Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 148/2015-T
Data da decisão: 2015-12-29  IVA  
Valor do pedido: € 405.218,86
Tema: IVA - Transmissão intracomunitária de bens; prova; indemnização por garantia indevida
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro presidente), Clotilde Celorico Palma e Jorge Júlio Landeiro Vaz, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem tribunal arbitral, constituído em 12/5/2015, acordam o seguinte:

 

I.                   Relatório

 

      1. A Sociedade …, S.A.”, NIPC …, apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

       2. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento do recurso hierárquico que foi interposto dos actos de indeferimento das reclamações graciosas relativas aos actos de liquidação de IVA dos períodos 01, 04, 05, 06, 07, e 08 de 2011, e respectivas liquidações de juros compensatórios, com todos os demais efeitos legais, designadamente a condenação da AT ao ressarcimento dos custos incorridos com prestação de garantias para suspensão do processo de execução.

3. Em 4/3/2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

3.1.Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

3.2. Em 23 de Abril de 2015 as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 12/5/2015.

3.4.Nestes termos, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

a.                  Foram visadas no relatório de Inspecção as seguintes transmissões intracomunitárias: i) B… (Reino Unido) - € 1.108.692,82; ii) C… (Letónia) – €168.996,00; iii) D… – €403.230,34; e iv) E… (Itália) - €11.096,00;

b.                  Os SIT entendem não estar demonstrada a expedição dos bens para o Estado-Membro respectivo, isto apesar de, para além dos comprovativos de envio por CTT Expresso ou através da transportadora FedEx, terem sido apresentadas declarações relativas às operações em causa emitidas pelos próprios adquirentes, cuja autoria não é controvertida, onde estes declaram ter feito aquisições intracomunitárias de bens;

c.                  A AT funda-se nas respostas recebidas das autoridades tributárias dos Estados-Membros, mas utiliza informação relativa a 2010, não curando sequer de produzir nova “prova” como se uma informação das autoridades tributárias do Estado-Membro de destino relativa a 2010 servisse para todos os períodos subsequente;

d.                 A descrição constante das guias de remessa (documentos e não relógios) decorre de imposições das instituições seguradoras que não permitem que no transporte de jóias e relógios valiosos se faça menção ao seu conteúdo e é, aliás, prática comum no sector;

e.                  Em suma, segundo a Requerente, as liquidações adicionais de IVA objecto do presente pedido arbitral padecem de erros flagrantes e grosseiramente negligentes, porquanto:

-As transmissões em causa foram feitas por um sujeito passivo a outro sujeito passivo, agindo nessa qualidade, tendo-se procedido à verificação do seu número de IVA;

-Os bens foram devidamente expedidos para os Estados-Membros de destino, tendo o envio ficado devidamente demonstrado pelas guias de remessa que a requerente oportunamente entregou aos SIT;

-E, bem assim, pelas declarações nos Estados-Membros de destino das respectivas aquisições.

 

A Requerente juntou vários documentos e um parecer do Professor Doutor… .

 

5.A AT apresentou resposta e juntou processo instrutor, invocando, em síntese, o seguinte:

a.                  No âmbito do procedimento inspectivo, exigiu à Requerente prova: (i) Da saída dos bens do território nacional para o Estado-Membro de destino e para o destinatário que forneceu a sua identificação fiscal, como sujeito passivo de IVA, nesse outro Estado-Membro; e (ii) Da entrega efectiva dos bens, quanto ao destinatário identificado na factura e ao local indicado na mesma;

b.                  Solicitada “a cooperação administrativa intracomunitária às autoridades fiscais dos Estados-membros identificados, ao abrigo dos artigos 5º e 19º do Regulamento (CE) nº 904/2010, no sentido de confirmarem as transacções intracomunitárias em causa”, (…) foi possível concluir que os locais/clientes para onde os bens em causa (relógios) eram facturados não correspondiam aos locais onde os mesmos foram efectivamente entregues;

c.                  Os documentos juntos pela Requerente à reclamação graciosa, “já haviam sido analisados pelos SIT, que concluíram, de forma devidamente fundamentada, que os mesmos não provam a expedição e transporte dos bens para outro Estado-Membro com destino ao adquirente, sujeito passivo de IVA, agindo como tal”;

d.                 “ (…) na situação em causa nos presentes autos, as declarações dos adquirentes não se afiguram ser uma prova determinante para efeitos da isenção de imposto em análise”;

e.                  “ (…) face aos indícios detectados e devidamente evidenciados nos RIT, a presunção de veracidade da contabilidade e das declarações do contribuinte prevista no artigo 75º, nº 1 da LGT, cessa, por força das circunstâncias elencadas no nº 2 do mesmo artigo”;

f.                   “Devendo assim proceder-se à aplicação das regras do ónus da prova previstas no artigo 74.º da LGT, isto é, estando em causa uma liquidação fundada no não reconhecimento de uma isenção que se invocou para não liquidar o imposto devido, cabe à AT o ónus de demonstrar que se verificam os pressupostos de facto que integram o fundamento previsto na lei para a sujeição ao imposto que se deixou de liquidar, cabendo, por seu turno, ao sujeito passivo provar a existência dos requisitos”;

g.                  Por último, a AT solicita o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE, nos seguintes termos: 

“ (…) tendo considerado que a resolução da causa submetida a esse Tribunal requer uma interpretação conjugada dos artigos 131.º e 138.º, n.º1 da Directiva 200/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p.1), requer-se, à semelhança do que foi feito no âmbito dos processos a correr termos no CAAD sob os n.ºs 85/2015 e 149/2015, a submissão ao TJUE, a título de reenvio prejudicial (cfr. artigo 267º do TFUE), antes da pronúncia de mérito e mediante a suspensão da instância, das seguintes questões:

1)                 Pode um Estado-Membro considerar que não está preenchido o requisito da isenção das operações previsto no n.º1 do artigo 138.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado – Membro de destino dos bens, a confirmação de que, embora o adquirente esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro, tenha declarado a operação como aquisição intracomunitária e tenha efectuado o pagamento da transacção, os bens não chegaram a entrar no país de destino e terão sido facturados pelo adquirente a terceiro, não residente em qualquer Estado membro?

2)                 Pode um Estado-Membro considerar que não está preenchido o requisito da isenção das operações previsto no n.º 1, do artigo 138.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado – Membro de destino dos bens, a confirmação de que, embora o adquirente esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro e tenha efectuado, em parte ou na totalidade, o pagamento da transacção, voluntariamente não incluiu, ou não incluiu de todo, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens?

3)                 Pode considerar-se que uma prática administrativa respeita o princípio da segurança e da proporcionalidade quando faz recair sobre o vendedor o ónus de provar a autenticidade dos documentos de envio e/ou transporte e a recepção dos bens quando os documentos de transporte apresentados não identificam os bens objecto da transmissão? “  

 

6. Em exercício do contraditório veio a Requerente opor-se ao reenvio prejudicial por as questões formuladas não serem pertinentes, existir já interpretação anteriormente fornecida pelo TJUE sobre o respectivo teor e por as normas de direito europeu aplicáveis serem totalmente claras.

7. Na sequência do deferimento do pedido feito pela Requerida de aproveitamento da prova testemunhal produzida no Processo n.º 753/2014-T do CAAD[1] (pedido que não obteve a oposição da Requerente quanto ao aproveitamento do valor extraprocessual da prova), foi dada sem efeito a realização da audiência já marcada, ao abrigo do artigo 18.º do RJAT. Foi indicado o dia 12 de Novembro como prazo limite para a prolação da decisão arbitral, tendo posteriormente sido prorrogada para o dia 12 de Janeiro de 2016.

8. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações escritas sucessivas, mantendo, na essência, os argumentos vertidos nos articulados iniciais.

 

II.                Saneamento

 

A)                Em geral

 

9.1. O Tribunal encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer da presente acção.

9.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

9.3.O processo não enferma de nulidades.

9.4. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

B)                Em especial – do pedido de reenvio a título prejudicial para o TJUE

Como decorre do Relatório, na sua resposta, a AT formulou pedido no sentido do reenvio do processo, a título prejudicial, para o TJUE, antes da pronúncia de mérito e mediante a suspensão da instância. Pugna, o sujeito passivo, pela improcedência de tal pedido.

Cumpre apreciar.

B.1. Nos termos do previsto no artigo 267.º do TFUE, na parte que mais directamente interessa para o presente caso:

O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

a)      Sobre a interpretação dos Tratados;

b)      Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao referido Tribunal comunitário que sobre ela se pronuncie.

B.2. O primeiro requisito para que possa haver reenvio respeita, assim, à natureza do objecto de decisão a título prejudicial: norma ou acto do Direito da UE.

Cabe verificar se esse pressuposto se encontra preenchido no presente caso.

Para isso, cumpre apurar quais as normas do Direito da UE que a AT invoca, quais as questões que suscita e se existe ou não relação entre as primeiras e as segundas.

No que diz respeito às normas do Direito da UE, a AT invoca a necessidade de pronúncia, pelo TJUE, quanto aos artigos 131.º e 138.º, n.º 1, da Directiva 200/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.

Reporta-se, assim, às seguintes normas:

“Artigo 131.o - As isenções previstas nos Capítulos 2 a 9 aplicam-se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados–Membros a fim de assegurar a aplicação correcta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.

“Artigo 138.o - 1.   Os Estados–Membros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados, para fora do respectivo território mas na Comunidade, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efectuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa colectiva que não seja sujeito passivo agindo como tal num Estado-Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens.

 

Relativamente às questões a suscitar junto do TJUE, a AT enunciou as questões supra referidas.

Estabelecendo, porém, relação entre as normas comunitárias invocadas e as questões formuladas, verifica-se que estas últimas não têm as primeiras por objecto.

Com efeito, e apesar de a AT fazer referência a tais normas nas perguntas que explicita, a verdade é que as dúvidas em que as perguntas se traduzem não dizem respeito ao conteúdo da norma, mas ao regime da prova. Ou seja, as questões têm por objecto os meios de prova e o ónus da prova, matéria que não é, nem tinha de ser tratada, nas normas jurídicas comunitárias quanto às quais a AT solicita que o TJUE se pronuncie.

Tanto é evidente no âmbito da terceira questão, no contexto da qual não há qualquer referência a norma comunitária, antes a prática administrativa interna no âmbito do ónus da prova, sendo certo, paralelamente, que a fixação das regras de distribuição do ónus da prova não incumbe ao poder administrativo, mas ao legislador, pelo que sempre, também por essa razão, a questão formulada padeceria de imprecisão e razão de ser. As regras de distribuição do ónus da prova são, na verdade, as que decorrem da lei, e não aquelas que a prática administrativa refira.

Ora, como se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 12-03-2015, proferido no processo 01560/05.5BEPRT[2], "É de admitir qualquer meio adequado de prova, no procedimento e no processo, de acordo com o disposto nos artigos 50.º e 115.º, n.º1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Entendimento contrário, nomeadamente, a limitação através de circulares administrativas dos meios de prova admitidos na elisão daquela presunção é inaceitável por coarctar o direito à prova que os princípios constitucionais da justiça e da tutela judicial efectiva supõem plenamente assegurado aos interessados – cf. art.º 20.º, da Lei Fundamental".

Por outro lado, e em conformidade com o sentido do decidido no Acórdão Arbitral n.º 753/2014-T, do CAAD, uma orientação administrativa com tal teor sempre se revelaria inaceitável por, em violação do previsto no artigo 20.º, da Constituição, coarctar o direito à prova e, consequentemente, os direitos de acesso à justiça e à tutela judicial efectiva.

Também no quadro das duas primeiras questões, a dúvida incide sobre o valor dos meios de prova e não sobre o sentido de parte ou totalidade de elementos constitutivos que integrem o teor de norma do Direito da UE.

Não está em causa o apuramento do sentido de uma norma jurídica da União Europeia. O sentido das normas do Direito da UE aplicáveis é bem apreendido pelas partes, que revelam compreender qual o sentido das normas em causa.

O que está em causa é um juízo de facto (de prova quanto a factos) e de aplicação de normas do direito interno, maxime, relativas ao ónus da prova, sendo certo que o TJUE não se debruça “sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.

Conforme o TJUE sustenta no Caso Mecsek-Gabona, "no âmbito do processo instituído pelo artigo 267.° TFUE, o Tribunal de Justiça não é competente para verificar nem apreciar as circunstâncias de facto relativas ao processo principal[3], cabendo aos tribunais nacionais apreciar se o contribuinte "cumpriu as obrigações que lhe incumbem em matéria de prova e de diligência"[4], relativa aos pressupostos de cuja verificação depende o reconhecimento do direito a isenção que invoca.

Não existindo, quanto à matéria objecto da presente acção, normas de Direito da União Europeia específicas quanto à prova, aplicar-se-ão, no processo, as regras de direito interno vigentes no Estado-Membro em causa (Portugal). Trata-se, assim, de matéria (relativa ao direito da prova) sobre a qual a resposta a eventuais dúvidas deverá ser procurada no âmbito do direito nacional.

Ora, como se refere no ponto 7. das Recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais (igualmente citadas no Acórdão Arbitral 753/2014-T, do CAAD), relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), do TJUE[5]:

o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.

Não se verifica, em suma, o primeiro requisito para que o pedido de reenvio prejudicial possa proceder, já que a invocada dúvida não respeita a partes constitutivas de normas ou actos comunitários sobre os quais efectivamente se invoque e fundamente existirem dúvidas interpretativas.

 

B.3. Ainda que, porém, no âmbito das duas primeiras questões, a dúvida se não reportasse (como vimos reportar-se) ao valor de meios de prova, mas aos pressupostos (referidos em tais questões) de aplicação da isenção, não mereceria procedência o pedido de reenvio, na medida em que tais pressupostos não integram as referidas normas da identificada Directiva, não encontrando o mínimo suporte no elemento literal daquelas.

De realçar, assim, que os elementos de facto a que as dúvidas quanto à prova se reportam não integram qualquer norma do Direito da União Europeia. Na verdade, no artigo 318.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Directiva IVA), não se exige, como requisito de aplicação, que o adquirente não transmita o bem a terceiro não residente na União, nem que o adquirente inclua, na declaração de IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens.

De resto, também no âmbito do direito interno, não consta, do artigo 14.º, a), do RITI (Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias) como condição do direito à isenção, que os bens tenham dado entrada em outro Estado-Membro (apenas que para ele tenham por si sido expedidos ou transportados), nem que o adquirente tenha incluído a transacção como aquisição intracomunitária na declaração de IVA (apenas que se encontre registado para efeitos do IVA noutro Estado-Membro, nele se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens e que tenha utilizado o respectivo numero de identificação fiscal para efectuar a aquisição), nem que o adquirente não transmita o bem a terceiro não residente em Estado-membro da União Europeia.

À semelhança do que sucedia no caso apreciado no Acórdão n.º 753/2014-T do CAAD, as dúvidas sobre o direito probatório têm, assim, na presente hipótese, por objecto, elementos factuais que claramente não integram a norma de Direito da UE invocada pela AT (relativa à isenção de IVA), pelo que, ainda que a dúvida respeitasse (e não respeita) a tais elementos, o pedido de reenvio não mereceria procedência em virtude de esses elementos não representarem parte de qualquer acto normativo comunitário.

De mencionar, a este propósito, o Caso Teleos, na parte em que nele se explicita que “deve considerar-se que, com excepção das condições relativas à qualidade de sujeito passivo, à transferência do poder de dispor de um bem como proprietário e à deslocação física de bens de um Estado-Membro para outro, não se pode exigir o preenchimento de nenhuma outra condição para qualificar uma operação de entrega ou de aquisição intracomunitárias de bens.[6]

E porque os mencionados requisitos não configuram dimensões do direito à isenção em análise na presente acção, hipotéticas dúvidas sobre os mesmos não assumem relevo para boa decisão da causa onde se peticiona o reenvio. A interpretação das normas de Direito da UE em causa tem, pois, sob esse ponto de vista, natureza inequívoca.

Ora, como refere Jónatas Machado[7], determinante para que o pedido de reenvio possa proceder é que a questão jurídica suscitada se demonstre relevante e pertinente perante o objecto do processo e para decisão deste. Relevo cuja apreciação é da exclusiva competência dos órgãos jurisdicionais, pelo que o reenvio não representa faculdade das partes que, uma vez exercida, conduza, com carácter necessário, a suspensão da instância e recondução das questões para conhecimento do TJUE. Quanto a este particular aspecto, refere também: “Nos termos do art. 267º do TFUE, compete ao juiz nacional, a quem o litígio haja sido submetido, apreciar a necessidade de uma decisão prejudicial para a prolação de uma decisão final e decidir sobre a pertinência das questões que submete ao TJUE. A questão deve ser suficientemente relevante para o desfecho do caso concreto para justificar o reenvio (...) Entre nós, tem-se entendido que o reenvio prejudicial só se justifica quando a questão da interpretação de uma norma de direito comunitário se deva considerar pertinente, ou seja, quando o caso “sub judice” tenha de ser decidido de acordo com aquela regra, mostrando-se necessária para esse efeito, a opinião do TJUE “.

Assim o explicita, igualmente, o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão proferido no Proc. 222/12-30, de 28 de Novembro de 2012, quando nele se refere que o segundo parágrafo do artigo 267.º do TFUE “confere ao órgão jurisdicional lata margem de apreciação sobre se a questão prejudicial é ou não necessária ao julgamento da causa”.[8]

Como também resulta do ponto 12 das acima referidas Recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), do TJUE, o reenvio prejudicial para o referido Tribunal, não se deverá dar quando:

i.                    já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou

ii.                  quando o modo correcto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.

Em harmonia com tal recomendação, prevê-se, igualmente, no ponto 13, que “um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correcta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece” e, no ponto 18, que o “órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considere que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão”.

A referida carência de utilidade das questões apresentadas decorre, por outro lado, dos termos em que são apresentadas, na medida em que aquelas se referem a situação de possibilidade. Ora, como se explicita no Acórdão Arbitral 753/2014-T, do CAAD, uma hipotética resposta do TJUE no sentido de que o Estado-Membro pode ou não pode considerar preenchidos os requisitos da isenção, não vincularia o presente Tribunal a um determinado sentido quanto ao conteúdo da decisão a proferir, dado que sempre teria de se verificar, no âmbito do direito interno, se o Estado Português havia usado ou não de tal poder.

A resposta às questões formuladas não é, assim, necessária para proferir decisão nas questões que incumbe ao presente Tribunal dirimir, pelo que, e ressalvado o respeito por outros eventuais entendimentos, não devem, tais perguntas, ser apresentadas ao TJUE.

Razões por que também não se encontra preenchido o segundo requisito de procedência do pedido de reenvio (relativo à utilidade da resposta à questão para a boa decisão da causa).

Nestes termos, carecendo, o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE, para apreciação das questões enunciadas pela Requerida, de fundamento, julga, o presente Tribunal, tal pedido, improcedente.

 

III. Mérito

A) Matéria de facto

1. Factos dados como provados:

a) Desde a sua constituição e até 1 de Julho de 2010 que a Requerente tinha por objecto a compra e venda de bens imóveis, estando enquadrada no regime normal com periodicidade mensal de IVA;

b) Após a data referida na alínea anterior o objecto da Requerente passou a ser, também, o de comércio por grosso de artigos de relojoaria;

c) O capital social da Requerente era, à data dos factos tributários em questão no presente processo, integralmente detido pela sociedade comercial anónima C… SA, sendo os administradores comuns a ambas as sociedades;

d) A Requerente não liquida IVA nas transmissões intracomunitárias de bens realizadas e deduz o IVA suportado nas aquisições que efectua à sociedade mãe, C…, SA;

e) Devido ao referido na alínea anterior a Requerente solicita mensalmente o reembolso do IVA;

f) Pelos Serviços de Inspecção Tributária (doravante SIT) da Direcção de Finanças do Porto, foram levadas a cabo duas inspecções, a inspecção OI2012…, relativa ao período 01, 04, 05, 06 e 07 de 2011 e a inspecção OI2011…, relativa ao período 08 de 2011, tendo sido elaborados os respectivos relatórios, fotocopiados nos documentos n.ºs 24 e 25 anexos à Petição Inicial (doravante PI)), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

g) Consta do relatório da inspecção OI2012… que em relação aos seguintes operadores e operações:

1) TRANSMISSÕES DE BENS (Janeiro 2011)

E…                                              € 11 096,00

IVA liquidado                          €   2 552,08

2) TRANSMISSÕES DE BENS (Abril 2011)

B…                                             €  29 212,00

IVA liquidado                        €    6 718,76

3) TRANSMISSÕES DE BENS (Maio 2011)

B…                                            €   114 810,02

IVA liquidado       € 26 406,30

4) TRANSMISSÕES DE BENS (Junho 2011)

B…                                                     €  238 897,00

D…                                                     €    45 266,00

C…                                                     €    63 356,00

TOTAL                                           €  347 519,00

IVA liquidado                                 €   79 929,37

5) TRANSMISSÕES DE BENS (Julho 2011)

B…                                                     €  396 469,80

D…                                                     €  173 963,34

C…                                                     €    52 033,00

TOTAL                                           €  622 466,14

IVA liquidado                                 €  143 167,21

no montante global de €1 125 103,16, o IVA, no montante total de € 258 773,72, não foi liquidado;

h) Consta do relatório da inspecção OI2011…, que em relação aos seguintes operadores e operações:

TRANSMISSÕES DE BENS (Agosto 2011)

B…                                                    € 329 304,00

D...                                                     € 184 001,00

C...                                                     €   53 607,00

no montante total de €  566 912,00, o IVA, no montante total de €  130 389,76, não foi liquidado;

i) Em resultado do referido em g) e h) supra, os SIT efectuaram correcções que, relativamente à inspecção OI2012…, deu origem às liquidações adicionais de IVA n.ºs …, …, …, … e … e respectivas liquidações de juros compensatórios n.ºs …, …, …, … e …, relativas aos períodos de 01, 04, 05, 06 e 07 de 2011 (Docs n.ºs 9, 10, 11, 12, 13, 15, 16,17, 18 e 19 juntos com a PI), e em relação à inspecção OI2011… deu origem à liquidação adicional de IVA n.º … e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º …, relativa ao período de 08 de 2011 (Docs n.º 14 e 20, juntos com a PI);

j) O montante global liquidado ascende a € 405 218,86, dos quais € 389 163,48 correspondem a liquidações de IVA e €16 055,38 a juros compensatórios;

k) Não tendo sido pagos os montantes em causa nas liquidações em apreço, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …, (Doc. n.º 21 junto com a PI), que correu termos no Serviço de Finanças …-…, no âmbito dos quais foi requerida a sua suspensão mediante a apresentação de fiança (Docs. n.ºs 22 e 23, juntos com a PI);

l) Em 29/04/2013 a Requerente reclamou graciosamente das liquidações adicionais referidas em i) - (Docs. n.ºs 7 e 8 anexas à PI, cujo teor se dá aqui como integramente reproduzido),

m) A Requerente foi notificada do indeferimento das citadas reclamações em 3/10/2013;

n) Em 30/10/2013 a Requerente recorreu hierarquicamente desse indeferimento – (Docs. n.ºs 3 e 4 anexos à PI, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

o) Os recursos hierárquicos foram indeferidos em 4/11/2014. (cfr. ofícios n.ºs … e …, de 1/12/2014 que constituem docs n.ºs 1 e 2 anexos à PI, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

p) Relativamente às transacções efectuadas para o operador B…, a Requerente exibiu aos SIT as correspondentes facturas, nas quais se encontra aposto o número de identificação fiscal válido do adquirente, bem como a menção à transacção de relógios e a respectiva referência e o material do qual são feitos (Doc. n.º 27 da PI);

 

q) E apresentou documentos comprovativos de envio, emitidos pela FedEx e pelos CTT, com a designação “documentos” (Doc. n.º 27 da PI);

 

r) Bem como documentos bancários comprovativos de transferências para as contas da A... no Z… pela B… (Doc. n.º 38 da PI);

 

s) Tendo ainda apresentado uma declaração, datada de 27/03/2012, contendo a identificação das facturas em causa, na qual o adquirente, não identificado, declara ter feito aquisições intracomunitárias de bens à Requerente, (Doc. n.º 26 da PI), nos seguintes termos:

 

N.º de factura                Data                     Montante

 

2011…                      26/4/2011               €   29 212,00

               …               7/5/2011                      23 247,00

               …               12/5/2011                    47 506,02

               …               17/5/2011                    12 336,00

               …               21/5/2011                    18 231,00

               …               23/5/2011                    13 490,00

               …               2/6/2011                      22 380,00

               …               3/6/2011                      76 134,00

               …               6/6/2011                      32 307,00

               …               15/6/2011                    26 800,00

               …               17/6/2011                    21 358,00

               …               17/6/2011                    54 279,00

               …             17/6/2011                        5 639,00

               …               7/7/2011                      23 268,00

               …                  7/7/2011                 10 346,00

               …                16/7/2011                 68 637,00

               …                21/7/2011                 48 649,00

               …                21/7/2011                 45 235,91

               …                21/7/2011                 42 054,07

               …                25/7/2011               104 398,63

               …                29/7/2011                 13 877,00

               …                29/7/2011                 40 006,00

                                    1/8/2011                104 070,00

               …                 1/8/2011                195 876,00

               …               25/8/2011                  29 358,00

 Total                                                    €   1 108 694,63

 

t) No tocante às transacções efectuadas para o operador B…, a AT accionou o mecanismo da cooperação administrativa/troca de informações ao abrigo dos artigos 5.º e 19.º do Regulamento (CE) n.º 904/2010, tendo obtido a seguinte resposta: “Goods were transported to the customer F… from Portugal to the relevant customer.

The goods were not transfer to UK at any time. A CMR for the movement of goods have been attached.

A list of the purchase invoices and sales invoices for the year 2010 has been attached. Both list also include a column for the payment date and date of the receipt for sales invoices issued.

The bank statement showing payment for goods supplied and income received from goods sold has also been attached.

The initial capital for the business was introduced by shareholders to set up the business, followed by advance or deposits received from customers for goods ordered. The company has had its director changes numerous times.

The current director is … directors Limited. Orders are now being placed by G....”

 

u) As entregas constantes das guias de transporte efectuadas via FEDEX e via CTT foram, posteriormente, confirmadas;

 

v) Relativamente às transacções efectuadas para o operador C…, a Requerente exibiu aos SIT as correspondentes facturas, das quais consta o número de identificação fiscal válido do adquirente, a menção à transacção de relógios, a respectiva referência e o material do qual são feitos (Doc. n.º 29 da PI);

 

x) Apresentou também os documentos comprovativos de envio emitidos pela FedEx, (Doc. n.º 29 da PI), com a designação “documentos” (guia de transporte n.º…);

 

y) Apresentou igualmente documentos bancários comprovativos de transferências para as contas da A…no Z… pela C… (Doc. n.º 40 da PI);

 

z) E apresentou declaração, datada de 16/9/2011, contendo a identificação das facturas em causa, na qual o adquirente, não identificado, declara ter-lhe feito as aquisições intracomunitárias de bens, (Doc. n.º 32 da PI), nos seguintes termos:

 

N.º de Factura                     Data                       Montante

 

2011…                        28/6/2011               15 181,00

               …                 28/6/2011               19 478,00

               …                 30/6/2011               28 697,00

               …                 12/7/2011               23 408,00

               …                 15/7/2011               11 025,00

               ...                   21/7/2011             17 600,00

              Total                                             € 115 389,00

 

aa) A C… declarou às autoridades fiscais da Letónia as correspondentes aquisições intracomunitárias de bens efectuadas à Requerente e localizadas na Letónia;

 

bb) No tocante às transacções efectuadas para a C… , a AT accionou o mecanismo da cooperação administrativa/troca de informações, ao abrigo dos artigos 5.º e 19.º do Regulamento (CE) n.º 904/2010, tendo obtido a seguinte resposta: “ (B2-4), (B2-5) It was not possible to establish the transport and vehicles used, because transportation documents had not been presented.

(B2-7) The following invoices presented for transactions in 2011... and 2011...: 2011/09/12 invoice Nr.2011... for EUR 29672.00; 2011/09/10 invoice Nr. 2011... for EUR 17600.00; 2011/08/26 invoice Nr. 2011... for EUR 16111.00; 2011/07/21 invoice Nr. 2011... for EUR 17600.00; 2011/07/15 invoice Nr. 2011... for EUR 11025.00; 2011/07/12 invoice Nr 2011... for EUR 23408.00; 2011/07/30 invoice Nr. 2011... for EUR 28697.00; 2011/06/28 invoice Nr. 2011... for EUR 15181.00; 2011/06/28 invoice Nr. 2011... for EUR 19478.00 According the documents presented transactions were the supply of goods.

(B2-11), (B2-12), (B2-13) The payment made for the amount of EUR 178772.00 from C… bank account Nr LV...

(B2-15) No information.

 

cc) Relativamente às transacções efectuadas para o operador D…, a Requerente exibiu aos SIT as correspondentes facturas, onde se mostra aposto o número de identificação fiscal válido do adquirente, bem como a menção à transacção de relógios, a respectiva referência e o material do qual são feitos (Doc. n.º 33 da PI);

 

dd) E apresentou os documentos comprovativos de envio emitidos pela FedEx com a designação “documentos” (Doc. n.º 33 da PI);

 

ee) Bem como documentos bancários comprovativos de transferências para as contas da A... no Z… pela D…(Doc. n.º 42 da PI);

 

dd) E apresentou declaração, datada de 27/3/2012, contendo a identificação das facturas emitidas, na qual o operador, devidamente identificado, declara ter-lhe efectuado aquisições intracomunitárias de bens, nos seguintes termos (Doc. n.º 34 da PI):

N.º da Factura                Data                            Montante

 

2011…                           17/6/2011                   45 266,00

               …                    7/7/2011                    32 886,00

               …                    7/7/2011                    46 636,00

              …                     7/7/2011                    14 828,00

               …                  21/7/2011                    23 560,98

               …                  21/7/2011                    21 956,10

               …                  21/7/2011                    34 096,26

              …                   25/8/2011                    10 977,00

               …                  25/8/2011                    49 629,00

               …                  25/8/2011                  105 159,00

               …                  25/8/2011                     18 236,00

                       Total                                     € 403 230,34

 

ee) A Requerente apresentou ainda uma outra declaração, datada de 16/09/2011, contendo a identificação das facturas em causa, (Doc.  n.º 34 da PI), nos seguintes termos:

 

N.º da factura                   Data                           Montante

 

2011…                         17/06/2011                      45 266,00

              …                   17/07/2011                      32 886,00

              …                   07/07/2011                      46 636,00

               …                  07/07/2011                      14 828,00

               …                  21/07/2011                      23 560,98

               …                  21/07/2011                      21 956,10

               …                  21/07/2011                      34 096,26

Total                                                              €    219 226,34.

 

ff) No tocante às transacções efectuadas para a D…, a AT accionou o mecanismo da cooperação administrativa/troca de informações ao abrigo dos artigos 5.º e 19.º do Regulamento (CE) n.º 904/2010, tendo obtido a seguinte resposta:

(B1-18) The goods never came to Cyprus. They were shipped directly to the customer (see Appendix 1 and Appendix 2).

(B1-7) The goods never came to Cyprus.

(B1 - 8) The transportation documents given to us involve the sales of our supplier. Please note that the accounts of the company could not match exactly the purchases with the sale because our trader was selling goods not just bought from your trader but also from other traders.”

 

gg) As entregas constantes das guias de transporte efectuadas via FEDEX e EMS foram, posteriormente, confirmadas;

 

hh) Relativamente às transacções efectuadas para o operador E…, a Requerente exibiu aos SIT a correspondente factura, onde se mostra aposto o número de identificação fiscal válido do adquirente, bem como a menção à transacção de relógios, a respectiva referência e o material do qual são feitos, nos seguintes termos (Doc. n.º 35 da PI):

 

N.º da Factura                        Data                       Montante

2011…                                   24/01/2011        € 11 096,00

 

ii)  Apresentou o documento comprovativo de envio emitido pela FedEx, com a designação “documentos” (Doc. n.º 36 da PI);

 

jj) Apresentou documento bancário comprovativo de transferências para as contas da A…no BES pela E…(Doc. n.º 44 da PI).

 

2. Factos dados como não provados

a) A menção “Documentos”, referida nas alíneas b) dos pontos 14, 17 e 20 dos factos dados como provados, foi feita pela Requerente por estar vedada pela instituição seguradora a menção aos relógios atentos os riscos daí provenientes.

 

b) A Administração Fiscal italiana solicitou à AT colaboração relativamente às transacções efectuadas pelo operador E…, “por suspeita de fraude” nas transacções realizadas entre a Requerente e aquele operador.

 

3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Os factos dados como não provado resultam da insuficiência ou falta de prova a seu respeito. Com efeito, o documento da corretora de seguros (acta) junto pela Requerente, ainda que conjugada com o depoimento da testemunha A, não foi suficiente para convencer o Tribunal da motivação indicada, desde logo porquanto aquele documento está datado de 2012 (Doc. n.º 30 da PI), (e a correspondente apólice (…), ao que tudo indica, será do mesmo ano), enquanto que os factos ora em causa se reportam a 2011. Por outro lado, a testemunha não era representante da seguradora, mas um mero mediador.

No que concerne ao pedido de colaboração da AT italiana [cfr., supra, 2-b)], nenhuma demonstração documental foi feita, sendo certo que este facto tinha, necessariamente, de ser provado por esta via.

 

B) Matéria de direito

Importa notar que a Administração Fiscal entende basicamente que, neste caso, essencialmente com fundamento nas respostas obtidas ao abrigo do mecanismo da cooperação administrativa, o circuito físico dos bens – ou seja, a saída dos bens do território nacional com destino a um adquirente registado em outro Estado-Membro da União Europeia - não se encontra suficientemente comprovado, em termos de poder ser atribuída isenção do IVA à transmissão intracomunitária dos bens.

Alega, nomeadamente, que os documentos de transporte, diferentemente das facturas emitidas, não identificam os bens transmitidos, nem o respectivo valor, havendo ainda, sempre segundo o relatório da inspecção, indícios de que os bens não teriam como destino final os Estados-Membros constantes dos documentos de transporte.

Neste contexto, alega-se no relatório de inspecção que os re1ógios não são expedidos para os locais constantes dos documentos de facturação ou dos documentos de transporte, e que a A…sabe que é assim, recorrendo a um expediente para tentar cumprir os pressupostos legais da isenção, utilizando "empresas de fachada", cuja única função seria proporcionar, formalmente, as condições para a aplicação da isenção constante da alínea a) do artigo 14.º do RITI.

Assim, conclui-se essencialmente que, solicitada “a cooperação administrativa intracomunitária às autoridades fiscais dos Estados-membros identificados, ao abrigo dos artigos 5.º e 19.º do Regulamento (CE) n.º 904/2010, no sentido de confirmarem as transacções intracomunitárias em causa”, (…) foi possível concluir que os locais/clientes para onde os bens em causa (relógios) eram facturados não correspondiam aos locais onde os mesmos foram efectivamente entregues.”

 

1. Legalidade das liquidações

1.1 Considerações prévias

Como vimos, está essencialmente em causa no presente processo aferir se, face à matéria de facto dada como provada, se encontram ou não preenchidos os pressupostos previstos no artigo 14.º, alínea a), do RITI, que determina que:

Estão isentas do imposto:

a) As transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens;

A verificação simultânea destas duas condições qualifica como isenta a transmissão intracomunitária de bens, sendo depois a aquisição pelo sujeito passivo registado em outro Estado-Membro da UE sujeita a imposto, a título de aquisição intracomunitária de bens.

Não basta, assim, que os bens tenham sido objecto de aquisição por um sujeito passivo registado validamente em outro Estado-Membro, sendo necessário que se possa provar que os bens saíram do território nacional, com destino a um Estado-Membro da UE, que sejam expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por um terceiro, transportador, por conta deste.

É pacífico que os requisitos da aplicação da isenção em questão são os seguintes:

-          o transmitente seja sujeito passivo de IVA no seu Estado-Membro de residência;

-          o adquirente seja um sujeito passivo de IVA, residente num outro Estado-Membro, e que utilize o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição;

-          os bens sejam efectivamente expedidos ou transportados para outro Estado Membro com destino ao adquirente.

Tal como nas normas do Direito da UE, também no âmbito do direito interno não consta do artigo 14.º, a), do RITI, como condição do direito à isenção, que os bens tenham dado entrada em outro Estado-Membro (apenas que para ele tenham por si sido expedidos ou transportados), nem que o adquirente tenha incluído a transacção como aquisição intracomunitária de bens na sua declaração de IVA (apenas que se encontre registado para efeitos do IVA noutro Estado-Membro, nele se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens e que tenha utilizado o respectivo número de identificação fiscal para efectuar a aquisição), nem que o adquirente não transmita o bem a terceiro não residente num Estado-Membro da União Europeia.

No presente processo está essencialmente em causa aferir da verificação do último dos supra elencados requisitos, pelo que o que se trata de apurar é se os bens em questão foram, ou não, efectivamente expedidos ou transportados para outro Estado-Membro, com destino aos aludidos adquirentes.

Neste contexto, importa desde logo ter presente o facto de a qualificação num Estado-Membro de uma operação como transmissão intracomunitária de bens não vincular a Administração Tributária do outro Estado-Membro no sentido da sua qualificação como aquisição intracomunitária de bens e vice-versa[9].

Por outro lado, deve salientar-se que, “… se o vendedor tem a obrigação de certificar-se que o adquirente dos bens é um sujeito passivo devidamente identificado para efeitos de IVA em outro EM e que os bens são expedidos ou transportados para fora do território nacional. Não lhe compete, contudo, controlar se os bens foram expedidos ou transportados para o EM a que corresponde o número de identificação fiscal que lhe foi comunicado pelo adquirente. Só será possível ao vendedor certificar-se de tal facto caso a expedição ou transporte dos bens seja efectuado por si ou por sua conta, sendo-lhe indicado como EM de destino um EM diferente daquele a que corresponde o número de identificação fiscal ao abrigo do qual a aquisição foi efectuada. Todavia, mesmo nesta situação, não se porá em causa a aplicação da isenção da transmissão intracomunitária dos bens em apreço. Estará em causa, sim a informação fornecida pelo sujeito passivo à respectiva administração fiscal, através do preenchimento da declaração recapitulativa das respectivas transmissões intracomunitárias de bens. Saliente-se a este propósito que foi precisamente tendo em consideração este tipo de situações que o legislador comunitário previu um dispositivo de segurança no âmbito das novas regras de localização. De acordo com estas regras, não obstante a chegada da expedição ou transporte dos bens ocorrer num outro EM (regra geral de localização das aquisições intracomunitárias de bens), a aquisição intracomunitária de bens será tributável no EM que emitiu o número de identificação fiscal ao abrigo do qual o adquirente efectuou a operação.[10]

O adquirente tem que declarar a aquisição intracomunitária de bens através do cumprimento de obrigações acessórias específicas, uma vez que a aquisição intracomunitária de bens é uma operação tributada em sede de IVA, como corolário do princípio do destino. Ou seja, a tónica importante para se estar perante uma transmissão intracomunitária de bens do ponto de vista do transmitente é, para além de se assegurar que o adquirente é um sujeito passivo de IVA que efectua operações intracomunitárias, assegurar-se que os bens saíram fisicamente do Estado-Membro do sujeito passivo transmitente. Se os bens entraram fisicamente no Estado-Membro do adquirente (ou no endereço fornecido pelo adquirente), essa prova já não competirá ao transmitente, desde logo porque não resulta da letra do artigo 14.º, alínea a), do RITI.

Este tem sido, inclusivamente, o entendimento do TJUE, que, no Acórdão proferido no Processo C-430/09, considerou que “a aplicação da isenção a uma entrega intracomunitária está sujeita à condição de o transporte dever ser concluído num Estado-Membro diferente do da entrega, sendo irrelevante, para o efeito, o endereço em que o transporte termina.[11]

Este foi o entendimento acolhido nos Processos n.ºs 85/2015-T e 149/2015-T do CAAD[12] e é este o entendimento da doutrina mais significativa entre nós. Assim, vejamos o que nos diz Xavier de Basto[13] – “A isenção da transmissão intracomunitária aparece sujeita a condições que, segundo a lei portuguesa, são as seguintes:

(i)        é necessário que os bens objecto da transmissão sejam expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro da União Europeia; e

(ii)       é necessário que o adquirente se encontre registado para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado noutro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação fiscal para efectuar a aquisição e que ali se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens. (qualificação do adquirente).

A primeira condição respeita ao circuito físico dos bens; a segunda à identidade e identificação do adquirente. É a solução constante da alínea a) do artigo 14º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI) e resulta de várias disposições da directiva europeia, que é hoje a directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006.

A verificação simultânea daquelas duas condições, respeitantes ao circuito físico dos bens e à identidade e identificação do adquirente, qualifica de isenta a transmissão intracomunitária, sendo depois a aquisição pelo sujeito passivo registado em outro Estado membro da EU sujeita aí a imposto, a título de “aquisição intracomunitária de bens”.

Passemos agora a citar Emanuel Vidal Lima, que, a propósito das operações de transmissão intracomunitária de bens, nos começa por dizer que[14] “… a operação indicada exige o transporte efectivo dos bens, implicando a sua saída física do Estado-Membro de entrega e a sua entrada no Estado-Membro de chegada.

(…).

Uma entrega intracomunitária de um bem e a aquisição intracomunitária deste, constituem, na realidade, uma só e mesma operação económica, embora envolvam diferentes direitos e obrigações tanto para as partes na transacção como para as autoridades fiscais dos Estados-Membros em causa.

No que diz respeito, em particular, à entrega intracomunitária, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) interpretou o artigo 138.º, n.º 1, da Directiva IVA, no sentido de que a isenção da entrega intracomunitária de um bem móvel corpóreo só é aplicável quando:

-         O direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente, e

-         O fornecedor prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado-Membro e que, na sequência dessa expedição ou desse transporte, o mesmo saiu fisicamente do território do Estado-Membro de entrega.

Com excepção das condições relativas à qualidade de sujeito passivo, à transferência do poder de dispor de um bem como proprietário e à deslocação física de bens de um Estado-Membro para outro, não se pode exigir o preenchimento de nenhuma outra condição para qualificar uma operação de entrega ou de aquisição intracomunitárias de bens, sendo certo que o conceito de entrega intracomunitária, tal como o de aquisição intracomunitária, tem um carácter objectivo e aplica-se independentemente dos fins e dos resultados das operações em causa.

Assim, para que o fornecedor tenha o direito à isenção da entrega intracomunitária de bens que efectua devem ser cumpridas as condições materiais ou de fundo acabadas de referir.

Ora, no que se refere à verificação dessas condições, designadamente, à condição objectiva da transferência física dos bens para fora do território do Estado-Membro de entrega, torna-se difícil, para as administrações fiscais, em razão da abolição do controlo nas fronteiras entre os Estados-Membros, ter a certeza se as mercadorias saíram ou não fisicamente do território do Estado-Membro de entrega.

(…)

Assim, é principalmente com base nas provas fornecidas pelos sujeitos passivos e nas declarações destes que as autoridades tributárias verificam o cumprimento das condições materiais.

Todavia, há que ter em atenção que a Directiva IVA é omissa quanto à definição dessas provas. De facto, nenhuma disposição da Directiva prevê concretamente quais as provas que os sujeitos passivos estão obrigados a apresentar. A Directiva apenas dispõe, no artigo 131.º, que compete aos Estados-Membros fixar as condições formais em que isentarão do imposto as entregas intracomunitárias de bens para garantir a aplicação correcta e simples das ditas isenções e prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos.

Deste modo, para beneficiar da isenção prevista no artigo 138.º, n.º 1 da Directiva IVA, cabe ao fornecedor dos bens fazer prova de que estão preenchidas não só as condições materiais previstas para aplicação desta disposição, mas também as condições formais impostas pelos Estados-Membros nos termos do artigo 131.º da mesma Directiva.

No entanto, há que observar que, na sua jurisprudência, o TJUE tem vindo a recordar que, no exercício dos seus poderes, os Estados-membros devem respeitar os princípios gerais do direito comunitário, entre os quais figuram, designadamente, os princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade, da protecção da confiança legítima e da neutralidade.

Nestes termos, em cumprimento do princípio da segurança jurídica os sujeitos passivos têm direito a conhecer as suas obrigações fiscais antes de efectuarem uma transacção.

E, de acordo com o princípio da proporcionalidade, as medidas que os Estados-Membros têm a faculdade de adoptar não devem ir além do que é necessário para alcançar os objectivos destinados a garantir a exacta cobrança do imposto e a evitar a fraude.”

Isto é, resulta claro que estamos perante uma transmissão intracomunitária de bens desde que os requisitos do artigo 14.º, alínea a), do RITI estejam verificados. Caberá ao adquirente provar que reúne os requisitos para que seja aplicado o regime das aquisições intracomunitárias de bens, litigando, se for caso disso, com as respectivas autoridades fiscais a questão do IVA.

Não poderemos, pois, deixar de discordar com o entendimento veiculado no Proc. 164/2015-T do CAAD de 16 de Novembro, em que, surpreendentemente em colisão com o entendimento veiculado nos Processos 85/2015-T e 149/2015-T, do mesmo Tribunal, se defende que “Todavia, parece claro que, em razão das especiais preocupações de fraude que as transações intracomunitárias podem suscitar e efetivamente suscitam, e dos sistemas de controlo criados para as controlar, sob pena da falência no funcionamento e da própria credibilidade do regime do IVA intracomunitário, o sentido do conceito “expedição ou transporte” referido do art.º 14.º al. a) do RITI não se deva conter no simples cumprimento da formalidade unilateral da mera remessa ou do transporte, mas deve alargar-se à necessidade e ao consequente ónus, que não pode deixar de recair sobre o sujeito passivo expedidor, da comprovação da chegada ao destino dos bens expedidos ou transportados com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou coletiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.”

             Com efeito, como vimos, tal exigência não decorre sequer da letra nem do espírito da lei não sendo acolhida pela doutrina mais relevante, afigurando-se, para além do mais, como desproporcional, nos termos mencionados e defendidos pelo TJUE.

 

1.2 A prova das transmissões intracomunitárias de bens

 

O Código do IVA é omisso no que toca aos meios de fazer prova de que os bens saíram do território nacional com destino a um adquirente validamente registado, para os efeitos do IVA, em outro Estado-Membro da UE.

Contudo, a Administração Fiscal portuguesa sentiu necessidade de emitir doutrina administrativa sobre esta questão. Tal doutrina consta do Ofício ­Circulado n.º 30009, de 10/12/1999, da Direcção de Serviços do IVA. Como se refere expressamente no aludido Ofício, a prova da saída dos bens do território nacional pode ser efectuada recorrendo aos meios gerais de prova. E, entre esses meios, o Ofício reconhece como válido, para além dos documentos de transporte ou equiparados, "a declaração, no Estado membro de destino dos bens, por parte do respectivo adquirente, de ai ter efectuado a correspondente aquisição intracomunitária."

Esta doutrina está em conformidade com a jurisprudência do TJUE, respeitando os princípios gerais da segurança jurídica e da proporcionalidade não se fazendo exigências especiais de prova.

A circunstância de o destino final dos bens não ser o Estado – Membro de emissão do NIF do adquirente, mesmo que provada, não é de per si suficiente para legitimar a recusa da isenção. Desde logo, nas denominadas operações triangulares o destino final dos bens pode não ser o do Estado-Membro onde se encontra registado o adquirente. O que é decisivo para legitimar a isenção é que os bens acabem por sair do território nacional.

No Caso Teleos, citado pela própria AT, existiam provas de que os bens não tinham saído sequer do território nacional, tinha havido fraude por parte dos adquirentes, ao mesmo tempo que se provava que o fornecedor não tinha participado nem tomado conhecimento da manobra fraudulenta. O TJUE considerou ilegal, em face do direito comunitário, recusar, nestas circunstâncias, a isenção e obrigar o fornecedor a pagar o imposto. O circuito físico dos bens não fora preenchido, mas nem por isso o Tribunal considerou que fosse legítimo recusar a isenção.

Como referimos, o TJUE concluiu ipsis verbis neste caso que “deve considerar-se que, com excepção das condições relativas à qualidade de sujeito passivo, à transferência do poder de dispor de um bem como proprietário e à deslocação física de bens de um Estado-Membro para outro, não se pode exigir o preenchimento de nenhuma outra condição para qualificar uma operação de entrega ou de aquisição intracomunitárias de bens.[15], e que “mesmo que a apresentação pelo adquirente de uma declaração fiscal relativa à aquisição intracomunitária possa constituir um indício da transferência efectiva dos bens para fora do Estado-Membro de entrega, essa declaração não assume, contudo, um significado determinante para efeitos de prova de uma entrega intracomunitária isenta.[16].

Mais se pode ler, no mesmo aresto, que “o facto de o adquirente ter apresentado uma declaração às autoridades fiscais do Estado-Membro de destino relativa a aquisição intracomunitária, como a que está em causa no processo principal, pode constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens saíram efectivamente do território do Estado-Membro de entrega, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.

            Como salienta o TJUE, resulta da jurisprudência comunitária que as medidas adoptadas pelos Estados para garantir o cumprimento do imposto e evitar a fraude não podem pôr em causa neutralidade do IVA (nº 46)[17].

            Ora, no caso concreto, o Tribunal de reenvio considerou que, embora não existissem provas de que os bens saíram do território do Reino Unido, também se não provou que o fornecedor tenha cometido manipulações e fraudes.

            Em tais circunstâncias, se os sujeitos passivos que efectuaram as transmissões intracomunitárias vissem negada a isenção e fossem obrigados a pagar o imposto, o princípio da neutralidade seria posto em causa, já que não poderiam repercutir o imposto, ficando assim numa posição menos vantajosa do que os sujeitos passivos que efectuassem uma operação interna (nº 59 e 60).

            Para o Tribunal, “é importante garantir que a situação dos operadores económicos não seja menos favorável do que a que existia antes da abolição dos controlos nas fronteiras entre os Estados-Membros, dado que este resultado seria contrário ao objectivo do mercado interno de facilitar as trocas entre estes últimos.

            E “uma vez que os sujeitos passivos já não podem apoiar-se nos documentos fornecidos pelas autoridades aduaneiras, a prova da entrega e de uma aquisição intracomunitária deve ser produzida por outro meio. Sendo certo que o regime de trocas comunitárias se tornou mais aberto à fraude, não é menos verdade que as condições de prova estabelecidos pelos Estados‑Membros devem respeitar as liberdades fundamentais instituídas pelo Tratado CE, como designadamente a livre circulação de mercadorias.” (nº 63).

Também no Acórdão do TJUE proferido no Processo C-587/10, se pode ler que: “55 Quanto à circunstância de o fornecedor ter apresentado a declaração fiscal do adquirente relativa à sua aquisição intracomunitária, há que recordar que, como foi decidido no n.º 30 do presente acórdão, com exceção das condições relativas à qualidade dos sujeitos passivos, à transferência do poder de dispor de um bem como proprietário e à deslocação física de bens de um Estado-Membro para outro, não se pode impor nenhuma outra condição para qualificar uma operação de entrega ou de aquisição intracomunitária de bens. Assim, para beneficiar da isenção nos termos do artigo 28.°-C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva, não pode ser imposto ao fornecedor que faculte elementos de prova relativos à tributação da aquisição intracomunitária dos bens em causa.

56                          Além disso, não se pode considerar que essa declaração constitui, só por si, uma prova determinante da qualidade de sujeito passivo do adquirente, podendo apenas representar um indício (v., por analogia, acórdãos Teleos e o., já referido, n.° 71, e de 27 de setembro de 2007, Twoh International, C-184/05, Colet., p. I-7897, n.º 37).

57                              Por conseguinte, a circunstância de o fornecedor ter apresentado ou não esta declaração também não é suscetível de alterar a resposta às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

Nestes termos, não se ofereçam dúvidas que, quer face ao enunciado normativo em questão, quer à leitura que dele é feita pela jurisprudência do TJUE, a declaração de aquisição intracomunitária, ou falta dela, por parte do adquirente, numa transmissão intracomunitária de bens, possa constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens saíram, ou não, efectivamente do território do Estado-Membro de entrega, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.

Citemos, uma vez mais, Xavier de Basto. E optemos por uma abundante citação, dada a sua relevância para o caso que ora nos ocupa. Neste contexto, diz o Professor que [18] “…o artigo 14º, a) do RITI limita-se a estabelecer a isenção, fixando as duas condições atrás apontadas relativas ao circuito físico dos bens e à identidade e identificação do adquirente. A isenção, com efeito, só opera, segundo esta disposição, desde que os bens sejam “expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, sem referir como deve provar-se a expedição ou transporte.

Neste ponto, aliás, a lei portuguesa não difere da de vários Estados da União Europeia, onde a lei se limita a estabelecer os dois princípios sobre o circuito físico dos bens e a identificação do adquirente como sujeito passivo de outro Estado da União.

É o que sucede, por exemplo, em Itália, na França e no Reino Unido, onde se recorre aos meios gerais de prova, não havendo sequer orientação administrativa sobre a matéria. A exibição do contrato celebrado entre as partes ou do contrato de seguro, de transporte dos bens ou a factura ou recibo assinado pelos adquirentes são elementos que nesses Estados podem, entre outros, servir de meio de prova da expedição, cuja validade acaba por ser decidida casuisticamente.

Em Espanha, o Reglamento del Impuesto Sobre El Valor Añadido, no seu artigo 13º, nº 2, posto que afirmando o princípio da “prova livre” para a expedição dos bens para o Estado membro de destino, não deixa, porém, de distinguir consoante o transporte é efectuado pelo vendedor ou por sua conta ou pelo comprador ou por sua conta. No primeiro caso, a lei espanhola “recomenda” (porque o princípio da prova livre não fica precludido) que a prova seja feita pelo correspondente contrato de transporte ou pelas facturas emitidas pelo transportador; no segundo caso, seguramente o que pode suscitar mais dúvidas, a lei refere como documentos idóneos, o recibo de recepção emitido pelo adquirente, o duplicado da factura com o carimbo do adquirente, cópia dos documentos de transporte, ou qualquer outro justificativo da operação[19].

Já a lei alemã é expressa quanto à necessidade de produzir prova documental, clara e facilmente verificável (“eindeutig und leicht nachprüfbar”), de que os bens foram expedidos para o Estado. A lei esclarece quais os documentos que são considerados prova “clara e verificável”, fornecendo para o efeito uma lista detalhada. Por outro lado, cabe ainda ao empresário provar, por via contabilística, o preenchimento dos pressupostos da isenção de IVA: «deve resultar de forma clara e facilmente verificável da contabilidade» que o empresário cumpriu os referidos pressupostos.

3. Observe-se de imediato que seria muito contrário ao espírito que presidiu à construção de todo o sistema de aplicação do IVA às transacções intracomunitárias de sujeitos passivos que a prova da expedição ou transporte para fora do território nacional se tornasse excessivamente onerosa para os operadores económicos, a ponto de os colocar em posição menos favorável do que a que resultava do regime anterior, com isenção da exportação e tributação da importação, controladas ambas pelas autoridades aduaneiras.

A dificuldade do controlo, por parte das autoridades fiscais, das condições da isenção das transmissões comunitárias de bens e em especial da condição que respeita ao circuito físico dos bens – eles têm se ser transportados ou expedidos para fora do território nacional – têm sido reconhecidas em vários acórdãos do TJUE. Essas dificuldades não significam, porém, que não existam limites à actuação dos Estados para controlar as condições da isenção, como adiante veremos.

(…)

Podemos apreciar a posição da AT, através de “fichas doutrinárias” que contêm as respostas a pedidos de informação suscitados pelos contribuintes. Nessas decisões administrativas, a posição da administração tem sido no sentido de não dificultar a prova da expedição, na linha da sua doutrina geral segundo a qual são aceitáveis os meios gerais de prova.

A administração portuguesa tem assim consciência de que, abolidos que foram os controlos alfandegários nas trocas intracomunitárias, não seria aceitável introduzir exigências que, ao invés de facilitar essas trocas, as dificultasse, fazendo assim perder aos operadores económicos as vantagens de agilização do comércio que a construção do mercado interno visou conseguir. Tem de admitir-se que o regime das transacções intracomunitárias entre sujeitos passivos, introduzido em 1993, dá menos segurança aos Estados que a de que desfrutavam antes, com fronteiras fiscais clássicas, sem que isso os autorize a fazer exigências desproporcionadas de prova da expedição. Esta, como se sabe, sobretudo quando os bens são transportados pelo próprio adquirente, pode tornar-se difícil, mesmo quando o vendedor tenha recolhido o número fiscal válido do adquirente.

Numa das informações vinculativas postas à apreciação dos serviços tributários, objecto de despacho de 4 de Agosto de 2004 (proc. nº 876), apreciou-se se estava ou não preenchida a condição relativa ao circuito físico dos bens, em uma situação em que um sujeito passivo efectua uma transmissão de bens a um cliente, sujeito passivo registado para efeitos de IVA em outro Estado membro (no caso, Espanha), sendo os bens transportados desde as instalações do fornecedor, por este ou por sua conta, para um armazém, localizado em Portugal que serve de plataforma logística do sujeito passivo espanhol. O pedido de informação justificava-se dado que o fornecedor, após a entrega, deixa de ter qualquer conhecimento do destino final da mercadoria, posto que o adquirente, naturalmente interessado que a operação fosse isenta de IVA, estivesse disposto a emitir uma declaração assumindo que os bens se destinam a Espanha.

Neste caso, os bens transportados pelo fornecedor, e devidamente documentados por guias de transporte e factura, não foram expedidos directamente para fora do território nacional; o seu primeiro destino foi um armazém do cliente situado em território nacional. Por si só, esse circuito físico dos bens, segundo a administração, não preencheria os pressupostos legais da isenção, que depende, como vimos, que se prove a saída dos bens com destino a um adquirente situado fora do território do País. Na resposta à informação vinculativa, todavia, os serviços do IVA admitiram, e a nosso ver muito justificadamente, que se o fornecedor “tiver na sua posse documento (declaração do adquirente em como se responsabiliza pelo transporte dos bens com destino ao respectivo Estado membro), que garanta que a transmissão intracomunitária de bens, embora diferida no tempo, tem efectivamente lugar, a operação descrita pode, ainda, beneficiar da isenção”. Uma boa aplicação do princípio, uma solução, pois, que se não deixou confundir com o diferimento no tempo do transporte definitivo com destino ao outro Estado membro da União. Foi afinal uma expedição feita em duas etapas, com passagem em armazém situado em Portugal, mas em que se pode provar o destino final para fora do território nacional.

Situação semelhante, em que também prevaleceu o bom senso e o princípio de não embaraçar com exigências desproporcionadas a prova da expedição, foi a analisada na “Ficha Doutrinária” resultante do Processo nº 2475, (despacho de 29 de Setembro de 2011), igualmente em resposta a pedido de informação vinculativa.

Também no caso em exame existe hiato temporal entre o momento em que os bens são facturados aos sujeitos passivos de IVA noutros Estados-membros – momento em que ocorre a transmissão – e o momento em que os bens serão expedidos para esses Estados-membros. No caso concreto exposto nessa “ficha doutrinária”, os bens objecto de transmissão intracomunitária, facturados a sujeitos passivos de IVA estabelecidos em outros Estado-membros da União Europeia, não são directamente expedidos para os clientes sujeitos passivos desses outros Estados da EU, “sendo antes entregues, por indicação destes, a empresas residentes em território nacional, sujeitos passivos de IVA em Portugal, que também venderão os respectivos produtos às referidas entidades residentes na União Europeia”. Tratava-se, no caso, de “embalagens de cartão”, que as empresas portuguesas utilizavam depois para acomodar as mercadorias que expediam para clientes, sujeitos passivos de IVA em outros Estados da EU.

A administração tributária, depois de recordar jurisprudência comunitária, segundo a qual se deve exigir que o fornecedor aja de boa fé e tome as medidas razoáveis ao seu alcance para se assegurar de que a operação que efectua não o conduz a participar numa fraude fiscal (Acórdão Euro Tyre Holding BV, C-430/09, de 16 de Dezembro de 2010), conclui que a transmissão das embalagens pode beneficiar da isenção das transmissões intracomunitárias de bens, desde que o fornecedor possa documentar, através de declaração pelo adquirente das caixas de cartão de que se destinam a ser entregues a outros sujeitos passivos portugueses, devidamente identificados, e serão por estes remetidas para outros Estados membros, após embalamento. O documento de transporte das embalagens com destino às empresas nacionais e cópia do documento de transporte emitido pelo embalador, aquando da expedição dos seus produtos já embalados, para os outros Estados-membros são, segundo a administração, suficientes para garantir que fica provada a expedição dos bens para fora do território nacional e portanto preenchida a condição da isenção relativa ao circuito físico dos bens. A outra condição da isenção, qual seja a da recolha do número fiscal válido do adquirente, não estava em causa e é fácil de cumprir, com recurso ao sistema de validação do número do IVA, constante do VIES.

Estes dois casos, ilustram, por um lado, a insegurança sentida pelos operadores económicos no que toca à prova de expedição, sobretudo nos casos em que o transporte para fora do território nacional não é efectuado pelo próprio fornecedor, nem por terceiro por sua conta (não estando, portanto, o fornecedor na posse de um documento de transporte), e, por outro lado, a boa orientação da administração fiscal portuguesa, que, sem abdicar do controlo da isenção, exigindo que os sujeitos passivos ajam de boa fé e não participem em fraudes, mostra flexibilidade na aceitação das provas de expedição.”

Como salienta o autor, decorre nomeadamente do Caso Mecsek-Gabona, de 6 de Setembro de 2012, Proc. nº C-273/11,  que “…a administração fiscal não pode, em princípio, exigir do fornecedor, para os efeitos da isenção, prova de que os bens saíram do território nacional e entraram em outro Estado da União, ou seja prova de que os bens chegaram ao seu destino.

 

1.3 O ónus da prova

 

Como é sabido, as provas têm por função demonstrar a realidade dos factos. Ora, como nos ensina Manuel de Andrade, o onus probandi respeita aos factos da causa, distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios, traduzindo-se, para a parte a quem compete, “…no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequência se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte).[20]

No tocante à classificação das presunções, destaca-se a que distingue as legais ou de direito (praesumptions iuris), estabelecidas pela própria lei vinculando a liberdade de apreciação do juiz, das naturais – de facto (praesumptiones facti ou hominis), judiciais, simples ou de experiência. Para os efeitos que ora nos ocupam, no que tange às primeiras, distinguem-se entre presunções juris et de jure e presunções juris tantum. As primeiras são absolutas, irrefutáveis, as segundas admitem prova em contrário. Será, contudo, para este efeito, necessário fazer prova cabal que afasta de forma consistente e fidedigna os factos acolhidos pela presunção.

Nos Processos n.ºs 735/2015-T, 85/2015-T e 149/2015-T, do CAAD, referidos pela AT, analisaram-se situações muito similares às controvertidas no que se reporta ao enquadramento que para o efeito releva. Sendo a situação similar – vendas intracomunitárias de relógios não descritos como tal nos documentos de transporte, a AT invocava igualmente não se verificarem os pressupostos necessários para efeitos da concessão da isenção das transmissões intracomunitárias de bens prevista na alínea a) do n.º1 do artigo 14.º do RITI, invocando irregularidades e incongruências diversas detectadas, nomeadamente, através do mecanismo da cooperação administrativa, referindo existirem indícios de fraude. Em alguns casos concluiu igualmente que os bens não tinham sido entregues e o seu destino final não coincidia com o declarado.

Todavia, como se concluiu na grande maioria dos casos analisados, a AT não conseguiu fazer prova cabal dos factos invocados, conforme o disposto no artigo 75.º, n.º1, da Lei Geral Tributária, não se afigurando que as invocadas irregularidades e incongruências pudessem, nos termos do disposto no n.º 2 da referida norma, legitimar a inversão do ónus da prova que sobre aquela impendia.

Como é sabido, consigna o artigo 74.º da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”  

Aplicando tal disposição ao presente caso, e tendo presente que está em causa um direito do contribuinte a uma isenção de imposto, será pacífico, julga-se, que o ónus da prova dos pressupostos do direito que pretende exercer impenderá sobre aquele.

No entanto, dispõe o artigo 350.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea d), da LGT, que “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.”.

Ora, sucede que o artigo 75.º, n.º 1, da LGT, determina que “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.

            Tal presunção poderá ser ultrapassada por duas vias, a saber:

-          afastando-a – impedindo que a mesma opere – pela demonstração de qualquer uma das circunstâncias elencadas no n.º 2 do mesmo normativo;

-          elidindo-a, pela prova do contrário do que se presume, nos termos do n.º 2 do também já referido artigo 350.º do Código Civil.

Como nota Jorge Manuel Santos Lopes de Sousa[21], “uma vez cumprido o dever de esclarecer, a presunção de veracidade e de boa fé das declarações dos contribuintes prevista no n.º 1 do art. 75.º da LGT mantém-se, incumbindo à Administração Tributária o papel de desafiar a veracidade, através da demonstração de “indícios sérios” da não correspondência com a verdade, assim “impendendo sobre [esta] o ónus da prova dos factos impeditivos da verdade presumida que resulta da declaração dos contribuintes””.

Ou seja, esta presunção não operará caso se verifique alguma das circunstâncias (impeditivas) elencadas no n.º 2 do artigo 75.º da LGT, designadamente, e para o que ora importa que:

-          As declarações, contabilidade ou escrita revelam omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

-          O contribuinte não cumpriu os deveres que lhe cabiam de esclarecimento da sua situação tributária;

Como explica Elisabete Louro Martins, “O grau de prova exigível à Administração Fiscal para afastar a presunção de verdade prevista na LGT a favor do contribuinte, irá, na nossa opinião, depender da natureza dos vícios apurados. Os vícios formais (...) devem ser objecto de prova efectiva com base nos próprios documentos apresentados pelo Sujeito Passivo (...). Na verdade, ou os documentos se encontram formalmente correctos ou se encontram formalmente incorrectos, sendo inadmissível que seja proferida uma decisão com base em meros indícios de factos que podem ser apreendidos com base em documentos disponíveis.

Por outro lado, a mesma regra não poderá ser aplicada aos vícios materiais, uma vez que têm por base muitas vezes elementos externos à contabilidade, como o facto de as mesmas não titularem operações reais que possam conferir ao sujeito passivo o direito à dedução, que não permitam a obtenção de um grau de certeza razoável relativamente à existência do facto tributário. Conforme resulta da segunda parte da alínea a) do n.º 2 do art.º 75.º da LGT, no caso de vícios materiais, bastará a Administração Fiscal apresentar factos concretos objectivos, baseados em provas concretas, que segundo as regras de experiência comum sejam fortemente indiciadores da existência do facto tributário[22].

           

1.4 Enquadramento do caso controvertido

 

Vejamos agora como o raciocínio até agora expendido se aplica na situação controvertida. Será que a AT logrou fazer prova cabal dos factos que invoca invertendo, nos termos supra citados, o ónus da prova que sobre ela impendia? Afigura-se-nos que não.

Compulsados os factos dados como provados, verifica-se que:

-          Foram emitidas facturas onde estavam descritos os relógios objecto de transacção, sendo possível à AT proceder à sua adequada identificação e o número de identificação fiscal do adquirente de outro Estado-Membro dado como válido e a Requerente não liquidou IVA por qualificar as operações como transmissões intracomunitárias de bens.

-          Existem documentos relativos ao transporte de bens (descritos como “documentos”) com destino aos operadores registados nos Estados-Membros constantes das facturas, emitidos pela transportadora contratada, FedEx Express, CTT e EMS.

-          No caso das transmissões intracomunitárias de bens efectuadas para a D… e para a B…, os bens foram registados como entregues.

-          Existem documentos comprovativos das transferências bancárias relativos aos pagamentos.

-          Existem declarações dos adquirentes em como realizaram as correspondentes aquisições intracomunitárias de bens, excepto no caso da operação realizada com a C…, sendo que neste caso tal entidade declarou às autoridades fiscais da Letónia as correspondentes aquisições intracomunitárias de bens efectuadas à Requerente e localizadas na Letónia.

-          Ou seja, distintamente do que se verifica no tocante ao Processo n.º 164/2015 T do CAAD citado em que o Tribunal decidiu pelo indeferimento de uma alegada pretensão idêntica, existe neste caso todo um conjunto não negligenciável de factos dados como provados.

Como vimos, face ao disposto no supracitado artigo 75.º, n.º 1, da LGT, haverá que presumir verdadeiras e de boa-fé, quer a declaração apresentada periódica de IVA apresentada, nos termos da lei, pela Requerente, quer os dados descritos na sua contabilidade, na qual, saliente-se, não foram identificadas quaisquer divergências relevantes pela AT.

A referida presunção, como referimos, poderá ser ultrapassada por duas vias, apontadas, respectivamente, pelo artigo 75.º, n.º 2, da LGT e pelo artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil, facto este que entendemos que não ocorre no caso concreto.

            Com efeito, compulsado, uma vez mais, o elenco factual apurado no presente processo, verifica-se que não se evidencia qualquer circunstância relativa à segunda das circunstâncias impeditivas da operatividade da presunção em questão. Pelo contrário, a Requerente correspondeu, na medida do que lhe foi possível, às solicitações de cooperação formuladas pela AT, no sentido do esclarecimento da sua situação tributária.

Relativamente à primeira daquelas mesmas circunstâncias, acima referidas, não tendo sido, notoriamente, detectados omissões, erros, inexactidões das declarações ou da contabilidade que se afigurem de relevar e resumindo-se tais irregularidades no que se reporta às declarações, ao facto alegado de que os locais/clientes para onde os bens em causa (relógios) eram facturados não correspondiam aos locais onde os mesmos foram efectivamente entregues, importa desde logo salientar que tal facto não é determinante para efeitos da não aplicação da isenção prevista na alínea a) do artigo 14.º do RITI. Só será caso os bens não saíam do território nacional, tratando-se de vendas internas ou caso estejamos perante exportações. Mesmo que assim fosse, no caso da alegada venda para o “Panamá ou Nova Zelândia e China", não logrou a AT fazer prova cabal de tal facto, sendo inadmissível que seja proferida uma decisão com base em meros indícios de factos que podem ser apreendidos com base em documentos disponíveis.

Por outro lado, a mera suspeita de que as declarações não titulam operações reais que possam ser qualificadas como transmissões intracomunitárias de bens, não permite a obtenção de um grau de certeza razoável suficiente para inverter o ónus da prova, não tendo a AT apresentado factos concretos objectivos, baseados em provas concretas que, segundo as regras de experiência comum sejam fortemente indiciadores dos factos que invoca.

Ora, neste sentido, não podemos concluir que se encontram reunidos indícios fundados de que as declarações da Requerente não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo.

Com efeito, cumpriria à AT apurar se a informação prestada pelas autoridades fiscais dos demais Estados-Membros ao abrigo do mecanismo da cooperação administrativa à data, se podiam qualificar como “indícios fundados” de que a contabilidade e declaração apresentadas pelo sujeito passivo não reflectiam a sua matéria tributável real, e, em caso afirmativo, se, no quadro dos elementos factuais entretanto coligidos, tal qualificação seria susceptível de se manter.

Termos em que, ao contrário do que pugna a AT nas suas alegações, se entende não ser aplicável o artigo 76.º, n.º 4, da LGT, não sendo carreados meios de prova inequívoca que consubstancie um indício fundado de que as transmissões intracomunitárias de bens declaradas, bem como as inscrições contabilísticas que as suportam, não seriam verdadeiras, obstando à operatividade da presunção consagrada no n.º 1 do artigo 75.º da LGT.

Note-se que se considera ainda que a eventual não declaração das aquisições intracomunitárias, não é igualmente, susceptível de ser qualificada, para efeitos de obstar à formação da presunção consagrada no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, como um “indício fundado” de que a contabilidade e declaração apresentadas pela Requerente não reflectem a sua matéria tributável real. Com efeito, a decisão de declarar ou não a aquisição intracomunitária é exclusivamente determinada pelo adquirente, sendo a Requerente de todo alheia à mesma, em termos de não a poder determinar ou controlar.

No entanto, mesmo que assim não se entendesse, sempre se haveria que concluir que, no limite, tal circunstância seria unicamente susceptível de gerar uma situação de dúvida. Efectivamente, e aplicando-se aqui a ratio da resposta do TJUE à quarta questão colocada no Caso Teleos[23], tal como já mencionámos supra, dever-se-á entender que o facto de o adquirente não ter apresentado uma declaração às autoridades fiscais do Estado-Membro de destino relativa à aquisição intracomunitária, como a que está ora em causa, pode constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens não saíram efectivamente do território do Estado-Membro de envio, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de não-isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.

Anote-se ainda que no caso concreto, apesar de os documentos de transporte se reportarem genericamente a “documentos”, as facturas subjacentes descrevem os relógios objecto de transacção permitindo a sua devida identificação pela Administração Fiscal, pelo que, pese não ter ficado provado que a exigência da descrição genérica “documentos de transporte” em tal documentação se fica a dever a justificados riscos por parte da seguradora, se afigura não ser de relevar sequer tal facto.

Note-se ainda, no tocante ao mecanismo da cooperação administrativa, que aderimos ao raciocínio expendido pelo CAAD no referido Processo n.º 85/2015-T.

Tal como se nota no aludido Processo, “Assim, e desde logo, carece de fundamento legal o alegado pela Requerida, em sede arbitral, no sentido de que “tal mecanismo de troca de informações entre as autoridades fiscais dos Estados membros, sendo necessário e indispensável em situações de dúvida, é também um meio de prova único e o mais adequado para efeitos de controle das, que são como tal declaradas pelos sujeitos passivos, transmissões intracomunitárias de bens.” e de que a tal mecanismo se terá de atribuir “força probatória plena”.

O único fundamento legal para qualquer juízo a respeito do valor probatório das informações em questão, radica no artigo 76.º, n.ºs 1 e 4, da LGT, que dispõem que:

“1 - As informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei. (...) 

4 - São abrangidas pelo n.º 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.”.

Relativamente ao normativo em causa, note-se, desde logo, que não consagra qualquer prova plena, ou seja, insusceptível de prova em contrário.

Por outro lado, não se poderá deixar de considerar que o valor probatório conferido pela LGT às informações prestadas pela IT, ou pelas administrações tributárias estrangeiras, fora do que constitua matéria praticada ou directamente percepcionada pela autora da informação, excluindo-se, assim, os meros juízos pessoais do informante.

Ora, a matéria que nos ocupa, inclui-se neste último âmbito, ou seja, a entrada, ou não, no Reino Unido, dos bens em questão, não é facto directamente percepcionado pela autoridade fiscal daquele país, mas um mero juízo que a mesmo retirou, dos documentos que examinou e que transmitiu, pelo que não poderá a tal juízo ser conferida fé, nos termos do artigo 76.º da LGT.

(…)

Por outro lado, a circunstância, também apurada, e relativamente à qual, aí sim, a informação das autoridades fiscais britânicas fará fé, segundo a qual a adquirente F…, não terá declarado as operações tituladas pelas facturas (…), não será, julga-se, suficiente, para abalar a presunção de veracidade das declarações da Requerente neste processo, consagrada no artigo 75.º/1 da LGT, por não poder ser entendida como um “indício fundado” de que a contabilidade e declaração apresentadas por aquela, em questão no presente processo, não reflectem a sua matéria tributável real. Com efeito, a decisão de declarar ou não a aquisição intracomunitária é exclusivamente determinada pelo adquirente, sendo a Requerente de todo alheia à mesma, em termos de não a poder determinar ou controlar.

No entanto, mesmo que assim não se entendesse, sempre se haveria que concluir que, no limite, tal circunstância seria unicamente susceptível de gerar uma situação dúvida.”

Não é, assim e em suma, possível validar o juízo de que estamos perante “factos concretos objectivos, baseados em provas concretas, que segundo as regras de experiência comum sejam fortemente indiciadores da existência do facto tributário”.

Com efeito, tal como referimos, na medida em que, no seguimento da fundamentação precedente, era a AT quem, no sentido de impedir o accionamento da presunção consagrada no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, estava onerada com o encargo de reunir “indícios fundados” de que a contabilidade e declaração apresentadas pela Requerente, em questão no presente processo, não reflectiam a sua matéria tributável real, a dúvida em questão haveria imperativamente de ser resolvida em sentido desfavorável à posição daquela autoridade.

Deste modo, e por todo o exposto, conclui-se pela vigência, no caso, da presunção consagrada no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, relativa às declarações periódicas e inscrições contabilísticas apresentadas pela Requerente, respeitantes às transacções intracomunitárias de bens em questão nos actos tributários objecto do presente processo, pelo que, nos termos do artigo 350.º, n.º 1, do Código Civil, está aquela dispensada de provar os pressupostos de facto daquela, que se presumem.

Como afirma Elisabete Louro Martins[24], “quando surjam dúvidas sobre os factos declarados pelo Sujeito Passivo na declaração de rendimentos, caso todas as questões suscitadas pela Administração Fiscal tenham ficado resolvidas em sede de inspecção tributária ou em sede do exercício do dever de prestação de esclarecimentos através da análise dos documentos apresentados pelo mesmo, não será legítimo à Administração Fiscal actuar através da prática do acto tributário, sem apresentar qualquer prova que indicie objectivamente o vício formal ou material verificado, nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do CC, uma vez que às presunções legais é atribuída força probatória plena”.

Compulsados os factos provados, não se descortina que tal ocorra. Ou seja, não se vislumbra que decorra do quadro factual em causa a prova, para lá de qualquer dúvida razoável, de que a transmissões intracomunitárias de bens em causa não se tenham verificado, tendo, inversamente, logrado, o Tribunal, formar convicção contrária.

Efectivamente, e não obstante, no sentido da não verificação da TIB em causa, poderem indiciar elementos, como as informações prestadas ao abrigo do mecanismo da cooperação, no sentido de que os bens não chegaram a entrar nos respectivos Estados-Membros, bem como a não declaração, pelo adquirente, da aquisição intracomunitária de bens, as deficiências da documentação apresentada relativamente à expedição, geradora de dúvidas nos termos constantes do RIT e as declarações de pessoas não identificadas, no sentido da verificação da mencionada TIB apontam, a oportuna declaração fiscal apresentada pela Requerente, as declarações emitidas pelos adquirentes, bem como a facturação, nos termos legais, operada por aquela, o efectivo pagamento da transacção, e a existência dos respectivos comprovativos, para além da existência de documentos – ainda que não conclusivos mas não determinantes – relativos ao envio[25]. Este segundo grupo de elementos sobrepôs-se ao primeiro, em sede de crítica apreciação da prova, no que diz respeito ao convencimento que o Tribunal livremente logrou formar relativamente ao envio dos bens.

Em conclusão, não é possível validar o juízo de que estamos perante factos concretos objectivos, baseados em provas concretas, que, segundo as regras de experiência comum, sejam fortemente indiciadores da existência do facto tributário; ao invés, decorre dos elementos probatórios reunidos no processo, prova do envio.

E, acrescente-se, ainda que assim não se concluísse, sempre estaríamos perante uma situação de dúvida, pelo que, a dúvida sobre qualquer hipotética qualificação das transmissões deve ser valorada a favor da Requerente, tendo em consideração o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (subsidiariamente aplicável, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT], segundo o qual «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».

Destarte, tudo ponderado, entende-se não ter sido feita prova suficiente da não ocorrência da TIB devidamente declarada, nos termos legais, e registada pela Requerente na sua contabilidade, não tendo a AT cumprido o ónus de demonstrar factos impeditivos da presunção de veracidade da declaração da Requerente, pelo que, face à não elisão da presunção consagrada no artigo 75.º, n.º1, da LGT[26], deverá o pedido arbitral proceder.

 

2.      Pedido de indemnização

 

A Requerente formula, ainda, um pedido de indemnização por garantia indevida. Esta matéria foi objecto já de várias decisões no âmbito da jurisdição arbitral, podendo ver-se, entre outros, o processo arbitral do CAAD n.º 1/2013T[27], conforme passaremos de seguida a transcrever.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1.                               O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2.                              O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3.                              A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4.                              A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

 

No caso em apreço, é manifesto que o erro do acto de liquidação consubstanciado nas liquidações praticadas sem suporte num facto tributário pressuposto do imposto, é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a inspecção tributária e a liquidação foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Neste contexto, conclui-se que a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada, com referência ao valor cuja anulação foi determinada. Contudo, não foram alegados e provados os encargos que suportou para prestar a garantia, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que aquela tem direito, o que só poderá ser efectuado em execução deste acórdão.

 

IV. Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a) Julgar improcedente o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE;

b) Anular, pelos fundamentos acima expostos, os seguintes actos:

i.                    liquidações adicionais de IVA n.ºs …, …, …, … e … e …, relativas aos períodos de 01, 04, 05, 06 e 07 de 2011 e 08 de 2011;

ii.                  liquidações de juros compensatórios n.ºs …, …, …, …, … e …, relativas aos períodos de 01, 04, 05, 06 e 07 de 2011 e 08 de 2011.

c) Condenar a Autoridade Tributária a pagar à Requerente indemnização por garantia indevida, com referência ao valor cuja anulação foi determinada no montante que se vier a liquidar em execução de sentença.

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 405.218.86 (quatrocentos e cinco, duzentos e dezoito euros e oitenta e seis cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. Custas

 

Nos termos do previsto nos artigos 22.º, n.º 4 e 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 6. 732.00 (seis mil, setecentos e trinta e dois euros), a pagar pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

 

Lisboa

 

29 de Dezembro de 2015

 

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

 (Fernanda Maçãs),

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Clotilde Celorico Palma)

 

 

 

O Árbitro Vogal

(Jorge Júlio Landeiro Vaz)

Com declaração de voto

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

 A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

Declaração de Voto

 

Não acompanho a decisão deste Tribunal de dar como totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

O Acórdão, no ponto III.B.l.1., explicita:

"Não basta, assim, que os bens tenham sido objecto de aquisição por um sujeito passivo registado validamente em outro Estado-Membro, sendo necessário que se possa provar que os bens saíram do território nacional, com destino a um Estado-Membro da UE, que sejam expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por um terceiro exportador, por conta deste."

 

E mais adiante, ainda no ponto III.B.I.I., o Acórdão especifica a matéria de facto, controvertida: "No presente processo está essencialmente em causa aferir (…) se os bens em questão foram ou não efectivamente expedidos ou transportados para outro Estado-Membro, com destino aos aludidos adquirentes".

Apreciada a matéria de facto, constante dos autos, não dou como provado que os bens objecto de Transmissão intracomunitária, designados por "Documentos", fossem "Relógios" e que tenham sido efectivamente expedidos ou transportados para outro Estado membro, com destino aos alegados adquirentes, essencialmente pelas seguintes razões:

 

A) Matéria de Facto

 

1.      Da factualidade económica: o modelo de negócio

O acórdão dá como provado, no ponto III. A. l. alíneas a) b) c) d) e e), um conjunto de factos que definem o quadro económico e jurídico-financeiro, em que a Requerente desenvolve a sua actividade, no seio de um grupo económico, constituído pelas sociedades C…, Lda e A…, SA.

 

Donde resulta que:

a) O grupo encontra-se consolidado, com dependência jurídico-financeira integral, com gerentes/administradores comuns, em que a Requerente depende, em exclusivo, de um único centro de decisão, a sociedade mãe C…, Lda que detém 100% do capital da Requerente.

b) O que determina que quer a aquisição quer a transmissão de relógios no espaço comunitário, sejam efectuados pela mesma entidade, o grupo económico assim constituído, sendo ambas as sociedades Sujeitos Passivos de IVA no quadro do RITI.

c) A C…, Lda, adquire os alegados relógios no espaço intracomunitário, não suportando qualquer ónus fiscal uma vez que normalmente, o imposto liquidado e aí declarado é dedutível imediata e integralmente.

d) A C…, Lda, fornecedor exclusivo da A…, SA, factura a esta filial os alegados relógios, liquidando o imposto.

e) A A…, SA, efectua a transmissão dos alegados relógios no espaço intracomunitário. Nestas operações a A…, não liquida imposto por estar isenta, nos termos do RITI.

f) Finalmente, a A…, SA, nos termos do RITI, deduz o IVA alegadamente, suportado, em alegadas transacções intra-grupo, solicitando mensalmente o reembolso ao Estado.

 

Conclusões:

 

O grupo C…, Lda e A…, SA, obtém, com esta estrutura societária e com este modelo de negócio, intracomunitário e intra-grupo, isenção fiscal plena, em sede de IVA (e também de IRC). E em consequência, a Requerente obtém também o reembolso mensal do IVA de alegadas transacções intra-grupo. O benefício fiscal resulta no reembolso de IVA dedutível intra-grupo: Em cada 10 milhões de Euros alegadamente facturados neste modelo de negócio, o grupo reembolsa 2,3 milhões de Euros de IVA.

Para a AT, este benefício fiscal, ter-se-á tornado na motivação exclusiva deste modelo de negocio, quando alega que:

"Os relógios não deram entrada no Estado Membro que consta nos documentos de transporte exibidos";

e,

"As sociedades clientes não passarão de meros entrepostos documentais."

 

2. Da alegada expedição das mercadorias: relógios de ouro e de aço

 

O acórdão dá como provado, no ponto III.A.1. alíneas q) x) dd) e ii), de que o Sujeito Passivo, requerente neste processo, apresentou documentos comprovativos de envio, das mercadorias, pela FedEx, ou pelos CTT, com a designação de "Documentos" (ou instrumentos de precisão). 

Solicitada pela AT a justificar este procedimento, a Requerente declarou que a não designação, de "relógios" ou do valor transportado, nas guias de remessa das exportações da Requerente, se devia a exigência da Seguradora. O Tribunal, como consta no ponto III A.2. alínea a) do Acórdão, não deu como provado que a menção “Documentos” tivesse origem numa exigência da instituição seguradora, por estar vedada, numa alegada apólice, a menção aos relógios atentos os riscos daí provenientes.

O Tribunal considerou a este propósito que (ponto III.A 3. do Acórdão):

“Com efeito, o documento da corretora de seguros (acta) junto pela Requerente, ainda que conjugada com o depoimento da testemunha A, não foi suficiente para convencer o Tribunal da motivação indicada, desde logo porquanto aquele documento está datado de 2012 (Doc. nr. 30 da PI) (e a correspondente apólice (…), ao que tudo indica, será do mesmo ano), enquanto que os factos ora em causa se reportam a 2011. Por outro lado, a testemunha não era representante da seguradora, mas um mero mediador."

Ou seja,

O testemunho do mediador de seguros bem como os documentos apresentados, relativamente à acta da seguradora nada provam, nem quanto à motivação da "não descrição da mercadoria expedida", nem quanto à existência de apólice de seguro válida relativa à exportação dos relógios, referenciados nas facturas. Pelo que a Requerente não conseguiu provar que os "Documentos" expedidos, fossem de facto os "Relógios" constantes das facturas emitidas.

Também o grau de informalidade destas alegadas transacções intracomunitárias de relógios de ouro e de aço é extraordinariamente incomum, no comércio internacional:

a) Não se conhecem os contratos, subjacentes às alegadas transacções.

b) Não se conhecem garantias prestadas pelos alegados adquirentes, de bom pagamento.

c) Não se conhecem contratos de seguro válidos relativamente às operações em causa.

 

Em conclusão:

Não se poderá dar como provado que o transporte de bens identificados como "documentos" ou (instrumentos de precisão) pela Requerente, nas guias de transporte, fossem "relógios", objecto de transmissões intracomunitárias de bens, não verificando o disposto na alínea a) do art. 14º do RITI.

 

3. Das alegadas inquisições intracomunitárias de bens

 

A Requerente para comprovar a aquisição e a recepção das mercadorias no espaço intracomunitário, apresentou declarações, alegadamente de três dos quatro operadores, em como: “foram efectuadas aquisições intracomunitárias de bens”:

            - Da B… (Doc. n.º 26 da PI);

            - Da D… (Doc. n.º 34 da PI);

            - Da C… (Doc. n.º 32 da PI).

As alegadas declarações encontram-se identificadas no Acórdão no ponto III.A.1, alíneas s) z) dd) ee) e hh).

No entanto, a forma como as alegadas declarações se encontram elaboradas e subscritas, as incongruências nelas contidas, suscitam as maiores dúvidas quanto à sua origem, autenticidade e veracidade.

De facto:

a)      As alegadas declarações dos operadores não indicam os bens objecto de aquisição intracomunitária.

b)      As alegadas declarações dos operadores B…, C… e a 1ª declaração da D… (de 16/09/2015), não identificam as pessoas que as subscrevem.

c)      A Requerente apresentou duas declarações, (de 16/092011 e de 27/03/2012), alegadamente, da D….

d)     A 1ª daquelas declarações, alegadamente, da D… indicava de forma parcial as facturas em causa, o que, aparentemente, foi corrigido na alegada 2ª declaração.

e)      No entanto, ambas as declarações da D… são formalmente muito díspares, suscitando dúvidas quanto à sua origem e autenticidade.

f)       A 2ª declaração da D… (de 27/03/2012) encontra-se assinada, alegadamente por pessoa identificada notarialmente, o que se encontra reconhecido no Acórdão, no ponto 1, alínea dd).

g)      A declaração notarial encontra-se junto à alegada 2ª declaração do operador D… de 27/03/2012 (Doc. 34 da PI): os dois documentos têm o carimbo do mesmo notário e reconhecem a assinatura de “X…”.

h)      Esta assinatura, notarialmente reconhecida na declaração da D…, encontra-se, porém, também na declaração de outro operador, a B…, suscitando dúvidas quanto à sua origem e autenticidade.

i)        Também a semelhança da estrutura formal das duas declarações, de operadores distintos, D… e B…, sugerem a mesma origem, contrariando a sua autenticidade.

j)        A declaração, alegadamente, da C…, apenas contém a identificação parcial das facturas em causa.

k)      As alegadas declarações de dois operadores distintos, a C… e a D… (de 16/09/2011), redigidas em inglês, apresentam porém um descritivo em português “N/factura”, em lugar de “Invoice”, suscitando dúvidas quanto à sua autenticidade.

 

Em conclusão:

 

As alegadas declarações dos operadores, apresentadas pela Requerente, em como efectuaram aquisições intracomunitárias de bens à Requerente, nada provam e dadas as incongruências aí verificadas, não se apresentam minimamente credíveis, quanto à sua origem, autenticidade e veracidade, contrariando que tais aquisições se tenham efectuado, não verificando o disposto na alínea a) do art. 14.º do RITI.

 

B) Fundamentação da matéria de facto

 

RITI, artigo 14.º alínea a). (Isenção de IVA nas transmissões)

LGT, artigo 14.º, n.º 2. (Benefícios fiscais/Ónus da prova)

LGT, artigo 59.º, n.º 4 (Dever de colaboração do contribuinte)

LGT, artigo 75.º n.º 2, (Declarações dos contribuintes)

LGT, artigo 99.º. (Princípio da oficialidade e do inquisitório ou da verdade material)

 

Lisboa, 30 de Dezembro de 2015

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Prof. Doutor Jorge J. Landeiro de Vaz)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 



[1]              Disponível em www.caad.pt.

[3]              Cfr. n. 53.

[4]              Cfr. n. 45.

[6]              Cfr. n.70.

[7]              Direito da União Europeia, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 577.

[8]              No mesmo sentido, vd. os Acórdãos de 30/11/2011 (Proc. nº 284/11) e de 2/11/2011 (Proc. nº 193/11).

[9]              Clotilde Celorico Palma, O IVA e o mercado interno – reflexões sobre o Regime transitório, CCTF n.º 178, 1998, p. 136.

[10]             Clotilde Celorico Palma, idem,  pp. 251 e 252.

[11]             Disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=79388&doclang=PT. Cfr. n. 42.

[12]             Disponíveis em www.caad.org.pt.

[13]             “A Prova da Expedição e o Direito à Isenção das Transacções Intracomunitárias”, Boletim de Ciências Económicas, Vol. LVII Tomo I 2014, Homenagem ao Professor Doutor António Avelãs Nunes.

[14]             “Transmissões “B2B” intra-EU isentas de IVA. A Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia”, Revista de Finanças Públicas e de Direito Fiscal n.º3, Ano VI, 3. 2013.

[15]             Cfr. n. 70.

[16]             Cfr. n. 71.

[17]             O Acórdão cita jurisprudência anterior, a saber, os Acórdãos de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C‑110/98 a C‑147/98, Colect., p. I‑1577, n. 52, de 19 de Setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C‑454/98, Colect., p. I‑6973, n. 59, e de 21 de Fevereiro de 2006, Halifax e o., C‑255/02, Colect., p. I‑1609, n. 92.

[18]             “A Prova da Expedição e o Direito à Isenção das Transacções Intracomunitárias”, op. cit..

[19]             O texto do n.º 2 do artigo 13.º do Reglamento é o seguinte:

                2. La expedición o transporte de los bienes al Estado miembro de destino se justificará por cualquier medio de prueba admitido en derecho y, en particular, de la siguiente forma:

                • 1.º Si se realiza por el vendedor o por su cuenta, mediante los correspondientes contratos de transporte o facturas expedidas por el transportista.

                • 2.º Si se realiza por el comprador o por su cuenta, mediante el acuse de recibo del adquirente, el duplicado de la factura con el estampillado del adquirente, copias de los documentos de transporte o cualquier otro justificante de la operación.

[20]             Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pp. 195 e 196.

[21]             “Ilisão de presunções consagradas nas normas de incidência tributária: o art. 73.º da LGT”, pp. 175 e ss., disponível em http://hdl.handle.net/1822/24601).

[22]             “O Ónus da Prova em Direito Fiscal”, Wolter Kluwer, Coimbra Editora, 2010, p. 129.

[23]             N. 72: “o facto de o adquirente ter apresentado uma declaração às autoridades fiscais do Estado- -Membro de destino relativa à aquisição intracomunitária, como a que está em causa no processo principal, pode constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens saíram efectivamente do território do Estado-Membro de entrega, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.

[24]             Op. cit., p. 125.

[25]             O que é situação – evidentemente – diferente da inexistência total de documentação relativa à expedição.

[26]             Note-se que a não ilisão da presunção, e os efeitos daí retirados, não constituem uma alteração das regras de distribuição do ónus da prova, que, como se viu inicialmente, oneram a Requerente. Como refere Jorge Manuel Santos Lopes de Sousa (“Ilisão de presunções consagradas nas normas de incidência tributária : o art. 73.º da LGT”, p. 36, disponível em http://hdl.handle.net/1822/24601), “A parte a quem incumbe a prova não deixa de ser a parte que originalmente teria esse ónus legal. O que acontece, como PIRES DE SOUSA sublinha, é que “a presunção legal proporciona à parte, que dela pode beneficiar, uma maior certeza sobre os resultados que alcançará com a prova do facto-base uma vez que este está fixado de uma forma concreta e determinada pela norma legal””, e, mais adiante (p. 37), “Enquanto que as presunções se aplicam na fase probatória, as regras de distribuição do ónus de prova actuam num momento posterior, verificada a insuficiência da prova dos factos e o não convencimento do julgador”.

[27]             Disponível em www.caad.org.pt.