Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 68/2016-T
Data da decisão: 2016-07-08  Selo  
Valor do pedido: € 145.280,70
Tema: IS - Terrenos para construção; verba n.º 28 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

I.                   Relatório

 

1. A… (doravante designado por “Requerente”, empresário em nome individual), com o n.º de identificação fiscal …, com domicílio na Rua …, n.º …, ..., …-… …, apresentou, no dia 4 de fevereiro de 2016, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de Tribunal Arbitral, de forma a serem declarados ilegais as liquidações de Imposto do Selo (“IS”) elencadas infra,

 

Nos termos da Verba n.º 28 da Tabela Geral do IS (“TGIS”), referentes ao exercício de 2012, no valor total de € 145.280,70, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

A) Constituição do Tribunal Arbitral Coletivo

2. De acordo com a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 13 de abril de 2016.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído no dia 29 de abril de 2016.

 

B) História processual

4. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente peticionou a declaração de ilegalidade dos indeferimentos dos recursos hierárquicos abaixo identificados e, consequentemente, a ilegalidade dos atos de liquidação de IS elencados supra.

5. A AT apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que os atos tributários em análise, por não violarem qualquer preceito legal ou constitucional, fossem mantidos na ordem jurídica.

6. Por despacho de 8 de junho de 2016, o Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

7. Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respetivos articulados, sem ofensa dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.

8. O prazo final fixado para a emissão da decisão arbitral foi o dia 28 de outubro de 2016.

9. O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

10. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

 

II. Questão a decidir

 

11. O presente Tribunal apreciará e decidirá do mérito da causa, que consiste, nomeadamente, em saber se os prédios urbanos legalmente qualificados como terrenos para construção, deverão ser abrangidos pelo conceito de prédios com afetação habitacional, nos termos da Verba n.º 28 TGIS, na sua redação à data da ocorrência dos factos (2012).

12. Ou seja, visará o presente Tribunal aferir se, tal como alega o Requerente, os terrenos para construção não eram, à data, enquadrados enquanto prédios com afetação habitacional, ficando, desta forma, fora do alcance da aludida verba, ou, ao invés, e tal como defende a Requerida, eram considerados prédios com afetação habitacional e, nesse contexto, sujeitos a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS.

 

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

 

13. Examinada a prova documental produzida, o presente Tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

I.     O Requerente é proprietário de terrenos para construção, sitos no Concelho de Sintra, Freguesia de …, todos com um Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) superior a € 1.000.000, tal como demonstrado na tabela em cima;

II.   O Requerente, por respeito ao exercício de 2012 e em resultado do exposto na Verba n.º 28 da TGIS, recebeu os atos de liquidação da AT indicados supra, no valor total de € 145.280,70;

III.  A presente petição inicial foi precedida de Reclamações Graciosas, por respeito a cada uma das liquidações individualmente consideradas, cujo indeferimento expresso deu origem à submissão de Recursos Hierárquicos, nos mesmos termos, tendo o indeferimento expresso dos últimos sido comunicado ao Requerente, nas seguintes datas:

 

14. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou do exame dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e da resposta das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

15. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

 

IV. Do Direito

 

A) Quadro jurídico

16. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interprete os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.

17. A sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS, efetuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

18. Note-se que, por referência ao exercício de 2012, o artigo 6.º daquela Lei consagrou as seguintes disposições transitórias:

“1 - Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de Novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i)     Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii)    Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8%;

iii)   Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

(…)”

19. A aludida lei aditou, igualmente, no Código do IS, o n.º 7 ao artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.

20. Adicionalmente, e tendo em consideração a alteração legislativa introduzida pela Lei
n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, importa também transcrever a redação da Verba 28.1 da TGIS desde 1 de janeiro de 2014, por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

21. Neste contexto, e tendo em consideração a indicação supra, debrucemo-nos, agora, sobre o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”).

22. No Código do IMI, enumeram-se as espécies de prédios (nos artigos 2.º a 6.º), nos seguintes termos:

“Artigo 2.º - Conceito de prédio

1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afetos a fins não transitórios.

3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 – Para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

Artigo 3.º - Prédios rústicos

1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afetação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afetação.

 

3 – São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções diretamente afetos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º.

4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.

Artigo 4.º - Prédios urbanos

Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

Artigo 5.º - Prédios mistos

1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2 – Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.

Artigo 6.º - Espécies de prédios urbanos

1 – Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo,
excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços,
infraestruturas ou equipamentos públicos.

 

4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3”.

23. Paralelamente, e uma vez que é um dos temas levantado pela Requerida, cumpre evidenciar o exposto no artigo 45.º do Código do IMI.

“Artigo 45.º - Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º.

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente”.

24. Por último, atente-se, igualmente, nas normas sobre a interpretação das leis, fundamentais para que se possa compreender o alcance do conceito de prédio com afetação habitacional.

25. O artigo 11.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:

“Artigo 11.º - Interpretação

1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica”.

26. Os princípios gerais da interpretação das leis, para os quais remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, encontram-se preconizados no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:

“Artigo 9.º - Interpretação da lei

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

27. Assim, é no presente quadro jurídico que importa decidir se os prédios urbanos classificados como terrenos para construção estão, ou não, incluídos no conceito de prédio com afetação habitacional, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS, à data da ocorrência dos factos (2012).

 

B) Argumentos das partes

28. O Requerente começou por expor que “decorre do n.º 28.1 da TGIS, que são três os elementos que constituem o facto tributário: a propriedade, o usufruto ou o direito de superfície sobre os prédios urbanos; que esses prédios urbanos tenham «afetação habitacional» e que tais prédios tenham um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000”.

29. Nesse sentido, considera que “não está presente o terceiro pressuposto que integra o facto tributário: o imóvel em causa não tem «afetação habitacional»”.

30. Ora, no entendimento do Requerente, “não há nos terrenos para construção uma afetação, seja para habitação, seja para comércio, seja para serviços. Não há desde logo, por uma razão «naturalística», se são terrenos… para construção, um terreno não está afeto à habitação, nem a comércio”.

31. O Requerente continua a sua exposição, considerando que, nos termos do artigo 6.º, n.º 3 do Código do IMI, os terrenos para construção “são aqueles «para os quais tiver sido concedida licença ou autorização de licenciamento ou construção e ainda aqueles que tiverem sido declarados como tal no título aquisitivo…»”, entendendo, por isso, que o legislador desenhou “o conceito de terrenos para construção em função da afetação, efetiva ou presumida, à construção”.

32. Para o Requerente, ainda que “o terreno se destine à construção de prédios afetos à habitação, essa afetação só se verifica com a efetiva construção do prédio, com a consequente eliminação da inscrição matricial do terreno para construção e a sua substituição por nova inscrição matricial do prédio urbano ou fração autónoma construídos. A autorização ou previsão de qualquer edificação não altera, assim, a classificação dos terrenos para construção, mas apenas impõe a sua avaliação de acordo com o novo valor patrimonial que resulta da autorização ou previsão da edificação”.

33. No que respeita a este ponto, conclui o Requerente que “os terrenos para construção não têm uma afetação, seja ela habitacional ou outra, sendo que decorre da lei que essas afetações só têm lugar em relação a edifícios construídos. Aliás, que o espírito do legislador era o da tributação incidir apenas sobre prédios construídos, retira-se das palavras proferidas na Assembleia da República pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (…)”, citando, de seguida, as palavras daquele membro do Governo, na reunião plenária de 10 de outubro de 2012, sessão na qual se discutiu, na generalidade, a proposta de Lei n.º 96/XII, que viria a dar lugar à Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro.

34. Pelo que, relativamente a este ponto, o Requerente termina a sua tese reforçando que “«prédios urbanos habitacionais» e «casas», obviamente que não abrangem terrenos para construção”. Assim, o terreno para construção, sobre cuja propriedade incidiu a liquidação de Imposto do Selo que teve como destinatária o Requerente, não cabe na previsão da Verba n.º 28 da TGIS”.

35. Fazendo ainda alusão a várias decisões arbitrais e, bem assim, a Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, que se terão pronunciado no mesmo sentido.

36. Adicionalmente, o Requerente suscitou ainda a inconstitucionalidade subjacente à “tributação em Imposto do Selo sobre os terrenos para construção, propriedade de empresas (…) que os adquiriram ou, para venda, ou para construção, é um absurdo que viola a natureza da tributação”.

37. Ponto no qual conclui que “a capacidade contributiva que o legislador quer “atingir” com o Imposto do Selo previsto no n.º 28 da TGIS, é a riqueza expressa na titularidade de imóveis de elevado valor. Porém, repete-se, no caso da ora Requerente, tais imóveis não são demonstrativos de riqueza, na medida em que são, apenas e só, instrumentos produtivos.

Mais ainda: estamos perante uma violação frontal do princípio constitucional da igualdade. É que uma empresa que adquira para o seu ativo, como mercadoria ou como matéria prima, outros tipos de bens, não está sujeita a esta tributação em Imposto do Selo.

Ao invés, uma empresa que adquira imóveis como mercadoria ou matéria prima, nomeadamente, terrenos para construção, já está sujeita a uma tributação sobre o património, como é a estatuída no n.º 28 da TGIS”.

38. Conclui então o Requerente o seu pedido solicitando a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IS previamente identificados.

39. Por seu turno, a Requerida, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual, começou por defender que o conceito de prédio com afetação habitacional, para efeito do disposto na verba n.º 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.

40. Ressalva a Requerida que “o legislador não refere «prédios destinados a habitação», tendo optado pela noção «afetação habitacional» – expressão diferente e mais ampla, cujo sentido há de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do CIMI”.

41. Desenvolvendo, de seguida, um extenso racional que, na sua opinião, permite, enquadrar os terrenos para construção no conceito de prédio com afetação habitacional, suportando-se, nomeadamente no artigo 45.º do Código do IMI.

42. “A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art. 45.º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno.

De um lado, considera-se a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, e do outro a área de terreno livre (…).”

43. Neste sentido, na opinião da Requerida, “muito antes da efetiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afetação do terreno para construção”.

44. Por outro lado, e no que respeita à pretensa violação de princípios constitucionais, a Requerida relembra que a Constituição da República Portuguesa “obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante”.

45. Em conclusão, a AT solicita que a pretensão aduzida seja julgada improcedente e, em consequência, que a mesma seja absolvida do pedido.

 

C) Apreciação do Tribunal Arbitral Coletivo

46. A título preliminar, cumpre ao Tribunal Arbitral Coletivo aferir a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral em crise.

47. A este respeito, o primeiro indeferimento expresso dos Recursos Hierárquicos mencionados supra, foi notificado ao Requerente a 10 de novembro de 2016 (tendo as restantes notificações data posterior como previamente se demonstrou).

48. Ora, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral é apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico (…)”, pelo que, tendo a presente petição inicial sido entregue a 4 de fevereiro de 2016, a mesma é tempestiva.

49. Por outro lado, importa ainda deixar a nota que, na opinião do presente Tribunal Arbitral Coletivo, a cumulação de pedidos solicitada pelo Requerente é de prosseguir já que, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, esta é admissível relativamente a diferentes atos, “quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

50. Tendo em consideração o exposto supra, cumpre agora apreciar, para efeito da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, na sua redação em 2012, se o conceito de prédio com afetação habitacional, inclui, ou não, os terrenos para construção.

51. A este título, o Tribunal Arbitral Coletivo seguirá, de perto, a Decisão Arbitral referente ao processo n.º 42/2013-T, de 18 de outubro (decisão que, desde já, aplaude), pela sua pertinência, detalhe e proximidade à presente discussão (decisão que foi igualmente mencionada pelo Requerente no âmbito da sua petição inicial).

52. A título introdutório, note-se que o Código do IMI, não recorre, na classificação dos prédios urbanos, ao conceito de prédio com afetação habitacional (na verdade, não se encontra igualmente esse conceito em qualquer outro diploma).

53. Desta forma revela-se necessário realizar, com base no quadro jurídico exposto supra, uma interpretação do conceito de prédio com afetação habitacional.

54. A esse respeito, e por forma a suportar a presente decisão, transcrevemos infra parte da Decisão Arbitral n.º 42/2013-T, de 18 de outubro, onde se decidiu o seguinte:

“De uma interpretação literal da norma de incidência em causa resulta que o legislador quis incluir no âmbito de aplicação da norma os prédios urbanos que tenham uma «afetação habitacional».

A expressão «afetação habitacional» não parece poder ter outro sentido que não o de utilização habitacional, ou seja, prédios urbanos que tenham uma efetiva utilização para fins habitacionais, seja porque para tal estão licenciados, seja porque têm esse destino normal.

E não podemos confundir uma «afetação habitacional» que implica uma efetiva afetação de um prédio urbano a esse fim, com a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma «afetação habitacional».

Os terrenos para construção, não estando edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios com afetação habitacional, uma vez que, por um lado, não possuem licença de utilização para habitação, e, por outro lado, não são habitáveis (porque pura e simplesmente não estão edificados).

Pelo que não se nos afigura bastante para ser enquadrável na norma de incidência objetiva em apreço que exista a expectativa de um prédio urbano vir a ter uma afetação habitacional, ou de ter a potencialidade de vir a ter uma afetação habitacional”.

55. Ora, no caso dos terrenos para construção, de facto, mais não existe do que a mera expetativa, (ou, eventualmente, potencialidade), dos mesmos, e unicamente após a edificação, virem a ter uma afetação habitacional.

56. Contudo, somente quando a aludida afetação se concretizar, é que poderemos considerar que o prédio urbano se enquadra no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS.

57. De facto, o conceito de afetação habitacional terá que indubitavelmente reconduzir-se a algo que é passível de ser habitado, ainda que, tal como supra exposto, não se encontre reconhecido legalmente como tal.

58. Dessa forma, não obstante um terreno para construção resultar no futuro, muito provavelmente, num prédio com afetação habitacional, enquanto este assim se mantiver (ou seja, legalmente enquadrado enquanto terreno para construção), não pode, à data dos factos, no entendimento do presente Tribunal, ser incluído no campo de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.

59. Paralelamente, a AT demonstrou, tal como descrito supra, que, na sua opinião, é por força do artigo 45.º do Código do IMI, que os terrenos para construção são enquadrados enquanto prédios com afetação habitacional.

60. Neste contexto, e pela sua pertinência para a presente decisão, debrucemo-nos, uma vez mais, sobre a Decisão Arbitral n.º 42/2013, de 18 de outubro.

61. Tal como exposto na decisão arbitral previamente mencionada, “o artigo 45.º do CIMI tem por objetivo a avaliação dos terrenos para construção, considerando como um dos seus elementos o destino autorizado ou possível, em função dos condicionalismos urbanísticos.

Mais uma vez estamos apenas no campo das potencialidades, das expectativas, e isso não é bastante para alterar a natureza do prédio, que continua a ser considerado como terreno para construção, nem para sustentar que o prédio em causa passa a ter uma «afetação habitacional» para efeitos da incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS”.

62. De facto, é opinião do presente tribunal que, à data dos factos, o conceito de prédio com afetação habitacional, referido na Verba n.º 28 da TGIS, reconduz-se, exclusivamente, ao conceito de prédio urbano habitacional, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do Código do IMI.

63. Por outras palavras, no entendimento do presente Tribunal, em sintonia com entendimento vertido pelo Requerente e na Decisão n.º 42/2013-T, de 18 de outubro, não pode a AT recorrer ao artigo 45.º do Código do IMI para estabelecer uma relação entre terrenos para construção e prédio com afetação habitacional.

64. Nesse sentido, o presente tribunal conclui que, sendo o prédio urbano em discussão um terreno para construção, este não poderá ser incluído no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS.

65. Por último, e não obstante o enquadramento até agora realizado ser, do ponto de vista do presente Tribunal, bastante para reconhecer a ilegalidade dos atos de liquidação praticados pela AT, importa ressalvar que, se dúvidas houvesse, a alteração recente ao texto da Verba n.º 28 da TGIS permitia, seguramente, dissipá-las.

66. Com efeito, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2014, veio a alterar o texto verba n.º 28 da TGIS para “prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI (…)”.

67. Ora, no entendimento do presente Tribunal, tal alteração ocorreu, naturalmente, porque o legislador terá percecionado que existia uma necessidade, verificada apenas a partir de 2014, de alargar a aludida verba aos terrenos para construção, nos termos supra referidos.

68. Nestes moldes, fica claro que até essa data (2014), o texto da verba anteriormente mencionada deixava de fora do seu âmbito de aplicação os prédios juridicamente enquadrados como terrenos para construção (caso contrário, não se teria verificado a necessidade de alterar o texto da aludida verba).

69. Adicionalmente, foi também suscitada a inconstitucionalidade, pelo Requerente, da Verba 28.º TGIS, nos termos anteriormente referidos.

70. Porém, tal inconstitucionalidade só foi suscitada relativamente a uma interpretação da verba 26.1 da TGIS que considerasse abrangidos por ela os terrenos para construção (cfr. o pedido, IV, a) e b)).

Não sendo essa a interpretação do Tribunal, desnecessário se torna apreciar a questão.

71. Assim, e com base nas razões elencadas supra, entende o presente Tribunal que os terrenos para construção não podem, à data dos factos, ser abrangidos pelo conceito de prédio com afetação habitacional, tal como é referido no texto da Verba n.º 28 da TGIS, pelo que se conclui pela não verificação do pressuposto legal de incidência.

 

V. Decisão

 

72. Termos em que este Tribunal Arbitral Coletivo decide:

A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal o indeferimento expresso dos Recursos Hierárquicos previamente mencionados e consequentemente anular os atos de liquidação de IS referidos supra, por referência a 2012, dos quais resultou imposto a pagar no montante de € 145.280,70, respeitante à tributação de terrenos para construção, nos termos do disposto na Verba n.º 28 da TGIS;

B) Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VI. Valor do processo

 

73. Fixa-se o valor do processo em € 145.280,70, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VII. Custas

 

74. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00 nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.

 

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 8 de julho de 2016

 

Os Árbitros

 

 

(Conselheiro Dr. José Baeta Queiroz – Árbitro Presidente)

 

 

 

(Professor Doutor Nuno Cunha Rodrigues – Árbitro Adjunto)

 

 

 

(Dr. Sérgio Santos Pereira – Árbitro Adjunto)