Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 42/2016-T
Data da decisão: 2016-09-19  Selo  
Valor do pedido: € 5.700,96
Tema: IS – Terrenos para construção
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Decisão Arbitral

 

 

Proc. 42/2016-T

Decisão arbitral

Tema: Imposto do Selo – Terreno para construção

 

Requerente: A... –SA

Requerida: AT - Autoridade Tributária e Aduaneira

I - RELATÓRIO

1.      Pedido  

A... –SA, contribuinte nº, com sede na Rua …, doravante designado por Requerente, apresentou, em 28-01-2016, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista a:

-          A declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto do Selo nº 2011 ..., praticado ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), incidente sobre o terreno para construção correspondente ao artigo ... da freguesia de ..., do concelho de Silves, no montante de 5.700,96 euros.

-          A declaração da ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa e do consequente recurso hierárquico interpostos daquele ato de liquidação;

A Requerente alega, no essencial e com relevância para a decisão da causa, o seguinte:

-          A Requerente não foi notificada da liquidação impugnada, ao que a Requerida estava obrigada nos termos do artigo 23º, nº 7 do Código do Imposto do Selo (CIS) e 60º  da Lei Geral Tributária (LGT);

-          A Requerente teve conhecimento da liquidação através do documento de cobrança que lhe foi remetido relativo à mesma liquidação;

-          O prédio urbano sobre o qual incidiu a liquidação de imposto do selo impugnada é um tereno para construção, sobre o qual não existia à data do facto tributário qualquer edifício ou obras, o que faz com o terreno em causa esteja excluído do âmbito de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto doe Selo (TGIS);

-          Com efeito, os terrenos para construção não são prédios afetos a habitação, pois a afetação habitacional pressupõe habitabilidade, a qual não existe num terreno para construção;

-          A incidência de Imposto do Selo sobre o prédio em causa conduziria ainda a uma situação de dupla tributação, já que sobre o mesmo prédio incide também Imposto Municipal sobre Imóveis e tanto a incidência objetiva como subjetiva são coincidentes nos dois impostos;

-          O imposto estabelecido através da verba 28.1 da TGIS é inconstitucional por se dirigir apenas aos imóveis para fins habitacionais, deixando de fora todos os restantes tipos de património imobiliário, originando com isso desigualdade fiscal;

 

2.      Resposta da Requerida

Em resposta ao pedido de pronúncia apresentado pela Requerente, a Requerida AT -Autoridade Tributária e Aduaneira alega, com relevância impugnatória:

-          Através da liquidação impugnada, a Requerida limitou-se a proceder à aplicação direta da lei, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária;

-          Ao prédio em causa foi atribuída afetação habitacional através da respetiva avaliação, estando assim sujeito a imposto do selo;

-          “Prédio com afetação habitacional” não é o mesmo que “prédio habitacional”, fazendo a primeira definição apelo ao coeficiente de afetação previsto no artigo 41º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis;

-          Não existindo em sede de Imposto do Selo definição do que se entende por “prédio urbano”, “terreno para construção” e “afetação habitacional”, é necessário recorrer subsidariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67º, n.º 2 do CIS.

-          O art.º 6º, n.º 1 do CIMI integra na categoria de prédios urbanos os terrenos para construção, os quais são definidos (n.º 1 do mesmo preceito) como os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações …”.

-          A noção de “afetação do prédio urbano” encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, uma vez que a finalidade da avaliação do imóvel “é incorporar-lhe valor”, constituindo um fator de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.

-          O legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afetação previsto no art.º 41º do CIMI.

-          Assim, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, é clara a aplicação do coeficiente de afetação, decorrendo de tal asserção que a consideração para efeitos da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada.

 

3.      Tramitação subsequente

Por proposta e mediante a concordância de ambas as Partes, o Tribunal deliberou, por despacho de 14-09-2016, prescindir da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

As Partes prescindiram da produção de alegações finais.

 

II – SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 14-04-2016, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as despectivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Não foram identificadas nulidades no processo.

Nada obsta, portanto, à apreciação do mérito da causa.

 

III – QUESTÕES A DECIDIR

A única questão a decidir é a de saber se um terreno para construção deve ser considerado um “prédio com afetação habitacional”, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, com a redação que esta disposição tinha em 31.12.2013, data na qual deveria aferir-se a verificação do facto tributário.

 

IV – FACTOS PROVADOS

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:

-          A Requerente não foi notificada da liquidação de Imposto do Selo nº 2011 ..., praticada ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), incidente sobre o terreno para construção correspondente ao artigo ... da freguesia de ..., de que era proprietária ao tempo da liquidação;

-          A Requerente teve conhecimento dessa liquidação através do documento de cobrança respetiva;

-          A liquidação refere-se ao prédio com o artigo matricial ... da freguesia de ..., do concelho de Silves;

-          O valor do imposto liquidado é de 5.700,96 euros.

 

V - FUNDAMENTAÇÃO  

 

De acordo com o n.º 1 do art.º 1º do Código do Imposto do Selo (CIS), este imposto incide “sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral”. Portanto, a incidência do Imposto do Selo (IS) é determinada pela conjugação do preceito citado com as várias verbas ou rubricas da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), as quais especificam os actos, contractos, documentos, papéis e outros factos ou situações jurídicas sobre os quais incide o imposto.

A verba 28 da TGIS, na redação em vigor até 31 de Dezembro de 2013, definia como facto tributário a “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1 000 000 de Euros e determina que o imposto incidirá sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI.

O imposto não incidia sobre qualquer prédio urbano com o valor patrimonial referido, mas apenas sobre duas categorias de prédios urbanos, previstas nas verbas 28.1 e 28.2. Quanto à primeira – a única que releva para o caso dos autos – aí se determinava que ficavamm sujeitos ao imposto os prédios urbanos com afectação habitacional.

Assim, entre outras situações, o IS incidiria sobre (a propriedade, usufruto ou direito de superfície sobre) prédios que, cumulativamente, fossem urbanos, tivessem afectação habitacional e cujo valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI fosse igual ou superior a 1 000 000 de Euros.

A questão de saber se um terreno para construção, como aquele sobre o qual incidiu a liquidação do Imposto do Selo aqui impugnada, cabe na previsão da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS (na redacção que esta tinha até 31 de Dezembro de 2013) já foi por diversas vezes apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Em todas as decisões, o Tribunal considerou o conceito de “prédio com afectação habitacional”, contida na verba 28.1 da TGIS, não abrange os terrenos para construção, de nenhum tipo.

Em acórdão de 9 de Abril 2014, (processo nº 1870/13), o STA pronunciou-se sobre a questão nos seguintes termos:

“O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.

Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédio (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.

O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).

Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).

Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.”

Acompanhando esta jurisprudência, há que concluir que o terreno para construção sobre cuja propriedade incidiu o IS liquidado à Requerente não cabe na previsão da verba 28.1 da TGIS, na redacção vigente em 31 de Dezembro de 2013.

Consequentemente, a liquidação impugnada pela Requerente é ilegal na medida em que viola a norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, configurando erro sobre os pressupostos de direito, o que a torna anulável nos termos do art.º 163.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo.

 

 

 

 

VII - DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, decide-se:

1.       Julgar inteiramente procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação do Imposto do Selo impugnada, por erro nos pressupostos de direito;

2.      Em consequência, anular o ato de liquidação impugnado.

 

Valor da utilidade económica do processo: Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 5.700,96 euros.

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em  612,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 19 de setembro de 2016

 

 

O Árbitro

 

 

(Nina Aguiar)