Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
1 – A…– …, SA com sede na Avenida …nº …-… - …- … … com o NIPC[1]…, na qualidade de gestora do fundo de investimento imobiliário – B…– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para arrendamento Habitacional, registado na CMVM[2] com o NIF[3]…, apresentou em 04/02/2016 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do n.º 1 do artigo 3.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, todos do RJAT[4], sendo requerida a AT[5], com vista à apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de IMT[6] e IS[7], relativos ao Prédio U … , sito na Avª … …– Bloco …– … inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … e …, liquidações levadas a efeito, em virtude da alienação do imóvel e das alterações introduzidas ao Regime Tributário dos FIIAH[8] e SIIAH[9] pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro e norma transitória do seu artigo 236º.
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[10] e automaticamente notificado à AT em 19/02/2016.
3 – Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado o árbitro singular Arlindo José Francisco, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.
4 - O tribunal foi constituído em 20/04/2016 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 – Com o seu pedido, visa a requerente, a declaração de ilegalidade das aludidas liquidações e consequente anulação do IMT no montante de € 32 684,75 e do IS € 4 372,00, conforme documentos …, …, respetivamente e que perfazem o montante global de € 37 056,75 por entender que as mesmas são ilegais.
6- Fundamenta o seu ponto de vista no facto das referidas liquidações terem suporte no artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro, norma que considera violadora do n.º 3 do artigo 103.º da CRP[11].
7 – Considera ainda que as liquidações impugnadas são nulas ao abrigo do número 1 e 2 do artigo 133.º do CPA[12], norma em vigor à data das aludidas liquidações, dado que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo por isso impugnáveis a todo o tempo.
8 – Na resposta a AT começa por invocar exceção, defendendo que o tribunal arbitral é incompetente para aferir ou declarar em abstrato a (in)constitucionalidade do artigo 236.º da Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, matéria reservada ao TC[13]
9 – Por impugnação considera que a alteração legislativa introduzida pela Lei 83-C/2013 ao regime tributário do FIIAH não modificou a aplicação dos benefícios fiscais concedidos que sempre dependeram da afetação dos imóveis ao arrendamento para habitação, não havendo aqui qualquer retroatividade.
II - SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Designado o dia 27 de Maio para a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, veio a requerida, em 10 do referido mês, solicitar a dispensa da mesma, em caso de concordância da requerente, e que o tribunal determinasse prazo para alegações.
O tribunal determinou que os autos aguardassem 10 dias para a requerente se pronunciar.
Em 11 de Maio a requerente manifestou a sua concordância com a dispensa da reunião do artigo 18.º do RJAT, na mesma data o tribunal acolheu a vontade das partes quanto à sua dispensa e concedeu um prazo de 15 dias com trato sucessivo para a produção de alegações.
Em 26 de Maio de 2016, verificada a junção das alegações das partes, nelas, no essencial, são vertidas as posições já assumidas na petição e na resposta acrescidas de pareceres e decisões que, no respetivo entendimento, pretendem demonstrar o seu ponto de vista.
Não enfermando o processo de nulidades, o tribunal considerou estarem reunidas as condições para a prolação da decisão final sendo a exceção suscitada pela requerida apreciada em primeiro lugar.
III- FUNDAMENTAÇÃO
1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:
a) Apreciar a exceção de incompetência do tribunal arbitral.
b) E, caso o tribunal se considere competente, declarar a ilegalidade, ou não, das liquidações de IMT e IS efetuadas ao abrigo do artigo 236.º da Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro.
c) Caso as venha a considerar ilegais com a consequente anulação, saber se o seu reembolso deverá ser acompanhado de juros compensatórios nos termos do artigo 43.º da LGT[14].
2 – Matéria de Facto
A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) O Fundo Imobiliário era, à data das liquidações em causa, proprietário do imóvel inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de … e … sob o artigo …-…, sito na Avenida … …, Bloco…, … .
b) O referido imóvel foi adquirido pelo Fundo em 13/12/2013 beneficiando de isenção de IMT e de IS, ao abrigo do n.º 7 alínea a) e do n.º 8 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH e foi alienado em 11 de Janeiro de 2016.
c) As liquidações em questão concretizaram-se a pedido da requerente ao abrigo do artigo 236.º da Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro e foram pagas em 8 de Janeiro de 2016.
d) AT fundamentou-as no facto de ter sido dado ao imóvel destino diferente daquele que originou o benefício fiscal.
e) Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.
3 – Matéria de Direito
3.1 Apreciação da exceção suscitada pela requerida quanto à incompetência do tribunal
Alega a requerida que o tribunal não é competente para declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma, uma vez que essa competência é exclusiva do TC, porém, sendo certo que o tribunal arbitral não tem essa competência, nem é isso que a requerente pretende, não pode o tribunal deixar de apreciar a aplicação das normas aos factos concretos que sustentam as liquidações e fazer a competente avaliação da legalidade ou não da sua aplicação.
Nesta perspetiva improcede a argumentação suscitada pela AT e consequentemente a exceção invocada, declarando-se o tribunal competente.
3.2 Da legalidade ou não das liquidações do IMT e do IS efetuadas nos termos do artigo 236.º da Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro
Referidas que foram já, em síntese, as posições da requerente e da requerida e declarada improcedente a exceção invocada pela AT, cumpre apreciar o mérito do pedido e decidir.
A Lei 64-A/2008 de 31 de Dezembro estabeleceu um regime especial de benefícios fiscais aplicáveis aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, no n.º 7 do seu artigo 8.º consagra, a isenção de IMT nos seguintes termos:
a) As aquisições de prédios urbanos ou frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º, pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimentos referidos no n.º 1.
Por sua vez a Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro veio alterar o artigo 8.º da Lei 64-A/2008 de 31 de Dezembro nos termos seguintes:
a) “14 – Para efeitos do disposto nos nº.s 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integram o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
b) 15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos números 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso, o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
c) 16 – Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior”.
Tendo em conta a matéria de facto assente, o imóvel em questão, foi adquirido pela requerente em 13/12/2013 beneficiando de isenção de IMT e IS, ao abrigo do n.º 7 alínea a) e do n.º 8 do artigo 8.º do Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, da Lei 64-A/2008 de 31 de Dezembro.
Por esta norma ficou a requerente obrigada a destinar, em exclusividade, a arrendamento o imóvel adquirido, sob pena de perder o benefício fiscal concedido. Pode, desde já, concluir-se que o requisito de destino exclusivo ao arrendamento decorre da Lei 64-A/2008 e não das alterações introduzidas ao regime pela Lei 83-C/2013 que, ao caso em apreço interessa, se limitou a estabelecer o prazo de 3 anos para a concretização do arrendamento que, não se verificando no referido prazo, o fundo fica o obrigado a solicitar as liquidações cuja isenção beneficiou na aquisição.
Ora, tendo o requerente alienado o imóvel em 11 de Janeiro de 2016, forçoso é concluir que não lhe deu o destino a arrendamento que, em exclusividade, a Lei lhe impunha para poder beneficiar dos benefícios fiscais concedidos na aquisição.
O fundamento das liquidações aqui postas em crise está suportado pelo destino diferente daquele em que assentou o benefício fiscal concedido e não outro, ora se o imóvel foi alienado deixou de cumprir o destino que havia sido declarado no título aquisitivo, perdendo, deste modo, os benefícios fiscais concedidos na aquisição.
E não se fale em cristalização de benefícios, na verdade, qualquer benefício fiscal é suscetível de fiscalização pela AT ou outras entidades públicas competentes para o controlo da verificação dos pressupostos que levaram à concessão dos benefícios e cumprimento dos requisitos impostos para a sua concessão, como decorre do artigo 7.º do EBF[15], e no caso concreto a AT, limitou-se a exercer a sua função e a constatar que a requerente deu destino diferente ao imóvel, deixando assim de poder beneficiar das isenções concedidas na aquisição.
Quanto à aplicação retroativa da norma do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, não vislumbramos o motivo para que se evoque tal fundamento, na medida em que as liquidações em causa, do ponto de vista do tribunal, nada tiveram a ver com a referida norma, mas apenas com o facto de na aquisição se ter declarado que o mesmo se destinava ao arrendamento habitacional permanente e veio a ser vendido, não cumprindo assim os pressupostos da isenção concedida, é que não basta a intenção declarada no título aquisitivo, mas sim a sua efetiva concretização, o que não se verificou.
Do exposto considera o tribunal que as liquidações de IMT e do IS em causa, resultam do facto do requerente não ter observado o preceituado na alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, aprovado pela Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro e não das alterações introduzidas pela Lei 83-C/2013, como pretende, pelo que não há aqui qualquer aplicação retroativa, o que houve foi destino diferente do declarado na aquisição do imóvel, sendo por isso, as liquidações legais, ficando assim sem interesse a apreciação da questão dos juros indemnizatórios pedidos.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:
a) Declarar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com todas as consequências legais.
b) Fixar o valor do processo em € 37 056,75 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299.º, n.º 1, do CPC[16], artigo 97.º-A do CPPT[17], e artigo 3.º, n.º2, do RCPAT[18].
c) Custas a cargo da requerente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixando-se o respetivo montante em € 1 836,00, de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4.º do RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 15 de Julho de 2016
O árbitro singular,
Arlindo Francisco
Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º,nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.
[1] Acrónimo de Número de Identificação de Pessoa Coletiva.
[2] Acrónimo de Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
[3] Acrónimo de Número de Identificação Fiscal.
[4] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
[5] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira.
[6] Acrónimo de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.
[7] Acrónimo de Imposto do Selo.
[8] Acrónimo de Fundos de Investimento Imobiliário para arrendamento habitacional.
[9] Acrónimo de Sociedades de Investimento Imobiliário para arrendamento habitacional.
[10] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa.
[11] Acrónimo de Constituição da República Portuguesa.
[12] Acrónimo de Código do Procedimento Administrativo.
[13] Acrónimo de Tribunal Constitucional.
[14] Acrónimo de Lei Geral tributária.
[15] Acrónimo de Estatuto dos Benefícios Fiscais.
[16] Acrónimo de Código de Processo Civil.
[17] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário.
[18] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária