DECISÃO ARBITRAL
Requerente: A…, Unipessoal Lda.
Requerida: AT - Autoridade Tributária e Aduaneira
I - RELATÓRIO
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Pedido
A…, Unipessoal Lda, pessoa coletiva n.º…, com sede no …, Avenida…, lote …, …, …, em Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou, em 30-11-2015, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista a:
- Declaração de ilegalidade de dois atos de liquidação de Imposto Único de Circulação referentes ao ano de 2011;
- Condenação da Requerida à restituição dos montantes indevidamente liquidados e entretanto pagos, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios
A Requerente alega, no essencial, o seguinte:
- Os atos de liquidação impugnados informam de ilegalidade por erro nos pressupostos e direito relativos ao facto tributário;
- De acordo com o artigo 3.º, n.º 1 do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC), é sujeito passivo do imposto o proprietário do veículo, dizendo a mesma disposição diz que se considera como proprietário do veículo a pessoa que como tal figure no Registo Automóvel;
- Nos casos em apreço, os veículos, depois de terem sido inicialmente registados em nome da Requerente, como a lei obriga, foram vendidos – em 13 de julho de 2011 e em 9 de dezembro de 2011 - e registados, em nome dos adquirentes, dentro do prazo legal de 60 dias após a atribuição dos números de matricula;
- Nos termos do artigo 17º, nº 1 do CIUC, no ano da matrícula ou registo do veículo em território nacional, o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respetivo registo, porquanto o que releva para efeitos de incidência do imposto é quem adquire o veículo para uso e circulação próprios.
- Sendo sujeito passivo do imposto o titular do registo e propriedade e tendo tal registo sido efetuado pelos novos proprietários dentro do prazo legal para o efeito, fica claro que o sujeito passivo do imposto ora em questão não é a Requerente mas os adquirentes e titulares do registo;
- Tal entendimento é retirado da interpretação a contrario do art. 18º, nº 1, al a) do CIUC, segundo o qual “na ausência de registo de propriedade do veículo efetuado dentro do prazo legal, o imposto devido no ano da matrícula do veículo é liquidado e exigido ao sujeito passivo do imposto sobre veículos com base na declaração aduaneira do veículo, ou com base na declaração complementar de veículos em que assenta a liquidação desse imposto, ainda que não seja devido;
- Por força de vários dispositivos legais, entre os quais o artigo 4º, nº 1 do D-Lei 178-A/2005, de 28.10, a Requerente está obrigada, a fim de obter o certificado de matrícula dos veículos por si importados, a proceder ao registo dos mesmos em seu nome;
- No entanto, a tributação em sede de Imposto Único de Circulação (IUC) visa onerar as entidades que utilizam o veiculo, pelo que a Requerente, na qualidade de primeira titular do registo, por força de imperativos legais, não fica na posição de sujeito passivo;
- O registo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define;
- Tal presunção é ilidível, como tem sido considerado pela jurisprudência dos tribunais superiores;
- Tendo apresentado faturas através das quais provou ter procedido à venda dos veículos, a Requerente ilidiu a presunção do registo;
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Resposta da Requerida
Em resposta ao pedido de pronúncia apresentado pela Requerente, a Requerida AT -Autoridade Tributária e Aduaneira alega:
A) Por exceção:
- O pedido é intempestivo, uma vez que foi apresentado para além do prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário, previsto no art. 10º do RJAT e, embora tenha sido deduzida reclamação graciosa, o pedido não foi dirigido contra a reclamação graciosa.
B) Por impugnação
- No âmbito do artigo 17.º do CIUC, a introdução no consumo e liquidação de imposto sobre os veículos que não possuam matrícula nacional é titulada pela emissão de uma Declaração Aduaneira de Veículos (“DAV”);
- Nos termos do artigo 117.º/4 do Código da Estrada, a matrícula é pedida ao IMTT pela entidade que proceder à admissão ou introdução no consumo do veículo;
- O artigo 24.º/1 do Regulamento de Registo de Automóveis (Decreto-Lei 55/75 de 12 de fevereiro – doravante “RRA”) determina que «O registo inicial de propriedade de veículos importados, admitidos, montados, construídos ou reconstruídos em Portugal tem por base o requerimento respetivo e a prova do cumprimento das obrigações fiscais relativas ao veículo;»
- Em sede de IUC, estabelece o artigo 3.º/1 do CIUC que «são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados;»
- No que concerne ao facto gerador e à exigibilidade do imposto, o art.º 6º do CIUC determina que o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestado pela matrícula ou registo em território nacional;
- Quanto ao prazo de liquidação, o artº 17º, nº 1 dispõe que, no ano da matrícula ou registo do veículo em território nacional, o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respetivo registo;
- Da articulação entre o âmbito da incidência subjetiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto, decorrem inequivocamente do art. 6º do CIUC as situações jurídicas que geram o nascimento da obrigação de imposto, ou seja, a matrícula ou o registo em território nacional;
- Por sua vez, o nº 3 do art. 6º dispõe que o imposto se considera exigível no primeiro dia do período de tributação referido no nº 2 do art. 4º, de onde se retira que o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula;
- Do conjunto de disposições aplicáveis resulta que a emissão do certificado de matrícula origina automaticamente o registo da propriedade do veículo, ao abrigo do art. 24º do Regulamento do Registo Automóvel, em nome da entidade que procedeu à importação e pedido de matrícula do veículo, ou seja, a Requerente;
- Assim sendo, o importador figura no registo como primeiro proprietário do veículo e nesse sentido é, de acordo com o estatuído nos artigos 3º e 6º do CIUC, sujeito passivo do imposto;
- A aceitar-se a interpretação proposta pela Requerente, estaria encontrada a fórmula para afastar a tributação em IUC no caso em que o certificado de matrícula fosse emitido num determinado ano e o veículo registado e apenas objecto de registo em nome de outro proprietário no ano seguinte;
- Além disso, o artigo 3º não contém qualquer presunção legal;
- A presunção de propriedade dos veículos em causa decorre diretamente do regime registal automóvel, pelo que a ilisão da presunção terá que ser dirigida ao próprio registo automóvel, pelos meios próprios previstos no respetivo regulamento;
- As faturas que a Requerente apresenta para provar a celebração de contratos de compra e venda não são documentos idóneos a provar a existência de um contrato sinalagmático;
- Mencionando essas faturas uma cláusula de reserva de propriedade até ao integral pagamento, a Requerente não faz prova do pagamento;
- Os documentos juntos pela Requerente não permitem estabelecer o trato sucessivo referente às vendas efetuadas pela Requerente aos concessionários;
- Os documentos juntos ora corporizam meras notas de lançamento ora documentos internos, com um valor insuficiente para negar a validade dos factos – a propriedade dos veículos – sobre os quais existe uma presunção legal;
- O afastamento da incidência subjetiva do IUC proposto pela Requerente contraria o princípio da legalidade e a da tipicidade estatuído no artigo 8º da LGT e 103º da CRP, uma vez que tal entendimento não se escora na lei;
- O entendimento da Requerente colide ainda com o princípio da capacidade contributiva estatuído no artigo 104º da CRP e no artigo 4º da LGT, ao tentar afastar a incidência subjetiva do imposto;
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Tramitação subsequente
3.1. Requerimento de resposta à defesa de natureza excetiva deduzida pela Requerida
Por despacho do Tribunal de 10 de maio de 2016, a Requerente foi notificada da concessão de prazo para exercer o contraditório em relação às questões de natureza excetiva suscitadas pela Requerida na sua contestação.
Em 23 de maio de 2016, a Requerente apresentou um requerimento sequente ao despacho do Tribunal de 10 de maio de 2016, em que respondia a várias questões suscitadas na contestação da Requerida.
Nesse requerimento, a Requerente alegou o seguinte:
- Embora a Requerente constasse inicialmente, por imperativo legal, como proprietária dos veículos em questão, os mesmos foram alienados mesmo antes da emissão da DAV, sendo por isso apenas a importadora e não a real proprietária ou utilizadora;
- De acordo com o Código do Imposto Único de Circulação é sujeito passivo o proprietário do veículo tal como consta do registo automóvel. Contudo, esta norma de incidência assenta numa presunção ilidível;
- O registo também apenas faz presumir a propriedade do veículo;
- Na data da exigibilidade do imposto, a A… não era a proprietária dos veículos, pelo que não era sujeito passivo do imposto;
- De acordo com o artigo 17º, nº1 do CIUC, no ano da matrícula ou registo em território nacional o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao tempo legalmente exigido para o respetivo registo. Ora no presente caso, os veículos foram registados dentro do prazo legal pelo que a Requerente não é a real proprietária dos mesmos;
- A Requerente junta os documentos que provam que foram celebrados contratos de venda das viaturas e recebido o respetivo preço;
- As faturas juntas gozam de presunção de veracidade nos termos do artigo 75º da LGT, não logrando a AT demonstrar a falta de correspondência entre o teor das mesmas e a realidade;
- Tais faturas são consideradas como prova bastante no âmbito do procedimento especial para o registo de propriedade de veículos automóveis regulados no DL 177/2014, de 15 de dezembro;
Quanto à exceção de intempestividade do pedido:
- Em 14 de outubro foi apresentada reclamação graciosa contra os atos de liquidação em causa, sendo tal reclamação tempestiva;
- De acordo com o disposto no art. 2º, al. a) da portaria 112-A/2011, de 22.3, os serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública ficam vinculados às decisões do CAAD, com exceção das seguintes: “a) pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código do Procedimento e Processo Tributário;
- Face a esta disposição, a Requerente optou por apresentar reclamação graciosa com duas finalidades: primeiro, obter da própria Administração a anulação da autoliquidação ilegal; segundo, e no caso de não obter a anulação por parte da Administração, poder, através de uma decisão arbitral, vinculá-la ao seu conteúdo;
- Ora, sendo o recurso a tal meio de impugnação administrativa imposto à Requerente por imperativo legal, a fim de obter a vinculação da Requerida à decisão arbitral a ser proferida, naturalmente que o prazo de impugnação previsto no artigo 10º do RJAT terá de contar da data da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
- Acresce que a reclamação graciosa não deverá ser simultânea com o mecanismo da impugnação porquanto poderia determinar a existência de duas decisões contrárias sobre a mesma questão, obstando à celeridade da resolução das questões suscitadas;
- Não é verdade que a Requerente não faz qualquer referência, no seu pedido, ao procedimento de reclamação graciosa;
- A Requerente peticiona que seja “declarada ilegal a imputação do IUC referente ao ano de 2011 e por referência aos veículos com as matrículas …-… -… e …-… -…;
- Não entendeu a AT que, não obstante não ter sido escrito expressamente pela ora Requerente no pedido que “seja declarada ilegal a decisão de indeferimento da reclamação graciosa”, o pedido de declaração de ilegalidade formulado mais não será que o pedido de declaração de ilegalidade do ato administrativo emanado pela Administração Tributária de indeferimento da reclamação graciosa;
- Após se pronunciar inequivocamente sobre o teor da reclamação graciosa pela AT (Artigos 7º a 12º do pedido), a Requerente refere expressamente no art. 13º o seguinte: “face ao exposto, não pode a ora Requerente conformar-se com a decisão tomada pela AT (leia-se o indeferimento a reclamação graciosa) porquanto entende não ser o sujeito passivo do imposto em questão, como de seguida se evidenciará;
- Mais ainda, a própria AT não realiza qualquer análise aos argumentos invocados pela Requerente no referido procedimento administrativo, apenas se limitando a manter a responsabilidade do imposto sobre a ora Requerente, confirmando assim a decisão anterior;
- A AT não apresentou qualquer fundamentação para a rejeição da argumentação invocada pela Requerente, limitando-se a referir que efetuou uma consulta à base de dados do IRN (Instituto dos Registos e Notariado);
- Entende a ora Requerente que a fundamentação da Autoridade Tributária é materialmente inexistente e por isso estava impossibilitada de lhe responder;
Quanto à alegada pela Requerida desconformidade da eventual procedência do pedido com a Constituição:
- A Requerente discorda do entendimento da Requerida defendendo que a seguir-se a linha formalista da Autoridade Tributária em detrimento da interpretação conferida pela Requerente se estaria, aí sim, a desrespeitar princípios e normativos constitucionalmente tutelados;
- Na verdade, a Autoridade Tributária parece fazer crer que os princípios constitucionais que tutelam a posição jurídica da ora Requerente como o princípio da capacidade contributiva e o princípio da equivalência devem ser preteridos em benefício dos princípios da segurança jurídica e/ou da confiança, tendo assim apenas em vista a arrecadação cega do tributo e ignorando a verdadeira realidade subjacente ao mesmo.
3.2. Alegações da Requerida
Em 25 de maio de 2016, a Requerida apresentou requerimento em que, alegando que a Requerente havia extravasado o âmbito da matéria excetiva à qual estava limitado o seu direito de resposta, pedia o desentranhamento do mesmo requerimento dos autos ou a consideração como não escrita da parte do mesmo requerimento em que se verificava excesso de contraditório.
Por despacho de 12 de junho de 2016, o Tribunal considerou ter a Requerente excedido o âmbito da matéria excetiva para a qual tinha sido convidada a exercer o contraditório, tendo-se pronunciado extensivamente sobre a defesa por impugnação deduzida na contestação da Requerida.
Em conformidade com isso, o Tribunal propôs que se prescindisse da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT e que fosse concedido prazo à Requerida para apresentar alegações escritas.
Tendo esta tramitação sido aceite por ambas as Partes, foi concedido prazo à Requerida para apresentar alegações escritas.
A Requerida apresentou alegações escritas, em que reiterou a argumentação articulada na resposta.
II – SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 26-02-2016, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as despectivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas.
Pretende-se a apreciação conjunta da legalidade de 2 liquidações de IUC, relativas ao ano de 2011, pelo que se está perante uma cumulação de pedidos.
Verificam-se no caso concreto os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT e no artigo 104.º do CPPT, sendo de admitir a cumulação em virtude da identidade do imposto e da circunstância de a análise dos atos tributários em causa depender da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da aplicação das mesmas regras de direito
Não foram identificadas nulidades no processo.
III – QUESTÕES A DECIDIR
São as seguintes as questões a decidir pelo Tribunal:
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Questão prévia
- Procedência da exceção de intempestividade do pedido
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Questões de mérito
- A incidência subjetiva do Imposto Único de Circulação no ano da matrícula do veículo, em caso de venda do mesmo veículo no mesmo ano civil.
IV – FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:
1º: A Requerente é importadora de veículos automóveis;
2º Em 14-07-2011 foi emitida em nome da requerente uma declaração aduaneira de veículos (DAV) para o veículo com o chassis V…, ao qual foi atribuído, na mesma data, o número de matrícula …-… -…;
3º Em 13-07-2011, a Requerente emitiu fatura referente à venda do veículo acima indicado a B… Comércio e Reparação;
4º O preço da venda foi pago em 05-08-2011;
5º Em 10-08-2011, a Requerente registou em seu nome a propriedade do veículo com a matrícula …-… -…;
6º Em 12-08-2015 foi emitido, em nome da Requerente, documento de cobrança do IUC relativo ao veículo com a matrícula …-…-…, referente ao ano de tributação de 2011, com o valor de imposto a pagar de 142,77euros, o qual foi integralmente pago em 17-08-2015;
7º Em 12-12-2011 foi emitida em nome da requerente uma declaração aduaneira de veículos (DAV) para o veículo com o chassis V…, ao qual foi atribuído, na mesma data, o número de matrícula …-… -…;
8º Em 09-12-2011, a Requerente emitiu fatura relativa à venda do veículo acima indicado a C…, SA;
9º O preço da venda foi pago em 26.12.2011;
10º Em 02-01-2012, foi efetuado registo de propriedade do veículo com a matrícula …-… -… em nome da Requerente;
11º Em 12-08-2015 foi emitido, em nome da Requerente, documento do cobrança do IUC relativo ao veículo com a matrícula …-… -…, referente ao ano de tributação de 2011, com o valor de imposto a pagar de 141,12 euros, o qual foi integralmente pago em 17-08-2015;
Os factos considerados provados foram-no com base nos documentos carreados pelas Partes para o processo.
Não existem facto com relevância para o julgamento da causa considerados não provados.
V - FUNDAMENTAÇÃO
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Questão prévia: a exceção de caducidade do direito de ação
Dispõe o artigo 10º, nº 1 do RJAT que
1 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:
a) “No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nos. 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;”
Por seu turno, o artigo 16º, nº 2 do CIUC dispõe que “a liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo através da Internet, nas condições de registo e acesso às declarações eletrónicas.”
Só em caso de não liquidação pelo sujeito passivo, a Administração Tributária procede a liquidação oficiosa (nos termos do artigo 18º, nº 2 do CIUC). Não foi o que aconteceu nos casos presentes, em que a Requerente procedeu à autoliquidação do imposto.
Conjugado o disposto na al. a) do nº 1 do art. 10º do RJAT com a al. a) do nº 1 do art. 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, resulta que, no caso em que o ato a impugnar é uma autoliquidação, o prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral é de 90 dias e conta-se a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária (Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Guia da Arbitragem Voluntária, Almedina, Coimbra, 2013, p. 164).
Tal como o prazo para deduzir impugnação judicial, o prazo para deduzir pedido de pronúncia arbitral é um prazo de caducidade e tem natureza substantiva, conforme se estabelece no art. 20º do CPPT, contando-se de acordo com o disposto no art. 279º do CCivil, ou seja, de forma contínua, sem suspensões, designadamente, nos sábados, domingos e feriados ou nos períodos de férias judiciais, apenas acontecendo que se o prazo terminar durante esses dias ou período, o seu termo se transfere para o primeiro dia útil após os mesmos.
Os documentos de cobrança emitidos indicam como prazo de pagamento o dia 24-10-2011 (para o documento de cobrança 2011…) e o dia 13-02-2012 (para o documento de cobrança 2011…).
Obviamente este são os prazos em que o pagamento deveria ter sido efetuado no caso de a autoliquidação ter sido efetuada dentro do prazo legal estabelecido no artigo 17º, n.º1 do CIUC, o que não foi o caso.
Não se aplicando este prazo, nem qualquer outro especificamente previsto, o prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias em causa era de 30 dias, conforme o artigo 85º, nº 2 do CPPT. Tendo os documentos de cobrança sido emitidos a 12-08-2015, os prazos terminariam, portanto, a 11-09-2015, data esta a partir da qual se começaria a contar o prazo de 90 dias previsto na al. a) do nº 1 do art. 10º do RJAT e o qual terminaria a 10 de dezembro de 2015.
Tendo o pedido sido apresentado a 30 de novembro de 2015, há que concluir que a apresentação do pedido de pronúncia arbitral não é intempestiva, improcedendo, pois, a exceção de caducidade do direito de ação.
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A incidência subjetiva do Imposto Único de Circulação no ano da matrícula do veículo, em caso de venda do mesmo veículo no mesmo ano civil.
Quanto à incidência subjetiva do imposto único de circulação, rege o artigo 3º do respetivo código, que dizia, no seu nº1, ao tempo dos factos tributários que deram origem às liquidações impugnadas, que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
Existe abundante jurisprudência, sobretudo de tribunais arbitrais, no sentido de que esta disposição continha uma presunção, no que dizia respeito à determinação de quem era proprietário de um veículo.
Portanto, o proprietário de um veículo era sujeito passivo independentemente de existir registo de propriedade em seu nome, mas existindo registo de propriedade em nome de um dado titular, presumia-se que esse era o efetivo titular do direito.
Quanto à incidência temporal, rege o artigo 4º do mesmo diploma, que contém duas regras:
A primeira, a da periodicidade e anualidade do imposto: o imposto é anual e é devido por inteiro em cada ano a que respeita;
A segunda regra, contida no nº 2 do preceito, diz-nos – não muito claramente diga-se – quando se considera verificado o facto tributário.
É o seguinte o teor do nº 2 do artigo 4º:
“2 - O período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos das categorias A, B, C, D e E, e ao ano civil, relativamente aos veículos das categorias F e G.”
Portanto: o imposto é anual, o que quer dizer que respeita ao período de 12 meses. Este período de 12 meses não coincide necessariamente com o ano civil. O primeiro período de tributação inicia-se na data da matrícula. Os períodos subsequentes iniciam-se na data do aniversário da matrícula.
Apliquemos a regra aos dois casos concretos:
Para o veículo com a matrícula …-… -…, a data da matrícula é 14-07-2011. Nesta data inicia-se o primeiro período de tributação de 12 meses, para este veículo.
Para o veículo com a matrícula …-… -…, a data da matrícula é 12-12-2011. Nesta data inicia-se o primeiro período de tributação de 12 meses, para este veículo.
Mas se é certo que o período de tributação se inicia nessa data, o mesmo período só termina um ano depois. Se ao longo do período se sucederem vários proprietários, qual deles é sujeito passivo? O primeiro ou o último? No campo do Imposto Municipal sobre Imóveis, por exemplo, o qual também incide sobre a propriedade e é também um imposto de periodicidade anual, o sujeito passivo é o proprietário no último dia do período de tributação (artigo 8º, nº 1 do CIMI).
Ora, nem o artigo 4º nem o artigo 3º do CIUC dão resposta a esta questão.
No entanto, o nº 3 do artigo 6º, sempre do CIUC, determina que “o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do artigo 4.º”. Se o imposto é exigível no primeiro dia do período de tributação, isso significa que se considera verificado nessa data o facto tributário e constituída a obrigação tributária, a qual obviamente, tem necessariamente um sujeito passivo. Se assim é, só se pode concluir que é sujeito passivo do imposto quem for o proprietário do veículo no primeiro dia do período de tributação.
Vejamos quem era proprietário dos dois veículos em causa no primeiro dia de tributação do primeiro ano de tributação no caso dos dois veículos. Já sabemos que o dia que nos interessa é o dia da matrícula.
Ora, no dia da matrícula, proprietária dos dois veículos era indiscutivelmente a Requerente, não só porque a matrícula foi emitida em seu nome nesse mesmo dia, mas também porque a Requerente procedeu ao registo de propriedade em seu nome, e ainda porque os contratos de venda preveem que a propriedade dos veículos permanece na titularidade da Requerente até ao pagamento integral do respetivo valor, o qual só veio a ocorrer em data posterior.
Daqui há que concluir que, nos dois casos em apreço, o proprietário dos veículos no primeiro dia do período de tributação era a Requerente, sendo, por tal razão, ela também o sujeito passivo do imposto.
Nesta conformidade, há que concluir que não padecem as liquidações impugnadas de qualquer ilegalidade, nomeadamente por erro quanto aos pressupostos de direito ou de facto da aplicação da lei aplicável.
VI. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, este Tribunal decide julgar totalmente improcedente o presente pedido arbitral.
Valor da utilidade económica do processo: Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 283,89 euros.
Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 306,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 22 de setembro de 2016
O Árbitro
(Nina Aguiar)