Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A… – …, S.A., com sede na Avenida …, n.º … – …, … – … …, com o capital social de €1.550.000,00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o número único de matrícula e de identificação fiscal … (doravante Requerente), apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre as Transmissões Onerosas (IMT) n.º … e do acto liquidação de Imposto do Selo (IS) n.º …, no valor total de €7.869,42.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 24 de Março de 2016 e automaticamente notificado à AT.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 1 de Junho de 2016.
A AT respondeu defendendo a improcedência do pedido.
Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em face do teor da matéria contida nos autos.
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).
Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.
II. MATÉRIA DE FACTO
Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Requerente constitui um fundo de investimento imobiliário fechado para arrendamento habitacional.
B) O Fundo B… – … era, à data das liquidações ora em apreço, proprietário do prédio urbano, inscrito sob o artigo …, fracção “…”, na matriz predial urbana da freguesia de …, no concelho de Lisboa.
C) O referido imóvel foi adquirido em 19.11.2013, beneficiando de isenção de IMT e de IS ao abrigo do n.º 7 alínea a) e do n.º 8 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH tendo sido alienado em 13.01.2016.
D) Foram efectuadas as liquidações de IMT n.º …, no valor de €6.249,29 e de IS n.º …, no montante de €1.647,13;
E) As liquidações identificadas tiveram como fundamento o facto de ter sido dado ao imóvel um destino diferente do arrendamento para habitação permanente;
F) As liquidações foram pagas pela Requerente em 13.01.2016.
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III. MATÉRIA DE DIREITO
A – DA POSIÇÃO DAS PARTES
A Requerente alega no seu pedido de pronúncia arbitral o seguinte:
1. A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009), aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (doravante «FIIAH») e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional;
2. No seu artigo 8.º (Regime tributário) estabeleceu-se o regime tributário aplicável aos FIIAH (doravante este regime será abreviadamente designado por «Regime Tributário dos FIIAH»);
3. No que se refere ao Imposto Municipal Sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante «IMT»), o Regime Tributário dos FIIAH definiu o seguinte no número 7 do citado artigo 8.º (Regime tributário):
«7 — Ficam isentos do IMT:
a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.»
4. A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) aditou ao artigo 8.º (Regime tributário) do Regime Tributário dos FIIAH os números 14 a 16, com o seguinte texto ([1]):
«14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.»
5. Com base nas disposições supra citadas, em particular, as resultantes das alterações consagradas ao Regime Tributário dos FIIAH, a ora Requerente solicitou à Autoridade Tributária a liquidação de IMT e de Imposto do Selo dos actos tributários de alienação de imóveis pelo Fundo B… já identificado;
6. As alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) ao Regime Tributário dos FIIAH suscitam legítimas perplexidades e interrogações às sociedades gestoras dos FIIAH que pretendem cumprir as suas obrigações perante a Autoridade Tributária;
7. Não esgotando as questões suscitadas, entende-se que as alterações ao Regime Tributário dos FIIAH assumem particular relevância no quadro dos impostos de obrigação única, in casu, o IMT e o IS quando tenham por objecto os prédios que integravam o património dos FIIAH à data de entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ou seja, os abrangidos pelo acima referido artigo 236.º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH);
8. A Requerente, como supra se indicou no artigo 6.º, solicitou à Autoridade Tributária a liquidação de IMT e de IS de actos tributários face às alterações introduzidas no Regime Tributário dos FIIAH;
9. Esses actos tributários referiam-se a prédios urbanos que integravam o património do Fundo B…, à data de entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ou seja, os abrangidos pelo acima referido artigo 236.º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH);
10. A Requerente entende que as liquidações enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa e devem, consequentemente, ser declaradas nulas;
11. Efectivamente, o facto objecto de tributação é, quer em sede de IMT quer em sede de IS, a aquisição da propriedade dos prédios relevantes pelo Fundo B… e as isenções de IMT e IS não eram, à data em que ingressaram no património do Fundo B…, condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias nem, tampouco, sujeitas a qualquer regime de caducidade;
12. Não estando, contudo, legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, quaisquer factos ou circunstâncias de que dependia a caducidade da isenção reconhecida, é manifesto que a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na ordem jurídico-tributária da Requerente enferma de inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa;
13. Considerando que o princípio da irretroactividade fiscal reveste o carácter de um direito fundamental, dotado do regime jurídico protector deste direito, o seu desrespeito origina a nulidade do acto, in casu, a nulidade das liquidações;
14. Admitindo, subsidiariamente, que o vício (ilegalidade) das Liquidações determina a sua anulabilidade (e não a nulidade), deverão as Liquidações ser anuladas em conformidade, nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do Código do Procedimento e Processo Tributário.
Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:
1. Nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), a Administração está obrigada a actuar em conformidade com o princípio da legalidade;
2. Os órgãos e agentes administrativos não têm competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade, contrariamente aos Tribunais que, nos termos do artigo 104.º da CRP, estão impedidos de aplicar normas inconstitucionais, sendo-lhes atribuída competência para a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional.
3. Em consequência, a AT não podia/pode recusar a aplicação de uma norma ou deixar de cumprir a lei invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos arts. 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT.
4. O artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2009), aprovou um regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH).
5. O regime aí previsto seria de aplicar aos FIIAH ou SIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da referida lei e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período.
6. Nos termos do artigo 8.º, n.º 8, “Ficam isentos de imposto do selo todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º”
7. Relativamente ao prédio supra identificado, que integrava o Fundo à data da entrada em vigor da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, A Requerente solicitou à AT as liquidações de IMT e de Imposto do Selo, face às alterações introduzidas ao regime tributário dos FIIAH, na medida em que, em 2016, o alienou a terceiros, conferindo-lhe, assim, destino diferente daquele que seria suposto: o arrendamento habitacional.
8. Mesmo a verificar-se a violação do normativo invocado pela Requerente, mormente, o artigo 103.º, n.º 3, da CRP, facto é que os actos impugnados são apenas passíveis de anulação e nunca da sua declaração de nulidade, considerando que a previsão legal da alínea d), do n.º 2 do artigo 133.º do CPA é apenas extensível à violação de direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da CRP (cfr. acórdão do TCAN, de 03/02/2012, processo: 00473/09.6BEPNF).
9. Primeiramente, há que ressalvar que, à data de criação do regime tributário aplicável aos FIIAH, com a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, as isenções em questão, quer em sede de IMT, quer em sede de Imposto do Selo, exigiam, respetivamente: (i) que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o “arrendamento para habitação permanente” e, (ii) que a transmissão tivesse por objeto “prédios destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5”.
10. Ou seja, os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções, sempre tiveram, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.
11. Pelo que, falece razão à Requerente quando afirma que as isenções em apreço não eram condicionadas por quaisquer factos ou circunstâncias, e, consequentemente, a argumentação que constrói partindo de tal errado pressuposto encontra-se igualmente ferida de erro.
12. Afinal, a nova redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em prol da segurança jurídica e do princípio da protecção da confiança, e na senda do espírito do legislador, aquando da criação do regime, veio apenas densificar o critério já exigido, estipulando “que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo”.
13. Ao que acresce, ainda, a disposição do artigo 14.º, n.º 2, do EBF na qual se determina que “quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à direta realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei”.
14. Pelo que, tudo visto e sopesado, é manifesto que, desde o início do regime, os benefícios fiscais em apreço aplicáveis aos FIIAH sempre dependeram da afectação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente, requisito legal que a AT, no âmbito dos seus poderes de fiscalização, sempre poderia aferir, de forma a concluir pela permanência do benefício ou, antes, pela reposição do sistema de tributação-regra.
15. Por fim, relativamente à questão da inconstitucionalidade, dispõe o invocado artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.
16. É entendimento sufragado pela doutrina e na jurisprudência que o referido preceito normativo apenas proíbe a retroatividade autêntica ou própria da lei fiscal abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando a lei é aprovada até ao final do ano a que corresponde o imposto (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/2010).
17. Com efeito, é verdade que o facto tributário em sede de IMT ou Imposto do Selo, para o que ora importa, verifica-se aquando da aquisição do imóvel.
18. Termos em que, contrariamente ao que defende A Requerente, não se verifica a introdução ex novum de um regime de caducidade do benefício, e, ainda menos se constata qualquer frustração das expectativas dos sujeitos passivos ou violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal.
19. Não podendo ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido - uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu -, não pode senão concluir-se no sentido de que não são devidos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.
B – DO PEDIDO
Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se os actos de liquidação de IS sub judice são ou não ilegais por violação do disposto no artigo 103.º, n.º 3 da CRP será necessário verificar qual é a interpretação que deve ser efectuada ao artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
Para tal importa atender ao disposto no artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), segundo o qual a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.
Os principais gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
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Atendendo àqueles princípios, vejamos, então, qual era o regime fiscal aplicável às aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos FIIAH e SIIAH, antes de serem introduzidas as alterações previstas pelo artigo 236.º da Lei do OE 2014.
Dispunha o artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH e SIIAH, o seguinte:
“Artigo 8.º
Regime tributário
1 - Ficam isentos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) os rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas nos artigos anteriores.
2 - Ficam isentos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de IRC os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento referidos no número anterior, pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares, quer seja por distribuição ou reembolso, excluindo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação das unidades de participação.
3 - Ficam isentas de IRS as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis destinados à habitação própria a favor dos fundos de investimento referidos no n.º 1, que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento.
4 - As mais-valias referidas no número anterior passam a ser tributadas, nos termos gerais, caso o sujeito passivo cesse o contrato de arrendamento ou não exerça o direito de opção previsto no n.º 3 do artigo 5.º, suspendendo-se os prazos de caducidade e prescrição para efeitos de liquidação e cobrança do IRS, até final da relação contratual.
5 - São dedutíveis à colecta, nos termos e limites constantes da alínea c) do n.º 1 do artigo 85.º do Código do IRS, as importâncias suportadas pelos arrendatários dos imóveis dos fundos de investimento referidos no n.º 1 em resultado da conversão de um direito de propriedade de um imóvel num direito de arrendamento.
6 - Ficam isentos de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente que integrem o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.
7 - Ficam isentos do IMT:
a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.
8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º
9 - Ficam isentas de taxas de supervisão as entidades gestoras de FIIAH no que respeita exclusivamente à gestão de fundos desta natureza.
10 - Ficam excluídas das isenções constantes do presente artigo as entidades que sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
11 - As obrigações previstas no artigo 119.º e no n.º 1 do artigo 125.º do Código do IRS devem ser cumpridas pelas entidades gestoras ou registadoras.
12 - Caso os requisitos referidos no n.º 1 deixem de verificar-se, cessa a aplicação do regime previsto no presente artigo, passando a aplicar-se o regime previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, devendo os rendimentos dos fundos de investimento referidos no n.º 1 que, à data, não tenham ainda sido pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares ser tributados autonomamente, às taxas previstas no artigo 22.º do mesmo diploma, acrescendo os juros compensatórios correspondentes.
13 - As entidades gestoras dos fundos de investimento referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto dos fundos cuja gestão lhes caiba.”
Do descrito supra, resulta, com interesse para a apreciação dos actos de liquidação sub judice, que “As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1” estão isentas de IMT.
De igual modo, “Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º”
São, portanto, abrangidos pela isenção de IMT i) as aquisições de prédios urbanos ou fracções autónomas de prédios urbanos“, ii) cujo destino seja exclusivamente o arrendamento para habitação permanente, iii) efectuadas pelos FIIAH elegíveis.
E pela isenção de IS i) todos os actos praticados pelos FIIAH elegíveis; ii) conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente; iii) que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos; ou iv) o exercício da opção de compra pelo arrendatário até 31 de Dezembro de 2020.
Assim, caso não tivesse ocorrido qualquer alteração legislativa ao artigo 8.º, a isenção de IMT e de IS em questão apenas seria de manter, enquanto se mantivessem as condições legais para a sua aplicação referidas nos parágrafos anteriores.
Isto significa que a Requerente tem direito ao benefício fiscal em causa, desde que cumpra as condições legais estabelecidas para a sua atribuição.
Na verdade, as isenções de IMT e de IS em causa estão condicionadas aos factos e circunstâncias para os quais é concedida e que resultam da previsão e estatuição normativa do artigo 8.º, n.º 7 e 8 do Regime dos FIAHH.
Ora, como resulta do n.º 2 do artigo 14.º da LGT “Os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito.”
Não se compreende, por isso, que se defenda que a isenção de IMT e de IS em causa não era à data condicionada à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias, nem tão pouco sujeita a qualquer regime de caducidade. Se tal entendimento vingasse, teoricamente, tal significaria que, no âmbito do regime dos FIAHH, podiam ser efectuadas aquisições de bens com destino ao arrendamento habitacional isentas de impostos sobre o património num dia e no dia seguinte esses mesmos bens poderiam ser vendidos para outro fim que não o arrendamento pelo Fundo, sem qualquer encargo em termos de impostos sobre o património. Tal diferenciação fiscal seria injustificada.
Conclui-se, por isso, que resultando dos factos apurados que os actos de liquidação em apreço respeitam a imóvel, adquirido em 19 de Novembro de 2013, verifica-se que, quer à luz do regime jurídico dos FIIAH estabelecido ab initio, quer à luz do mesmo regime jurídico, alterado pela Lei do OE 2014, a isenção de IMT e de IS caducou, pois, o imóvel deixou de ser destinado ao arrendamento para habitação permanente e não se tendo demonstrou que houve uma transmissão por força da conversão do direito de propriedade num direito de arrendamento ou que foi exercido o direito de opção de compra pelo arrendatário.
Tendo em conta que os actos de liquidação, ora em crise, têm por base legal o disposto no artigo 8.º, n.º 7 e 8 do Regime Tributário dos FIIAH, cuja redacção actual já se encontrava vigente à data da aquisição do imóvel pelo Fundo, os actos de liquidação em causa são legais, uma vez que a isenção concedida caducou com a alienação dos imóveis, fora das situações previstas no artigo 8.º, n.º 7 e 8 do Regime dos FIAHH.
A questão colocada pela Requerente relativa à retroactividade ou não das normas introduzidas pelo artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é, portanto, irrelevante para aferir da legalidade do acto de liquidação sub judice, neste caso concreto.
Na verdade, a Lei do OE 2014 aditou ao artigo 8.º, os números 14 a 16, nos seguintes termos:
“14 - Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.o 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”
Na situação em análise não está em causa, nenhuma das situações especificamente previstas nas normas transcritas (ou pelo menos, não foram alegados quaisquer factos nesse sentido).
Em consequência, a norma questionada pela Requerente - o Artigo 236.º - Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, sendo referente ao disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º, é inaplicável à presente situação.
Considera-se, assim, que não está em causa a retroatividade ou não da lei, nem tão pouco existe lesão de expectativas da Requerente ou agravamento da sua posição fiscal.
IV. DECISÂO
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
A) Julgar totalmente improcedente o pedido de nulidade e de anulação do acto de liquidação de IMT e IS identificados;
B) Condenar a Requerente nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.
V. VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €7.869,42.
VI. CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de Julho de 2016
A Árbitro
Magda Feliciano
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)
[1] Cf. Artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014).