DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
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Em 20 de julho de 2015, A…, Lda contribuinte n.º…, com sede na Rua …–…, …, …, …-… …, doravante identificada por Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral com intervenção do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
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No referido pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e consequente anulação dos seguintes atos de liquidação adicional de IVA e de Juros Compensatórios:
a) Liquidação n.º … referente a IVA do período 2011/07;
b) Liquidação n.º … referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente;
c) Liquidação n.º … referente a IVA do período 2011/08;
d) Liquidação n.º … referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente;
e) Liquidação n.º … referente a IVA do período 2011/09;
f) Liquidação n.º … referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente;
g) Liquidação n.º … referente a IVA do período 2011/10;
h) Liquidação n.º … referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente;
i) Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2011/11;
j) Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2011/12;
k) Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2012/01;
l) Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2012/02;
m) Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2012/03;
n) Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2012/04;
o) Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2012/05;
p) Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2012/06;
q) Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2012/07.
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 22 de julho de 2015, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, subsequentemente, foi promovida a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Entidade Requerida).
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, a signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para constituir o presente Tribunal Arbitral singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
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Em 18 de setembro de 2015, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
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Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 6 de outubro de 2015.
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Em 11 de novembro de 2015, a Entidade Requerida apresentou a sua Resposta, tendo anteriormente junto o processo administrativo.
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Em 19 de janeiro de 2016 teve lugar a reunião do artigo 18.º do RJAT e a inquirição de testemunhas, tendo subsequentemente sido apresentadas alegações escritas pelas Partes.
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Por despacho datado de 13 de maio de 2016 foi determinada a notificação da Entidade Requerida para promover a junção dos documentos juntos com as Reclamações da Requerente (que não integravam o processo administrativo) e para promover a junção de cópia integral do Relatório de inspeção emitido em nome da Requerente.
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Em 31 de maio de 2016, a Entidade Requerida juntou ao processo os acima referidos documentos.
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A Requerente sustenta o seu pedido de anulação dos atos contestados na circunstância das faturas referentes a fornecimentos da sua fornecedora “B… Unipessoal, Lda.” serem verdadeiras e titularem fornecimentos reais de peles para a produção de calçado, não havendo qualquer ilegalidade ou simulação nas mesmas, sendo consequentemente legal e adequada a dedução do IVA que essas faturas titulam.
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Mais, avança que os indícios recolhidos pela Administração Tributária dizem respeito apenas à atividade da B… e de empresas a ela ligadas, sendo que todos os indícios recolhidos junto da Requerente apontam para a veracidade e regularidade das operações tituladas pelas faturas desconsideradas como custo.
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Para a Requerente, a Administração Tributária na recolha dos indícios fortes e suficientes de que determinadas faturas não correspondem a transações reais não pode bastar-se com elementos indiciários recolhidos unicamente na atividade da alegada emitente de tais faturas e proceder a uma extrapolação de tais indícios para fundamentar a desconsideração de todas as faturas dessa emitente que constem nos registos contabilísticos da contribuinte alvo da inspeção. Para a Requerente a partir do momento em que no RIT é reconhecido existirem indícios de que a B… vendia algumas peles, os indícios de falsidade só poderão ser considerados fortes e suficientes se puderem ser corroborados por observações factuais efetuadas pela análise e inspeção da atividade da empresa-cliente, que invoca ter realizado transações reais e pugna pela consideração como verdadeiras das faturas emitidas pela entidade-suspeita. Deste modo, para a Requerente, a Administração Tributária não conseguiu lograr o ónus da prova que se lhe impunha.
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A Requerente sustenta que os registos por esta disponibilizados demonstram que as operações registadas nas faturas são reais e que não tinha conhecimento de qualquer situação infratora a nível da B…, nos termos e para os efeitos dos números 3 e 4, do artigo 19.º do Código do IVA, não existindo qualquer acordo simulatório e bem assim que desconhecia se o imposto foi entregue nos cofres do Estado pela B… .
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Para sustentar o invocado, a Requerente alega a disponibilização por parte do fornecedor, nas instalações da ora Requerente, de amostras de peles, que eram objeto de análise, sempre nas suas instalações, com vista à respetiva aquisição.
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A Requerente invoca, ainda, a circunstância da viatura de transporte de mercadorias ter percorrido os Kms necessário à realização de alguns transportes como revelador de ser carecida de fundamento a afirmação de que todas as faturas emitidas por essa empresa serem falsas, não existindo portante indícios fortes da falsidade de todas as faturas da B…, sendo de exigir um trabalho inspetivo de busca de indícios fortes e seguros de falsidade ao nível dos contribuintes-compradores com o fito de encontrar e separar aqueles cujas faturas eram falsas daqueles em que não havia sérias indicações nesse sentido.
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E para a Requerente esses indícios são inexistentes como resultará demonstrado, do pagamento dessas faturas, através de cheques nominativos, demonstrativos da realidade do pagamento das operações, da existência de requisições de mercadoria comprovadamente enviadas por fax em momento prévio ao fornecimento e à emissão da fatura, da existência de registos de entrada da mercadoria em armazém e, bem assim da circunstância da Requerente justificar com as características do seu método de produção as incongruências invocadas no Relatório de Inspeção.
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A Entidade Requerida sustenta a legalidade das liquidações contestadas dado se ter apurado no âmbito das ações de inspeção e inquérito efetuadas à B… que esta não sendo produtora de peles, também nunca adquiriu mercadorias, quer no mercado nacional, quer no mercado externo, pelo que não poderia promover a sua venda, nem as faturas por esta emitidas podiam titular verdadeiras transações comerciais. Para a Entidade Requerida, a estrutura empresarial da B…, quer no que toca a instalações quer a nível de funcionários, não era suscetível de comportar o exercício de uma atividade económica com o volume de negócios desta.
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Invocando, ainda, a Entidade Requerida que os fluxos financeiros entre as entidades intervenientes nas transações levadas a cabo pela B… eram sempre efetuados em numerário, apesar das elevadas quantias que envolviam, o mesmo acontecendo no caso da Requerente – cheques levantados ao balcão.
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Em suporte da não dedução do imposto incluído nas faturas emitidas pela B… e que foram contabilizadas pela Requerente, a Entidade Requerida invoca as seguintes incongruências e inconsistências: i) não constar do inventário final de 2011, da ora Requerente qualquer matéria-prima da descrita nas faturas B…, muito embora uma das faturas (fatura nº…), de 21.12.2011, mencionar que o local de carga da mercadoria ter sido nas instalações do fornecedor, a descarga na morada do cliente, pelas dez horas desse mesmo mês e o transporte se ter efetuado através da viatura …-…-…, quando a mercadoria constante dessa fatura se encontrava com registo de entrada nas existências em Janeiro de 2012, muito embora em termos contabilísticos tenha integrado os gastos do mês de Dezembro de 2011; ii) apesar de o inventário final de 2012 se cifrar na ordem dos 2 milhões de euros, os adquiridos à B… não tinham qualquer expressão; apesar de a ora Requerente possuir um sistema informático com capacidades para gerir toda a gestão de stocks, ficou demonstrado que o controlo das existências era feito através de fichas manuais e quando solicitadas as fichas referentes às faturas da B…, a Requerente só apresentou as fichas relativas à anilina preta e à anilina castanha, já que segundo reportou as demais haviam sido eliminadas por já não conterem saldo; representando a pele de anilina preta cerca de 52% do total da pele alegadamente adquirida à B…, após ter sido solicitada a ficha de armazém a ela referente a mesma indicava uma saída de 5 000 pés para a C…, subcontratada da Requerente, em 25.11.2011, quando a conta corrente desta última, enquanto fornecedor subcontratado, a quem é debitada a matéria-prima para fornecimento de produto acabado, não apresentava qualquer movimento contabilístico no ano de 2011 e quando a única fatura debitada pela ora Requerente à C…, num lapso de tempo de dois anos – desde Janeiro de 2011 e Dezembro de 2012 – foi emitida em 25.02.2012, sendo que o tipo de pele debitada não correspondia à ficha de armazém apresentada (pele anilina preta B…); a Nota de Crédito …/12/…, de 05.04.2012 emitida pela Requerente à C…, enquanto sua subcontratada, e relativa à devolução dos excedentes de peles, do produto acabado, não indica a devolução de qualquer pé de pele anilina preta.
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Para a Entidade Requerida da conjugação do artigo 342°, nº 1 do Código Civil com o nº 1 do artigo 74º e 75º da LGT, releva que cumpre à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos indícios ou pressupostos da tributação e ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito. Tal significa que a presunção cessa quando a escrita ou contabilidade, embora organizada de acordo com a lei, enferme de erros, inexatidões, ou haja indícios fundados de que não reflete a matéria tributável efetiva, cabendo nesta previsão o caso de a contabilidade verificar indícios de que aqueles gastos não se verificaram, por não titularem verdadeiras transações.
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A Entidade Requerida entende não ser necessário que se efetue prova direta da simulação e da fraude, sendo suficiente um juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua atuação e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarada uma dedução de imposto que se mostra indevida. Ou seja, por que à Administração Tributária cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua atuação, compete-lhe, no caso de liquidação adicional de IVA por falta de reconhecimento de deduções declaradas pelo sujeito passivo, o ónus de provar que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação. Feita essa prova, competia à Requerente o ónus da prova dos factos que alega como fundamento no seu direito de deduzir o IVA das faturas em apreciação, o que no entender da Entidade Requerida aquela não logrou provar.
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SANEADOR
O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Não se verificam nulidades pelo que se impõe conhecer do mérito do pedido.
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OBJECTO DA PRONÚNCIA ARBITRAL
Vem colocada ao Tribunal a questão de saber se a Requerente deduziu indevidamente o IVA respeitante às faturas da B… .
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MATÉRIA DE FACTO
Factos provados
a) A Requerente é um sujeito passivo enquadrado no regime geral de determinação do lucro tributável em IRC, pela atividade de Fabricação de Calçado (CAE…), configurando-se como um sujeito passivo de IVA enquadrado no regime normal de periodicidade mensal (cf. pág. 2 do Relatório de Inspeção, junto com o procedimento administrativo);
b) Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2012…, de 8 de outubro de 2012, a Requerente foi alvo de procedimento de inspeção tributária, de âmbito parcial (IRC e IVA) para os anos de 2011 e 2012, posteriormente alargado para Geral por se mostrar necessária uma análise global da situação tributária (cf. pág. 2 do Relatório de Inspeção, junto com o procedimento administrativo);
c) A referida Ordem de Serviço foi emitida na sequência de ação inspetiva realizada à sociedade B…, contribuinte n.º…, por se ter entendido existirem forte indícios de que as faturas emitidas por esta não titulam operações económicas reais (cf. pág. 2 do Relatório de Inspeção, junto com o procedimento administrativo);
d) Relativamente aos fornecimentos, aquisições da Requerente, atribuídos à B…, resulta do Relatório de Inspeção que integram a contabilidade da Requerente, quanto aos exercícios de 2011 e 2012, faturas das quais resultam os seguintes montantes (cf. pág. 7 do Relatório de Inspeção, junto com o procedimento administrativo):
Exercício
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Base Tributável
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IVA liquidado
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Total
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2011
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77.645,68 €
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17.858,50 €
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95.504,18 €
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2012
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107.579,20 €
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24.743,22 €
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132.322,42 €
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e) Do Relatório de Inspeção, que se dá por integralmente reproduzido, resulta que “(…) em relação às faturas atribuídas à B…, Lda, a Autoridade Tributária na decorrência de acções inspetivas e investigação levadas a cabo concluiu que as mesmas não tinham por substrato operações verdadeiras, visto que a B…, na realidade, nunca comprou ou vendeu peles, um único pé de peles” (cf. pág. 8 do Relatório de Inspeção, junto com o procedimento administrativo).
f) Do Relatório resultam as seguintes conclusões sobre a atividade da B…:
“1. Da observação efetuada às instalações utilizadas pela B…, Lda., e posteriormente pela D…, Lda. não se constatou a movimentação que empresas que supostamente vendem mais de onze milhões de euros de mercadoria pressuporia, como sejam entrada e saída de clientes, fornecedores e viaturas, presença assídua de gerentes e empregados. Pelo contrário, a porta e portões das instalações da B…, Lda., e D…, Lda estão permanentemente fechados e no seu interior encontra-se uma funcionária, e mesmo esta com carácter pouco frequente.
2. As acções inspectivas levadas a cabo aos três fornecedores da B…, Lda concluiu que não tinham capacidade para o comércio de pele, ou seja, as facturas emitidas por estas entidades e contabilizadas pela B…, Lda., como sendo dos seus fornecedores, eram farsas, ou seja, a B… Lda., não suporta a aquisição de um único pé de pele através da uma única factura verdadeira, isto é todas as facturas representativas de aquisições são encenadas, são falsas.
Concluiu-se igualmente que a B…, Lda. nunca adquiriu pele a quem quer que seja, nem a empresas insolventes nem a empresas estrangeiras, nem em Portugal, Espanha, Itália ou Tunísia, pois não identifica um único fornecedor verdadeiro, quaisquer instalações/armazéns ou local de carregamento de pele, contactos, correspondência, pagamentos credíveis, o quer que seja, que demonstre a efectiva aquisição de pele e que a dimensão do negócio o faz admitir.
3. Quanto aos funcionários que constam na folha de ordenados da empresa, concluiu-se que somente E… é presença assídua nas suas instalações, sendo que os restantes nunca ali terão exercido qualquer função, serviam para fingir que a empresa dispunha de muitos trabalhadores.
4. Quanto as vendas da B…, Lda., apurou-se que:
· Emitiam facturas onde mencionavam carregamentos em dias que os técnicos da Autoridade Tributária estavam presentes e constataram a inexistência dos mesmos carregamentos;
· Durante cerca de sete meses a B…, Lda, terá movimentado mais um milhão de pés de pele, no valor de 1,7 milhões de euros, a partir de uma casa particular de uma pessoa que nenhuma relação tem com a empresa;
· A B…, Lda. refere como meio de transporte das peles, entre o seu armazém e as instalações dos seus clientes, uma viatura que não circulou sequer um sétimo do que teria de fazer para cobrir os quilómetros necessários para tantos pés de pele entregues e os que circulou não o fez ao serviço da B…, Lda.;
· Por outro lado, essa mesma viatura é mencionada nas facturas de venda da B…, Lda., tendo-se constado que praticamente não tinha circulado no período em que as facturas alegam ter sido utilizada como meio de transporte de pele;
· Emitiram facturas em dias em que F… estava ausente no estrangeiro, ou seja, quando não disporiam de ninguém para manusear e transportar as supostas peles para os clientes.
5. Quanto aos pagamentos dos clientes, verifica-se os cheques destes são, na sua maioria, levantados ao balcão ou, quando depositados ou aqueles pagamentos efectuados por transferência bancária, são de imediato levantados da conta, perdendo-se o rasto ao dinheiro.
6. Em suma, estando na presença de uma empresa em cujas instalações não se regista qualquer actividade de comércio de pele, que não dispunha de funcionários para manuseamento e transporte de pele, que nunca adquiriu um único pé de pele para venda e que nunca vendeu um só pé de pele, ter-se-á que concluir que foi montada toda uma encenação para ludibriar, para enganar, para defraudar, para enriquecer ilicitamente. No fundo a empresa não passa de um embuste, de uma farsa” (cf. págs. 82 a 84 do Relatório de Inspeção, junto com o procedimento administrativo).
g) Com referência à Requerente, resulta nomeadamente o seguinte do Relatório de Inspeção “Em sede do utilizador das faturas da “B…”: A…, Lda” (cf. págs. 93 e segs do Relatório de Inspeção, junto com o procedimento administrativo):
Não consta do Inventário final de 2011 qualquer matéria-prima da descrita nas faturas B…, apesar da fatura n.º … ser datada de 21.12.2011 de acordo com os elementos constantes da mesma, o local da carga foi nas instalações do fornecedor e o local de descarga na morada do cliente pelas 10.00h do 21.12.2011, e o transporte através da viatura …-…-… .
(A matéria-prima referida na fatura encontra-se com registo de entrada em existências em Janeiro de 2012 apesar de em termos contabilísticos o seu custo ter tido registo na contabilidade em Dezembro de 2011, doc. ..., pela subconta …- Compras Mat. Prim. T. Nac. Ded – Tx Nor.).
No inventário final de 2012, os pés de peles em existências que se encontram referidos como tendo sido adquiridos à B…, Lda, não têm qualquer expressão no mesmo o qual se cifra em cerca de 2 milhões de Euros (trata-se da indicação de 116 pés de anilina castanha e 292,75 pés de anilina preta num valor total de €715,31).
3 - Foram solicitadas cópia, frente e verso, autenticada pela instituição bancária, de alguns dos meios de pagamento utilizados nessas transações. Os cheques utilizados apresentam no verso, os elementos identificativos (tal como já se esperava) da B… Lda.
4- Não deixa de ser estranho, a propósito da fatura n.º…, datada de 21.08-2012 no valor de 17.996,14, emitida pela “B…” com as indicações de local de carga: n/ instalações; local de descarga: morada do cliente; na data de 21.08.2012 e a matrícula da viatura indicada …-…-… (inicialmente registada pela empresa na escrita com o nº… em 31.08.2012 e posteriormente desconsiderada da contabilidade, e que relativamente à qual o sócio gerente afirmou ter consumido na produção a pele nela indicada) a troca de correspondência entre a “B…” e a “A…, Lda”-nomeadamente o ofício de 17 de Setembro de 2012 do qual extraímos o seguinte: “Informamos que, indevidamente, foi emitida e enviada para a vossa empresa uma fatura com data de Agosto. Pelos motivos já informados anteriormente, solicitamos que não a considerem, pois a mesma não tem valor oficial ..."
Não se compreende, então que documento acompanhou a matéria-prima. Tal só dá corpo ao anteriormente referido no relatório quanto ao emitente.
5- Para um controlo mais próximo das existências, ao nível das matérias-primas, e conforme nos informaram, para que não surjam falhas para a produção, são elaboradas manualmente fichas de armazém com registos de entradas e saídas das peles, apesar de a empresa possuir um sistema informação com capacidades para essa gestão, e ao qual nos referiremos no ponto 10 deste relatório.
6- Para as faturas da B… , Lda e à data da visita, foi-nos referido que apenas existem, a esta data, as fichas manuais relativas a Anilina Castanha e a Anilina Preta, tendo as restante já sido eliminadas por já não conterem saldo. “ (…)
7- Solicitada a ficha de armazém relativa a pele de Anilina Preta (matéria-prima mais significativa em termos dessas aquisições) foi-nos apresentada a ficha de armazém Pele Anilina Preta B… e para a qual temos a referir o seguinte:
· Em 25/11/2011 está indicada a saída para a C… de 5000 pés da pele Anilina preta B… quando a conta corrente deste fornecedor subcontratado, a quem e debitada a matéria-prima para fornecimento do produto acabado, C…, Lda (com sede no Distrito de…) não tem qualquer movimento contabilístico em 2011;
· A fatura n.º…/…, da matéria-prima debitada a C… (única fatura para esta entidade, desde Janeiro de 2011 a Dezembro 2012) para confecionar sapatos só tem data de 25.02.2012, sendo que o tipo de matéria-prima debitada a esse subcontratado não corresponde à da ficha de armazém apresentada (Pele Anilina Preta B…), pois indica qualidade de pele, e cores diferentes, da que pretendem justificar saídas.
· A Nota de Crédito nº …/12/… de 5.04.2012, emitida pela A… Lda à C…, relativa à devolução dos excedentes da pele do produto acabado subcontratado, não refere a devolução de qualquer pé de pele anilina preta.
· A fatura da B… com o n.º…, datada de 21.12.2011, relativa a 3.122, 50 pés de pele Anilina Camel e 4.213,50 pés de Anilina Preta, está lançada na contabilidade em Dezembro de 2011 na subconta de Compras, …- Compras de mat. Primas, T.nac ded, tx normal.
De acordo com a ficha de armazém Anilina Presta apresentada, o valor dessa matéria-prima não foi tido em conta no inventário final das existências de 2011, uma vez que a mesma traduz existência nula, para essa referência de pele e, tendo em conta que o inventário final de matérias-primas é elaborado com base na informação dessas fichas manuais. Ou seja, a matéria-prima não foi debitada à C… em 2011, tão pouco consta do Inventário;
· Na ficha de matéria-prima manual analisada, essa pele só tem entrada, em armazém, em Janeiro de 2012;
· Em 18/01/2012 é indicado como entregue à G…, Lda de …, outro fornecedor subcontratado, a quantidade de 9.300,00 pés de pele Anilina Preta B…. No entanto, as faturas n.º …/…/003 e …/12/…, em 25.02.2012 e 24.03.2012, respetivamente, a debitar a matéria-prima, refere camurças quase na totalidade (diferente de anilina), e outra pele também diferente de anilina, em reduzidas quantidades, bem como referentes a cores variadas.
As faturas atrás referidas traduzem as únicas transações registadas na contabilidade com este cliente da matéria-prima.
· A confirmar que o tipo de pele que foi enviada para este confecionador de calçado não foi anilina preta, está a sua Nota de devolução.º 2012… em 10.04.201, a que corresponde a Nota de Crédito …/12/… emitida pela A…, Lda, (devolvendo variadas cores e pele de tipo bem diferente de anilina), em que não é referida a devolução de qualquer pé de anilina preta.
· A ficha manual regista a entrada da quantidade de 4180,00 pés relativos à fatura 2012… quando a mesma fatura refere 4516,25 pés de pele (a ficha informatizada correspondente, regista exatamente a quantidade indicada nessa fatura).
8. Solicitadas as guias de transporte relativas ao ano de 2011, informaram-nos que as mesmas já foram destruídas, pelo que não existe a possibilidade de comprovar outras situações além das que se encontram subjacentes aos documentos emitidos pela empresa e que integram a sua contabilidade, nomeadamente as que se encontram registadas na ficha de armazém apresentada.
9- A ficha de armazém relativa a Anilina Castanha B… traduz que a mesma foi consumida internamente pela A… e, parte, entregue em 30.11.2011 ao confecionador H…, Lda. As Ordens de produção interna da empresa, de acordo com a informação de responsável dessa área de trabalho, já não existem, uma vez que, depois dos sapatos entregues aos clientes as eliminam (seguindo para a recolha de papel a reciclar).
A empresa subcontratada, H…, Lda, trabalha a feitio, debitando apenas o trabalho executado de confeção pelo que não faz qualquer discriminação de cores dos sapatos, nem qualquer referência e matéria-prima trabalhada.
Deste modo, pouco mais é possível analisar desta ficha manual relativa ao registo da anilina castanha com proveniência nas faturas da B…, Lda. (De assinalar, a inexistência de qualquer outra ficha de armazém manual para peles adquiridas a B…, Lda).
10- A empresa dispõe de um sistema informatizado que lhe permite a gestão de stocks, bem como a emissão de faturação automática de planos de embarque aprovados com base na produção elaborada. Ao nível das matérias-primas, utiliza adicionalmente registos manuais, auxiliares que lhe permitem uma maior segurança para evitar ruturas de stock e eventuais paragens da linha de produção, conforme aí referido. Solicitada a ficha informatizada do artigo M… que corresponde à pele Cow preta, onde foram registadas as entradas relativas às faturas da B… bem como as restantes entradas de pele cow preta e as respetivas saídas para produção interna e externa, temos a referir o seguinte após a análise da mesma:
a) Nessa ficha M… as Ordens de produção ao longo do ano 2011, indicam um consumo de 26.927,05 pés de pele. As compras a fornecedores, vários, são de 15.446,66 pés de pele e a existência no inicio do ano, desta pele, era de 21.075,63. Ora, estas quantidades eram suficientes para a produção, sendo desnecessárias as quantidades indicadas nas faturas da B… registadas na ficha em 2011 (faturas n.º 2011… e 2011…, num total de 12.254,50 pés de anilina preta).
b) No ano 2012, as compras a fornecedores, vários, são de 46.426,77 pés de cow preta, e as ordens de produção indicam um consumo de 34.056,78, pelo que, aquelas compras estão adequadas às mesmas. Ressalta assim que, a quantidade de 50.757,00 pés de cow preta registada relativa as faturas da B… é totalmente dispensável à produção contabilizada. (A empresa registou neste ano de 2012 a quantidade de 50.757,00 pés de pele cow preta, incluindo-se na mesma 8.153,25 de fatura n.º 2012…, de Agosto de 2012, que a A…, Lda acabou por não registar na contabilidade).
c) No ano de 2012, verifica-se a indicação das seguintes saídas com a indicação de doc. 1:
Em abril 10.400,25, em Maio 12.401,00 e em Setembro 16.975,25. Estes movimentos negativos na ficha M…, não correspondem a documentos relativos a ordens de produção, e de acordo com a pessoa que procede a esta função administrativa correspondem a acertos de stock, pretendendo adequar o que se encontra na ficha informatizada com a existência real no armazém.
Ora, é visível uma semelhança de quantidades entre as regularizações acima referidas e as faturas da B… . Vejamos; 4516,25 + 7092,75 entradas em Fev e Março com regularização de 10400.25 em Abril, 8124,25 + 4061,75 entradas em Abril e Maio com regularização em Maio de 12401,00, e 2531 + 6547,25 + 8153,25 entradas em Junho, Julho e Agosto com regularização de 16.975,25 em Setembro.
d) Esta situação de regularização está bem patente na ficha informatizada M… referente a pele …, ano 2012. Assim após o registo, em Janeiro, da entrada de 3122, 50 pés, doc.3085, da fatura n.º … da B… segue-se a regularização de 6832.50, doc.1. Ora, em Julho do ano anterior havia dado entrada também da B… 3.832,50 desta pele. Em Abril entram 3043,50, pela fatura 2012…, doc.318; em Julho entram 2038,50 da fatura 2012….doc.404. Em setembro é regularizada a quantidade de 5000, doc.1.
Nesta ficha em 2011 foi registada a fatura de aquisição de 1072,291 pés, a outro fornecedor, que era perfeitamente quantidade necessária para as Ordens de Produção com essa pele e que indicam um consumo de 1069,11.
e) Também na ficha informatizada M… –… registam a entrada de 457 pés de pele em 30.07.2012., doc. 404 e de 2563,75 da fatura n.º … de 30.07.2012 da B… doc.405. As ordens de produção registadas indicam um consumo de 295,92 e o saldo de existências indicado de 2724,83 evidenciam que era perfeitamente dispensável a quantidade da fatura da B…”.
Conclusão: Tendo em conta a análise dos elementos disponíveis na A…, Lda não nos foi possível comprovar a utilização na produção das matérias-primas que são indicadas nas faturas emitidas pela B… Unipessoal, Lda. Pelo contrário, os elementos analisados permitem concluir que aquelas matérias-primas não eram necessárias à produção.”
h) A cada modelo de calçado corresponde uma ficha técnica com indicação do material necessário à respetiva produção, utilizada para cálculo da quantidade total de material necessário à produção de cada concreta encomenda (depoimento da testemunha I…);
i) Cada lote de um dado produto é acompanhado por uma ficha manual da qual resulta a identificação do produto, a identificação do documento de suporte, a data de entrada e saída, a quantidade entrada e saída, a descrição e a realização de inventário (cf. depoimento da testemunha I… e docs 3 a 5 juntos com o pedido arbitral);
j) Se o lote do produto acaba a ficha manual é eliminada; criando-se uma nova ficha do produto com um novo lote (cf. depoimento da testemunha I…);
k) As fichas manuais estão permanentemente atualizadas, o registo informático é em regra feito no fim da época, sendo necessário efetuar lançamentos de correção (depoimento da testemunha I… e e Doc. 7 - junto com o procedimento administrativo remetido em 31 de maio de 2016);
l) A anilina pode ter várias designações enquanto produto final, dado a cor poder ser alterada nos acabamentos (por exemplo para ficar mais clara ou mais escura) (depoimento da testemunha I…);
m) A anilina preta pode ser designada nomeadamente por Jamaica, Venus, Cow Preta, Palida Preto, Colorado (depoimento da testemunha I…);
n) A anilina castanha pode ser designada nomeadamente por Camel, Legno, Castore, Sand, Sabia, Terra, Marron, Stone, Vison (depoimento da testemunha I…);
o) Quando se faz a ordem de produção, a quantidade de anilina a utilizar não é automaticamente abatida no sistema (depoimento da testemunha I…);
p) As ordens de compra são em regra efetuadas uma vez reunidas várias encomendas, após cálculo dos produtos e quantidades necessárias à produção e consulta do “stock” em armazém (depoimento da testemunha I…);
q) A funcionária responsável pela determinação da mercadoria a encomendar e pela separação do produto a ser afeto à produção de uma dada encomenda nunca foi confrontada com a inexistência de mercadorias cuja entrada estava lançada na respetiva ficha manual (depoimento da testemunha I…);
r) Determinados produtos – como a anilina preta e castanha – são encomendados em quantidades superiores às imediatamente necessárias uma vez que são produtos base, utilizados na maior parte do calçado (depoimento da testemunha I…);
s) A encomenda de quantidades superiores às necessárias à produção é ainda justificada pela circunstância de algumas mercadorias terem prazos de entrega muito alargados – 4 a 8 semanas, o que é característico da mercadoria proveniente de outros países como a Itália e por haver a necessidade de se garantir a capacidade de produção de encomendas não esperadas e de falhas (depoimento da testemunha I…);
t) As ordens de compra são efetuadas sob a forma de requisição, enviadas para os fornecedores em regra por fax (cf. depoimento da testemunha J… e da testemunha I…);
u) As peles são recebidas no armazém da Requerente, onde um funcionário confere se a quantidade recebida corresponde à quantidade constante da fatura (cf. depoimento da testemunha J… e da testemunha I…);
v) A fatura é posteriormente remetida para uma funcionária da Requerente que confirma que a quantidade constante da fatura corresponde à quantidade encomendada e só depois é enviada para a Tesouraria para pagamento (cf. depoimento da testemunha I…);
w) Os pagamentos aos fornecedores são feitos, em regra, por cheque, emitidos em nome destes, no dia 25 de cada mês (cf. depoimento da testemunha J…);
x) O calçado de verão tem em regra que ser entregue entre março (sapatos) e abril (sandálias) e o de inverno entre finais de julho (sapatos) e setembro/outubro (botas e botins) (depoimento da testemunha I…);
y) Em regra, são produzidos cerca de 1.500 pares de sapatos por dia – entre produção própria e subcontratada- e, são necessários 3.000 a 6.000 pés de pele por dia;
z) A B… foi fornecedora de peles da Requerente nos exercícios de 2011 e 2012 de anilina (cf. depoimento da testemunha J… e da testemunha I…);
aa) Nos exercícios de 2011 e 2012, foram efetuados pagamentos à B…(cf. depoimento da testemunha J… e da testemunha I…);
bb) Em 2011 a Requerente comprou 176.150 pés de pele idêntica à adquirida à B… (Doc. 12 - junto com o procedimento administrativo remetido em 31 de maio de 2016);
cc) A C… é uma subcontratada da Requerente (cf. depoimento da testemunha I…);
dd) Os subcontratados da Requerente em regra só faturam a mão-de-obra, sendo-lhes entregue a matéria-prima (cf. depoimento da testemunha I…);
ee) A mercadoria que é enviada para os subcontratados, como é o caso da C…, é acompanhada de uma guia de transporte manual, que serve para abater esse produto na respetiva ficha (cf. depoimento da testemunha I…);
ff) Quando os subcontratados não estejam em condições de entregar os modelos produzidos nos prazos contratados, a Requerente assume a produção ou entrega-a a outros subcontratados (cf. depoimento da testemunha I…);
gg) Nestas situações em que a matéria-prima saiu do armazém para ser entregue a um dado subcontratado, que é identificado na ficha do produto, a ficha em questão em regra não é atualizada se a matéria-prima é utilizada pela Requerente quando esta subsequentemente assume a produção ou quando é utilizada por outro subcontratado, a quem a produção acaba por ser atribuída (cf. depoimento da testemunha I…);
hh) A pele tipo anilina faturada às subcontratadas –G…, K… e C…– em 2012, totalizou 17.089,72 pés (Doc. 10 - junto com o procedimento administrativo remetido em 31 de maio de 2016);
ii) A Requerente tem a sua atividade encerrada antes do fim do ano – em regra encerra antes do Natal – para férias do pessoal, tendo encerrado entre os dias 19 e 30 de dezembro de 2011 (cf. depoimento da testemunha I… e plano de férias – Doc. 10 - junto com o procedimento administrativo remetido em 31 de maio de 2016);
jj) Há mercadoria recebida em janeiro, cuja fatura foi emitida em meados de dezembro, sendo a entrada registada na ficha manual do produto apenas quando é efetivamente recebida, como se verifica com a Fatura 2011…, cujo registo de entrada é do início de janeiro de 2012 (cf. depoimento da testemunha I… e Doc. 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
kk) A anilina preta é a pele mais utilizada na produção sendo necessários cerca de 50 mil pés por época, ou seja, cerca de 100 mil pés por ano, encontrando-se a anilina castanha também entre os produtos mais utilizados (cf. depoimento da testemunha I…);
ll) No ano de 2012, houve compras avultadas de anilina – cerca de 180 mil pés, que foram adequadas às necessidades de produção, há encomendas adicionais determinadas pela necessidade de se colmatar faltas do produto, que é necessário em maior quantidade quando estejam em causa faltas para a produção de botas e botins como é característico da época de inverno (cf. depoimento da testemunha I… e Doc. 11 - junto com o procedimento administrativo remetido em 31 de maio de 2016);
mm) Entre agosto e dezembro de 2012 as compras de pele preta foram de 41.676 pés (cf. Doc. 11 - junto com o procedimento administrativo remetido em 31 de maio de 2016);
nn) Entre agosto e dezembro de 2012 foram emitidas faturas referentes a cerca de 16.028 pares de sapatos com pele preta (cf. Doc. 12 - junto com o procedimento administrativo remetido em 31 de maio de 2016);
oo) Entre agosto e dezembro de 2012 as compras de pele castanha a outros fornecedores foram de 10.271 pés (cf. Doc. 13 - junto com o procedimento administrativo remetido em 31 de maio de 2016);
pp) Entre agosto e dezembro de 2012 foram emitidas faturas referentes a cerca de 1533 pares de sapatos com pele castanha (cf. Doc. 14 - junto com o procedimento administrativo remetido em 31 de maio de 2016);
qq) Em virtude da quantidade de produto necessário à produção nos últimos meses de 2012, a anilina preta e castanha comprada no início dessa época à B… já teria sido consumida na produção, no final desse mesmo ano (cf. depoimento da testemunha I…);
rr) Na sequência da ação de inspeção, a Requerente foi notificada dos seguintes atos de liquidação:
· Liquidação n.º … referente a IVA do período 2011/07;
· Liquidação n.º … referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente;
· Liquidação n.º … referente a IVA do período 2011/08;
· Liquidação n.º … referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente;
· Liquidação n.º … referente a IVA do período 2011/09;
· Liquidação n.º … referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente;
· Liquidação n.º … referente a IVA do período 2011/10;
· Liquidação n.º … referente a juros compensatórios sobre a liquidação precedente;
· Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2011/11;
· Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2011/12;
· Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2012/01;
· Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2012/02;
· Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2012/03;
· Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2012/04;
· Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2012/05;
· Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2012/06;
· Liquidação n.º 2013 … referente a IVA do período 2012/07.
ss) A Requerente deduziu reclamações graciosas e interpôs recursos hierárquicos em que questionou a legalidade das liquidações contestadas (cf. Docs. 1 e 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
A matéria de facto dada como provada assenta no Relatório de Inspeção, nos documentos juntos no processo administrativo e com o pedido arbitral, no depoimento da testemunha J…- administrativa na tesouraria da Requerente - e que depôs com verdade, convicção e segurança sobre o procedimento relativos aos pagamentos efetuados pela Requerente, nos quais teve participação direta nos exercícios em apreciação, e sobre os procedimentos relativos às ordens e compra e receção das mercadorias, que conhece em virtude da sua presença na empresa e de conhecer os procedimentos e funcionários responsáveis e, ainda, no depoimento da testemunha I…– administrativa da Requerente, responsável pelas encomendas e preparação das ordens de produção, que depôs com verdade, convicção e segurança sobre o procedimento da Requerente relativos às ordens de compra, registo de mercadorias e ordens de produção nos quais teve participação direta nos exercícios em apreciação.
Factos não provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes do pedido de pronúncia arbitral e da resposta, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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DO DIREITO
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Como avançado vem colocada ao Tribunal a apreciação da legalidade das liquidações contestadas que se relaciona diretamente com o direito da Requerente à dedução do IVA suportado nas aquisições de peles à “B…” durante os exercícios de 2011 e 2012.
A Administração Tributária sustenta que as faturas contabilizadas pela A…, Lda de aquisição de pele à empresa B… não consubstanciam qualquer transação comercial, ou seja, que se tratam de operações simuladas, pelo que de acordo com o número 3 do artigo 19.º do Código do IVA a Requerente não poderia ter deduzido o imposto relativo a estas aquisições simuladas.
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O direito à dedução do imposto suportado constitui uma das pedras basilares do funcionamento do IVA, motivo pelo qual este direito não deve, em princípio, ser limitado se exercido em relação ao imposto que incidiu sobre as operações efetuadas a montante.
Só este mecanismo permite que a tributação apenas atinja em cada fase do circuito económico o valor dos bens ou serviços nela acrescentado. Se não fosse esse mecanismo, o imposto seria um tipo de imposto em cascata e cumulativo em que haveria, em cada fase do circuito económico, uma tributação sucessiva do valor acrescentado na anterior e do valor não acrescentado. A dedução é, assim, um elemento da estrutura de funcionamento do tipo de imposto. E, simultaneamente, ela corresponde, também, a um direito do sujeito passivo que suportou o imposto, na medida em que lhe confere a possibilidade de recuperar o imposto que suportou na aquisição dos bens e serviços.
Porém, o direito à dedução não constitui um direito absoluto admitindo-se que os Estados-Membros possam estabelecer regras para o seu exercício ou mesmo recusá-lo quando se verifiquem situações fraudulentas ou abusivas.
Deste modo, a “Directiva IVA permite a introdução de regras que excluem o direito à dedução do imposto suportado, sempre que não se estabeleça uma relação directa entre o imposto suportado e a realização de operações tributadas a jusante, ou seja, as aquisições efectuadas não se destinem à realização de uma atividade económica na acepção do artigo 9.º da Diretiva IVA, quando o imposto não tenha subjacente a realização de uma qualquer operação tributável, porque não resulta de uma transmissão de bens ou prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, e de um modo geral, sempre que o mesmo resulte de operações fraudulentas ou abusivas. Neste contexto, e sobretudo tendo em vista este último caso, se inserem as disposições previstas no artigo 19.º, n.º 3 e 4 do CIVA.” (LANÇA, Cidália - Medidas de combate à fraude previstas na legislação do IVA, in Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Vol. IV, Coimbra, 2011, pág. 154).
Só confere o direito à dedução o imposto que se reporte a efetivas transmissões de bens ou prestações de serviços (cf. número 1, do artigo 20.º do Código do IVA). Donde, o número 3, do artigo 19.º do Código do IVA impor que “não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.”
Esta conceção de que o direito à dedução pressupõe que o IVA tenha onerado efetivas prestações de serviços ou transmissões de bens é amplamente reconhecida pela jurisprudência que afirma que “O direito de dedução do IVA pago a montante apenas poderá existir, segundo a própria natureza das coisas, relativamente a imposto efectivamente suportado em operações económicas efectivamente acontecidas. De contrário, estaríamos perante um simples arquétipo intelectual ou virtual e não perante um tributo que visa atingir de forma geral o consumo real de bens e serviços nos diversos estádios do circuito económico. A inadmissibilidade da dedução do imposto relativo a operação simulada ou em que seja simulado o preço, afirmada positivamente no n.º 3 do art.º 19º do CIVA, corresponde, deste modo, a uma conclusão forçosa ou decorrente da própria natureza do imposto, cuja explicitação formal apenas se justifica por questões de clareza (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no Processo: 026635, de 17-04-2002).
Sendo necessário, para que se verifique o exercício do direito à dedução que esteja em causa um imposto efetivamente suportado em operações também efetivamente realizadas, a fatura é um elemento de prova fundamental. Quando as faturas sejam desconsideradas pela Administração Tributária impõe-se-lhe que demonstre que estão verificados indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade, passando então a incidir sobre o sujeito passivo do imposto o ónus probatório da veracidade da transação.
A Administração Tributária não tem de provar a falsidade das faturas, mas tem que alegar factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas, serem simuladas, abalando-se a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados que constam da sua contabilidade, consagrada no artigo 75.º da Lei Geral Tributária (cf. SARMENTO, Joaquim Miranda e MARQUES, Paulo – IVA – Problemas Actuais, Coimbra, 2014, pág. 188).
Neste contexto, atente-se ao seguinte Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 17 de fevereiro de 2016, no Processo n.º 0591/15 “a AT, para proceder a correções decorrentes da não aceitação da dedução do IVA mencionado nas facturas relativamente às quais considerou que as transacções nelas mencionadas não correspondem à realidade, não tinha de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. Antes lhe bastando provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente. (in www.dgsi.pt – Sublinhado nosso).
Importa, portanto, determinar se a Administração Tributária demonstrou e provou a factualidade que a levou a não aceitar a dedução do imposto, ou seja, se alegou e provou factos que traduzem uma probabilidade elevada das operações referidas nas faturas emitidas pela B… serem simuladas.
As liquidações contestadas baseiam-se nos factos apurados no decurso da ação inspetiva levada a cabo pela Administração Tributária, os quais se mostram expressos no relatório que resultou da aludida inspeção, onde consta o percurso cognoscitivo e valorativo seguido, e onde são identificadas as diligências inspetivas efetuadas e os elementos em que assentou.
Sucede, porém, que nenhum documento acompanha o Relatório de Inspeção que permita suportar os factos alegados, nem foi produzida outra prova.
Os factos alegados com referência à B… resultam da transcrição das conclusões do Relatório de Inspeção relativo a esta última entidade, e que não integram o processo administrativo junto ao presente processo, que também não integra os anexos e documentação, que se presume sustentam as conclusões aí espelhadas. É assim de um processo a que este tribunal não teve acesso que a Administração tributária extraiu os factos subjacentes à conclusão que as faturas em causa não respeitam a serviços efetivamente prestados.
Já com referência às inconsistências e incongruências invocadas relativamente à Requerente nenhum documento acompanha o Relatório de Inspeção que permita suportar os factos alegados, nem foi produzida outra prova. Não há cópias das fichas manuais e informatizadas referidas no Relatório, não há cópias das faturas e notas de crédito identificadas – nem mesmo das faturas reputadas como “falsas”- nem há referência no Relatório a que o mesmo seja acompanhado de Anexos, resultando dos elementos juntos os Documentos Únicos de Correção, os Anexos IVA e IRC e Auto de Notícia.
Em suma, não existe o suporte documental que permita acompanhar as conclusões do Relatório.
Deste modo, não se pode considerar que a Administração Tributária tenha demonstrado a factualidade que a levou a desconsiderar as aquisições cujo IVA foi deduzido, factualidade, essa, que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente em sede tributária, só, então, passando a pertencer ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efetivamente.
Os indícios exigidos à Administração Tribuária podem obter-se não só junto da contabilidade de quem arquivou e relevou contabilisticamente os documentos em causa, como ainda junto de elementos externos àquela. Mas só perante a demonstração desses concretos indícios – para que possam ser controlados pelo tribunal - cessa a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respetivos documentos de suporte, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que aquelas efetivamente se realizaram. E, no caso vertente, a Administração tributária não provou os indícios que invocou.
Neste sentido, atente-se ao seguinte Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 026635, em 17-04-2002 “(…) na perspectiva que importa ao caso concreto, são dois os requisitos legais da actuação da administração: a consideração subjectiva, na sua actividade de controlo ou de fiscalização relativa ao cumprimento dos deveres dos contribuintes, de que estes fizeram constar das suas declarações uma dedução superior à que seria devida ou seja, superior à que resulta da aplicação da lei que as regula; que essa consideração seja tomada de modo fundamentado. Ao usar, todavia, a expressão “... quando fundamentadamente considere que nelas figura... uma dedução superior à devida”, o legislador pretende evidenciar a exigência não só da existência de uma declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo (consideração), mas também a necessidade desse juízo se equivaler ao resultado de uma ponderação fáctico-jurídica, substancial ou materialmente, correcta. Não importa só que a administração se diga convencida, mas também que diga porque é que se deixou convencer e que este resultado possa ser objectivamente apreciado e controlado pelo tribunal à luz dos critérios adequados. E sendo assim, para emitir o seu juízo sobre se se deve ter por materialmente fundamentada a consideração da administração, o tribunal não se pode ater apenas à existência de uma fundamentação formal e aos elementos nela externados, ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido, mas terá formar o seu próprio juízo probatório sobre a correspondência à realidade fáctico-jurídica dos elementos em que a administração disse apoiar a sua consideração e aferir, então, sobre eles se esta deve ter-se por correcta. À administração caberá, assim, o ónus de provar, também em tribunal, os pressupostos de facto suficientes, dentre os afirmados na fundamentação do acto, para que o tribunal possa ajuizar sobre se o juízo administrativo se deve ter por, objectiva e materialmente, fundamentado. (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 026635, de 17-04-2002, in www.dgsi.pt – Sublinhado nosso).
O número 1, do artigo 76.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária estabelece que “as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei”. Já, o número 2, do artigo 115.º, do Código do Procedimento Tributário, institui que “as informações oficiais só têm força probatória quando devidamente fundamentadas, de acordo com critérios objetivos”. Considerando-se esta disposição aplicável ao relatório de inspeção (em sentido contrário o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no Processo n.º 07141/13, em 26 de junho de 2014, in www.dgsi.pt), tem sido entendimento da jurisprudência que a fundamentação referida respeita a elementos objetivos e exteriores que comprovam as asserções produzidas pela inspeção tributária (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no Processo n.º 04223/10, de 23-04-2015). Esses elementos exteriores que permitiriam comprovar as asserções produzidas no Relatório são praticamente inexistentes no presente processo.
Deste modo, a Entidade Requerida não logrou provar os factos que alegou para demonstração da elevada probabilidade de as operações referidas nas faturas, serem simuladas.
Acresce que, o valor probatório do relatório de inspeção sempre estaria condicionado pela aplicação do princípio do contraditório, sob pena de direta violação do art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, que postula um processo judicial tributário equitativo e subordinado a critérios de legalidade, o que requer plena igualdade de armas entre ambas as partes, como de resto é reconhecido pelo art.º 98.º da Lei Geral Tributária (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no Processo n.º 07148/13, in www.dgsi.pt).
Quer mediante os documentos juntos em sede graciosa e que integram o processo administrativo, quer mediante os documentos juntos com o pedido arbitral e através do depoimento das testemunhas apresentadas, a Requerente demonstrou a regularidade da sua operação e justificou as alegadas incongruências invocadas no Relatório. Em suma, as provas que ofereceu a Requerente lograram instilar a dúvida quanto à veracidade das informações contidas no relatório de inspeção, cuja insuficiência probatória é manifesta.
E, não tendo a Entidade Requerida logrado demonstrar que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a atuação da Administração Tributária, ou seja, de que existem indícios sérios de que as operações constantes das faturas descritas não correspondem à realidade, fica prejudicada a apreciação se a Requerente logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários, determinando-se em consequência a anulação dos atos impugnados.
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DECISÃO
Termos em que se julga procedente o pedido de anulação dos atos de liquidação contestados e das decisões de indeferimento dos procedimentos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico que antecederam a apresentação do pedido de pronúncia arbitral.
Fixa-se o valor do processo em € 43.622,49 (quarenta e três mil, seiscentos e vinte e dois euros e quarenta e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código do Procedimento e Processo Tributário, aplicável por força do disposto na alínea a), do número 1, do artigo 29.º do RJAT, e do número 2, do artigo 3.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas, no montante de € 2.142.000 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, a cargo da Entidade Requerida dado que o presente pedido foi julgado procedente, e em cumprimento do disposto no número 2, do artigo 12.º, e número 4, do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do disposto no número 4, do artigo 4.º, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 30 de julho de 2016
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pela signatária].
A Árbitra
(Ana Moutinho Nascimento)