Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 483/2015-T
Data da decisão: 2016-03-23  Selo  
Valor do pedido: € 12.550,63
Tema: IS – Terrenos para construção; verba 28.1 TGIS; inimpugnabilidade das prestações; juros indemnizatórios; competência do Tribunal Arbitral
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Decisão Arbitral

 

 

Requerente: A…, Lda.

Requerida: AT - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

I – RELATÓRIO

 

1.      Pedido

A…, Lda., com o n.º de contribuinte …, com sede na Rua …, n.º …, …-… …, apresentou, em 27-07-2015, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 2.º e no art. 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista a:

1)      A anulação de liquidação de Imposto de Selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, corporizada no documento de cobrança n.º 2015 …, sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana tributária da união de freguesias de … e … com o artigo …, referente ao ano 2014, e com o valor de 12.550,63 euros;

2)      A restituição das importâncias indevidamente pagas em consequência da liquidação impugnada acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios.

Para sustentar o seu pedido, a Requerente alega, em síntese:

-        A Requerente é comproprietária do prédio urbano objecto da liquidação impugnada, sito na Rua … e Avenida …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … e na matriz predial urbana tributária com o artigo …;

-        O prédio em causa é um terreno para construção, no qual não se iniciaram até à data quaisquer obras de edificação;

-        Tendo sido apresentado junto da Câmara Municipal de … pedido de informação prévia em relação à possibilidade de construção no referido prédio, o órgão municipal informou que a área em que se situa o terreno em causa se destina à localização predominante de actividades residenciais, complementadas com outras actividades, nomeadamente comerciais, de equipamento, de serviços, empresariais e industriais, desde que não criem incompatibilidade com a actividade residencial;

-        Prevendo a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) a incidência sobre os terrenos para construção “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”, o terreno em causa, com as características descritas, não se enquadra nesta previsão, uma vez que as edificações previstas na área não incluem apenas a habitação, mas abrangem os serviços, o comércio, os equipamentos e a indústria;

-        Não se encontrando prevista qualquer edificação concreta para o terreno em causa, e sendo possível, de acordo com o plano director municipal e com a informação prévia obtida, instalar no mesmo edificações dos géneros equipamentos, comércio, serviços ou indústria, não é possível afirmar, como erradamente fez a liquidação impugnada, que se trata de um terreno “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”;

-        A tributação estabelecida na verba 28.1 da TGIS tem um objectivo determinado, que é o de tributar contribuintes com uma capacidade contributiva acrescida, manifestada através da propriedade de imóveis habitacionais de luxo, sendo lícito concluir que também no caso dos terrenos o legislador pretendeu apenas tributar “casas de habitação” e não qualquer outro tipo de imóveis;

-        Além disso, a detenção, por parte de uma empresa do ramo imobiliário de um terreno para construção, ainda que destinado a construção de prédios habitacionais, não evidencia qualquer capacidade contributiva especial;

-        Em termos constitucionais, a detenção por parte de uma empresa imobiliária de um terreno para construção, o qual é um bem de investimento, não revela capacidade contributiva, pelo que a liquidação em causa não é conforme com o princípio constitucional da capacidade contributiva, o qual deve prevalecer sobre a ficção de uma sujeição objectiva a Imposto do Selo enquanto pseudo concretização do princípio da igualdade, o que tudo leva a concluir pela ilegalidade da liquidação impugnada por violação do princípio constitucional da igualdade tributária;

-        O acto de liquidação impugnado enferma ainda de ilegalidade por falta de fundamentação, pois a Autoridade Tributária, a fim de fundamentar devidamente o acto, estava obrigada a invocar que estamos perante um terreno “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, o que não fez.

 

2.      Resposta

Na sua Resposta, a Requerida AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, alega, em síntese:

 

a)      Por excepção

-        Atendendo à inimpugnabilidade autónoma das prestações dos actos de liquidação constantes das notas de cobrança que constituem o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, verifica-se a excepção dilatória prevista na al. c) do n.º 1 do art. 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), subsidiariamente aplicável aos presentes autos por força do art. 29.º, n.º 1, al. c) do RJAT, o que obsta ao conhecimento do mérito da causa e acarreta a absolvição da Requerida da instância;

 

b)      Por impugnação

-        As ilegalidades ou incorrecções praticadas na avaliação dos imóveis devem e deviam no caso vertente ter sido sindicadas na altura em que a mesma avaliação ocorreu, pelos meios próprios previstos na lei;

-        Não tendo tal acontecido, todos os pressupostos positivos – matriz, valor tributável, afectação do prédio e titular do direito – de que depende a incidência tributária tornaram-se inatacáveis;

-        A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação;

-        Para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção, é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS não pode ser ignorada;

-        Na avaliação dos terrenos para construção, atende-se necessariamente à área a construir autorizada e à utilização a ser dada a essa construção, ou seja, às características do prédio urbano que nele se vai construir; a determinação do VPT dos terrenos para construção deve atender à afectação das edificações autorizadas ou previstas para habitação; 

-        Muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção, pois o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, entre outros elementos, o número de lotes e a indicação da área de localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos, número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previstos, nos termos da alínea a) do art. 77.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE);

-        A informação prévia emitida pela Câmara Municipal a pedido da Requerente é claro ao referir que o prédio em causa se encontra inserido em área predominantemente residencial, sendo as demais actividades previstas sempre um complemento da afectação residencial;

-        Se dúvidas houvesse quanto à afectação habitacional do terreno em causa, as mesmas seriam dissipadas pelo seu destino normal que, conforme se infere da leitura da planta do PDM, será previsivelmente a construção de edifícios de residências;

-        Pelo que a liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, na  redacção  da  Lei  n.º  83-C/2013,  que  expressamente prescreve  que  os  terrenos  para  construção  constituem objecto  de  incidência  da tributação;

 

Quanto à falta de fundamentação:

-        Todos os elementos – identificação fiscal do contribuinte, ano de imposto, identificação do prédio, ano de imposto, taxa, VPT, colecta e imposto a pagar - estão expressos nas notas de cobrança para pagamento, inexistindo qualquer procedimento administrativo subjacente a cada acto de liquidação.

 

Quanto à alegada inconstitucionalidade da norma aplicada à liquidação

 

-        Os edifícios ou construções habitacionais e, por outro lado, os edifícios ou construções comerciais, industriais ou para serviços, bem como os terrenos para construção e a espécie indeterminada "outros” são categorias autónomas e bem diferenciadas, (diferença essa que se manifesta nas diferentes regulações objecto dos n.ºs 1, 2, 3 e 5 do art. 40.º-A e dos arts. 41.º e 45.º do CIMI);

-        Sendo imperativo tratar de maneira desigual aquilo que não é igual, dando cabal cumprimento ao dispositivo constitucional da igualdade, a verba 28.º da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade do art. 13.º da Constituição Portuguesa.

 

Quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios

-        A Requerida não poderá ser condenada ao pagamento de juros indemnizatórios ao requerente, uma vez que aplicou a lei, e as liquidações impugnadas não padecem de qualquer ilegalidade.

 

3.      Tramitação subsequente

Por despacho de 01-01-2016, e mediante a concordância das Partes, o Tribunal determinou a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e fixou prazo às Partes para a apresentação de alegações escritas.

 

4.      Alegações

Nas alegações por si apresentadas, a Requerente começou por responder à defesa por excepção deduzida pela Requerida, nos seguintes termos:

-        A Requerente identificou no frontispício da petição inicial o objecto do pedido de pronúncia arbitral como a “apreciação da legalidade do acto tributário de liquidação do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo”, pelo que não tem fundamento a excepção invocada pela Requerida;

-        A invocação da excepção de incompetência, sem qualquer fundamento e em divergência com a actuação da Requerida em muitos anteriores processos configura litigância de má-fé;

Relativamente à questão de fundo da ilegalidade da liquidação impugnada, a Requerente alegou que a Autoridade Tributária não invoca como fundamento estarmos perante terrenos para construção com afectação prevista ou aprovada para habitação, nos termos do CIMI e que descurou o facto de que, para além de no terreno estar autorizada a construção de fracções afectas à habitação, o mesmo tem prevista a edificação destinada a comércio e serviços, situação que nem o corpus nem o animus da norma de incidência contemplam.

A Requerida não apresentou alegações.

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 06-10-2015, tendo sido o Árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respectivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11.º, n.º 1, als. a) e b) do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

III. QUESTÕES A DECIDIR

 

São as seguintes as questões a decidir no presente processo arbitral:

1.      A procedência da invocada pela Requerida excepção de incompetência do Tribunal Arbitral;

2.      A violação, por parte da liquidação impugnada, do disposto na verba 28.1 da TGIS por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito de aplicação da mesma norma;

3.      A inconstitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, na parte em que sujeita a tributação os terrenos para construção “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do Código do IMI”;

4.      A violação, por parte da liquidação impugnada, da obrigação legal de fundamentação dos actos tributários.

 

IV – Matéria de facto

1.      Factos considerados provados

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão da causa:

1º: Em 21.07.2015, a Requerente figurava como proprietária, em compropriedade, de metade de um prédio descrito como terreno para construção, descrito sob o artigo … na matriz predial urbana da união de freguesias de … e …, com o VPT de 2.510.125,03 euros;

2º O prédio referido encontra-se abrangido, como lote n.º …, pelo alvará de loteamento n.º …/91 da Câmara Municipal de …;

3º De acordo com o alvará de loteamento, e de acordo com o aditamento …/2015 ao mesmo, a respectiva área destinada a habitação é de 5.239,00 m2, correspondendo a 35 fogos; a área destinada a comércio e serviços é de 730,00 m2, correspondente a 2 espaços;

4.º O prédio referido foi objecto de uma informação prévia emitida pela Câmara Municipal de … a pedido da Requerente, na qual se informa que, de acordo com o PDM e Plano de Urbanização de … Sul, o prédio se encontra em área predominantemente residencial e “destina-se à localização predominante de actividades residenciais, complementadas com outra actividades, nomeadamente comerciais, de equipamentos, de serviços, empresariais e industriais, desde que não criem condições de incompatibilidade com actividade residencial nos termos da lei”;

5º A Requerente foi notificada de liquidação de Imposto do Selo, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, sobre o referido prédio, liquidação corporizada no documento n.º 2015 …, na quantia de 12.550,63 euros;

6º Anteriormente à apresentação do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente havia procedido ao pagamento da primeira prestação do imposto liquidado, no valor de 4.183,55 euros;

7º Posteriormente, na pendência do presente processo arbitral, a Requerente procedeu ao pagamento da segunda e da terceira prestações do imposto liquidado, no valor de 4.183,54 euros cada uma.

Os factos considerados provados foram-no com base na documentação apresentada pelas Partes.

 

2.      Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

V – FUNDAMENTAÇÃO

 

1.      Procedência da invocada pela Requerida excepção de incompetência do Tribunal Arbitral

Nos termos do art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da pretensão de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.

No artigo 1.º da petição inicial, a Requerente diz:

“Vem o presente pedido de pronúncia arbitral interposto da liquidação do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (…)”.

No artigo 2.º, a Requerente identifica o imóvel sobre o qual recai o imposto, o ano a que o mesmo se refere e o valor da dívida tributária e indica o documento de cobrança através do qual a liquidação lhe foi comunicada.

Não há qualquer dúvida, pois, de que o objecto do pedido de pronúncia arbitral é a declaração de ilegalidade de um acto de liquidação de um tributo, sendo assim conforme com o citado art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

Não se vê qualquer base para a afirmação, sustentada pela Requerida, de que o pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a anulação de uma nota de cobrança.

O que a Requerente faz, sim, é indicar o documento de cobrança como documento que incorpora o acto de liquidação, o que não é de todo em todo equivalente a impugnar a nota de cobrança. Sabendo a Requerida que é sua prática não comunicar o acto de liquidação por outro meio que não seja o documento de cobrança, do qual constam, aliás, todos os elementos da liquidação, a invocação de excepção de incompetência é não só destituída de qualquer fundamento como criadora de desnecessária dificuldade processual.

Improcede, portanto, a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral.

 

2.      A violação, por parte da liquidação impugnada, do disposto na verba 28.1 da TGIS por erro nos pressupostos de direito

A verba 28.1 da TGIS (introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) sujeita a Imposto do Selo a “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000”, especificando duas categorias de prédios que ficam abrangidos pelo imposto: os prédios habitacionais e os terrenos para construção “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” (redacção da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro).

Quanto ao que sejam terrenos para construção, não parece haver qualquer dúvida de que o conceito deve ser encontrado no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), nos termos da parte final do enunciado da verba 28.1 da TGIS – “nos termos do disposto no Código do IMI”.

De acordo com o artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, “Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos”.

O prédio objecto da liquidação impugnada está integrado, como lote n.º …, numa área com alvará de loteamento. De acordo com o aditamento …/2015 ao mesmo alvará, a área do prédio destinada a habitação é de 5.239,00 m2, correspondendo a 35 fogos; a área destinada a comércio e serviços é de 730,00 m2, correspondente a 2 espaços.

O prédio objecto da liquidação impugnada foi ainda objecto de uma comunicação de informação prévia emitida pela Câmara Municipal de … a pedido da Requerente, na qual se informa que, de acordo com o Plano Director Municipal (PDM) e o Plano de Urbanização de … Sul, o prédio se encontra em área predominantemente residencial e “destina-se à localização predominante de actividades residenciais, complementadas com outra actividades, nomeadamente comerciais, de equipamentos, de serviços, empresariais e industriais, desde que não criem condições de incompatibilidade com actividade residencial nos termos da lei”.

Portanto, não há dúvida de que o prédio em causa preenche os requisitos para ser classificado como terreno para construção.

Porém, para que o prédio possa ficar abrangido pela incidência da verba 28.1 da TGIS, não basta reunir os requisitos para ser classificado como terreno para construção, sendo ainda necessário tratar-se de terreno “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

Esta segunda parte da norma é a que levanta maiores problemas de interpretação.

Desde logo, não é claro o que se pretendeu dizer com a expressão “nos termos do CIMI”, já que o CIMI não contém a categoria de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”. Prevê apenas no artigo 6.º, n.º 3, a categoria dos terrenos para construção, não distinguindo segundo o tipo de edificação prevista ou autorizada para os mesmos.

A fim de retirar um sentido útil da remissão, deve entender-se que a mesma autoriza a procurar um preenchimento atomizado da previsão normativa, recorrendo a vários lugares do Código do IMI.

Assim, cremos dever entender-se que, se a expressão “terrenos para construção” remete para o n.º 3 do art. 6º, a expressão “para habitação” remete para o n.º 2 do mesmo preceito. Uma edificação será para habitação quando a edificação prevista ou autorizada tenha como destino normal o fim habitacional.

Quando pode dizer-se, por outro lado, que um terreno tem uma edificação “prevista ou autorizada”?

A edificação deve considerar-se autorizada quando foi requerida uma licença de construção aos serviços competentes e essa licença foi concedida. Não é o que se verifica no caso vertente.

Já quanto a encontrar-se “prevista” uma edificação, o conceito é muito mais vago.

Refira-se que o art. 45.º, n.º 2 do CIMI também fala em “edificações autorizadas ou previstas”, sem no entanto definir em que consistem.

Um alvará de loteamento consiste numa licença de urbanização de uma área urbana com vista à construção de edificações. Esse alvará é pedido pelos interessados, o que implica que existe uma intenção de construção. Por outro lado, o alvará de loteamento prevê o tipo de construção a implantar, com as respectivas áreas. O que significa que, existindo um alvará de loteamento, deve considerar-se que existe previsão de uma edificação com certas características.

Como é evidente, essa previsão pode não se concretizar. A possibilidade de não concretização é inerente a qualquer previsão. Sendo assim, quando a lei – na verba 28.1 da TGIS – fala em edificações previstas está necessariamente a aceitar essa possibilidade de não concretização. Ou seja, a lei pretende que os terrenos para construção sejam tributados quando exista previsão de edificação, independentemente da sua futura concretização.

Parece assim isento de dúvida que, no caso vertente, existe uma previsão de edificação.

Resta-nos determinar se é possível afirmar no caso que nos ocupa que a “edificação prevista é para habitação”.

Para que uma edificação prevista ou autorizada preencha a previsão desta norma: basta que seja em parte para habitação; exige-se que seja predominantemente para habitação; ou é necessário que seja exclusivamente para habitação? Sabendo o legislador que as edificações urbanas colectivas, hoje em dia, nunca são exclusivamente para fins habitacionais, e tendo em vista o princípio da tipicidade do direito tributário, teria sido recomendável que tivesse esclarecido qual destes sentidos quis que fosse atendido. Mas não o fez.

A Requerente sustenta que, por se encontrarem previstas para o terreno em causa edificações com outras funções para além da habitacional, o mesmo não caberia no âmbito da norma de incidência (art. 47.º da PI).

Em primeiro lugar, observa-se que qualquer um dos três sentidos acima apontados cabe dentro da letra da disposição legal em causa, uma vez que o enunciado não contém o advérbio “unicamente” ou “exclusivamente”. Logo, qualquer um deles será, à face da literalidade da norma, admissível.

No entanto, tendo em conta que um terreno para construção habitacional com um VPT igual ou superior a 1 000 000 de euros se destina, em princípio, à construção de edificações urbanas colectivas e que as edificações urbanas colectivas nunca são exclusivamente habitacionais, sendo sempre complementadas com fracções para fins comerciais ou para serviços, parece-nos de excluir que o legislador tenha querido limitar o âmbito de incidência do imposto às edificações exclusivamente habitacionais. O contrário implicará concluir que o legislador não se expressou bem, estabelecendo uma norma sem sentido útil, o que está vedado pelo n.º 3 do art. 9.º do Código Civil (CC).

Pelo contrário, procurando reconstruir reconstituir o pensamento legislativo, a partir dos textos, tendo em conta as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, como prescreve, em matéria de interpretação da lei, o n.º 1 do art. 9.º do CC, deve concluir-se que o legislador pretendeu que fossem tributados os terrenos para construção para os quais se encontre prevista a construção de edificações que sejam, predominantemente, para habitação.

No caso vertente, as edificações previstas – segundo o aditamento ao alvará – são em 87,7% para habitação e apenas nos restantes 12,3% para fins comerciais. Além disso, a comunicação de informação prévia diz ainda que as actividades de serviços, comércio e equipamentos são complementares da actividade habitacional, sendo apenas admissíveis na medida em que não sejam incompatíveis com esta. Parece portanto claro que a parte não habitacional (de serviços, comercial, de equipamentos e industrial) tem um lugar unicamente complementar da parte habitacional nas edificações a construir no terreno em causa.

Neste sentido, cremos ser correcto considerar que o prédio objecto da liquidação impugnada é um terreno para construção “cuja edificação, autorizada ou prevista, é para habitação”, na medida em que é predominantemente para habitação. Ou seja, consideramos que, no caso concreto, existem elementos no processo administrativo de licenciamento – alvará de loteamento, aditamento ao alvará de loteamento e comunicação de informação prévia – que permitem determinar com segurança que a edificação prevista para o terreno em causa é de habitação.

A Requerente sustenta que, porque as edificações previstas são também ou poderão ser também destinadas a outras funções, não se pode dizer que as edificações previstas sejam para habitação e isto porque “as mesmas podem ser destinadas, conjunta ou isoladamente, a muitas outras finalidades”.

Não vemos como acompanhar a tese da Requerente porquanto é um facto, sobre o qual não pesa qualquer incerteza, que o terreno em causa tem previstas edificações que são predominantemente para habitação, de acordo com o alvará de loteamento, com o aditamento ao alvará de loteamento e com a comunicação de informação prévia.

A Requerente recorre em auxílio da sua tese a elementos subjectivos da interpretação, argumentando, com base em discurso do membro do Governo responsável pela introdução da verba 28.1 da TGIS, que “a realidade a tributar tida em vista pelo legislador seriam (…) «os prédios urbanos habitacionais», em linguagem corrente «as casas» e não outras realidades”. Prossegue dizendo: “seguindo este mesmo raciocínio e considerando que com o Orçamento de Estado para 2014 o legislador alargou, com o mesmo animus, a incidência objectiva do Imposto do Selo nos termos da verba 28.1 da TGIS aos terrenos para construção, podemos depreender que (…) também neste caso o legislador apenas pretendeu sujeitar unicamente a imposto (…) as casas cuja construção se encontre aprovada ou prevista nos termos do CIMI”.

Também aqui não cremos ser de secundar o argumento da Requerente. Na redacção inicial a verba 28.1 não tributava terrenos para construção. A partir do ano 2014 inclusive, passaram a ficar abrangidos pela verba 28.1 da TGIS os terrenos para construção, cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação. Não se pode, em nosso entender, sustentar, após essa alteração, que o legislador pretende ainda, através da verba 28.1 da TGIS, tributar apenas “casas de habitação”. Até porque, como bem observa também a Requerente, no caso das “casas de habitação”, o legislador apenas submete a tributação as de valor excepcionalmente elevado, i.e. as que tenham um valor patrimonial igual ou superior a 1 000 000 de euros. Ao tributar um terreno para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação, se se entendesse que aqui se plasmava ainda uma tributação sobre as “casas de habitação”, certo seria que se estariam a atingir todas as casas a construir nos terrenos abrangidos, independentemente do seu valor. Este argumento leva-nos a concluir que a tributação dos terrenos para construção não baseia a sua ratio na pretensão de tributar as casas de luxo, como parecia ser, efectivamente, o intuito inicial da verba 28.1 da TGIS, mas na finalidade de tributar os certos terrenos enquanto tal, os quais devem o seu valor ao facto de neles se encontrar prevista a construção de edificações para habitação.

Nos termos expostos, conclui-se ser improcedente a alegação de ilegalidade da liquidação por erro quanto à verificação dos pressupostos de facto e de direito da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS.

 

3.       A inconstitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, na parte em que sujeita a tributação os terrenos para construção “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do Código do IMI

Alega a Requerente que “o princípio constitucional da capacidade contributiva implica que se tribute a capacidade contributiva. No que diz respeito às empresas, a tributação incidirá sobre o rendimento real, não sobre uma mera expectativa jurídica, “como é o caso nos presentes autos”.

E continua: “o facto de estarmos perante terrenos para construção – propriedade de uma sociedade imobiliária e que se destina a realizar o seu objecto social e desenvolver actividade de promoção imobiliária, e cuja edificação autorizada e/ou prevista também é para habitação, não se pode negligenciar que estamos perante um acto que não revela capacidade contributiva. (..) Considerando que o legislador pretendeu tributar contribuintes que demonstrem uma capacidade contributiva excepcional atendendo às casas de que são proprietárias, o facto de a Autoridade Tributária agora pretender liquidar o Imposto do Selo relativamente a bens de investimento revela uma violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva. (…) Nesta medida, o princípio da capacidade contributiva deverá prevalecer sobre a ficção de uma sujeição objectiva a Imposto do Selo enquanto pseudo (mas não efectiva) concretização do princípio da igualdade.”

Conclui a Requerente: Inexistindo motivação preponderante que legitime, em estrito cumprimento e respeito pelo princípio da capacidade contributiva e da igualdade em sede fiscal, as liquidações do Imposto do Selo nos termos efectuados, não poderá deixar de se concluir pela ilegalidade [da liquidação do Imposto do Selo impugnada] por violação do princípio da [igualdade] com assento no art.º 13.º da CRP”.

Vejamos se assiste razão à Requerente.

A actual Constituição da República não consagra expressamente o princípio da capacidade contributiva com longa tradição no direito constitucional português. No entanto, é entendimento generalizado da doutrina[i] e constitui jurisprudência constitucional assente que o princípio da capacidade contributiva vigora plenamente na nossa ordem constitucional (v.g. neste sentido o acórdão n.º 84/03 do Tribunal Constitucional (TC), disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt).

O princípio da capacidade contributiva – princípio constitucional magno em matéria tributária – decorre do princípio constitucional da igualdade, como se afirma, por exemplo, no acórdão n.º 348/97 do TC: “O dever de os cidadãos pagarem impostos constitui uma obrigação pública com assento constitucional. Como tal, está sujeito a algumas regras equivalentes às dos direitos fundamentais, designadamente os princípios da generalidade e da igualdade, ou seja, de que devem estar sujeitos ao seu pagamento os cidadãos em geral (artigo 12.º, n.º 1), e devem estar sujeitos a ele em idêntica medida, sem qualquer discriminação indevida (artigo 13.º, n.º 2), isto constituindo o princípio da igualdade tributária. Este princípio é relevante não apenas para o caso da imposição fiscal mas também para o caso das isenções e regalias fiscais, que não podem deixar de o respeitar sob pena de privilégio constitucionalmente ilícito”.

Portanto – como se diz no acórdão n.º 84/03 do TC – “o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação. Consiste este critério em que a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (…) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)”.

Mas o princípio da capacidade contributiva não é apenas o parâmetro para a realização da igualdade tributária. Ele é também pressuposto absoluto da tributação, no sentido em que só é possível tributar, em conformidade com a Constituição, quando exista capacidade contributiva e na medida dessa capacidade contributiva. O Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente esta vertente – de pressuposto absoluto da tributação – do princípio da capacidade contributiva. No seu acórdão n.º 84/03, o Tribunal afirma, parafraseando Casalta Nabais, que o princípio da capacidade contributiva “afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que, na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja erija em objecto ou matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto”. E mais recentemente, no acórdão n.º 197/2013, o Tribunal sentenciou: “neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição ou pressuposto quanto como critério ou parâmetro da tributação”.

É nesta vertente do princípio da capacidade contributiva – não como parâmetro de comparação mas como pressuposto absoluto da tributação – que se esteia a Requerente ao afirmar que, na parte em que se aplica aos terrenos para construção pertencentes a empresas do ramo imobiliário que detêm esses terrenos como activo circulante, a verba 28.1 da TGIS seria inconstitucional por incidir sobre um objecto que não constitui uma manifestação de capacidade contributiva.

Diz-nos o art. 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) que a capacidade contributiva se revela através do rendimento, do património e da utilização do rendimento (despesa).

A tributação da verba 28.1 da TGIS incide sobre o património, como se deduz da expressão “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos”. É a mera detenção do prédio no património do sujeito passivo, não o rendimento que do mesmo advenha (ao contrário do que acontecia na Contribuição Predial), que constitui, no caso da verba 28.1 da TGIS, o facto tributário.

A Requerente não contesta que a titularidade de direitos reais sobre prédios urbanos possa ser considerada uma manifestação de capacidade contributiva. Contesta que essa titularidade seja uma manifestação de capacidade contributiva quando está em causa a titularidade de direito real sobre um prédio por parte de uma empresa, em cujo património o prédio em causa tem a função de activo circulante, tendo como finalidade permitir à empresa realizar o seu objecto.

A Requerente coloca-nos perante uma questão que não tem sido bastante tratada nem pela doutrina nem pela jurisprudência, que é a de saber em que condições o património revela capacidade contributiva. A questão, com efeito, não é limitada ao caso das empresas, mas estende-se com igual pertinência aos particulares.

No que diz respeito ao IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) - imposto que teve como antecessores a Contribuição Predial de 1963 e a Contribuição Autárquica de 1988 e que significou, em relação a estes antecessores, um desvio de uma tributação baseada no rendimento dos prédios para uma tributação baseada no valor de mercado dos prédios – dificilmente se poderá dizer que ele assenta no princípio da capacidade contributiva em todas as hipóteses de tributação nele previstas.

Com efeito, o IMI incide tanto sobre casas de férias ou de investimentos como de habitação permanente, por exemplo. E relativamente às casas de habitação permanente, ele incide tanto sobre uma habitação de 100 000 euros como sobre uma habitação de 1000 000 de euros. De notar que a isenção de imposto prevista no art. 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais para os prédios de habitação é temporária, valendo pelo prazo máximo de três anos. Esta isenção não está, portanto, relacionada com o princípio da capacidade contributiva, caso em que deveria ser permanente. Ela deve ser vista, antes, como uma isenção de carácter extrafiscal, que visa o investimento na aquisição de habitação própria.

É pouco defensável que uma casa de habitação permanente de 100 000 euros constitua manifestação de capacidade contributiva, sobretudo num sistema em que o Estado vem, há várias dezenas de anos, incentivando, por via fiscal, a aquisição de casa própria e desincentivando o arrendamento.

No que diz respeito às situações, como a dos presentes autos, em que os prédios integram o activo circulante de uma empresa, o Código do IMI prevê para elas um tratamento especial, que se encontra estabelecido na al. d) do n.º 1 do art. 9.º. Esses prédios estão isentos apenas durante um período máximo de quatro anos (se se incluir o ano da aquisição). O legislador teve aqui uma clara preocupação de não onerar com imposto os custos de produção das empresas cujo principal factor de produção são os terrenos de construção. 

Mas que dizer dos prédios em que outras empresas têm instaladas as suas fábricas, os seus escritórios ou os seus estabelecimentos comerciais? Também nestes casos, o IMI onera os custos de produção destas empresas, tendo estes que ser reflectidos nos preços finais. Portanto, há que concluir, a tributação do património no sistema fiscal português não exclui a tributação de bens imóveis que integram o activo das empresas e que servem a realização do seu objecto. E, portanto, o legislador toma a propriedade destes bens como manifestação de capacidade contributiva.

Quanto à tributação da verba 28.1 da TGIS, parece demonstrado, apesar da formulação deficiente, que, inicialmente, ela pretendia tributar apenas as habitações de luxo.

A partir de 2014, a tributação da verba 28.1 da TGIS estendeu-se aos terrenos para construção de valor igual ou superior a um milhão de euros cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

Nesta hipótese de tributação, o objecto já não é a habitação de luxo, pois o valor do terreno nada diz acerca do valor das habitações que nele serão construídas. Através desta nova hipótese de tributação, o legislador visa um objecto distinto, com uma lógica diferente. Visa, precisamente, activos que integram o património de empresas.

A questão última que se coloca é se é possível identificar nesta situação uma manifestação de capacidade contributiva. Admitindo que no sistema fiscal português, a regra é a tributação, e não a exclusão da tributação do património imobiliário empresarial, e que portanto o nosso legislador considera que existe aí capacidade contributiva, não nos parece defensável afirmar que se encontra totalmente ausente uma manifestação de capacidade contributiva no caso de um terreno para construção, de VPT igual ou superior a um milhão de euros, pertencente a uma empresa.

O facto de o legislador ter limitado a tributação aos terrenos cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação afigura-se uma opção legítima do legislador.

O Tribunal Constitucional, que tem salientado que o princípio da capacidade contributiva deve ser compatibilizado com outros princípios constitucionais, inclui nestes outros princípios constitucionais a liberdade de conformação do legislador (acórdão TC n.º 590/2015). No acórdão n.º 711/2006, o Tribunal afirma: “Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e factores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio”.

Não parece que no caso da verba 28.1 da TGIS exista uma situação de arbítrio.

Por um lado, o legislador entendeu dever excluir da tributação os terrenos para construção destinados a fins não habitacionais, ie. a actividades económicas e de equipamentos sociais, e, por outro, visou aqueles terrenos que pela sua localização e classificação ao nível dos instrumentos de ordenamento do território são os que estão sujeitos a uma maior valorização especulativa, que são precisamente os destinados a edificações predominantemente habitacionais.

Concluímos, em face de todos os considerandos expostos, que não se verifica a inexistência absoluta de uma manifestação de capacidade contributiva como pressuposto da tributação, e que, por conseguinte, não existe fundamento para julgar a norma em apreço inconstitucional por violação do princípio da capacidade contributiva.

 

4.      A violação, por parte da liquidação impugnada, da obrigação legal de fundamentação dos actos tributários

Alega ainda a requerente que a liquidação impugnada enforma de vício de violação de lei por falta de fundamentação, uma vez que a Autoridade Tributária deveria invocar, na fundamentação da liquidação, que se está perante um terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, é para habitação.

O dever de fundamentação dos actos administrativos, entre os quais se incluem os actos tributários, encontra-se consagrado com carácter geral no art. 268.º, n.º 3, que dispõe que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”

Em matéria tributária, nos casos em que a lei não imponha especiais requisitos de fundamentação, o cumprimento do dever de fundamentar por parte da Administração tributária afere-se em face do disposto nos números 1 e 2 do artigo 77.º da LGT e atendendo aos fins visados pelo dever de fundamentação.

O art. 77.º da Lei Geral Tributária dispõe, no seu n.º 1, que “a decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram (…)”.

No entanto, o n.º 2 do mesmo preceito acrescenta a regra de que “a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”

Afigura-se que o campo de aplicação desta fundamentação sumária - prevista no n.º 2 do art. 77.º e distinta da prevista no respectivo n.º 1 - será a os chamados actos de massa ou em série, sendo que o mesmo entendimento é corroborado pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão STA, de 17-06-2009, proc. n.º 0246/09, no qual se lê que “nos actos de massa, o dever de fundamentação é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, mas sem que possa deixar de observar o disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT ou de pôr em causa as finalidades do direito à fundamentação”.

Como se diz também no acórdão do STA de 10-04-20 no proc. 30368/13), “o dever de fundamentação surge justificadamente atenuado, por razões de racionalização exigida pela realização eficiente das tarefas administrativas e escassez de meios, precisamente no domínio dos actos administrativos gerais associados a determinadas áreas da actividade administrativa como a fiscal, onde os órgãos administrativos são solicitados a praticar actos da mesma espécie em grande número, no âmbito de procedimentos complexos, em que Administração não procede, por razões de praticabilidade, à análise individualizada de cada caso concreto em toda a sua complexidade (no mesmo sentido, o acórdão do STA de 16-05-2012, proc. n.º 0278/12).

Sublinha-se, da passagem do aresto transcrita, a ideia de que, no âmbito de procedimentos complexos e que são praticados em grande número, a Administração Tributária não procede à análise individualizada de cada caso concreto em toda a sua complexidade. O que significa que, nestes actos, as especificidades do caso concreto podem ser omitidas na fundamentação.

Cremos que estamos perante uma situação que cabe neste quadro. A liquidação do Imposto do Selo da verba 28.1 é da competência da Autoridade Tributária ab initio, independentemente de qualquer anomalia na relação tributária, como acontece, contrariamente, nos casos de liquidação oficiosa por falta de autoliquidação, de liquidação adicional ou de avaliação indirecta da matéria colectável.[ii] Sendo as liquidações de imposto ao abrigo da verba 28.1 da TGIS praticadas em massa, não é exigível que a Administração Tributária proceda à análise individualizada de cada caso concreto em toda a sua complexidade, conforme se afirma no acórdão anteriormente citado.

Nos actos de massa, o dever de fundamentação é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, mas sem que possa deixar de se observar o disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT ou de pôr em causa as finalidades do direito à fundamentação (acórdão do STA, de 17-06-2009, proc. n.º 0246/09).

Como já foi referido, nos termos do artigo 77.º n.º 2 da LGT, a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

Ora, embora de forma sumária, padronizada e informatizada, a liquidação no caso concreto contém todos estes elementos.

A fundamentação sumária prevista no n.º 2 do art. 77.º também não pode pôr em causa as finalidades do direito à fundamentação. Finalidade esta que é a de permitir ao administrado, “colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º n.º 2 do Código Civil – ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual” (STA, 26-04-1995, proc. 018218).[iii] Cremos que no caso concreto, dado tratar-se de um acto de massa em que a justificação que serve de base à liquidação é padronizada, os elementos constantes da liquidação permitem ao destinatário conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação.

Todavia, em caso de o sujeito passivo destinatário do acto não considerar suficiente a fundamentação sumária e padronizada facultada, o mesmo poderá sempre lançar mão da faculdade que a lei põe à sua disposição no art. 37.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, “requerendo a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha”, ficando assim salvaguardada a pleno realização do fundamental direito à fundamentação do acto tributário.

Nos termos expostos, tem-se também por improcedente a alegação de vício de falta de fundamentação da liquidação impugnada.

 

VI - DECISÃO

 

Pelos fundamentos expostos, decide-se:

a)      Julgar improcedente a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral;

b)      Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação impugnado.  

 

Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 12.550,63 euros;

 

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 23 de Março de 2016

 

 

O Árbitro

 

 

(Nina Aguiar)

 

 



[i] Dourado, A. P., Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2015, p. 199.

[ii] Saldanha Sanches, J. L., A Quantificação da Obrigação Tributária: Deveres de cooperação, auto-avaliação e avaliação administrativa, Lisboa, CTF, 1995, onde o autor diz que “a existência de uma situação de controvérsia, corporizada num litígio entre o contribuinte e a administração sobre a existência ou a qualificação de um determinado facto é pois a nota distintiva, no terreno da administração fiscal, para a separação entre os actos administrativos que exigem uma fundamentação especialmente desenvolvida e aqueles que a não exigem”.

[iii] Duarte Morais, R., Manual de Procedimento e Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2012, p. 80.