Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 61/2016-T
Data da decisão: 2016-07-13  IMT Selo  
Valor do pedido: € 30.443,55
Tema: IMT e IS - Fundos de Investimento Imobiliário; inconstitucionalidade do art. 236.º, norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH, prevista pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro; retroatividade da lei fiscal; competência do tribunal arbitral; legitimidade passiva
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

            O árbitro, Henrique Nogueira Nunes, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, acorda no seguinte:

 

1. RELATÓRIO

 

A…– …, S.A., com o número de identificação fiscal … (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

 

O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de nulidade e de ilegalidade da liquidação de IMT n.º…, no valor de € 26.672,75, bem como a liquidação de Imposto do Selo n.º…, no valor de € 3.770,80.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente designada por “AT ou Requerida”) em 19 de Fevereiro de 2016, tendo sido designado como árbitro do Tribunal Arbitral aquele já acima indicado, que aceitou o encargo.

 

No dia 05 de Abril de 2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral foi constituído em 20 de Abril de 2016.

 

A fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, o seguinte:

 

(i) O Requerente entende que as liquidações em crise nos autos enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 103.º, número 3, da Constituição da República Portuguesa e devem, consequentemente, ser declaradas nulas.

 

(ii) Considera que no momento em que os prédios - objecto das liquidações - ingressaram no património do Fundo B…, ficaram definitivamente cristalizadas na ordem jurídico-tributária as isenções de IMT e IS previstas, respectivamente, nos números 7, alínea a), e 8 do artigo 8.º do Regime Tributário dos FIIAH.

 

(iii) Pelo que, diz, não estando, contudo, legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, quaisquer factos ou circunstâncias de que dependia a caducidade da isenção reconhecida, é manifesto, entende, que a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na sua ordem jurídico-tributária enferma de inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, número 3, da Constituição da República Portuguesa.

 

(iv) Considera que o artigo 236.º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ao estender a aplicação do actual Regime Tributário dos FIIAH «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014» está a violar de forma directa e inequívoca o princípio da não retroactividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado.

 

(v) Pugna, de igual modo, pela sua inconstitucionalidade a qual diz gerar a nulidade das liquidações em crise nos autos.

 

(vi) Porquanto entende que o artigo 103.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa determina que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição (...)».

 

(vii) Considerando que o princípio da irretroactividade fiscal reveste o carácter de um direito fundamental, dotado do regime jurídico protector deste direito, o seu desrespeito, entende, origina a nulidade das Liquidações.

 

(viii) Admitindo, subsidiariamente, que o vício (ilegalidade) das liquidações possa determinar a sua anulabilidade (e não a nulidade), deverão, pugna, pela anulação das liquidações em conformidade, nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do Código do Procedimento e Processo Tributário.

 

(ix) Entende, em suma, que sendo as liquidações assentes no artigo 236.º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), as mesmas enfermam de inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, número 3, da Constituição da República Portuguesa, pelo que a Recorrida não deveria ter liquidado o IMT e o IS correspondente às liquidações, conforme por si solicitado, pelo que pugna pela nulidade das liquidações com base na sua inconstitucionalidade, ou subsidiariamente, caso assim não se entenda, pela anulação, por ilegalidade, das liquidações em questão nos autos.

 

(x) Assim se considerando, requer o reembolso da totalidade do montante de imposto pago, acrescido, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso.

 

(xi) Em sede de Alegações reforçou o expendido supra, juntou um Parecer, cópia de um requerimento e cópia de uma decisão arbitral.

 

(xii) Notificado pelo Tribunal Arbitral para se pronunciar, querendo, sobre as excepções dilatórias invocadas pela Requerida nas suas Alegações, respondeu, dizendo que pretende apenas que o Tribunal Arbitral declare a nulidade (ou, subsidiariamente, a anulabilidade) das liquidações postas em crise com o fundamento de que as mesmas se baseiam na aplicação de norma que viola a constituição e a lei, pugnando pela improcedência da excepção invocada pela AT, por não provada.

 

A AT respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente, alegando de forma sumária, como segue:

 

(i) Vem defender-se por impugnação, sustentando que não pode recusar aplicar uma norma ou deixar de cumprir a lei invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade.

 

(ii) Sustenta que as liquidações impugnadas não ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental, e mesmo que se verificasse qualquer vício, o mesmo deverá ser cominado com a anulabilidade e não com a declaração de nulidade.

 

(iii) Alega que no caso dos autos baseando-se as liquidações impugnadas no facto de ter sido dado ao imóvel “um destino diferente daquele em que assentou o benefício”, não está em causa a retroactividade da norma legal, como não se verifica qualquer lesão das suas expectativas.

 

(iv) Pois sustenta que os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções sempre tiveram, diz, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.

 

(v) Pelo que defende que a Requerente incorre em erro de pressuposto quando afirma que as isenções em apreço não eram condicionadas por quaisquer factos ou circunstâncias.

 

(vi) E que a nova redacção introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em prol da segurança jurídica e do princípio da protecção da confiança, e na senda do espírito do legislador, aquando da criação do regime, veio apenas densificar o critério já exigido.

 

(vii) Conclui que atenta a alienação do prédio resulta inequívoco que o Requerente não poderia, de qualquer forma, beneficiar da isenção requerida.

 

(viii) Sustenta que desde o início do regime, os benefícios fiscais em causa nos autos sempre dependeram da afectação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente, e que, uma vez que ocorreu a alienação dos imóveis, ocorreu a caducidade da isenção.

 

(ix) Concluindo pela inexistência no caso dos autos de qualquer situação de retroactividade da lei fiscal.

 

(x) Pelo que entende que o acto impugnado deverá ser mantido na ordem jurídica, tendo ficado claramente demonstrado, segundo diz, que a argumentação aduzida pelo Requerente não deve proceder.

 

(xi) Considerando que entende que não se verifica qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade dos actos de liquidação em causa nos autos, nem fundamento legal que sustente a pretensão do Requerente, pugna pela improcedência total do pedido, e, bem assim, pelo pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, porquanto entende não se verificar qualquer erro na sua actuação, e muito menos um erro imputável aos serviços, ficando assim, segundo sustenta, afastada a aplicação do artigo 43.º da LGT.

 

(xii) Em sede de Alegações reforçou o expendido supra e veio alegar duas excepções dilatórias, embora ligadas entre si, a incompetência material do Tribunal Arbitral e, consequentemente, a ilegitimidade passiva da Requerida.

 

Atenta a prova documental apresentada pelas partes e considerando que as questões a resolver nos autos são meramente de direito, o Tribunal Arbitral, por despacho inserido no sistema processual do CAAD em 13-06-2016 e notificado às partes, entendeu dispensar a reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT. As partes foram notificadas para apresentarem alegações sucessivas. O prazo para a prolação da decisão arbitral ficou fixada até ao dia 15 de Julho de 2016.

 

Mais determinou o Tribunal, por despacho datado de 04-07-2016, que a Requerente fosse notificada para se pronunciar sobre a matéria de excepção invocada pela Requerida nas suas alegações, observando-se, deste modo, o princípio do contraditório.

 

2. SANEAMENTO

 

O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de nulidades e não foram levantadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, para além das excepções invocadas pela AT que serão apreciadas e decididas na presente decisão.

 

3. MATÉRIA DE FACTO

 

A) FACTOS PROVADOS

 

Com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como na documentação junta aos autos, fixa-se a seguinte factualidade relevante:

 

A) O Requerente foi proprietário do prédio urbano U-…, destinado a habitação inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … e…, sito na …, …, …, (cfr. Documento n.º 1 junto aos autos pelo Requerente).

 

B) O prédio descrito em A) supra foi adquirido pelo Requerente por escritura lavrada no dia 13 de Dezembro de 2013, pelo valor de € 471.350,00, beneficiando das isenções de IMT e de IS constantes, respetivamente, dos números 7, alínea a), e 8 do artigo 8.º do Regime Tributário dos FIIAH, que foram reconhecidas a requerimento do Requerente, nos termos do disposto no artigo 10.º do Código do IMT.

 

C) O Requerente solicitou à Autoridade Tributária e Aduaneira um pedido oral de liquidação de IMT e de IS, solicitando o respectivo pagamento, porquanto declarou a sua intenção em alienar o prédio descrito em A) supra. (cfr. Artigo 6.º Petição Arbitral e Artigo 20 das Alegações da Requerente).

 

D) Tal pedido deu origem à liquidação de IMT número …, no valor de € 26.672,75, e à liquidação de IS número …, no valor de € 3.770,80, que o Requerente pagou em 14-01-2016 (cfr. Documentos n.ºs 1 e 2 junto aos autos pela Requerente).

 

E) As liquidações de IMT e de IS promovidas pela Requerida em causa nos autos foram justificadas com o facto de ser dado destino diferente do arrendamento ao imóvel descrito em A) supra, tendo ocorrido a caducidade do benefício fiscal concedido inicialmente.

 

F) O imóvel foi alienado para outros fins que não relacionados com o arrendamento habitacional nos termos do funcionamento dos FIIAH.

 

B) FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existem mais factos com relevo para a decisão de mérito que não se tenham provado.

 

C) FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

4. QUESTÕES A DECIDIR

 

São duas as questões que importa apreciar e decidir:

 

1) Conhecer das excepções dilatórias invocadas pela Requerida;

 

2) Aferir da legalidade das liquidações de IMT e IS em crise nos autos.

 

5. DO DIREITO

 

De acordo com as questões enunciadas, que constam do ponto n.º 4 da presente Decisão, e tendo em conta a matéria de facto fixada no ponto n.º 3, importa agora determinar o Direito aplicável.

 

Desde logo cumpre, primeiramente, apreciar a matéria de excepção invocada pela AT nas suas Alegações, atinente, quanto à questão de fundo, à excepção por alegada incompetência do Tribunal Arbitral.

 

1) Da Incompetência do Tribunal Arbitral

 

Invoca a Requerida que o Tribunal não tem competência para apreciar a fiscalização abstracta da legalidade e da constitucionalidade do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, no que diz corresponder tal intenção ao verdadeiro pedido da Requerente, verificando-se, assim, uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e conduz à absolvição da instância quanto à pretensão em causa nos autos.

 

Desde já se diga que a Requerida não tem razão.

 

Muito embora o Requerente subsuma o seu pedido de pronúncia arbitral à pretensão de que o Tribunal afira “se o artigo 236.º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) previsto pela Lei n.º 83 – C/2013, de 31 de Dezembro - na medida em que determina a aplicação do atual Regime Tributário dos FIIAH «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014» - consubstancia um novo regime de caducidade das isenções previstas no n.º 7, alínea a) e n.º 8 do artigo 8.º (Regime Tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, revelando uma violação flagrante e inequívoca do princípio da não retroatividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa.”.

 

O certo é que no pedido formulado na petição arbitral o Requerente peticiona a nulidade (ou, subsidiariamente a anulabilidade) de actos de liquidação concretos baseados na invalidade da norma acima referida, ou seja, o Requerente pretende, tão somente, que o Tribunal Arbitral se pronuncie quanto à aplicação da citada norma aos factos concretos submetidos à sua apreciação, avaliando a nulidade (ou, subsidiariamente, a anulabilidade) das liquidações postas em crise nos autos com o fundamento de que as mesmas se baseiam na aplicação de norma que viola a constituição e a lei.

 

Isso mesmo veio reforçar em sede de resposta à excepção invocada pela AT, decorrente da notificação do Tribunal, clarificando, assim, a sua pretensão.

 

O Tribunal é, nesta medida, materialmente competente, julgando-se improcedente a excepção invocada pela Requerida.

 

Uma vez determinada a competência do Tribunal Arbitral, improcede, consequentemente, a excepção invocada pela Requerida sobre a sua própria ilegitimidade passiva.

 

Entrando na matéria de impugnação, no que se refere às questões colocadas pelo Requerente.

 

2) Da legalidade das liquidações de IMT e de Imposto de Selo em crise nos autos

 

Diga-se que a questão em apreço nos presentes autos é em tudo similar à julgada por este mesmo Tribunal Arbitral no processo n.º 717/2015-T, em que foi Requerente o ora Requerente, pelo que se seguirá, naturalmente, a decisão então proferida nesse processo.

 

O artigo 102.º (norma inserida no Capitulo X, sob a epígrafe “Benefícios Fiscais”) da Lei n.º 64-A/2008 de 31 Dezembro (Orçamento de Estado para 2009) aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (de ora adiante abreviadamente designado por "FIIAH") e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (“SIIAH”).

 

Segundo o n.º 7 do artigo 8.° do FIIAH, que contém o respectivo regime tributário, ficam isentas de IMT:

 

"a) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.".

 

Por seu turno, segundo o n.º 8 do artigo 8.º do FIIAH:

 

“Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.”.

 

O artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2014) veio alterar o regime fiscal dos FIIAH, ao introduzir mais 3 números ao supra referido artigo 8.º:

 

"14 — Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 — Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 — Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.".

 

Por seu turno, no artigo 236.º desta Lei consta, igualmente, a seguinte disposição transitória:

 

“1 - O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”.

 

É contra esta norma transitória que o Requerente se insurge em sede de pedido arbitral, considerando-a inconstitucional, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), na medida em que, no seu entender, tal consubstancia um novo regime de caducidade das isenções de IMT e de imposto de selo concedidas.

 

Apreciando.

 

Resulta dos factos provados que o imóvel em causa foi adquirido pelo Requerente beneficiando de isenção de IMT e imposto do selo[1] ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH.

 

Tal norma obriga a que o imóvel seja destinado ao arrendamento para habitação permanente para que possa beneficiar de tal isenção.

 

É essa a ratio legis do benefício fiscal concedido, isto é, a obrigatoriedade de destinar o imóvel ao arrendamento habitacional não é requisito das alterações introduzidas pelos artigos 235.º e 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, mas, outrossim, um requisito do próprio regime do FIIAH.

 

Pelo que nos parece, com o devido respeito, que o pedido do Requerente padece de um erro de base, qual seja o facto de pretender ver anulados os actos de liquidação de IMT e imposto do selo em crise nos autos com base na aplicação de uma norma jurídica pretensamente inconstitucional - artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro – quando as mesmas[2] ocorreram a pedido do Requerente por se ter verificado a caducidade do benefício fiscal inicialmente concedido, considerando que o imóvel em causa foi alienado, tendo-lhe sido dado um destino diferente do arrendamento[3].

 

Apesar de o Requerente ter justificado o seu pedido de liquidação dos impostos em causa nos autos em requerimento oral em que vem dizer que o mesmo se baseou no artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, o certo é que não foi esse o motivo ou a justificação que consta das próprias liquidações, como já evidenciámos, nem parece que tal seja minimamente relevante para o caso sub judice.

 

Efectivamente não se logra descortinar como é que tal requerimento oral[4], em que por sua exclusiva iniciativa declara que a liquidação se baseia numa dada disposição legal é por si só suficiente para alterar a natureza da alienação em causa nos autos.

 

A mesma baseou-se num facto provado e em momento algum negado pelo Requerente, ou seja, a de que o imóvel em causa foi alienado para outros fins que não o do arrendamento habitacional nos termos do funcionamento dos FIIAH.

 

Nem havendo qualquer evidência de que esta alienação tenha sido efectuada a favor do arrendatário, nos termos do disposto no artigo 5° do regime especial do SIIAH.

 

Do que se trata é, outrossim, da alienação de um imóvel afecto a um FIIAH gerido pelo Requerente, fora do âmbito “das aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento” conforme resulta do previsto no artigo 8°, n° 7, alínea b), n° 8 e artigo 5°, n° 3 do regime especial dos FIIAH o que, implicitamente, originou que o imóvel deixasse de estar afecto, pelo FIIAH, ao fim legalmente previsto no artigo 8°, n° 7, alínea a) e n° 8 daquele regime especial (arrendamento habitacional).

 

Como se decidiu e bem no processo n.º 717/2015-T, a questão a apreciar e decidir nos presentes autos não é a de inconstitucionalidade da norma uma vez que ficou provado nos presentes autos que o imóvel a que respeitavam os actos de liquidação impugnados foi alienado para fins diferentes daqueles para que foram concedidos inicialmente tais benefícios fiscais, como, e bem, evidencia a Requerida nos autos.

 

A intenção do legislador com o regime tributário estabelecido inicialmente no artigo 8.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro foi claro, a atribuição de um benefício fiscal em sede de IMT e IS aos FIIAH estava condicionado ao facto de as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos se destinarem a arrendamento para habitação permanente, pelos FIIAH.

 

Por outras palavras, os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções, sempre tiveram, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, em 2009, que cumprir o requisito legal de afectação exclusiva de tais prédios ao arrendamento para habitação permanente.

 

É a natural decorrência das motivações que levaram à criação de um regime especial temporário aplicável a estes Fundos, intrinsecamente ligados à crise económica que se iniciou em 2008 e à consequente dificuldade acrescida das pessoas e das famílias de cumprirem com o pagamento das prestações dos contractos de mútuo celebrados para aquisição de habitação própria permanente, pretendendo, assim, o legislador criar um mecanismo susceptível de actuar ao nível de situações de dificuldade e de incentivar o arrendamento para habitação própria permanente.

 

É manifesto que, desde o início do regime, já em 2009, os benefícios fiscais em apreço aplicáveis aos FIIAH sempre dependeram da afectação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente.

 

A nova redacção introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, veio, segundo a interpretação que o Tribunal faz da alteração promovida pelo legislador, e na senda do espírito deste aquando da criação inicial do regime, reforçar este fito, ao estipular um prazo máximo de três anos para que tais imóveis fossem efectivamente arrendados pelos FIIAH.

 

O artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2014) veio, é certo, estabelecer novos requisitos para a isenção, ao estabelecer um prazo de 3 anos após o ingresso do imóvel no Fundo para que o arrendamento do imóvel adquirido se concretizasse, e, bem assim, caso ocorresse a liquidação do fundo antes de decorrido aquele prazo, caso em que o adquirente teria que requerer a liquidação do IMT e do imposto do selo que não fora liquidado aquando da aquisição.

 

Sucede, no entanto, que não foi este o motivo pelo qual o Requerente procedeu ao pedido de liquidações dos impostos em causa nos autos, o que resulta claramente da matéria de facto dada como provada nos autos, apesar do esforço feito por este para evidenciar outra realidade fáctica.

 

As liquidações de IMT e imposto de selo efectuadas no que ao imóvel em causa nos autos se refere não tiveram por base a sua manutenção no fundo por um período igual ou superior a 3 anos sem que tivesse havido lugar a arrendamento para habitação permanente.

 

As liquidações em apreço, conforme, aliás, decorrem das mesmas, basearam-se no facto de ter sido dado ao imóvel "destino diferente do arrendamento, dando-se por isso a caducidade do benefício”.

 

A intervenção legislativa preconizada pelo legislador em sede de Orçamento do Estado para 2014 foi, segundo nos parece, no sentido de reforçar o regime aplicável aos prédios que foram adquiridos com o fito de serem afectos a arrendamento habitacional, ao determinar um prazo máximo de 3 anos para tal arrendamento se concretize, sob pena de, a não ser assim, poderem subsistir situações abusivas de aquisição de imóveis que fiquem em carteira com afectação exclusiva ao arrendamento habitacional sem que o mesmo alguma vez ocorra.

 

Importa recordar que a atribuição de benefícios fiscais consubstancia uma medida de carácter excepcional instituída para a tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.

 

Estaria, facilmente se alcança, totalmente em dissonância com o propósito do legislador que imóveis adquiridos com benefícios fiscais ao abrigo deste regime especial pudessem ser livremente alienados sem nunca terem sido arrendados, sem que tal implicasse a caducidade dos benefícios fiscais inicialmente concedidos.

 

Deste modo, o Tribunal discorda da posição expressa pelo Requerente e pelos ilustres jurisconsultos por esta consultados quando, no Parecer junto aos autos a folhas 23 e 24, vêm defender: “segundo a lei de 2008, um imóvel podia ser adquirido para arrendamento habitacional, beneficiando das isenções, mas depois ter sido alienado por motivos imprevisíveis, como crise, etc.”

 

E que, “Não é, pois, também procedente uma distinção entre as hipóteses de manutenção do imóvel no património do FIIAH sem arrendamento, por um lado, e de alienação dentro do prazo sem arrendamento, por outro. (…) a previsão de “caducidade” das isenções em caso de alienação no prazo de três anos também é nova, não existia antes. Segundo a lei de 2008, tratando-se de aquisições de imóveis destinados a arrendamento para habitação, por FIIAH - que deviam deter pelo menos 75% do seu património em imóveis destinados a esse arrendamento – isso bastava para as isenções, não se prevendo que a isenção “caducasse” caso houvesse alienação no prazo de três anos.”.

 

Salvo o devido respeito, que é muito, pelos ilustres jurisconsultos, o Tribunal não pode aderir a esta posição, porquanto, é fácil de se concluir, a mesma levaria a situações de manifesto abuso de direito em que imóveis seriam adquiridos com isenção de IMT e de imposto de selo com o fito de serem dados a arrendamento habitacional, para, em momento posterior e sem que alguma vez tivessem cumprido com o seu fim, serem alienados para outros fins, mantendo os benefícios fiscais concedidos inicialmente.

 

Não foi, certamente, essa a intenção do legislador conforme já se disse.

 

A consequência de ao imóvel lhe ser dado outro destino é a de que a isenção concedida inicialmente não poderia ter sido concedida, havendo que repor a legalidade, liquidando-se os impostos que, não fosse a declaração de intenção efectuada aquando da aquisição de os afectar a arrendamento habitacional, sempre haveriam de ter sido liquidados.

 

Assim sendo, entendemos que não está em questão a retroactividade ou não da norma prevista no artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, o que seria o caso, se, a título de exemplo, o imóvel figurasse por um período de 3 anos no activo do FIIAH sem que ainda tivesse sido objecto de contrato de arrendamento para habitação permanente e, por esse facto, houvesse liquidação de IMT e de imposto de selo.

 

No entanto, no caso dos autos, não são esses os factos apurados.

 

O imóvel em questão foi alienado sem que tenha cumprido o seu destino - afectação ao arrendamento habitacional permanente. Não se trata, portanto, de uma questão de prazo, alienado que seja, esse destino já não pode ser cumprido, pelo que não se cumpriu o requisito estabelecido inicialmente no regime especial do FIIAH para que a isenção de IMT e de imposto de selo lhe fosse aplicável.

 

Notamos que o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, tal como se encontra postulado no artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”).

 

O facto de o Requerente ter procedido à alienação do imóvel que, ao adquirir, declarou iria afectar a fim que lhe permitia fosse reconhecida – como foi – a isenção de IMT e imposto do selo, sempre determinaria, ainda que o aditado número 16 do artigo 8.º do FIIAH não o previsse expressamente, a caducidade de tais isenções, por efeito da aplicação do disposto no artigo 12.º e no n.º 3 do artigo 14.º do EBF (antigo 12.º, n.º 3, na redacção do EBF que se encontrava em vigor previamente à republicação do mesmo pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26/06), segundo o qual: “Quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à direta realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei.”.

 

O Requerente em momento algum demonstrou ter obtido a autorização lá prevista, ou qualquer outra circunstância que obstasse a que as concedidas isenções ficassem sem efeito em consequência da referida alienação.

 

É por esse motivo que, como supra já adiantamos, entendemos que não coloca no caso em apreço a questão da alegada inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, na medida em que, na parte correspondente à alienação do imóvel, o n.º 16 do artigo 8.º do Regime tributário dos FIIAH se limita a reiterar o que já resultava do disposto no EBF.

 

O que, aliás, bem se compreende, atendendo à ratio legis da concessão destes benefícios fiscais em concreto, como fomos explanando ao longo desta decisão.

 

Em suma, entende o Tribunal que a alienação do imóvel em causa nos autos sempre determinaria a caducidade da isenção por aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 14.º do EBF, não estando, portanto, em causa, na situação sub judice, qualquer aplicação retroactiva de norma que venha a introduzir novo regime de caducidade das isenções, nem se vê que tenha ocorrido qualquer violação de direitos ou legítimas expectativas adquiridas pelo Requerente, pelo que se conclui pela manutenção das liquidações em crise nos autos, por legais.

 

Fica, assim, prejudicada a análise da questão suscitada pelo Requerente quanto à alegada retroactividade do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2014) o qual veio alterar o regime fiscal dos FIIAH, porquanto, como supra ficou amplamente demonstrado, os pressupostos que nortearam a emissão das liquidações de imposto em crise nos autos em nada se relacionam com a alteração ao regime tributário dos FIIAH introduzido em 2014. 

 

Tendo o Tribunal decidido pela legalidade das liquidações em crise, fica prejudicado, bem assim, o conhecimento do pedido de condenação em juros indemnizatórios formulado pelo Requerente.

 

6.         DECISÃO

 

            Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:

 

 - Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

* * *

 

Fixa-se o valor do processo em Euro 30.443,55, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

            O montante das custas, no valor de Euro 1.836,00, nos termos previstos no artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, ficará exclusivamente a cargo do Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

           

Notifique-se.

 

            Lisboa, 13 de Julho de 2016.

 

 

 

 

 

 

O Árbitro,

 

 

 

 

Dr. Henrique Nogueira Nunes

 

 

 

 

 

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com versos em branco e revisto.        

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.



[1] Muito embora a liquidação de IMT e imposto do selo em crise nos autos faça basear a isenção originária nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 7, alínea a), tal fica a dever-se a um lapso, porquanto as normas aplicáveis são, respectivamente, o artigo 8.º, n.º 7, alínea a), e o artigo 8.º, n.º 8 do FIIAH.

[2] As liquidações.

[3] Isso mesmo encontra-se descrito nas liquidações em crise nos autos.

[4] Escrito, na maior parte dos casos que o Requerente teve idêntico ao dos autos segundo invoca, tendo juntado um exemplo.