele esquema.

Ou seja: uma coisa é a operação de verificação dos pressupostos de aplicação da norma, que postula unicamente, para o que ora importa, a verificação da obtenção, ou da intenção de obtenção, de vantagens fiscais, subjacente aos actos ou negócios jurídicos fraudulentos – independentemente do respectivo beneficiário – e outra será a operação de aplicação da estatuição da norma, que determina a ineficácia daqueles actos ou negócios jurídicos, e a aplicação da tributação que resulte das normas aplicáveis na ausência desses mesmos actos ou negócios.

Encara-se assim a CGAA de um ponto de vista objectivo, ou seja como dirigida aos actos ou negócios jurídicos fraudulentamente praticados, e não aos sujeitos que neles intervêm, ou àqueles que, em função da ineficácia daqueles, venham a ser onerados com a tributação imposta pelo ordenamento jurídico-tributário.

Sem prejuízo do que vem de se expor, dir-se-á que, ainda que se considerasse que a vantagem fiscal almejada (e concretizada) se tem de verificar na esfera fiscal daquele a quem, face à tributação de acordo com as normas aplicáveis na ausência do esquema fraudulento, se deve exigir o imposto, sempre se haveria de concluir que, no caso, é o que ocorre.

Com efeito, e desde logo, o imposto diferido e diminuído, deveria, não fora o esquema defraudante, ser entregue ao Estado pelo Requerente, enquanto, nos termos acima vistos, responsável tributário. Assim, a dispensa da obrigação tributária de retenção na fonte, e de subsequente entrega do imposto retido não poderá, julga-se, deixar de ser considerada uma vantagem fiscal.

Por outro lado, e ainda que assim não fosse, face ao quadro legal aplicável, verifica-se que a situação do Requerente, é a de responsável principal pela entrega do imposto.

Com efeito, dispõe o artigo 71.º do CIRS, nos seus n.ºs 6 e 7, que:

“6 - Os rendimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 podem ser englobados para efeitos da sua tributação, por opção dos respetivos titulares, residentes em território nacional, desde que obtidos fora do âmbito do exercício de atividades empresariais e profissionais.

7 - Feita a opção a que se refere o número anterior, a retenção que tiver sido efectuada tem a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.”.

            Compulsados os factos dados como provados, não se preenchem, ou sequer se indicia, os pressupostos de que a lei faz depender a possibilidade de a retenção em questão ter a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, designadamente a residência em território nacional, a sua obtenção fora do âmbito do exercício de atividades empresariais e profissionais e a opção, nesse sentido, do sujeito passivo de IRS.

            Assim, não restarão dúvidas, que a posição do Requerente no quadro da tributação de acordo com as normas aplicáveis na ausência do esquema fraudulento, será a de responsável originário pelo imposto não retido, conforme decorre do artigo 28.º da LGT que dispõe que:

“1 - Em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2 - Quando a retenção for efectuada meramente a título de pagamento por conta do imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária, ficando este ainda sujeito aos juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo para apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior.

3 - Nos restantes casos, o substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efectivamente o foram.”.

Deste modo, sempre por esta via se concluiria, da mesma forma, que, por meio do esquema fraudulento incontestadamente verificado, ocorreu o diferimento e diminuição de imposto, pelo qual, no quadro da tributação de acordo com as normas aplicáveis na ausência do esquema fraudulento, o Requerente era o devedor principal, pelo que, dúvidas não haveria, de que da implementação daquele esquema, resultou para o Requerente – independentemente de outros sujeitos passivos – uma vantagem fiscal.

            Diga-se, ainda e por fim, que em caso algum, julga-se, se poderia concluir que a AT deveria exigir aos beneficiários dos rendimentos de capitais, o imposto que está a exigir à Requerente. Com efeito, e como decorre das normas atrás transcritas, face ao ordenamento jurídico tributário aplicável no quadro da ineficácia dos actos e negócios jurídicos fraudulentos, aqueles beneficiários apenas são subsidiariamente responsáveis pelo imposto que deveria ter sido deduzido e não o foi, pelo que, nessa circunstância, sempre seria legalmente inadmissível chamá-los a responder em primeira linha por tal imposto.

 

*

 

            Passando, então, para análise dos argumentos do Requerente, conclui-se que, ao contrário do que aquele alega, não foram unicamente os sujeitos passivos que identifica na sua petição inicial, os beneficiários das vantagens fiscais que resultaram da operação em causa nos presentes autos, nem deverão ser eles os responsáveis pelo pagamento das quantias correspondentes a essas mesmas vantagens, não sendo, por isso, verdade que a vantagem fiscal resultante do esquema elisivo de que o Requerente fez parte, beneficiou apenas outros, e não o mesmo.

Verifica-se igualmente que, ao contrário do que também alega o Requerente, à AT, apurada a existência de uma conduta abusiva, competiria exigir do substituído o imposto abusivamente evitado pelo contribuinte, já que, no caso, o substituto assume-se, face ao quadro legal aplicável, como devedor principal do imposto, não correspondendo tal comportamento à transferência integral para a esfera do substituto do encargo do imposto – obrigação do contribuinte, tal como, no caso de inexistência de abuso e em que tenha havido pura e simplesmente um inadimplemento da obrigação de retenção na fonte, a exigência do imposto ao substituto, como impõem as normas já analisadas, não acarreta qualquer transferência integral do encargo do imposto – obrigação do contribuinte – para a esfera do substituto.

Efectivamente, a situação será, neste aspecto, análoga a qualquer outro substituto por retenção na fonte a título definitivo, que não haja cumprido a obrigação de retenção e que, tal como o Requerente, se verá, por força do regime legal aplicável, numa situação em que não dispondo das quantias sobre as quais a retenção na fonte haveria de ocorrer, terá de suportar na sua esfera o imposto em falta, repercutindo-o, na medida do legalmente possível (eventualmente pela via do enriquecimento sem causa), na esfera do substituído.

Não se considera, igualmente, procedente a argumentação do Requerente, segundo a qual o comportamento da AT corresponderia à transferência integral para a esfera do substituto do dever de fiscalização tributária de condutas fiscalmente abusivas – responsabilidade da AT, pelo que tal interpretação, obrigaria a que os substitutos tributários se deparassem com a tarefa altamente complexa (ou mesmo impossível) de averiguar e determinar as motivações intelectuais das suas contrapartes no contexto do normal desenrolar dos negócios jurídicos, correndo o risco da natureza da actuação daquelas e vivendo na contingência da respectiva responsabilização, já que tal questão, salvo melhor opinião, se porá, da mesma forma, relativamente a qualquer outra situação em que sujeitos passivos entrem num esquema elisivo do qual resultem vantagens fiscais para ambos, como seja, por exemplo, de um esquema elisivo que permita a um sujeito passivo deduzir o IVA suportado numa transacção em que o outro fique exonerado de o entregar ao Estado. Aqui como ali não está em causa, ao contrário do que alega o Requerente, impor o dever de fiscalização tributária de condutas fiscalmente abusivas, nem impor aos intervenientes a tarefa de averiguar e determinar as motivações intelectuais das suas contrapartes no contexto do normal desenrolar dos negócios jurídicos, correndo o risco da natureza da actuação daquelas e vivendo na contingência da respectiva responsabilização, mas antes repor a situação tributária que existiria, não fora a implementação do esquema elisivo, e dissuadir os sujeitos passivos de incorrer nos mesmos, procurando, para si, e ainda que – concomitantemente – para outros, vantagens fiscais[4].

Assim, e neste quadro, considera-se não se verificar qualquer violação dos princípios da proporcionalidade e do direito de propriedade (artigo 18.º/2 e 62.º/1 da CRP), e carecer de fundamento a alegação de que foram os sujeitos passivos indicados na petição inicial que obtiveram vantagens fiscais com a operação realizada, pelo que não se verificará o elemento resultado que tradicionalmente se entende como essencial à aplicação da CGAA, tendo, no caso, a aplicação daquela cláusula tido como destinatário um dos sujeitos passivos de imposto que veio a beneficiar efectivamente do planeamento fiscal abusivo.

            Não está igualmente em causa, no acto tributário objecto da presente acção arbitral, impôr que o substituto tributário, por sua livre iniciativa, proceda à retenção na fonte quando a lei não a prevê para o fluxo de pagamento em causa. Ou seja: não decorre do acto tributário em questão, nem da confirmação da sua legalidade, que um interveniente activo num esquema fraudulento do qual resultam, para si e para terceiros, vantagens fiscais (ainda que diferenciadas), que proceda, no momento próprio, a uma retenção que existiria na ausência de tal esquema, mas antes que, deparando-se com a necessidade da sua intervenção num desses esquemas, do qual resultam, também para si, vantagens fiscais, se abstenha de nele alinhar, e que, alinhando, seja reposta a situação, no cumprimento do comando legal, exigindo aos responsáveis tributários, nos termos do quadro legal aplicável, a tributação que existiria, não fora a implementação do esquema elisivo. Ou seja: a tributação é exigida não por não ter sido cumprido o dever de retenção na fonte, mas por ser isso que resulta da aplicação do quadro legal aplicável, abstraindo-se dos efeitos dos actos ou negócios jurídicos fraudulentos.

            Não se está assim a impor que, entendendo que se verificavam os requisitos da aplicação da cláusula geral anti-abuso, nos momentos em que o Requerente fez os pagamentos, o Requerente efectuasse a retenção na fonte, mas que, previamente, não alinhasse no esquema abusivo e, posteriormente, que cumpra a obrigação que do quadro legal aplicável, excluído tal esquema, decorre, enquanto responsável principal da obrigação de imposto, decorrente da qualidade de obrigado à retenção na fonte a título liberatório, não se originando deveres de retenção na fonte que não existiam no momento em que foram praticados os actos ou negócios considerados abusivos de que emergiu uma vantagem fiscal indevida, à face do circunstancialismo factual e jurídico existente nesse momento, mas antes aplicando a lei a tais factos, desconsiderados que sejam os factos respeitantes aos actos e contratos abusivamente engendrados.

            Assim, e face ao exposto, entende-se ser de julgar improcedente o pedido principal formulado pela Requerente.

 

*

 

            Subsidiariamente, entende o Requerente que a AT apenas poderia proceder à liquidação do montante de imposto de €211.872,17 respeitante ao nascimento da obrigação tributária datada de 05-07-2010, face à caducidade da obrigação nascida a 02-07-2009, tendo em conta que o Requerente procedeu ao pagamento de rendimentos aos subscritores do capital da B… em 02/07/2009 e em 05/07/2010.

            Já a AT sustenta, a este propósito que só a partir do momento em que os accionistas vendem as participações sociais ao D…, sem as recomprarem no mesmo momento, é possível denotar uma atitude de desinteresse no investimento na B…, facto que permitiu à AT começar a investigar a verdadeira natureza do investimento efectuado.

            Ressalvado o respeito devido, entende-se, nesta parte, não assistir razão à AT. Com efeito, nada, no elenco dos factos apurados, permite concluir que estamos perante um esquema elisivo continuado, e não, como tudo indica, perante um esquema elisivo reiterado. Ou seja, dos factos dados como provados não resulta que o esquema elisivo gizado e executado tivesse por fim e por efeito a realização de um pagamento em 2010.

Antes tudo indica que, não só, como conclui a AT, está em causa o pagamento de juros, pela aplicação de capitais, e que, se tal operação se tivesse dado sem o recurso à estrutura fraudulenta utilizada, aqueles juros seriam tributados e estariam abrangidos pela obrigação de retenção na fonte, mas ainda que esse juro foi pago anualmente, como de resto é uso e costume.

            Dito de outro modo, sendo, como se conclui no procedimento inspectivo, a situação normal (não elisiva) uma aplicação de capitais, nada indica que a realidade substancial da mesma implicasse o pagamento de juro a dois anos, pelo que se terá de considerar que o correspondente juro foi pago no momento dos pagamentos do Requerente aos seus clientes.

            A situação sub iudice é perfeitamente perceptível nos quadros constantes do ponto 40 dos factos dados como provados, que ora se replicam, notando-se que a própria AT, no RIT, individualiza uma mais valia não tributada no ano de 2009, para além da mais valia sub-tributada em 2010:

            Assim sendo, e tendo em conta o prazo fixado no artigo 45.º/1, e a circunstância de o procedimento inspectivo só se ter iniciado no ano de 2014, verifica-se que a liquidação de 11 de Novembro de 2014 se deu quando já tinha caducado o direito da AT a liquidar imposto pelo pagamento de juros (sob a forma de mais valia não tributada) em 2009, pelo que deverá, nessa parte, ser julgada ilegal a liquidação, procedendo o pedido arbitral subsidiariamente formulado, a tal não obstando quer a step transaction doctrine, invocada pela AT, na medida em que não se demonstra que o plano elisivo visasse um resultado consumado em 2010, quer o disposto no artigo 9.º do Código Civil, notando-se que a circunstância invocada pela AT para justificar a contagem do prazo de caducidade a partir de 2010 – o momento em que os “accionistas” vendem as participações sociais ao D…, sem as recomprarem no mesmo momento, como haviam feito anteriormente – não é facto declarado nem declarável à AT, e entendendo-se que o dever de investigação daquela autoridade se gera, antes, com a formação do rendimento na esfera dos beneficiários dos juros, facto, este sim, declarável e declarado (sob a forma de mais valia não tributada ou sub-tributada), oportunamente, à AT, quer relativamente a 2009, quer relativamente a 2010.

Entende-se, em suma, que a CGAA, tal como resulta do próprio texto, determina a ineficácia de actos ou negócios jurídicos, pelo que, salvo melhor opinião, não terá a mesma a virtualidade de “eliminar” factos, e, concretamente para o que ora importa, factos tributários.

Assim, verificando-se que o acto tributário em crise, em parte, liquida imposto relativo a um facto tributário que, sem dúvida, ocorreu no ano de 2009, já que o acréscimo patrimonial que integra o rendimento que é a manifestação da capacidade contributiva legitimadora do poder de tributar da AT, deu-se, em parte, no ano de 2009, conclui-se que a liquidação de imposto no ano de 2014, nessa parte, e na ausência de qualquer facto que afecte de maneira relevante o respectivo prazo, se tenha dado quando já estava expirado o poder da AT para o fazer.

 

*

 

Cumula o Requerente, com o pedido anulatório dos actos tributários objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação embora parcial dos actos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correcção que foi considerada ilegal.

No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade parcial do acto de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efectuados, e calculados com base no respectivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

Pelo exposto, deverá a Requerida dar execução ao presente acórdão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir ao Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos efectuados até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

*

 

C. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anular parcialmente a demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR n.º 2014…, de 11 de Novembro, e a respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2014…;

b)      Condenar a AT na restituição do imposto indevidamente pago no montante de €1.020.808,76 dos respectivos juros compensatórios pagos, no montante de €33.272,64;

c)      Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios vencidos sobre o montante de € 1.054.081,40, à taxa legal de 4% ao ano, até à data da emissão da nota de crédito em que esses juros indemnizatórios sejam incluídos.

 

D. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 1.433.287,08, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de Agosto de 2016

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Jorge Carita – vencido quanto ao pedido

subsidiário, conforme declaração de voto)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(José Poças Falcão – vencido quanto ao pedido

principal, conforme declaração de voto)

 

 

 

Declaração de voto

 

Embora esteja perfeitamente de acordo com o modo como se aprecia e decide o pedido principal, já não posso dizer o mesmo relativamente ao pedido subsidiário, o que me leva a emitir a presente declaração de voto.

 E, começando pelo Relatório dos serviços de inspecção, contem o mesmo a referência a duas datas determinantes no desencadear de todo o processo. A saber:

2.7.2009 – data em que ocorreu uma operação de compra e revenda de acções, por parte dos 5 accionistas da B…;

5.7.2010 – data em que ocorreu a venda da totalidade das acções detidas por este grupo e adquiridas quase todas em 25.06.2008 (subscrição de acções no aumento do capital para € 15.800.000,00, que ocorreu 7 dias após a constituição da sociedade).

 

Da primeira operação resultou uma mais-valia não tributada, face à exclusão de tributação prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 10.º do CIRS.

A segunda, foi objecto de tributação, em mais-valias, por entretanto ter sido revogada a exclusão de tributação prevista na alínea c) n.º 2 do art. 10.º do CIRS.

Isto em sede de IRS dos accionistas, considerando as respectivas Declarações fiscais modelo 3.

Relativamente ao D… .

Na sequência da primeira operação, em 2.7.2009, o D… nada fez, quanto a eventuais retenções na fonte.

Aquando da segunda operação, procedeu à retenção na fonte de IRS, à taxa de 20%, considerando que se tratava de rendimentos da Categoria G do IRS (mais-valias).

Atendendo a que AT considera não estamos perante rendimentos de mais-valias, mas antes rendimentos resultantes da aplicação de capitais (Cat. E do IRS), por aplicação da cláusula geral antiabuso prevista no art. 38.º da LGT, os mesmos rendimentos seriam antes tributados à taxa liberatória de 21,5%, contrariamente aos 20% efectivamente retidos pelo D… .

Atendendo aos argumentos constantes do Relatório (Vd. pág. 42 e 43) e reforçados pela Resposta da AT no âmbito do processo, importa atender ao modo como a AT procedeu à liquidação do imposto em falta.

Considerou a valorização das acções desde a sua subscrição (25.6.2008) até à data da sua total alienação (5.7.2010), não relevando a operação de compra e revenda ocorrida em 2.7.2009.

 A AT não procedeu a duas novas liquidações do IRS por retenção na fonte. Uma em substituição de operação de compra e recompra que gerou mais-valias excluídas de tributação. E outra no final que gerou mais-valias com retenção a 20%.

A AT, face aos mecanismos e consequências próprias da aplicação do CGAA, procedeu a uma única liquidação do imposto a reter pelo D… .

Essa e só essa liquidação de imposto pode ser apreciada pelo Tribunal.

E só essa pode ser considerada caducada ou não.

E tendo a liquidação ocorrido em 11.11.2014 não caducou o direito da Fazenda a efectuá-la, porque o único facto gerador de imposto ocorreu em 5.7.2010.

Foi relativamente à matéria colectável determinada nos moldes que consta o Relatório (Vd. quadro pág. 43) que foi aplicada uma única taxa de tributação por retenção na fonte.

Não se aplicou a taxa de retenção a dois factos tributários em dois momentos distintos (Vd. “Proposta de correcção” pág. 46 do Relatório).

Realço o modo como a AT se refere ao facto de estarmos perante um único momento, tudo conforme é transcrito na própria decisão. A saber.

 “Considerando, então, que se está perante um conjunto ou sucessão de actos/negócios coordenados entre si, deve o aplicador da lei operar um tratamento integrado visualizando-as como uma única transacção, propendendo para um único e final resultado, o qual se reportará, no caso em apreço, à recepção de acréscimos patrimoniais com a venda definitiva das acções, que seria o que aconteceria na ausência da operação compósita evasiva, ou seja, à data de 05-07-2010, pois só nessa data foi dado a conhecer aos investidores qual o valor do seu incremento patrimonial, e só nesse momento estariam em condições para o exigir do D…, ocorrendo nesse momento, a data do vencimento, que vale para determinar o nascimento da obrigação tributária para o substituto fiscal, que no caso em apreço é o D…, o qual deveria ter retido à taxa liberatória de 21,5% o valor de €1.260.147,78 quando colocou à disposição os rendimentos, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 101.º do CIRS.

… … …

Neste quadro, e considerando que, no caso, não existe substância económica na operação, mas tão só uma motivação fiscal preponderante, que se manifestou nas formas adoptadas, e que fez prevalecer a finalidade fiscal do negócio sobre a finalidade não fiscal, encontrar-se-ão verificadas as condições para a aplicação do disposto no artigo 38.º, n.º 2 da LGT e no artigo 63.º do CPPT, razão pela qual se deve considerar ineficaz, no âmbito tributário, a valorização artificial das acções da B… de € 1,00 para € 1,38, no período de 25-06-2008 a 05-07-2010, na medida em que tal operação foi praticada com abuso das formas jurídicas e, teve como objectivo essencial a eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou a obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas total ou parcialmente sem utilização desses meios.” (texto da presente Decisão Arbitral)

Por outro lado, importa salientar que, da análise dos actos e negócios praticados, resulta evidente que estes se afastaram da lógica de normal gestão empresarial e de mercado, com valorização de participações sociais perfeitamente dissonantes da realidade, ou seja, da tendência de redução de valor económico e comercial das empresas tituladas, como seja, vendas com ganhos artificiais, seguidas de recompra no mesmo momento, ao mesmo valor, para daí a outro período temporal igual, vender novamente com ganho artificial. Neste esquema, assiste-se a uma operação que envolveu uma sucessão de negócios que ocorreram em momentos temporais diferentes, entre as mesmas partes negociais, e sob a planificação e execução a cargo somente do D…, que tiveram como objectivo comum a obtenção de vantagens fiscais.

Estamos na presença efectiva de um conjunto complexo de actos que apenas surgem numa arquitectura global, planeada e composta por actos ou negócios jurídicos preparatórios, intermédios e finais que permite detectar o desenho elisivo das operações.

Verifica-se, assim, a existência de uma motivação fiscal preponderante que se manifestou nas formas adotadas e que faz prevalecer a finalidade fiscal dos negócios sobre a finalidade não fiscal, mormente porque não se constata qualquer existência de razões económicas válidas, o que leva a concluir que todo aquele conjunto de operações teve como principal objectivo, diríamos mesmo único, a obtenção de vantagens fiscais, em claro abuso de direito.

Repetimos:

Um conjunto complexo de actos que apenas surgem numa arquitectura global, planeada e composta por actos de negócios jurídicos preparatórios, intermédios e finais que permite detectar o desenho elisivo das operações e esta realidade não foi tida em consideração na apreciação do pedido subsidiário.

Daí a minha respeitosa discordância da decisão quanto à apreciação e julgamento do pedido subsidiário e o sentido do meu voto quanto a esta parte da decisão.

 

Lisboa, 25 de agosto de 2016

 

Jorge Carita
Declaração de voto do co-árbitro José Poças Falcão

(artigo 22º-5, do RJAT)

 

Não acompanho a decisão relativamente ao julgamento de improcedência do pedido principal formulado pela Requerente, A…, SA, ou seja e ao contrário do decidido, julgaria totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2014…, de 11 de novembro e a respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2014…, respeitantes ao exercício de 2010, nas importâncias de € 1232.680,93 e € 200.606,15, respetivamente, por violação do disposto no artigo 38.º-2, da LGT.

 

A razão essencial é clara: entendo que as normas e mecanismos da chamada cláusula geral anti abuso (CGAA), com previsão nos artigos 38.º, da LGT e 63.º, do CPPT, não são passíveis de aplicação em sede de substituição tributária.

 

Sufragam-se e, nalguns casos seguem-se, por vezes de muito perto, as decisões arbitrais coletivas proferidas pelos Tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD [Procs. nºs 200/2014 e 379/2014 (ambos presididos pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa) e 180/2014 e 283/2014 (ambos presididos pelo ora signatário).

 

Como nota prévia assinale-se que o processo arbitral tributário criado pelo RJAT como alternativa ao processo de impugnação judicial é, como este, um meio contencioso de mera anulação.

 

Ora num contencioso de mera legalidade, como é o previsto no RJAT para os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, em que se visa apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º, tem de se aferir da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o ato cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional.

 

Assim, não pode o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação poderia basear-se noutros fundamentos, invocados apenas no processo contencioso, e deixar de declarar a ilegalidade do concreto ato praticado por, eventualmente, existir a possibilidade abstrata de um hipotético ato com conteúdo decisório total ou parcialmente idêntico, com outra fundamentação, que seria legal, mas não foi praticado.

Ou seja: é em face apenas do teor do acto impugnado que é (ou deverá ser) apreciada a sua legalidade.

 

A AT surpreende elisão fiscal passível de aplicação da CGAA, tendo como destinatário ou alvo a empresa Requerente, fundando-se para tal num conjunto de atos de que são ou foram alegadamente beneficiários de vantagens fiscais determinados sujeitos passivos mencionados no processo mas do qual não são nem foram partes, para concluir que não serão eles, sujeitos passivos, os responsáveis pelo pagamento do imposto mas a Requerente na qualidade de substituto tributário a quem competia proceder à retenção numa espécie de convolação a posteriori dos rendimentos tributados em mais-valias em rendimentos de capitais.

 

Tal entendimento repugna não só e salvo o devido respeito, a um sadio sentimento de justiça como igualmente contende com a própria Lei na medida em que em qualquer ato ou negócio com incidência fiscal, o substituto tributário teria então o “direito” de sindicar a natureza real ou fictícia do ato para, de acordo com esse juízo, proceder ou não à retenção e aferir da respetiva taxa aplicável. Mais adiante se retomará esta questão.

 

Por outro lado, sempre o artigo 38.º, da LGT, exige que a aplicação da cláusula geral anti-abuso tenha como efeito a não produção das vantagens fiscais indevidas, pelo que está pressuposto nesta norma que, pelo menos nos casos em que as vantagens fiscais já se tenham produzido, o destinatário da aplicação da norma seja quem delas usufruiu.

Neste sentido, não poderá o substituto tributário ser responsabilizado, nos termos da cláusula geral anti-abuso, pela falta de retenção na fonte de IRS relativo a quantias que as autoridades fiscais requalificaram de forma diversa, uma vez que quem beneficiou efetivamente das vantagens fiscais decorrentes do negócio jurídico considerado artificioso foram terceiros.

 

Saliente-se a natureza de norma excecional [absolutamente excecional] da CGAA que resulta quer do facto de permitir que a tributação seja efetuada por aplicação de outras regras que não as normas gerais que a lei prevê para o(s) negócio(s) efetivamente praticados, quer, mais importante, por constituir um desvio ao princípio da segurança jurídica, na sua dimensão de previsibilidade da lei fiscal aplicável, que é um princípio basilar do direito fiscal.

 

Segurança e previsibilidade implicam que os contribuintes possam confiar na tipicidade do tipo legal de imposto, que possam ter a certeza que, uma vez praticados os negócios que a norma de incidência prevê, serão tributadas de acordo com a respetiva estatuição.

 

A CGAA só será, pois, aplicável nos casos em que se deva considerar que não é posto em causa o valor da segurança jurídica, a ideia confiança na norma legal ínsita na ideia de Estado-de-Direito, por o contribuinte, objetivamente, dever saber que o ato ou negócio que praticou, nas circunstâncias em que ele aconteceu, não pode ser enquadrado na previsão legal por não ser coerente com o “espírito da lei”, muito embora, formalmente, possa encontrar “amparo” no elemento literal da norma.

Porém, diferentemente do que acontece relativamente a normas com idêntico intuito, que encontramos em outros ramos do ordenamento jurídico, como sejam o instituto do abuso do direito ou o princípio da boa-fé, a CGAA não é uma cláusula geral aberta que permita ao intérprete afastar a solução legal (a tributação) que decorre da norma que resultaria aplicável (da norma de incidência cuja hipótese os factos preenchem) invocando considerações de justiça material ou de coerência substantiva do sistema jurídico fiscal.

 

A CGAA é, também ela, uma norma típica – como não poderia deixar de ser, tratando-se de uma norma que releva diretamente nas regras de incidência tributária - que só pode ser aplicada quando, indubitavelmente, se encontrem verificados todos e cada um dos pressupostos nela previstos.

 

Significa isto que o intérprete se tem de abster de quaisquer juízos sobre, nomeadamente, se a economia fiscal lograda é ou não “justificada” ou “aceitável”, se a concreta situação fere ou não uma suposta igualdade horizontal entre os contribuintes.

 

O intérprete, o julgador, tem apenas o dever de verificar se, no caso concreto estão ou não, indubitavelmente, presentes cada um dos pressupostos de aplicação da CGAA.

 

E tal análise, tal interpretação, tem que ser feita de forma restritiva, como impõem as regras da hermenêutica jurídica relativamente às normas excecionais, ou seja e no caso, ao intérprete é completamente vedado dar à CGAA um âmbito de aplicação mais vasto [fazer uma interpretação extensiva] que aquele que decorre do próprio texto legal, mesmo que sob o pretexto de realização da justiça material no caso concreto.

Dir-se-á que, assim sendo, fica, em muito, reduzida a eficácia da CGAA no combate a formas de elisão fiscal que se poderão, razoavelmente, considerar abusivas. Poderá ser a realidade, mas tal decorre, inquestionavelmente, da natureza excecional da norma e do que tal natureza impõe ao intérprete, ao julgador.

 

Por outro lado, a ineficácia tributária dos atos ou negócios jurídicos praticados tem, necessariamente, de ter como destinatário o sujeito passivo de imposto que veio a beneficiar efetivamente do planeamento fiscal elisivo.

 

Na verdade, se o propósito da cláusula geral anti-abuso é a ineficácia fiscal dos negócios jurídicos com a consequente eliminação das vantagens tributárias indevidamente auferidas, é evidente que a referida cláusula deve ser aplicada a quem beneficiou do planeamento fiscal abusivo e não a quem, [como, no caso, a Requerente], não auferiu (nem tal está invocado pela AT ou demonstrado) qualquer vantagem patrimonial com o referido planeamento.

 

O sistema que para a cláusula geral anti-abuso resulta do artigo 38.º, n.º 2, e do artigo 63.º do CPPT, não permite assim, insiste-se, a aceitação da retenção na fonte de IRS peticionada pela AT.

 

Seguindo aqui de perto a decisão do referido Tribunal Arbitral Tributário, proferida no âmbito do processo n.º 200/2014-T:

Sendo os acionistas os beneficiários das vantagens referidas, a aplicação da cláusula geral antiabuso nos termos em que foi efectuada não permite afastar essas vantagens, pois, impondo à Requerente o pagamento das quantias equivalentes a essas vantagens, é apenas a ela que é imposto estes ónus, permanecendo os acionistas na titularidade intacta das quantias recebidas.

(…)

(…) é evidente que o alcance daquele artigo 38.º, n.º 2, ao estabelecer como efeito necessário da aplicação da cláusula geral antiabuso a não produção das vantagens fiscais, pressupõe o entendimento legislativo de que a «tributação de acordo com as normas aplicáveis» incida sobre quem obteve as vantagens e não sobre quem meramente teve intervenção nos atos de que elas resultam sem beneficiar daquelas, pois só assim, é possível garantir o efeito pretendido de não se produzirem as vantagens fiscais especialmente ou genericamente referidas.

Na verdade, conclui-se da parte final do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, na redação da Lei n. 30-G/2000, que a cláusula geral antiabuso não tem em vista meramente atribuir à Administração Tributária compensação por atos que lhe tenham provocado perda de receita fiscal, antes visa, concomitantemente, eliminar as vantagens fiscais ilegítimas que alguém obteve, o que revela que lhe estão subjacentes preocupações de igualdade e justiça tributária, que só podem satisfazer-se com a imposição da tributação omitida a quem obteve essas vantagens.   

De resto é esta a única interpretação que se compatibiliza com o princípio constitucional da tributação segundo a capacidade contributiva (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e o princípio da tributação com respeito pela justiça material (artigo 5.º, n.º 2, da LGT).

Com efeito, estes princípios impõem que seja tributado em impostos sobre o rendimento quem obteve os rendimentos e não quem os não obteve e o valor da justiça material é claramente violado quando, numa situação em que existam vantagens fiscais indevidas, vá ser exigida a quantia correspondente a quem não beneficiou dessas vantagens, deixando intocados os que indevidamente delas beneficiaram”.

 

Adicionalmente, para que a Requerente fosse substituto tributário teria de se ter demonstrado o abuso fiscal dos acionistas da B… e de se aceitar a requalificação proposta (de mais valia não tributada das acções para remuneração de capitais).

A construção da AT, de procurar tributar a Requerente em vez de procurar os acionistas, tem o seu quê de circulus in demonstrando, e fere o sistema que para a cláusula geral anti-abuso resulta do artigo 38.º, n.º 2, e do artigo 63.º do CPPT.

 

Continua-se a subscrever integralmente a decisão do Tribunal Arbitral Tributário, proferida no âmbito do citado processo n.º 200/2014-T, quando julga no sentido de que a decisão de autorização de aplicação da cláusula geral anti-abuso pelo dirigente máximo da AT é constitutiva do facto tributário. Nestes termos, é logicamente impossível considerar que existe o dever o de retenção na fonte antes mesmo de o facto tributário estar verificado.

 

A retenção na fonte é configurada como uma obrigação acessória ou um dever acessório. Ainda que haja doutrina que assim o faça – usando outra o qualificativo de “auxiliar” – o que nela avulta é, sobretudo, e com interesse para os autos, a sua natureza de dever de conduta.

 

Segundo afirma Manuel Faustino, “(...)O objecto do dever de retenção é constituído por duas obrigações distintas: a obrigação de liquidação e cobrança do imposto que por lei se mostre devido; e a obrigação de entrega nos cofres do Estado do imposto liquidado e cobrado, ou que o deveria ter sido” – cfr. do autor, O Dever de Retenção na Fonte - E Outros Deveres Autónomos de Cooperação em IRS, Áreas Editora, Lisboa, 2003, p. 20

A este propósito, esclarece o autor, em nota de rodapé, que “(...)mesmo na mera retenção na fonte se pratica, em abstrato, um ato de liquidação, uma vez que nela concorrem os elementos essenciais: determinação da matéria coletável (tarefa que nem sempre é fácil), aplicação de uma taxa efetuada a título de imposto e a determinação de um montante devido a título de imposto”. No entanto, adverte o autor para a precariedade desta relação tributária no que toca à divida final de imposto, já que esta só nascerá, em princípio, no termo do período de tributação – cfr. do autor, Op. Cit., p. 20, nota 2.

 

A retenção na fonte reveste uma natureza jurídica complexa, sendo constituída por várias obrigações impostas ao substituto tributário. Ela não se reconduz exclusivamente a uma obrigação de dare porquanto não se podem desconsiderar as obrigações que antecedem logicamente a de pagamento da dívida de imposto. A obrigação de dare é, aliás, meramente eventual, já que se encontra em tudo dependente de operações de lançamento em função do tipo de rendimento em causa, da qualidade do sujeito passivo substituído, da existência ou não de exclusões de tributação (por exemplo das que resultam das Convenções para Evitar a Dupla Tributação), de isenções, de dispensas (internas) de retenção na fonte, e de operações de liquidação, com o apuramento da matéria coletável (havendo por vezes novas dispensas em função dos montantes em causa), e a aplicação da taxa de imposto.

 

Ao lado destas obrigações de facere surgem, então, outros deveres, esses sim verdadeiramente acessórios, como sejam, v. g., os deveres de registo e declaração à AT, previstos no 119.º do Código do IRS.

 

Parece, pois, ser de concluir que o dever de retenção na fonte deve ser qualificado como um dever autónomo de conduta ou, como o qualifica Saldanha Sanches, um “dever de cooperação por motivo de dívida fiscal de outrem”. Note-se que também este autor opta por qualificar a obrigação de retenção na fonte como uma obrigação de facere: “(...)Sujeitos passivos de um intenso e complexo dever de cooperação, que tem como conteúdo a obrigação da realização das retenções na fonte. Estas vão se integrar no procedimento de cobrança do imposto, através de uma interposição legalmente devida, de uma terceira entidade, entre o sujeito passivo onerado pela previsão legal e a Administração: através de uma operação pela qual uma entidade que, pelas relações contratuais que tem com outras, lhes deve determinadas prestações pecuniárias, procede, por obrigação legal, ao cálculo da percentagem dessa prestação que, como pagamento antecipado (por conta) de uma dívida fiscal em processo de formação, deverá ser por si entregue nos cofres do Estado. (…)É em relação a sujeitos passivos que incorrem nesta obrigação, o que quer dizer a sujeitos passivos com formas de organização empresarial, que podem também ser atribuídos os vários tipos de deveres de cooperação: e com a contabilidade organizada como pressuposto para esta atribuição está bem marcada a opção legislativa de considerar as empresas como os principais destinatários das prestações de facere, necessárias para o cumprimento da lei fiscal (...)” - cfr. José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária – Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, Editora Lex, Lisboa, 2000, pp. 66 e 67 (destaques nossos).

 

Por outro lado, cabe assinalar ainda que o dever de retenção na fonte nasce ex lege e é linear, não se encontrando na disponibilidade das partes. A retenção na fonte só será devida pelo substituto quando a lei o imponha e para os tipos de rendimentos para os quais a retenção se encontra prevista.

 

Tal como afirma Diogo Feio, “(...)não se pode esquecer que a substituição fiscal, tal como a temos vindo a descrever, tem a sua origem no aparecimento de dois factos juridicamente relevantes: um primeiro, que põe em contacto o Fisco e o contribuinte, determinando o nascimento da relação jurídico-tributária, e um segundo, acessório em relação ao inicial, mas que acaba por se lhe sobrepor, pois dele resulta que um terceiro fique ab initio titular da posição passiva e consequentes obrigações da referida relação jurídica. Deste modo, deve-se atender a que uma mesma realidade, a percepção de um rendimento, comporta dois factos relacionados entre si que vêm a ter como resultado uma alteração em relação ao que é normal suceder na titularidade do lado passivo da obrigação tributária. Todo este processo, como já foi referido, tem origem meramente legal, pelo que, além de dois factos, existem duas normas jurídicas relacionadas entre si. A primeira, devendo respeitar e pautar-se pelo princípio da capacidade contributiva, determina quem é o contribuinte, e a segunda, valorizando uma determinada relação de natureza factual, impõe a substituição do contribuinte pelo substituto. Ao admitir-se que este é, como já fomos referindo, um dos campos em que o princípio da legalidade tem um papel relevante, não se possibilita que as determinações relativamente ao sujeito passivo tenham bases meramente voluntárias. Parece óbvio que a substituição fiscal nunca poderia ser determinada através de uma intervenção livre dos sujeitos, na medida em que se refere a uma alteração num dos elementos fundamentais da relação jurídica fiscal, o seu lado passivo. Assim, tem de ser a lei a definir quem e em que condições pode ser qualificado como substituto. A consideração de que a substituição fiscal tem de ser determinada por lei é aceite de forma geral pela doutrina, na medida em que a mesma consubstancia uma grande e profunda alteração operada no lado passivo da relação jurídica em causa” [ Cfr – do Autor, “A substituição fiscal e a retenção na fonte: o caso específico dos impostos sobre o rendimento”, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pp. 55 e 56].

 

No mesmo sentido pronuncia-se Manuel Faustino: “(…) o dever de retenção é um dever autónomo vinculado, sujeito indiscutivelmente ao princípio da legalidade e, para parte da doutrina, sujeito também aos princípios da proporcionalidade e da capacidade contributiva, medida pelo rendimento disponível. E, por decorrência, é ainda um dever indisponível, no sentido em que, sendo categoricamente imperativo, não pode ser afastado ou, em regra, modificado, por vontade das partes”. Cfr – do autor, Op. Cit., p. 21.

 

Ou, no dizer ainda de Diogo Feio, (Op. Cit., 2001, p. 40): “(...)Realmente, e de uma forma muito sintética, a substituição fiscal deverá ser entendida como uma modificação, determinada por intermédio de lei, na configuração subjetiva normal da relação jurídica tributária.”.

Desta forma, o princípio da legalidade fiscal obsta a que o substituto tributário possa, por sua livre iniciativa, proceder à retenção na fonte quando a lei não a prevê para o fluxo de pagamento em causa.

 

A requalificação de um mero pagamento em verdadeiro rendimento por efeito da aplicação da cláusula geral antiabuso é constitutiva do facto tributário, e não meramente declarativa, e só ocorre posteriormente, pelo que opor à Requerente o incumprimento de um dever de retenção na fonte não pode deixar de ser visto como uma imposição retroativa de um dever de conduta, já que no momento do pagamento do preço de compra das acções, por exemplo, a Requerente não se poderia considerar substituta tributária do vendedor atenta o ato jurídico em causa. 

 

Parece-nos, assim, que pretender impor à sociedade requerente o dever de retenção na fonte nos termos decorrentes da aplicação da CGAA, quando aquele (dever) não se encontrava expressamente previsto para a operação em causa, no momento da sua realização, é destruir a estrutura inerente ao instituto e o próprio sistema de “liquidação de tributos com base na disposição antiabuso constante do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária”, no dizer do artigo 63.º do CPPT, em clara violação do princípio da legalidade fiscal. As requalificações operadas pela AT não podem ser constitutivas de obrigações de facere, de deveres de conduta.

 

 “(...)Nem mesmo é de aventar a possibilidade de, com fundamento na lei civil, a Requerente reaver o que pagou na medida do enriquecimento dos acionistas, com fundamento em enriquecimento sem causa, pois a aplicação da cláusula geral antiabuso apenas permite considerar ineficazes os negócios ou atos «no âmbito do direito tributário», como resulta do texto do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, pelo que os negócios celebrados mantêm a sua plena eficácia para efeitos cíveis e, em termos do direito civil, a recepção integral das quantias recebidas pelos acionistas tem causa jurídica, pois é a contrapartida da transmissão das acções destes para a Requerente, no âmbito da compra e venda.

Sendo assim, é seguro que a redação do n.º 2 do artigo 38.º da LGT introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, ao determinar como efeito da aplicação da cláusula geral antiabuso a não produção das vantagens fiscais indevidas, pressupõe que o destinatário da aplicação seja quem delas usufrui, pois os efeitos da aplicação não são transmissíveis do substituto para o substituído.([5])

 

Por isso, no caso em apreço, não tendo a Requerente usufruído qualquer vantagem fiscal, está afastada a possibilidade de ser responsabilizada pelo pagamento das quantias correspondentes às vantagens fiscais indevidas que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca. Na verdade, o tratamento das mais-valias espelhadas pelas operações dos acionistas como se fossem remunerações de capitais, não podia ser decidido pelo próprio Requerente nos momentos em que fez os pagamentos, pois, independentemente do que a Requerente pudesse entender sobre a verificação dos requisitos da aplicação da cláusula geral antiabuso, esta aplicação e a consequente ineficácia fiscal dos negócios efetivamente praticados tinham de ser precedidas obrigatoriamente de autorização do dirigente máximo do serviço (artigo 63.º, n.º 7, do CPPT) que, obviamente, não podia existir no momento em que a Requerente fez os pagamentos.

 

Isso significa que, mesmo que entendesse que se verificavam os requisitos da aplicação da cláusula geral antiabuso, nos momentos em que a Requerente fez os pagamentos não tinha qualquer fundamento legal para efetuar a retenção na fonte sobre pagamentos que eram e são reembolsos em termos de direito civil, o que conduz necessariamente à conclusão de que não existia dever legal de retenção na fonte.

 

Isto é, o próprio regime legal da aplicação da cláusula geral antiabuso, que depende de uma autorização prévia obrigatória do dirigente máximo do serviço, é incompatível com a sua aplicação retroativa a normas de conduta («regula agendi») impostas aos sujeitos passivos dos tributos, como é o caso das normas que impõem a retenção na fonte, pois a própria natureza destas normas impõe que a sua aplicação só se faça depois de estarem reunidos os requisitos legais da sua aplicação.

 

As normas de direito fiscal que vão dirigidas à vontade dos sujeitos das relações jurídicas tributária, visando determinar os seus comportamentos, não podem ter a pretensão inviável de influenciar condutas que são anteriores à verificação dos pressupostos da sua aplicação.

 

Por isso, tendo o cumprimento de deveres de retenção na fonte de tributos de ser contemporâneo dos atos de pagamento previstos na lei, esses deveres só podem ser impostos por regulae agendi, normas eficazes no momento em que se devem materializar esses deveres, nunca podendo ser determinados a posteriori, depois de ultrapassado o momento em que os atos de pagamento se concretizaram, por efeito de uma decisão casuística do dirigente máximo do serviço, proferida ao abrigo de uma regula decidendi, dirigida ao aplicador do direito, como é a do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, que, pela sua natureza, não pode influenciar condutas ocorridas anteriormente. ( [6] )

O que se reconduz a que, pela própria natureza do dever de retenção na fonte, a aplicação da cláusula geral antiabuso, dependente de uma verificação a posteriori dos requisitos da sua aplicação, não pode originar deveres de retenção na fonte que não existiam no momento em que foram praticados os atos ou negócios considerados abusivos de que emergiu uma vantagem fiscal indevida, à face circunstancialismo factual e jurídico existente nesse momento.

 

Conclui-se, pois, nesta última perspetiva, que um dos requisitos de aplicação da cláusula geral anti-abuso, denominado pela doutrina e jurisprudência supra referida de elemento resultado, não se encontra verificado, o que torna também os atos impugnados ilegais por violação do artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

 

De todo o modo – insiste-se - o sistema que para a cláusula geral anti-abuso resulta do artigo 38.º, n.º 2, e do artigo 63.º do CPPT, não permite a aceitação da retenção na fonte de IRS peticionada pela AT, na medida em que a cláusula geral anti-abuso visa sancionar práticas antijurídicas, em que se verifica uma fraude à intenção normativa da lei de incidência. A ilicitude fiscal, caracterizada pela violação direta de normas, por sua vez, é tratada em sede própria, mediante a aplicação das sanções previstas no Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).

 

A aceitação do juízo formulado pela AT de que houve incumprimento da obrigação de retenção na fonte, levaria à conclusão de que não estaríamos mais perante uma prática meramente antijurídica, mas sim verdadeiramente ilícita, a qual deveria ser sancionada nos termos do RGIT (cfr. artigo 114.º, n.º 4, do RGIT).

 

Poderia invocar-se (mas não o foi) que a distinção entre interesse e vantagem da sociedade, por um lado, e interesse e vantagem dos acionistas (detentores, no caso, de mais de 70% do capital social da B…), por outro, em certos casos de controlo do capital assume contornos formalistas. No entanto, esse formalismo em nada é alheio ao direito societário e também ao direito fiscal, quando este, precisamente, estabelece impostos sobre o rendimento para as duas esferas jurídicas em causa (sociedade e sócio), tributando-as distinta e sucessivamente.

 

 E se existe tal grau de participação entre a sociedade e o seu principal sócio ou acionista ainda menos razões haveria, até de praticabilidade (admitindo, sem conceder, que elas poderiam jogar aqui algum papel), para “presumir um substituto tributário” no contexto da cláusula geral anti-abuso. Pois que não se vislumbra dificuldade alguma para a AT em perseguir diretamente aquele que ela julga ser precisamente o “abusador do direito”.

 

O artigo 38.º, n.º 2, da LGT não é uma norma exequível por si mesma, à margem do procedimento do artigo 63.º do CPPT, que os particulares possam aplicar entre si (rectius uns contra os outros). Na verdade, o legislador nacional não deixou aberta essa “Caixa de Pandora” pelas inúmeras questões que se suscitariam, sendo imagináveis, em abstracto, inúmeros eventos societários, vicissitudes na vida do sócio e alterações fiscais susceptíveis de acrescentar ainda maior entropia ao dito cenário [v. g.: reteria mesmo a sociedade operacional no momento do seu pagamento à sociedade-mãe (único momento possível em que poderia evitar ficar desapossada das quantias a entregar ao Estado)? E seria essa retenção de IRC ou de IRS, regulando-se por qual dos Códigos? E a que taxa de imposto reteria? E só entregaria o imposto ao Estado no momento ou momentos em que a sociedade-mãe efetuasse pagamentos ao sócio pessoa singular? E se a taxa de imposto, ou outro elemento, se alterasse, entretanto (consabida a volatilidade fiscal hodierna)? E o que sucede se a sociedade operacional, depois do seu pagamento e “retenção”, entrar em insolvência antes mesmo de a sua sociedade-mãe efetuar pagamentos ao sócio e de as quantias “retidas” serem entregues ao Estado? O sistema de obrigações declarativas e acessórias viabiliza toda esta triangulação?]

Como afirma José Luís Saldanha Sanches, in "Retenção e Dívida: os Pressupostos do Dever de Cooperação", in Jorge Bacelar Gouveia (org.), Santa Casa da Misericórdia de Lisboa - Estudos de Direito Público, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 167-168: “A retenção na fonte é um dever de cooperação que, como todas as obrigações tributárias deve ter um momento de vencimento. (…) E esta dificuldade prática, mas também conceptual de determinar o momento do pagamento, assinala na perfeição a inaplicabilidade do instituto da retenção na fonte (…)”.

 

JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A Requerente pediu ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento da liquidação, com base em erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

Ora, nos termos conjugados do artigo 43.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, e do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, a AT será condenada ao pagamento de juros indemnizatórios quando, devido a erro (de facto ou de direito) imputável aos serviços daquela, o contribuinte pague indevidamente um tributo e o ato de liquidação impugnado venha a ser anulado com base no referido erro.

           

Os juros indemnizatórios são contados desde a data do pagamento do imposto até à emissão da respetiva nota de crédito, sendo contabilizados de acordo com a aplicação da taxa prevista nos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, e no artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil.

 

Padecendo o ato impugnado de vício de erro sobre os pressupostos de direito, como padece, o qual determina a respetiva anulação nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo (antigo), deveria julgar-se igual e totalmente procedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, devidos desde a data do pagamento do imposto até à emissão da nota de crédito respetiva.

 

            Em conclusão: pelas razões ou fundamentos sumariamente expostos julgaria totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2014…, de 11 de novembro e a respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2014…, respeitantes ao exercício de 2010, nas importâncias de € 1.232.680,93 e € 200.606,15, respetivamente.

           

Lisboa e CAAD, 25 de agosto de 2016

 

O Árbitro Adjunto,

 

José Poças Falcão

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Com efeito, se correctamente cumprida a obrigação de retenção na fonte, o substituto limita-se a canalizar para o fisco o conteúdo patrimonial subtraído ao sujeito passivo, operação patrimonialmente neutra. Se, claudicando naquele cumprimento, o substituto for compelido a efectuar a entrega do imposto devido que não haja retido, poderá actuar no sentido de ser ressarcido do mesmo junto do sujeito passivo, pelo que, afinal, também nesta hipótese, a intervenção do substituto, à parte o que seja da sua própria responsabilidade, será também patrimonialmente neutra.

[3] Mas não necessariamente só. Com efeito, à equivalência, pura e simples, do conceito de vantagem fiscal  mera “redução, eliminação ou diferimento temporal de imposto”, obstará, salvo melhor opinião, a utilização da expressão “ou”, no texto da norma do artigo 38.º/2 da LGT.

[4] Não se esqueça que, como se apurou supra, da actuação fraudulenta não contestada, resultaram efectivamente vantagens fiscais para o Requerente.

[5] Acórdão Arbitral proferido no citado processo n.º 200/2014-T, do CAAD, e publicado no respetivo sítio da internet.

Chegando também a esta conclusão, pode ver-se ainda COURINHA, GUSTAVO LOPES, A Cláusula..., página 202, que refere que «as consequências fiscais, com a negação das mencionadas vantagens fiscais, apenas devem abranger o contribuinte que atuou com o propósito ou motivação essencialmente fiscal» e que «a extensão dos efeitos fiscais a outros contribuintes que não aqueles que visaram a obtenção da vantagem fiscal em termos contrários à CGAA, não pode deixar de conduzir a injustiças e a situações de desnecessária complexidade».

[6] Em geral, sobre a distinção fundamental entre os âmbitos de eficácia que necessariamente decorrem da própria natureza das regulae agendi e das regulae decidendi, pode ver-se BAPTISTA MACHADO, Âmbito de Eficácia [e] de Âmbito de Competência das Leis [Almedina, Coimbra, 1999], páginas 8-9.