Decisão Arbitral
1. RELATÓRIO
A…, com sede na Rua …, n.º …, …, …-… … (área do Serviço de Finanças de … …), e com o NIPC … (doravante designada por Requerente), vem, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS), referentes aos anos de 2013 e de 2014 e às diversas divisões de utilização independente e afetação habitacional do prédio urbano inscrito sob o artigo … da freguesia de …, concelho do Porto, de que é superficiária, no montante global de € 45 245,00.
Sustenta a Requerente a sua pretensão nos argumentos de facto e de direito que, resumidamente, se enunciam:
a. A Requerente, enquanto pessoa coletiva de direito privado, sem fins lucrativos, tem como objetivo principal a promoção de condições de habitação aos seus associados;
b. Nessa medida, promoveu, com o financiamento do então Fundo B… e em duas parcelas de terreno cujo direito de superfície lhe foi cedido pelo prazo de setenta anos, pela Câmara Municipal do …, a construção de um prédio urbano constituído por três blocos habitacionais, integrando 56 fogos;
c. Em 14 de março de 2014 a Requerente apresentou, no Serviço de Finanças do … …, uma declaração modelo 1 de IMI para inscrição do prédio na matriz, tendo os 56 fogos sido objeto de avaliação e determinação dos respetivos valores patrimoniais tributários (VPT), nos termos do artigo 38.º, do CIMI;
d. A AT emitiu liquidações de IMI para os anos de 2010 a 2014, referentes a cada um dos 56 fogos, enquanto habitações autónomas e independentes, tributando cada uma delas em separado;
e. A Requerente, entendendo que os VPT atribuídos aos 56 fogos, entre € 27 500,00 e 55 200,00 e calculados com base na tipologia e nas caraterísticas próprias de cada um, se encontravam corretos, não requereu uma segunda avaliação nem apresentou qualquer dos meios administrativos ou judiciais para obter a anulação das liquidações de IMI;
f. Em 10 de novembro de 2015, a Requerente foi notificada, via postal, da existência de processos de execução fiscal, nos quais iriam ser penhorados bens, por já terem decorrido 30 dias após a citação, tendo então tomado conhecimento de que os mesmos haviam sido instaurados para cobrança coerciva do Imposto do Selo dos anos de 2013 e de 2014, referente à titularidade do direito de superfície sobre o referido prédio;
g. Até àquela data, a Requerente desconhecia sequer que tivessem sido emitidas liquidações de Imposto do Selo para aqueles anos, referentes aos 56 fogos que compõem o prédio urbano identificado;
h. A Requerente possui caixa postal eletrónica, nos termos do n.º 9 do artigo 19.º, da LGT, para a qual são enviadas as notificações emitidas pela AT, através da Via CTT, mas só a ela acedeu após a receção da notificação postal, tendo verificado que apenas estava em tempo para proceder ao pagamento voluntário da 2.ª prestação das liquidações de Imposto do Selo de 2014, encontrando-se ultrapassado o prazo para pagamento voluntário das liquidações de 2013 e da 1.ª prestação de 2014;
i. O Imposto do Selo foi liquidado à taxa de 1% sobre o VPT atribuído a cada habitação, ao abrigo da verba 28.1, da TGIS, tendo sido emitida uma liquidação para cada uma delas: 56 liquidações para cada um dos anos indicados;
j. No entanto, o valor considerado para efeitos de sujeição a tributação foi a soma dos VPT de todas as habitações;
k. São pressupostos da incidência do Imposto do Selo da verba 28, da TGIS, a propriedade, usufruto e direito de superfície de prédios urbanos habitacionais e o VPT inscrito na matriz, para efeito de IMI, igual ou superior a € 1 000 000,00;
l. Ora, não tendo nenhuma das habitações um VPT, para efeito de IMI, igual ou superior a € 1 000 000,00, não se encontra preenchido um dos pressupostos da tributação, embora a AT a justifique pelo facto de o somatório de todos os VPT ultrapassar aquele valor;
m. Porém, tal atuação é contrária à vontade do legislador e violadora do princípio da justiça, pois, como resulta claro do debate parlamentar em torno da proposta de aprovação da norma ora contida na verba 28 da TGIS, o legislador pretendeu criar uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor, visando as “casas de luxo”, o que não é o caso das habitações construídas com custos controlados, com apoio do Fundo B… e em terreno da Câmara Municipal do …;
n. O n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo dispõe que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”, o que obriga a AT a fazer uso do conceito de prédio urbano imposto pelo artigo 4.º do CIMI e pelo artigo 6.º, que elenca as diversas categorias dos prédios urbanos;
o. Por outro lado, o CIMI avalia de forma autónoma todas as frações de um imóvel que constituam unidades suscetíveis de utilização independente, sendo este conceito válido também na inscrição e descrição matriciais, bem como aquele que subjaz à liquidação e emissão das notas de cobrança de IMI, conforme o artigo 12.º, n.º 1 e n.º 3, do CIMI;
p. “Ora, se é o próprio legislador que, no que respeita ao Imposto do Selo, manda considerar as regras do CIMI ao referir-se ao valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI e que o imposto incida sobre o valor patrimonial constante da matriz, e se é um facto que se o CIMI considera como unidades tributárias independentes ou individuais as diferentes frações de um prédio, esteja ele constituído ou não em propriedade horizontal, é forçoso concluir-se que o legislador do Imposto do Selo está também obrigado a fazê-lo”;
q. “Na sua actuação, a AT está obrigada a obedecer aos princípios da legalidade, da igualdade tributária, da capacidade contributiva e da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal (vide artigos 5.º, 8.º e 55.º da Lei Geral Tributária), visto que são estes princípios que estão na base dos impostos sobre o património e, neste caso concreto, a noção de prédio constante do nº 1 do artigo 2º do CIMI deve ser o critério a usar pela AT para decidir a incidência do Imposto de Selo nos termos da verba 28.1 da TGIS, o que claramente não se verifica”;
r. “Contrariamente à posição assumida pela AT ao cobrar imposto do Selo à Requerente, o valor patrimonial tributário que é relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo quando se trate de prédios constituídos em regime de propriedade total mas compostos por diversas habitações com utilização independente, deve ser o valor patrimonial tributário de cada uma das habitações do prédio e não o valor patrimonial tributário global do prédio, correspondente à soma de todos os valores patrimoniais tributários das divisões que o compõem”;
Afirmando estar “em tempo para recorrer ao CAAD – Centro de Arbitragem Tributária nos termos do Artigo 10º nº 1 alínea a) do RJAT” e atribuindo ao pedido o valor de € 45 245,00 (quarenta e cinco mil duzentos e quarenta e cinco euros), a Requerente termina por formular os seguintes pedidos:
1. De declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo dos anos de 2013 e de 2014, com fundamento em vício de violação de lei, por errada qualificação, interpretação e aplicação do direito;
2. De devolução de todas as quantias pagas pela Requerente a título de Imposto de Selo e juros;
3. De condenação da Requerida na obrigação de indemnizar a Requerente pela prestação de garantias bancárias que tiver que efetuar;
4. De condenação da Requerida no pagamento de juros sobre os montantes que entretanto venham a ser pagos pela Requerente;
5. De condenação da Requerida no pagamento das custas do processo arbitral.
Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou processo administrativo e resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação, com os seguintes fundamentos:
A: Por exceção – da dupla extemporaneidade do pedido e da incompetência do tribunal arbitral:
a. O presente pedido de pronúncia arbitral é, manifestamente, extemporâneo, pois “A data das liquidações do imposto em causa, conforme consta das notas de cobrança juntas ao Processo, em relação ao ano de 2013 é de 21.10.2015 com data limite de pagamento a 31.01.2015 e em relação ao ano de 2014, data da liquidação do imposto é de 20.03.2015 e quanto à primeira prestação a de data limite de pagamento é de 30.04.2015 e em relação à segunda prestação é de 30.11.2015, nos termos do disposto no art.º 120.º do CIMI, aplicável ex vi art.º 3.º da Lei n.º 55/2012, de 29 de Outubro”;
b. “Ora, nos termos do disposto no art.º 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e do art.º 102.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o prazo para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias a contar do termo do prazo para o pagamento voluntário do imposto”;
c. Assim, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 26.02.2016, considera a AT que o mesmo é manifestamente extemporâneo, em relação às liquidações do imposto nele identificadas, como considera ser admitido pela Requente nos artigos 29 e 30 da petição inicial;
d. No entanto, a Requerente alega que apenas tomou conhecimento das referidas liquidações em 10.11.2015, após a notificação via postal da penhora, “porque só nessa data é que acedeu à sua caixa de correio electrónica, conforme afirma no artigo 26.º da sua Petição”, embora admita possuir caixa postal eletrónica, “sendo as notificações efectuadas pela Autoridade Tributária através do Via CTT”;
e. Entende a AT que, “tendo em conta a legislação em vigor e aplicável ao caso, as liquidações foram legalmente notificadas à Requerente, nos termos do artigo 19.º da LGT e artigos 39.º e 43.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”;
f. O domicílio fiscal integra a caixa postal eletrónica (artigo 19.º, n.º 2, da LGT), e a Requerente é obrigada a possuir uma e a comunicá-la à Administração Tributária no prazo de 30 dias a contar da data do início de atividade (artigo 19.º, n.º 10, da LGT), considerando-se a notificação eletrónica efetuada nos termos dos n.ºs 9 e 10 do artigo 39.º, do CPPT;
g. “A Requerente só conseguiria ilidir a presunção do n.º 10 do referido artigo 39.º, [se] por facto que não lhe fosse imputável, a notificação ocorresse em data posterior à presumida e nos casos em que conseguisse comprovar que a comunicação da alteração nos termos do artigo 43.º (Obrigação de participação de domicílio) do CPPT, o que também não prova nos autos em apreço”;
h. Considera a AT que o pedido é ainda extemporâneo dado que o n.º 4 do artigo 120.º, do CIMI, aplicável às liquidações de Imposto do Selo da verba 28, da TGIS, estabelece que a falta de pagamento de uma das prestações “implica o imediato vencimento das restantes prestações”;
i. “Ora, não tendo a Requerente, como lhe competia, feito a prova de ter procedido ao pagamento da 1.ª prestação do imposto referente ao ano de 2014 (alegando desconhecimento da sua notificação), cuja data terminou a 30.04.2015, o mesmo é dizer que, nessa mesma data, se terão vencido as 2.ª e 3.ª prestações do imposto, por isso alegamos igualmente a extemporaneidade em relação ao ano de 2014”;
j. Entende ainda a AT que a Requerente não impugna um ato tributário, mas sim o pagamento da 2.ª prestação do Imposto do Selo do ano de 2014, “como a própria afirma nos artigos 29.º e 30.º da sua Douta P. I.”, o que não cabe no âmbito da competência dos Tribunais Arbitrais, constante do artigo 2.º, do RJAT;
k. “Não tendo a Requerente, questionado a liquidação do imposto quando foi oportunamente notificada da mesma (aliás a Requerente alega o desconhecimento das diversas notificações das liquidações para pagamento do ano de 2013 e da 1.ª prestação de 2014), não pode vir mais tarde, quando recebe a 2.ª nota de cobrança, e ultrapassado que está o respectivo prazo e competência do tribunal arbitral, vir a questionar aquela liquidação, que assim se converteu em definitiva”;
B. Por impugnação:
l. À data das liquidações, a Requerente era titular do direito de superfície do prédio em propriedade total, composto por três blocos habitacionais independentes entre si, avaliado nos termos do CIMI no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, com um valor patrimonial tributário (VPT) superior a € 1.000.000,00;
m. As liquidações efetuadas “nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba n.º 28 à TGIS, com a alteração efectuada pela Lei nº 83-C/2013, de 31/12” (…) “resultam da aplicação directa da norma legal, que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária”;
n. “O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2º, n.º 1 do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que no regime de propriedade horizontal, cada fracção autónoma é havida como constituindo um prédio”, retirando-se da análise da norma “que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal”;
o. “O artigo 12º do CIMI estatui o conceito de matriz predial, sendo que o seu n.º 3 respeita, exclusivamente, à forma de registar os dados matriciais”, dispondo o n.º 1 do artigo 119.º, do mesmo Código, que o documento de cobrança seja enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes susceptíveis de utilização independente e respetivo valor patrimonial tributário assim como da coleta imputada a cada município da localização dos prédios;
p. No entanto, a liquidação de IMI dos prédios em propriedade total é calculada sobre o VPT que a Requerente define como “valor total do prédio”, embora defendendo que não existe qualquer norma que estabeleça que o VPT de um prédio composto por três blocos habitacionais, com 56 fogos suscetíveis de utilização independente corresponda à soma das respetivas partes;
q. A tese da Requerente, da qual decorreria a ilegalidade das liquidações, por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, carece de sustentação legal, pois o legislador manda aplicar as regras do CIMI às situações previstas na verba 28, da TGIS, e “ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações, a saber, aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio (…)”;
r. Segundo a AT, o legislador terá querido tributar os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária: “De acordo com as regras do CIMI, concretamente o artigo 113º, n.º 1, a liquidação efectua-se com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que as mesmas respeitam”; relativamente aos prédios em regime de propriedade total, que não possuem fracções autónomas às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, atender-se-ia ao somatório dos VPT das divisões de utilização independente;
s. As liquidações impugnadas devem ser mantidas, por não se verificar o invocado vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito, porquanto configuram uma correta aplicação da lei aos factos;
t. Nem se entende que as mesmas tenham violado os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva: não existe violação do princípio da igualdade por não existir qualquer discriminação na tributação de prédios em propriedade total e em propriedade horizontal que possa ser considerada arbitrária, por se tratar de institutos jurídicos diferenciados, que a lei fiscal respeita;
u. “O que se pretende concluir é que estas normas procedimentos de avaliação, as normas sobre a inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes susceptíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical, isto porque, (…) seria ilegal e inconstitucional”;
v. “É assim consequência, de o facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. consistir na propriedade, de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto ser, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente”;
w. “Aliás, como decorre do Acórdão prolatado a 11 de Novembro de 2015 pelo Colendo Tribunal Constitucional, no âmbito do processo n.º 542/14, já se referindo às alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/20123 de 31 de Dezembro decidiu: «(…) Não julgar inconstitucional a norma da verba 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/20121, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00»;
x. (…) “Nestes termos, concluiu o douto tribunal que a norma sindicada, i.e., a verba 28 da TGIS, não enferma de nenhuma inconstitucionalidade, inexistindo qualquer violação dos princípios constitucionais conformadores da lei fiscal, especificadamente, dos princípios da igualdade fiscal, da capacidade contributiva e da proporcionalidade”;
y. No que respeita ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, defende a AT que “(…) o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º1 do artigo 43ºda LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, o que não ocorre no caso dos autos, em que as liquidações foram emitidas com base na legislação aplicável, à qual está vinculada;
z. Considera ainda a AT que os Tribunais Arbitrais carecem de competência para reconhecer o “direito à indemnização por custos sofridos com garantias bancárias que a Requerente tiver que efectuar, para suspender o processo de execução fiscal na pendência do presente processo”, por a mesma se não encontrar prevista no artigo 2.º, do RJAT.
A AT, por considerar estarem fixados os factos sobre os quais é requerida a decisão, os quais não contesta, veio requerer a dispensa da realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, concluindo a sua resposta com o pedido de absolvição da instância face à “manifesta extemporaneidade do pedido de constituição do Tribunal Arbitral” e à “evidente incompetência do Tribunal Arbitral”, mas que, caso assim se não entenda, que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente, “dada a legalidade das notas de cobrança e das liquidações”.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada em 26 de fevereiro de 2016, tendo sido aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 11 de março de 2016.
A Requerente informou que não pretendia utilizar a faculdade de designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º, do RJAT, foi a signatária nomeada árbitro pelo Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, encargo que aceitou no prazo legalmente previsto, sem oposição das Partes.
O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 13 de maio de 2016 para apreciar e decidir o litígio objeto dos presentes autos.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades que de todo o invalidem.
Por despacho arbitral notificado às Partes em 14 de junho de 2016, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT e foi determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas pelo prazo de 10 dias, tendo em vista o exercício do contraditório, em especial relativamente às exceções invocadas pela Requerida. Foi fixada a data de 29 de julho de 2016 para prolação da decisão arbitral e advertida a Requerente de que, até àquela data, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
Nas suas alegações, veio a Requerente responder às exceções inovadas pela AT, que não aceita:
A – Quanto à dupla extemporaneidade do pedido:
a – A data limite para pagamento voluntário da 2.ª prestação da liquidação do Imposto do Selo do ano de 2014 foi o dia 30.11.2015;
b – De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias a contar dos factos previstos no artigo 102.º, do CPPT, entre os quais o da alínea a) do n.º 1, ou seja, do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”;
c – No caso dos autos, o prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral iniciou-se em 01.12.2015 e terminaria em 28.02.2016; tendo o pedido sido apresentado em 26.02.2016, é o mesmo tempestivo;
d – As notificações para pagamento das segundas prestações das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014 continham a menção expressa de que “poderá reclamar ou impugnar a liquidação nos termos e nos prazos estabelecidos nos artigos 70.º e 102.º, do CPPT”.
B – Quanto à alegada incompetência do tribunal arbitral:
e – A AT incorre em manifesto erro de interpretação ao considerar que a Requerente impugna apenas uma prestação e não os atos tributários de liquidação;
f – O que se extrai da petição inicial, nomeadamente dos artigos 9.º, 45.º e 81.º, é o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação dos anos de 2013 e de 2014, com o valor económico de € 45 245,00.
Nas alegações propriamente ditas, a Requerente reitera desenvolvidamente a posição jurídica já exposta na petição inicial.
Nas suas alegações, a AT diz manter na íntegra todo o teor da sua resposta uma vez que, em seu entender, as alegações da Requerente não acrescentam nada de novo ao requerimento inicial, devendo o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente, por não provado, absolvendo-se a Requerida do pedido.
2. MATÉRIA DE FACTO
a. Factos que se consideram provados:
2.1. Em 14 de março de 2014 a Requerente apresentou, no Serviço de Finanças do … …, a “Declaração para inscrição ou atualização de prédios urbanos na matriz” (Modelo 1), a que se refere o artigo 13.º, do Código do IMI, na qualidade de superficiária do prédio urbano sito na Rua …, …, …, …, …, …, … e …, freguesia de …, no Porto;
2.2. O referido prédio urbano, constituído por cinquenta e sete andares ou divisões com utilização independente, viria a ser avaliado em 28 de junho de 2014 e inscrito na matriz da sobredita freguesia de …, concelho do Porto, sob o artigo …, constando da respetiva caderneta predial a titularidade do direito de superfície temporário da Requerente, com início em 2009 e término em 2079, sendo fundeiro o Município do …;
2.3. Das cinquenta e sete divisões suscetíveis de utilização independente, apenas uma (designada pelas letras BL) não se destina a habitação, sendo afeta a “arrecadação e arrumos”, a que foi atribuído o VPT de € 143 600,00;
2.4. O “VPT total” do prédio, de acordo com a caderneta predial obtida via internet em 24 de fevereiro de 2016, é de € 2 405 850,00, sendo de € 2 262 250,00 o somatório dos VPT das divisões suscetíveis de utilização independente e destinadas a habitação;
2.5. O VPT de cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente e destinadas a habitação, apurado em cada uma das respetivas fichas de avaliação, varia entre € 27 500,00 e € 55 200,00;
2.6. As cinquenta e seis liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) referentes ao ano de 2013 e a cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente, destinadas a habitação, foram emitidas pela AT com data de 21 de outubro de 2014, para pagamento em prestação única durante o mês de janeiro de 2014;
2.7. De cada uma das notas de cobrança referentes ao ano de 2013 constam, entre outros elementos, a identificação do sujeito passivo, o ano a que respeita o imposto, a identificação do documento, a data da liquidação, a identificação do prédio/divisão suscetível de utilização independente, a norma de incidência, o VPT de cada uma das divisões de utilização independente, a taxa e a coleta respetiva;
2.8. De cada um dos referidos documentos de cobrança consta ainda o “valor patrimonial do prédio – total sujeito a imposto”; contudo, o VPT total do prédio varia entre € 1 891 480,00 (para as divisões designadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, AA, AB, AC, AD, AE, AF, AG, AH, AI, AJ, AL, AM, AN, AO, AP, AQ, AR, AS, AT, AU, AV, AX, AZ, BA, BB, BC, BD, BE, BF, BG, BH, BI, e BJ) e € 2 262 250,00 (para as divisões designadas pelas letras P, Q, R, S, T, U, V, X e Z);
2.9. As liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) referentes ao ano de 2014 e a cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente, destinadas a habitação, do prédio urbano identificado, foram emitidas pela AT em 20 de março de 2015, para pagamento em duas prestações, nos meses de abril e novembro de 2015 (para as divisões designadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, X, Z, AA, AB, AC, AD, AE, AF, AG, AH, AI, AJ, AL, AM, AN, AO, AP, AQ, AR, AS, AT, AV, AZ, BB, BC, BD, BE, BG e BI) e em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro de 2015 (para as divisões designadas pelas letras AU, AX, BA, BF, BH e BJ);
2.10. De todas as notas de cobrança do ano de 2014 consta o VPT total de € 2 262 250,00;
2.11. A falta de pagamento das liquidações de Imposto do Selo dos anos de 2013 e de 2014 objeto dos presentes autos, deu origem à instauração dos processos de execução fiscal n.ºs …2015… e apensos e …2015… e apensos, ainda em curso, com a quantia exequenda total de € 45 245,00;
2.12. Em 4 de novembro de 2015 foi emitida pela AT em nome da Requerente, uma notificação referente à identificação de bens para penhora nos processos de execução fiscal n.º …2015…, …2015… e …2015….
2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da análise crítica da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (cópias da caderneta predial do imóvel identificado, das notas de cobrança emitidas em nome da Requerente), bem com do PA remetido pela Requerida.
2.3. Factos não provados
Não foram provados os seguintes factos:
2.3.1. Que tivessem sido efetuados pagamentos por conta das liquidações impugnadas nos presentes autos;
2.3.2. Que a Requerente tivesse prestado garantia para suspender os processos de execução fiscal instaurados por falta de pagamento das liquidações de Imposto do Selo impugnadas, na pendência do presente processo arbitral;
2.3.3. A data em que a AT notificou a Requerente para proceder ao pagamento das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013, referentes ao prédio urbano identificado nos autos.
3. MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Das exceções invocadas pela AT.
Na sua resposta, vem a Autoridade Tributária e Aduaneira invocar exceções que, a verificarem-se, conduzirão à absolvição da instância. Trata-se de questões processuais de conhecimento prioritário, nos termos do n.º 1 do artigo 608.º, do Código de Processo Civil (CPC), de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Vejamos pois.
3.1.1. Da dupla extemporaneidade do pedido
A primeira questão colocada pela AT é a da extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral por, à data da sua entrada no CAAD, em 26 de fevereiro de 2016, se encontrar excedido o prazo de 90 dias a que se refere o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, sobre a data limite para pagamento voluntário das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013 e da primeira prestação do ano de 2014.
Quanto às liquidações do ano de 2014, argumenta a AT que, nos termos do n.º 4 do artigo 120.º, do Código do IMI, aplicável ex vi do artigo 3.º, da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, ao prazo para pagamento das liquidações de Imposto do Selo da Verba 28, da TGIS, o não pagamento de uma prestação do imposto no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes prestações. Assim, não tendo sido paga até 30 de abril de 2015 a primeira prestação de cada uma das liquidações daquele ano, ter-se-iam vencido, naquela data, todas as restantes prestações do imposto, o que determinaria a extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral.
Efetivamente, o artigo 3.º, da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu alterações a diversos artigos do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, de entre os quais o seu 44.º, cujo n.º 5 dispõe:
“5 — Havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI.”
E, por seu turno, o artigo 120.º, do Código do IMI, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo artigo 215.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (orçamento do Estado para 2013), tem a seguinte redação:
“Artigo 120.º - Prazo de pagamento
1 - O imposto deve ser pago:
a) Em uma prestação, no mês de abril, quando o seu montante seja igual ou inferior a € 250;
b) Em duas prestações, nos meses de abril e novembro, quando o seu montante seja superior a € 250 e igual ou inferior a € 500;
c) Em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro, quando o seu montante seja superior a € 500.
2 - Sempre que a liquidação deva ter lugar fora do prazo referido no n.º 2 do artigo 113.º o sujeito passivo é notificado para proceder ao pagamento, o qual deve ter lugar até ao fim do mês seguinte ao da notificação.
3 - Sempre que no mesmo ano, por motivos imputáveis aos serviços, seja liquidado imposto respeitante a dois ou mais anos e o montante total a cobrar seja superior a € 250, o imposto relativo a cada um dos anos em atraso é pago com intervalos de seis meses contados a partir do mês seguinte inclusive ao da notificação referida no número anterior, sendo pago em primeiro lugar o imposto mais antigo.
4 - No caso previsto nos n.ºs 1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes.
5 - Se o atraso na liquidação for imputável ao sujeito passivo é este notificado para proceder ao pagamento do imposto respeitante a todos os anos em atraso.”
Como consta do probatório supra (2.9), algumas das liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) emitidas em nome da Requerente para o ano de 2014, por referência às divisões de utilização independente do prédio urbano identificado, deveriam ser pagas em duas e outras, em três prestações. E, não tendo sido paga a primeira prestação de cada uma das mencionadas liquidações, até ao final do mês de abril de 2015, ficariam imediatamente vencidas as segundas e terceiras prestações.
Porém, tal vencimento revela-se ineficaz relativamente à Requerente, pelo facto de a AT a ter voltado a notificar, concedendo-lhe novo prazo para pagamento (voluntário) das restantes prestações daquelas liquidações.
Assim, tendo o prazo para pagamento voluntário das segundas e/ou terceiras prestações das liquidações do Imposto do Selo terminando em 30 de novembro de 2015 e tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado antes do decurso do prazo de 90 dias sobre aquela data, não pode colher a exceção da sua alegada intempestividade.
Já quanto às liquidações do ano de 2013, a pagar em prestação única, não se suscita qualquer dúvida à AT sobre a intempestividade do pedido, porquanto, tendo sido emitidas em 21.10.2015, com data limite de pagamento em 31.01.2015, o prazo para, relativamente a elas, requerer a constituição do tribunal arbitral, já se mostrava excedido há muito.
Ora, de acordo com as cópias das notas de cobrança das liquidações do ano de 2013, cuja falsidade a Requerida não arguiu, estas foram emitidas em 21.10.2014, com data limite de pagamento em janeiro do mesmo ano; contudo é irrelevante para o caso dos autos considerarem-se as datas constantes das notas de cobrança juntas ao pedido de constituição do tribunal arbitral ou as indicadas pela AT, pois em ambos os casos se verifica que a data limite para pagamento voluntário das liquidações do ano de 2013 é anterior à data da sua emissão.
Tratando-se de uma liquidação efetuada pela AT e sendo a liquidação o ato administrativo através do qual se determina o quantitativo do imposto a pagar, dificilmente se poderá aceitar que a notificação da liquidação contenha a referência a uma data limite de pagamento anterior à sua própria emissão. Até porque, a aceitar-se a validade de tal notificação, ficaria irremediavelmente precludido o direito à tutela judicial efetiva, uma vez que à data em que as liquidações foram emitidas (21.10.2014) já haviam decorrido os prazos para reclamação ou impugnação (cfr. os artigos 70.º e 102.º, do CPPT), cujo termo inicial coincide com o termo do prazo para pagamento voluntário (31.01.2014).
Não se trata, pois, de uma mera irregularidade da notificação, sanável na falta de recurso do contribuinte ao meio previsto no n.º 1 do artigo 37.º, do CPPT, mas de uma situação enquadrável no segmento final do n.º 12 do artigo 39.º, do CPPT (12 - O ato de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do ato e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data” – sublinhado nosso).
A nulidade da notificação, de conhecimento oficioso (cfr. o n.º 2 do artigo 162.º, do atual CPA), enquanto ato necessariamente posterior e exterior ao ato de liquidação, não afeta a sua validade, mas tão-só a sua eficácia; a questão que se coloca é a de saber se uma liquidação que não foi validamente notificada ao sujeito passivo, porque a notificação nula não produz quaisquer efeitos jurídicos (artigo 162.º, n.º 1, do CPA), pode ser objeto de impugnação e, em caso afirmativo, qual o termo inicial do prazo para a sua impugnação.
Sobre esta questão, escreve o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa que, “(…) o acto tributário sujeito a notificação não pode ser impugnado pelos seus destinatários antes de ser efectuada a respectiva notificação ou se inicie a execução.
Na verdade, como se depreende art. 59.º do CPTA [subsidiariamente aplicável, por força do disposto no art. 2.º alínea c), do CPPT] «o prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o acto administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação, ainda que o acto tenha sido objecto de publicação obrigatória» (n.º 1) mas não se «impede a impugnação, se a execução do acto for desencadeada sem que a notificação tenha tido lugar» (n.º 2).
Desta última disposição depreende-se, a contrario, que, antes da notificação só é admissível a impugnação se for desencadeada a execução (entendida como qualquer forma de utilização do acto pela administração tributária).
(…)
Sendo assim, a petição de impugnação apresentada antes de ocorrer notificação ou início de execução será de rejeitar (…)”[1]
No caso dos autos, embora os atos tributários em causa (as liquidações do Imposto do Selo do ano de 2013) não tenham sido validamente notificadas ao contribuinte como exige a alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º, do CPPT, foi instaurado processo de execução fiscal tendente à sua cobrança coerciva.
E, independentemente da data em que tenha ocorrido a notificação/citação da Requerente, na qualidade de executada, é a mesma que confessa não ter acedido à caixa postal eletrónica, parte integrante do seu domicílio fiscal e para onde são enviadas as notificações/citações emitidas pela AT (cfr. o n.º 10 do artigo 19.º, da LGT, n.º 9 do artigo 38.º, n.ºs 9 e 1º do artigo 39.º e n.º 1 do artigo 41.º, do CPPT), apenas o tendo feito após a notificação postal remetida pelo Serviço de Finanças do … …, com data de 04.11.2015, que diz ter recebido em 10.11.2015.
Assim, ainda que se considerasse aquela última data como termo inicial do prazo para impugnação das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013, sempre seria de concluir pela caducidade do direito de impugnação, por intempestividade, quanto a elas, do pedido de pronúncia arbitral apresentado em 26.02.2016, por já ter decorrido o prazo de 90 dias sobre aquela data (10.11.2015), estabelecido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, do RJAT.
3.1.2. Da incompetência do tribunal arbitral
Relativamente às liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014, vem a AT invocar a exceção de incompetência do tribunal arbitral, por entender que a Requerente não impugna um ato tributário, mas sim o pagamento da segunda prestação do Imposto do Selo do ano de 2014, “como a própria afirma nos artigos 29.º e 30.º da sua Douta P. I.”, o que não cabe no âmbito da competência dos Tribunais Arbitrais, constante do artigo 2.º, do RJAT.
Assim, continua a AT, “Não tendo a Requerente, questionado a liquidação do imposto quando foi oportunamente notificada da mesma (aliás a Requerente alega o desconhecimento das diversas notificações das liquidações para pagamento do ano de 2013 e da 1.ª prestação de 2014), não pode vir mais tarde, quando recebe a 2.ª nota de cobrança, e ultrapassado que está o respectivo prazo e competência do tribunal arbitral, vir a questionar aquela liquidação, que assim se converteu em definitiva”.
Ao que a Requerente contrapõe que a Requerida incorre em manifesto erro de interpretação quando refere que se impugna apenas uma das prestações das liquidações do ano de 2014, quando, na verdade, expressamente peticiona a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação, como decorre dos argumentos por si invocados na petição inicial nesse sentido.
Vejamos então o teor dos artigos 29.º e 30.º, da petição inicial:
“29.º
Sendo certo que, o prazo para pagamento do Imposto do Selo relativo ao ano de 2013 e para pagamento da 1.ª prestação relativa ao Imposto do Selo relativo ao ano de 2014 já tinha sido ultrapassado à data em que a Requerente tomou conhecimento das liquidações.” e,
30.º
Na verdade a Requerente, quando acedeu ao seu correio Via CTT, só estava em tempo para proceder ao pagamento da 2.ª prestação do Imposto do Selo relativo ao ano de 2014, cujo prazo limite estipulado era o final do mês de Novembro de 2015” (sublinhado no original).
Ora, nada no texto transcrito indicia a intenção de impugnar apenas uma das prestações em que a liquidação do Imposto do Selo do ano de 2014 se subdividiu, pois a Requerente apenas reconhece que, na data em que acedeu à caixa postal eletrónica, já havia decorrido o prazo para pagamento voluntário da 1.ª prestação das liquidações que pretende impugnar, mas que estaria ainda em tempo para impugnar as mesmas liquidações, porquanto o termo do prazo para pagamento voluntário da última prestação de cada uma delas ainda não havia sido excedido.
O que se julga que a Requerida pretende afirmar é que, não tendo a Requerente impugnado a liquidação nos 90 dias após o termo do prazo para pagamento voluntário da 1.ª prestação das liquidações de imposto do Selo do ano de 2014, já não estaria em tempo para impugnar as mesmas liquidações aquando da notificação para pagamento da 2.ª prestação.
Todavia, essa questão acaba por se reconduzir à invocada exceção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral analisado no número precedente e que se considerou não verificada, relativamente às liquidações do ano de 2014.
Do mesmo modo improcede a exceção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer da pretensão de declaração de ilegalidade das liquidações do ano de 2014, por decorrer, inequivocamente, da petição inicial, ser esse o pedido da Requerente.
Pelos motivos que antecedem, considerando-se intempestivo o pedido de anulação das liquidações do ano de 2013, deverá o processo prosseguir para apreciação da legalidade das liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) referentes ao ano de 2014.
3.2. A questão decidenda: do mérito das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014
A verba 28.1, da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), aplicável às liquidações do ano de 2014, estabelece a sujeição a Imposto do Selo da propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos habitacionais, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000,00.
Os conceitos de prédio urbano e de prédio urbano habitacional encontram-se definidos no CIMI, de aplicação subsidiária às matérias relativas à verba 28, da TGIS, por força da remissão efetuada pelo n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo.
Prédio é, na definição do artigo 2.º, do CIMI, “toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (n.º 1) e, ainda, as frações autónomas dos prédios constituídos sob o regime de propriedade horizontal (n.º 4).
Os prédios podem ser rústicos, urbanos ou mistos, sendo os prédios urbanos definidos, de modo abrangente, pelo artigo 4.º, do CIMI, como sendo todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do que se dispõe quanto aos prédios mistos.
Existem, no entanto, diversas espécies de prédios urbanos, cuja classificação consta do artigo 6.º, do CIMI, cujo n.º 1 os classifica como a) habitacionais, b) comerciais, industriais ou para serviços, c) terrenos para construção e, d) outros, delimitando os n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo, o que deve entender-se por cada uma daquelas designações.
Prédios habitacionais são, pois, os edifícios ou construções licenciados para habitação ou que, na falta de licença, tenham como destino normal a habitação (fins habitacionais).
O prédio de que a Requerente é superficiária é um prédio urbano constituído por três blocos ou edifícios que integram cinquenta e seis divisões de utilização independente, destinadas a habitação e uma divisão destinada a “arrecadação e arrumos”, em cuja avaliação foi utilizado o coeficiente de afetação previsto para o efeito no artigo 41.º, do CIMI, de 0,35.
A principal questão trazida aos autos pela Requerente é a de saber se a sujeição a Imposto do Selo, nos termos da verba n.º 28 da TGIS, de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, é determinada pelo Valor Patrimonial Tributário (VPT) que corresponde a cada uma das partes do prédio, economicamente independente e com afetação habitacional, como defende, ou se é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT dos andares ou divisões de utilização independente e com afetação habitacional que o compõem, conforme a interpretação dada pela AT à referida norma.
3.2.1. Do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos em propriedade total
O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos é determinado pelas regras constantes dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, tendo em conta, nomeadamente, o coeficiente de afetação.
No que respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios não constituídos em propriedade horizontal, rege o artigo 7.º, n.º 2, do Código do IMI, mas apenas quanto aos “prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior”, caso em que, de acordo com a sua alínea b) “(…) cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes”.
E é esta a única norma do Código do IMI em que se faz referência ao “valor [global] do prédio”, sem que, contudo, este tenha qualquer relevância ao nível da liquidação do imposto.
Da conjugação das normas do n.º 2 do artigo 7.º e do n.º 1 do artigo 6.º, ambos do Código do IMI, resulta que, se um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal integrar, exclusivamente, partes ou divisões de afetação habitacional, o valor do prédio não equivale ao somatório dos VPT atribuídos individualizadamente a cada uma dessas partes ou divisões.
Tanto mais que, nos termos do n.º 3 do artigo 12.º, do CIMI, “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”.
O que equivale a dizer-se que cada uma dessas partes é autónoma e que, não lhe tendo sido atribuído um VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, ficará excluída da incidência do Imposto de Selo – verba 28.1, da TGIS.
Assim sendo, nada justificaria, pois, que o legislador pretendesse tributar partes ou divisões de utilização independente e afetação habitacional de um prédio urbano em propriedade vertical ou total, integrando também partes ou divisões destinadas a fins diversos da habitação, por se tratar de situações substancialmente idênticas.
Não se afigurando ser essa a intenção legislativa, não se poderá aceitar que a AT formule uma norma de incidência ex novo, diversa da que foi criada pelo legislador, pretendendo tributar partes de prédios, ainda que económica e funcionalmente independentes e, como tal, separadamente inscritas na matriz, pois a lei é clara ao sujeitar a imposto de selo da verba 28.1, da TGIS, os prédios urbanos de afetação habitacional, cujo VPT, para efeitos de IMI, seja superior a € 1 000 000,00.
O que se julga resultar da ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/2012 de 29 de outubro, é que o legislador tenha querido tributar a propriedade, usufruto e direito de superfície de unidades habitacionais de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, índice de elevada capacidade contributiva.
Daí que, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República da proposta de lei que esteve na origem da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tenha referido expressamente, conforme consta do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades” (cfr. o Acórdão do STA, Processo n.º 0498/16, de 29/06/2016, disponível em http://www.dgsi.pt/).
Em face de quanto antecede, resta concluir pela adesão à jurisprudência uniformemente ditada pelo STA na matéria, no âmbito da redação inicial da verba 28.1, da TGIS (de que não se vê razão para divergências para as situações abrangidas pela redação atual), segundo a qual “I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.
II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.” – cfr. o sumário do recente Acórdão do STA, Processo n.º 0498/16, de 29/06/2016, e demais jurisprudência nele citada.
Pelos motivos supra expostos, tendo-se por verificado o vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito, decorrente da errada interpretação das normas previstas na verba n.º 28.1, da TGIS, é forçoso concluir que as liquidações impugnadas não poderão manter-se na ordem jurídica.
3.3. Questões de conhecimento prejudicado
Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Em face da solução dada à questão relativa à determinação do VPT relevante para aplicação da norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS, no que respeita às liquidações do ano de 2014, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões, nomeadamente as da inconstitucionalidade da referida norma, por a mesma não ser passível da interpretação que, no caso, foi feita pela AT.
4. DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se:
4.1. Não conhecer da pretensão de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013, por caducidade do direito de impugnar;
4.2. Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 45 245,00 (quarenta e cinco mil, duzentos e quarenta e cinco euros).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2 142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), a suportar em partes iguais pela Autoridade Tributária e Aduaneira e pela Requerente, na proporção da respetiva sucumbência.
Lisboa, 29 de julho de 2016
O Árbitro,
/Mariana Vargas/
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.
[1] Cfr. o Autor citado in “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, Anotado e Comentado, vol. II, 6.ª Edição, Áreas Editora, 2011, pág. 146.