Decisão Arbitral
R E L A T Ó R I O
A fls. 2 A Companhia de Seguros A…,SA pessoa coletiva n.º…, com sede na rua …, … -… …-… …, vem pedir o Pronúncia Arbitral sobre as liquidações de Imposto de Selo efetuadas, nos termos da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro relativamente ao ano de 2014, no montante € 12.225,20 e ao prédio urbano sito na rua …, ao …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, do concelho de Setúbal, inscrito na matriz sob o artigo …, alegando o seguinte:
I OS FACTOS PROVADOS
I A Requerente alega que:
1º É proprietária do prédio urbano acima identificado, inscrito na matriz predial urbana, no regime de propriedade total, com 25 divisões suscetíveis de utilização independente, todas afetas a habitação, tendo cada uma das divisões um valor patrimonial Tributário (VTP) inscrito na matriz, que foi calculado separadamente e que varia entre € 23.210,00 € e 53.860,00, sendo o somatório dos valores patrimoniais tributários de todas as divisões suscetíveis de utilização independente do prédio de €1.222.520,00.
2.º Em 28 de Março de 2015, a AT procedeu à liquidação do IS nos termos da verba 28.1 da TGIS para a totalidade das divisões suscetíveis de utilização independente, conforme segue:
Divisão
|
Vpt
|
Is liquidado
|
Valor pago
à data
|
Cave
|
23.210,00
|
232,10
|
232,10
|
R/C D
|
48.310,00
|
483,10
|
241,50
|
R/C E
|
47.110,00
|
471,10
|
235,55
|
R/C F
|
43.780,00
|
437,80
|
218,90
|
1º D
|
47.110.00
|
471,10
|
235,55
|
1º E
|
48.880,00
|
488,80
|
244,40
|
1º F
|
52.540,00
|
525,40
|
175,14
|
2º D
|
47.110,00
|
471,10
|
235,55
|
2º E
|
51.640,00
|
516,40
|
172,14
|
2º F
|
53,860,00
|
538,60
|
179,54
|
3º D
|
47.110,00
|
471,10
|
235,55
|
3º E
|
48.880,00
|
488,80
|
244,40
|
3º F
|
53.860,00
|
538,60
|
179,54
|
4º D
|
47.110,00
|
471,10
|
235,55
|
4º E
|
51.640,00
|
516,40
|
172,14
|
4º F
|
53.860,00
|
538,60
|
179,54
|
5º D
|
47.110,00
|
471,10
|
235,55
|
5º E
|
51.640,00
|
516,40
|
172,14
|
5º F
|
53.860,00
|
538,60
|
179,54
|
6º D
|
47.110,00
|
471,10
|
235,55
|
6º E
|
51.640,00
|
516,40
|
172,14
|
6º F
|
53.860,00
|
538,60
|
179,54
|
7º D
|
47.110,00
|
471,10
|
235,55
|
7º E
|
51.640,00
|
516,40
|
172,14
|
7º F
|
52.540,00
|
525,40
|
175,14
|
total 1.225.520,00 12.225,20 5.174,43
3.º Apesar de ter procedido ao pagamento das notas de cobrança a requerente discorda da tributação prevista na verba 28.1 da TGIS, por inexistência de pressupostos legais de incidência do IS previstos na referida verba 28.1 da TGTS.
4.º Não existe qualquer norma que determine como calcular o VPT dum prédio inscrito em propriedade total, composto por vários andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, havendo dúvidas sobre se o VPT corresponde à soma de todos os VPT das respetivas partes, como operou a AT, ou se o VPT de cada parte é independente, pelo que a operação efetuada pela AT se suportou num erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
2- Resposta da AT
5.º Não há qualquer ilegalidade nas liquidações efetuadas, porquanto as áreas de utilização independentes não constituem um prédio autónomo, pelo que o VPT tem de ser a soma de todos os VPT das áreas que o compõem.
6.ºCada um dos seus andares ou divisões suscetíveis de utilização independente é considerado, nos termos do n.º 3 do art.º 12.º, separadamente na inscrição na matriz, mas isso não se pode confundir com um prédio em propriedade horizontal, beneficiando dum estatuto juridicamente mais evoluído, com um prédio em propriedade total, que são institutos jurídicos diferentes e com diferentes regimes jurídico-civilísticos.
7.ºPelo que fica dito, entende a Requerida que se mantêm integralmente válidas as notas de liquidação emitidas, e que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente e absolvendo-se a entidade requerida.
OS FACTOS NÃO PROVADOS
8.º Não há factos que, pela sua relevância, devam ser referidos.
III SANEAMENTO
9.º O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1 alínea a), 5.º e 6.º todos do RJAT.
10.ºAs partes têm personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 12.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março.
Impõe-se que se proceda à apreciação do mérito do pedido.
IV THEMA DECIDENDUM
11.º A questão em causa consiste em saber se, para efeitos de tributação da verba 28.1 da TGIS, o VPT (valor patrimonial tributário) de um prédio em propriedade total é o somatório dos VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente que integram o mesmo prédio e que se encontram afetos à habitação, ou é o VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente.
V O DIREITO
12.º A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, aditou à TGIS, a verba 28.1 da TGIS, passando a sujeitar a propriedade a Imposto de Selo, desde 1 de janeiro de 2014:
“28 Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior € 1.000.000,00 sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI;
28.1. Por prédio habitacional ou terreno para construção, cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%;
13.º. Passaram, pois, a ficar sujeitos a tributação, em sede de IS, à taxa de 1%, sobre o VPT utilizado para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis.
- Os prédios habitacionais
- Os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação;
- Sempre que, em qualquer dos casos, o respetivo VPT seja de pelo menos € 1.000.000,00
14.º Embora criando uma nova forma de tributação, a lei não criou nem esclareceu os novos conceitos para as situações previstas na verba 28.1, nomeadamente o de “prédio habitacional” tendo determinado, no artigo 67.º n.º 2, do CIMI, para preencher a lacuna da norma legal, que o Código do Imposto Municipal de Imóveis é lei subsidiária para as matérias não reguladas respeitantes à verba n.º 28 do IS.
15.º Importa ter presente algumas normas que desenham ou condicionam a norma agora criada, tal como a inscrição de cada andar, ou parte de prédio, suscetível de utilização independente, mas integrantes de um mesmo prédio, é considerado separadamente na inscrição predial em propriedade total que discrimina o valor patrimonial de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente (n.º 2 do art.º 12.º do CIMI), e que o IMI é liquidado individualmente, em relação a cada andar ou parte do prédio suscetível de utilização independente (art.º 119.º, n.º 1 do CIMI)
16.º Assim, quando se trata a “estrutura” dos prédios em propriedade vertical, o quadro legal considera os andares ou as divisões suscetíveis de utilização independente, individualmente, tratando-os como unidades independentes à semelhança das frações autónomas, obedecendo às mesmas regras dos imóveis constituídos em propriedade horizontal.
17.ºPara o legislador da norma, a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efetuada entre uns e outros que são figuras do direito civil.
18.ºTemos de entender que o legislador não acolheu o rigor jurídico-formal, mas a situação concreta do prédio, a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio, fazendo prevalecer a verdade material subjacente à sua existência e à sua utilização.
19.ºA sujeição a imposto de selo, nestes casos, é determinada pela conjugação simultânea de dois fatores:
1.a afetação habitacional,
e,
2. o VPT atribuído a cada andar ou divisão suscetível de utilização independente, ser igual ou superior a € 1000.000,00
20.º A sujeição a IS é, pois, determinada pelo VPT do prédio, mas pelo VPT de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente, apresente um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00.
21.º A AT entende que num prédio, em propriedade vertical, a norma constante da verba 28 da TGIS determina que o critério para a sua incidência, é o VPT global do prédio, o que não se afigura conforme o princípio da legalidade fiscal.
22.ºConstitui jurisprudência pacífica do Tribunal Arbitral, entre outros no Processo 132/2013-T “prédio com afetação patrimonial” entende-se que, entre as várias espécies de prédios urbanos, são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
23.º Muito embora o art.º 4º do CIMI estabeleça que, na propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como um prédio, a lei não aponta qualquer discriminação entre a propriedade horizontal e a vertical suscetível de utilização independente, sendo ambas a mesma realidade, tão só prédios urbanos habitacionais, pelo que o regime que se lhe aplica não pode ser diferente.
24.º Por outro lado o art.º 23, n.º 7 do CIS estatui que o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano aplicando-se, com as necessárias adaptações as normas do CIMI, impondo-se que, em relação aos prédios em propriedade total com divisões suscetíveis de utilização independente afetas a habitação, a tributação da verba 28 da TGIS se verifique apenas quando algumas daquelas divisões tenha um VPT de pelo menos € 1.000.000, nos mesmos termos que se verificam para uma fração autónoma de um prédio em propriedade horizontal.
25.º Não pode a Administração Tributária considerar como valor de referência para a incidência do imposto o valor patrimonial tributário total do prédio, já que, na matriz, está o VPT de cada parte independente.
26.ºTendo em consideração que o VPT individual de cada uma das 25 divisões de utilização independente com afetação habitacional variam entre 23.210,00 e 53.860,00 as liquidações sob censura estão feridas de ilegalidades por inexistência de pressupostos legais fixado na verba 28 da TGIS.
QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADAS
27.º Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que for alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importem para a decisão, a matéria provada e não provada (art.º 123.º, n.º 2 do CPTP e art.º 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aplicável “ex-vi” art.º 29.º, n.º 1, alínea a) e e) do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias plausíveis das questões de direito (art.º 596.º CPC, aplicável “ex-vi” do art.º 29.º n.º 2 do RJAT).
28.º Na verdade, o art.º 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do citado art.º 29.º do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer os restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados aos atos impugnados, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
DECISÃO
Em face do exposto, concluímos assistir razão à Requerente, e, em consequência, decide-se:
a) Declarar a ilegalidade das liquidações objeto destes autos e, em consequência, julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, dos atos de liquidação do imposto de Selo, melhor identificados nos autos;
b) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios peticionados pela Requerente.
VALOR DO PROCESSO € 12.225,20 de harmonia com o art.º 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC e 97-A, n.º 1 alínea a) do CPPT e 3.º n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 12.225,20.
CUSTAS
As custas, na importância de € 918,00 - Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos processos de Arbitragem Tributária, ficam integralmente a cargo da Requerida (art.º 24.ºA do Regulamento do CAAD).
Notifique-se e registe-se.
Lisboa,18 de agosto de 2016
O Árbitro,
Fernando Pinto Monteiro