Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 52/2016-T
Data da decisão: 2016-07-11  IRC  
Valor do pedido: € 34.196,81
Tema: IRC – Tributações autónomas
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DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO

 

1.1 A…, S.A., com sede em …, …, …, número único de matrícula e de pessoa coletiva…, requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante RJAT).

1.2. É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

1.3 O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou a ora signatária para formar o Tribunal Arbitral Singular, notificando as partes, e o Tribunal foi constituído a 20 de Abril de 2016.

1.4 O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o indeferimento do recurso hierárquico apresentado pela Requerente, no qual pugnou pela declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de IRC no 2013…, referente ao exercício de 2011.

A Requerente invoca a ilegalidade da liquidação que resultou de uma ação inspetiva, na qual a AT concluiu que a Requerida devia ter sujeitado, e não sujeitou, à tributação autónoma determinados custos/gastos resultantes de “eventos, que consistiam, essencialmente, em receções aos seus clientes e outras pessoas, que incluíam despesas de alojamento, alimentação, divertimento, aluguer de espaços, etc., e que tinham em vista a apresentação e promoção dos seus produtos”, bem como “despesas suportadas com uma viagem ao México”.

A Requerente discorda da qualificação de tais custos como despesas de representação e subsequente sujeição a tributação autónoma e, por outro lado, mesmo que o fosse, considera que a AT reconheceu a indispensabilidade de tais custos, pelo que fica, entende, ilidida a presunção de “empresarialidade” parcial que está subjacente à tributação autónoma de tais despesas.

Entende a Requerente que a liquidação em crise é ilegal e deve, por isso, ser anulada.

Mais peticiona a Requerente a condenação da Requerida ao reembolso das quantias pagas por força da liquidação em crise, acrescidas dos juros indemnizatórios sobre todas as quantias pagas vencidos contados até à data do reembolso.

 

1.5 A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA respondeu, defendendo-se por impugnação, sustentando que as referidas despesas são enquadráveis no artigo 88.º do CIRC e que a presunção de “empresarialidade” parcial que subjaz àquelas tributações não é ilidível.

Pelo que entende que a liquidação em crise não padece de qualquer ilegalidade e conclui que devem ser julgados improcedentes os pedidos.

1.6. Notificadas da intenção do Tribunal em dispensar a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, a produção de prova testemunhal e alegações, as partes não vieram opor-se. 

 

  1. SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

1)      A Requerente é uma sociedade que se dedica ao fabrico, comércio e importação e produtos cerâmicos;

 

2)      No exercício de 2011, a Requerente realizou eventos que consistiam, essencialmente, em receções aos seus clientes, fornecedores e outras pessoas, que incluíam despesas de alojamento, alimentação, divertimento, aluguer de espaços e que tinham em vista a apresentação e promoção dos seus produtos;

 

3)      No exercício de 2011 suportou gastos com uma viagem ao México oferecida principalmente a clientes como compensação pelas compras por estes efetuadas ao sujeito passivo em determinado período de tempo;

 

4)      A Requerente elegeu tais despesas como custos dedutíveis no apuramento da matéria tributável de IRC. 


 

5)      Relativamente ao período de tributação de 2011, foi levado a cabo procedimento inspetivo, com base na ordem de serviço n.º OI2013…, de 15.03.2013, em IRC, do qual resultaram correções técnicas, em virtude da qualificação de determinados custos como despesas de representação e subsequente sujeição a tributação autónoma, apurando-se um montante em falta de 34.196,81€ e dando origem à liquidação de imposto em crise;

 

6)      A Requerente procedeu ao pagamento daquele valor dentro do prazo de pagamento voluntária;

 

7)      A Requerente reclamou graciosamente da liquidação;

 

8)      Do despacho de indeferimento que incidiu sobre tal reclamação, a Requerente interpôs recurso hierárquico;

 

9)      O recurso foi indeferido por despacho datado de 22.10.2015, que lhe foi notificado a 04.11.2015.

 

Factos não provados

Não se constataram factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pela Requerente, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida, bem como na fundamentação do Relatório da Inspeção Tributária.

 

  1. QUESTÃO DECIDENDA: DA LEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES DE IRC EM CRISE

 

A questão submetida à apreciação do Tribunal Arbitral é a de aferir da ilegalidade das liquidações de IRC sub judice.

 

Nos termos em que a Requerente conforma o seu pedido, a ilegalidade da liquidação terá como fundamentos:

 

a)      As despesas resultantes de “eventos, que consistiam, essencialmente, em receções aos seus clientes e outras pessoas, que incluíam despesas de alojamento, alimentação, divertimento, aluguer de espaços, etc., e que tinham em vista a apresentação e promoção dos seus produtos” não são despesas de representação para efeitos de tributação autónoma;

b)      As “despesas suportadas com uma viagem ao México” não são despesas de representação para efeitos de tributação autónoma;

c)      Caso assim não entenda, o artigo 88.º do CIRC consagra uma presunção ilidível de “empresarialidade” de tais despesas?

d)     Se assim for, terá a Requerente logrado ilidir a presunção quanto às despesas com “eventos, que consistiam, essencialmente, em receções aos seus clientes e outras pessoas, que incluíam despesas de alojamento, alimentação, divertimento, aluguer de espaços, etc., e que tinham em vista a apresentação e promoção dos seus produtos” e/ou quanto às despesas suportadas com uma viagem ao México”?

 

O Tribunal, caso entenda ser ilegal a liquidação, é ainda chamado a pronunciar-se sobre o direito a juros indemnizatórios sobre as quantias pagas em consequências da liquidação em crise.

 

Cumpre, pois, decidir quanto ao mérito do pedido de decisão arbitral relativo à liquidação de IRC sub judice e do eventual direito da Requerida a juros indemnizatórios.

 

Vejamos:

 

Nas últimas décadas, têm sido levadas a cabo profundas reformas da tributação das empresas, tanto a nível europeu como português.

 

É comummente reconhecido o peso que empresas têm na economia de cada país e, por isso, a tendência tem sido a de reduzir a tributação dos rendimentos das pessoas coletivas.

 

Em Portugal, as empresas são tributadas fundamentalmente pelo seu rendimento real, calculado nos termos previstos no CIRC.

 

Os regimes de tributação têm importante impacto nas decisões empresariais, tanto presentes como futuras.

 

Essa ponderação será feita tendo em conta o imposto sobre o rendimento, propriamente dito, como as tributações autónomas, que incidem sobre determinadas despesas da forma e na medida em que o legislador entendeu serem aptas a prosseguir objetivos de combate à evasão fiscal.

 

O regime das tributações autónomas é o resultado de numerosas alterações legislativas. A sujeição de determinadas despesas a tributação autónoma surgiu com o Decreto-Lei n.º 192/90, de 2 de Junho, num contexto de penalização da tributação das despesas confidenciais ou não documentadas incorridas pelas empresas.

 

Foi só com a reforma fiscal de 2001 que se estendeu a tributação autónoma às despesas de representação e às despesas com viaturas e, depois, a um conjunto muito diverso de realidades nos termos que hoje se encontram previstos no CIRC no Capítulo IV relativo às taxas, juntamente com a Derrama Estadual.

 

Tendo em conta o artigo 88.º do CIRC, a tributação autónoma incide, grosso modo, sobre as seguintes realidades: despesas não documentadas; encargos com viaturas; despesas de representação; ajudas de custo; importâncias pagas a não residentes; lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção; gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a relação contratual; e ainda os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.

 

À primeira vista, parece não existir qualquer relação entre estas despesas, nem quanto ao objeto, nem quanto ao beneficiário, daquilo a que nos referiremos genericamente por gastos (sendo que a única exceção é, na verdade, os lucros distribuídos).

 

A lei do orçamento do Estado para 2014 introduziu algumas alterações na previsão das tributações autónomas, que, no entanto, não só não foram especialmente relevantes como não oferecem contributo para a presente discussão.

 

Há tributações autónomas previstas no CIRC e tributações autónomas previstas no CIRS. Quanto ao IRC, que aqui está em causa, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código[1]. A coleta por elas proporcionada constitui coleta do imposto respetivo, estando sujeita à generalidade de normas previstas nos códigos referidos, potencialmente aplicáveis. 

 

Ao contrário do que por vezes se defende, as tributações autónomas não constituem, no nosso entender, na sua génese, impostos especiais sobre o consumo, correspondendo a cada despesa um facto tributário, de formação instantânea.

 

Desde logo, porque uma tal conceção forçaria, em IRC, a que se apreciasse a respetiva constitucionalidade à luz do princípio da tributação pelo rendimento real das empresas e, por outro lado, porque não há aqui verdadeiramente uma manifestação de riqueza que deva ser tributada, além do que muitas das despesas sujeitas são também dedutíveis, reconhecendo-se assim que se relacionam com a atividade da empresa e não com gastos que manifestem capacidade contributiva.

 

As tributações autónomas têm como fundamento a presunção da existência de rendimento que deixou de ser tributado, não só em sede de IRC como de IRS. Como se explica na decisão do Tribunal Arbitral proferida n.º 209/2013-T, que decidiu negativamente quanto à questão da dedutibilidade das tributações autónomas como custo fiscal em sede de IRC, “trata-se de “(…) uma forma de, indiretamente e através da despesa, tributar o rendimento”.

 

A parte da coleta de IRC que provém das tributações autónomas é calculada a partir dos elementos do imposto definidos no artigo 88.º do CIRC inserido no ‘Capítulo IV – Taxas’.

 

Este artigo delimita a matéria coletável das tributações autónomas, por um lado, e, por outro lado, enuncia as taxas das tributações autónomas, que são várias, consoante a natureza da matéria coletável a que se apliquem; por dependerem do tipo de sujeito passivo (v.g., entidade sem fins lucrativos, entidades isentas, entidade que desenvolva a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola), e ainda são dependentes do próprio desempenho económico do sujeito passivo de IRC, ao assumirem percentagens diferentes quando se apurar lucro ou prejuízo fiscal.

 

A coleta que provém de tributações autónomas é função do resultado tributável, calculando-se a partir de duas expressões que são o produto da matéria coletável por uma taxa dependente do resultado tributável: uma taxa mais elevada quando se apurar um prejuízo fiscal e outra, inferior, quando o resultado tributável for positivo.

 

Assim, a coleta proveniente de tributações autónomas não poderá ser determinada de modo instantâneo e imediatamente a seguir a ter-se incorrido na despesa, pois depende do próprio resultado, que é de formação sucessiva.

 

A finalidade das tributações autónomas é dual. Visam tributar o rendimento real, corrigindo-se por isso o rendimento tributável para o aproximar daquele rendimento e, ao mesmo tempo, procuram penalizar os sujeitos passivos que através da realização de certas despesas acabam por reduzir o rendimento tributável.

 

A matéria em causa é inequivocamente complexa, resultado de uma sucessão de alterações legislativas num contexto de degradação económica, através da qual o sistema, como se pode ler no Acórdão 617/12 do Tribunal Constitucional, mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procuram desencorajar, criando uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. “Em resumo”, diz o TC, “o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objeto de tributação.".

 

O facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, sublinha aquela decisão, mas a tributação ainda ocorre no âmbito do IRC. Não é só no caso das tributações autónomas, aliás, que os impostos sobre o rendimento contemplam elementos de obrigação única, como acontece com as taxas liberatórias do IRS, mas não estamos aqui, em rigor, perante um imposto de obrigação única, antes perante factos tributários que incidindo sobre as despesas dedutíveis estão indissociavelmente ligados ao apuramento e liquidação do imposto.

 

Ou seja, as tributações autónomas são indissociáveis dos sujeitos do imposto sobre o rendimento respetivo, e, mais especificamente, da atividade económica por eles levada a cabo, o que é ainda mais evidente quando se pensa na ligação que, embora tenha variado nas sucessivas alterações legislativas, as tributações autónomas (tinham e ainda) têm com a dedutibilidade – e a efetiva dedução – das despesas tributadas.

 

Esta circunstância, crê-se, é elucidativa da imbricação existente entre aquelas e o IRC (no caso), e justificativa não só da sua inclusão no CIRC, mas, igualmente, da sua integração, de pleno direito, como parte do regime jurídico do IRC.

 

De facto, não só apenas as despesas realizadas por sujeitos passivos de IRC é que estão sujeitas à imposição de tributação autónoma em tal quadro, como tais despesas apenas o estarão, em regra (sem prejuízo, reitera-se, dos avanços e retrocessos legislativos nesta matéria) se aqueles sujeitos as elegerem como despesas dedutíveis no apuramento da matéria tributável de tal imposto.

 

Deve-se, para além de tudo o mais, ter em conta, que a norma do artigo 45.º do CIRC situa-se num contexto de ampla discricionariedade legislativa. Ou seja, na definição do que sejam encargos dedutíveis ou não dedutíveis para efeitos fiscais, o legislador fiscal goza de uma ampla liberdade concretizadora. Daí que, não se possa dizer que esteja vedado ao legislador, pela “natureza” das tributações autónomas, excluí-la dos encargos dedutíveis para efeitos fiscais.

 

Entende-se, deste modo, que será legítimo ao legislador incluir ou excluir as tributações autónomas que nos ocupam daquela categoria dos encargos dedutíveis para efeitos fiscais, independentemente da “natureza” que a doutrina ou a jurisprudência lhes surpreenda.

 

A questão, devidamente situada, será então a de determinar qual a intenção do legislador, expressa no texto legislativo, compreendido no seu todo.

 

E sob este prisma, a conjugação do teor do artigo 12.º do CIRC com o artigo 45.º/1/a) do mesmo, não deixará grandes dúvidas, quanto ao entendimento legislativo de que as tributações autónomas, se não constituem IRC stricto sensu, integrarão seguramente o regime daquele imposto, e serão devidas a esse título.

 

Acresce ainda que nenhum óbice de princípio existe a que o legislador isole determinados tipos de rendimentos e lhes aplique taxas específicas, ou diferenciadas, como ocorre, por exemplo, nos casos previstos no n.º 4 do atual CIRC.

 

De igual modo, nenhum óbice de princípio existe a que o imposto em questão seja devido, liquidado e pago, não em função de um período (mais ou menos longo) de tributação, mas por força da ocorrência de factos instantâneos, como ocorre já, por exemplo, nos casos de retenção na fonte com caráter definitivo (cf. artigo 94.º/3 do CIRC).

 

De resto, nem o resultado, aparentemente tão contraintuitivo e impressionante, de poder ser devido o pagamento de imposto por via das tributações autónomas que ora nos ocupam, mesmo em caso de inexistência de um rendimento (positivo) no final do período de tributação, é coisa rara no regime do IRC.

 

Na verdade, em alguns dos já apontados casos de retenção na fonte a título definitivo, pode ocorrer o caso de o titular dos rendimentos sujeitos àquela retenção ter tido despesas que excedam os rendimentos.

 

Também no caso da operacionalidade de algumas das cláusulas anti-abuso específicas (artigos 63.º a 67.º do CIRC), por força da consideração de custos, pode ocorrer que os sujeitos passivos sejam tributados por um lucro tributável ficto, na medida em que possa estar em causa a desconsideração de custos, efetivamente suportados, mas desconsiderados por abusivos. Poder-se-á dar o caso, assim, de um sujeito passivo ter de pagar IRC, não obstante ter tido, na realidade, prejuízos.

 

Tudo aquilo que se tem vindo a dizer, evidencia que a evolução do regime legal do IRC transmutou-o, transformando-o numa realidade complexa e multifacetada, aos mais diversos níveis, que se reflete, na matéria que nos ocupa nestes autos, na tal dualidade de natureza, que não prejudica, contudo que se considere que o sistema, apesar de dual, é o mesmo.

 

Reconhecem-se aqui, evidentemente, aquelas caraterísticas que já há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:

a)   a tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC e é isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a coleta e, consequentemente, o imposto a pagar;

b)  pretende-se tratar desfavoravelmente esses gastos que, pela sua natureza, são facilmente desviados do consumo privado para o empresarial;

c)  pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos, mas que continuam a evidenciar estruturas de consumo difíceis de compaginar com a saúde financeira das suas empresas;

d) pretende-se modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efetiva entre contribuintes e tipos de rendimento;

e) materializa-se no reconhecimento de que não é fácil determinar a medida exata da componente de alguns desses gastos que corresponde a consumo privado.

 

As tributações autónomas ora em causa são, como tal, indubitavelmente entendidas pelo legislador como uma forma de obstar a determinadas atuações abusivas, que o normal funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir ou que seriam mais onerosas ou trabalhosas para a administração tributária ou, até, eventualmente, para o contribuinte.

 

Este caráter anti-abuso das tributações autónomas será não só coerente com a sua natureza “anti sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva.

 

Neste prisma, como bem refere a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral no processo 187/2013-T, as tributações autónomas em análise, terão então subjacente uma presunção de empresarialidade parcial das despesas sobre que incidem, em função da supra apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).

 

Confrontado com esta dificuldade, o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da relação das despesas em questão com a atividade empresarial, optou por consagrar o regime atualmente vigente.

 

A tratar-se de uma presunção de “empresarialidade” parcial, esta deveria, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de elisão decorrente do art.º 73.º da LGT, segundo o qual as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

No que respeita ao caso em apreço, está em causa a aplicabilidade do disposto no número 7 do artigo 88.º do CIRC[2]são tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.”

 

O código do IRC aceita este tipo de despesas como gasto do exercício na sua totalidade, mas são tributadas autonomamente a uma taxa de 10%, à qual podem ainda acrescer mais 10% (passa a 20%) caso a empresa tenha prejuízo fiscal nesse período de tributação, o que significa que na prática parte da despesa não é aceite fiscalmente.

 

As despesas de representação são basicamente todas as despesas efetuadas para representação da empresa junto de terceiros. Isto implica que, sempre que estejam envolvidos terceiros à empresa, como clientes, fornecedores e outros, as despesas sejam assim consideradas. As despesas deverão ter como base um documento emitido de forma legal.

 

Estas despesas não se confundem com as despesas com as deslocações e estadas, incorridas suportadas quando estivermos perante encargos com transporte, estadias, refeições, suportados com trabalhadores dependentes da empresa por motivos de deslocação destes fora do local de trabalho mediante a apresentação de um documento comprovativo. Este tipo de despesa compreende nomeadamente os gastos de alojamento e viagem (hotel, avião, comboio) e alimentação (restaurantes, pastelarias, etc..) efetuados por trabalhadores da empresa, ao serviço da mesma, fora do local de trabalho. Estas despesas terão que ter como base um documento emitido de forma legal para comprovar a sua aceitabilidade fiscal. O custo das despesas de deslocação e estada são aceites fiscalmente na totalidade.

 

Não se confundem, bem assim, as despesas de representação com as ajudas de custo. Estas são importâncias atribuídas pela entidade patronal aos seus trabalhadores dependentes quando estes se desloquem ao serviço da entidade patronal e que se destinam a compensar os gastos acrescidos por essa deslocação (alimentação e alojamento) sem apresentação do documento de despesa.

 

Neste caso, é imprescindível que a sociedade possa comprovar os encargos efetivamente suportados respeitantes a ajudas de custo através do mapa itinerário, sendo necessário dar a conhecer o nome do beneficiário, o local onde se deslocou, a data da deslocação, tempo e objetivo de permanência, bem como o montante diário que lhe foi atribuído, de modo a aferir se o mesmo excede os limites legais de sujeição a IRS, bem como o valor faturado.

 

Estas despesas encontram-se sujeitas a tributação autónoma à taxa de 5% e a sua aceitação como custo está dependente da apresentação do referido mapa de suporte, sem o qual a despesa não é aceite, não sendo neste caso também tributadas autonomamente exceto se a empresa apresentar prejuízo fiscal.

 

Difere, finalmente, da compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal – são despesas que a entidade patronal suporta para ressarcir o trabalhador pela utilização da viatura pessoal ao serviço da empresa. Também neste caso, a sociedade é obrigada a comprovar os encargos efetivamente suportados com a compensação por uso de viatura própria (km), através do mapa itinerário, sendo necessário dar a conhecer o nome do beneficiário, o local onde se deslocou, a data da deslocação, tempo e objetivo de permanência, matrícula da viatura, bem como o montante pago por quilómetro, de modo a aferir se o mesmo excede os limites legais de sujeição a IRS.

 

Estas despesas encontram-se sujeitas a tributação autónoma e estão condicionadas na sua aceitabilidade fiscal à apresentação do referido mapa.

 

Isto é, se não existir o mapa de suporte, a despesa não é aceite na totalidade, não sendo neste caso também tributadas autonomamente a uma taxa de 5%, exceto se a empresa apresentar prejuízo fiscal.

 

Aqui chegamos, apliquemos a análise efetuada e as conclusões atingidas ao caso sub judice.

 

Pretende a Requerida, em primeira linha, que as despesas efetuadas quer “eventos...” quer com “viagem ao México” não são despesas de representação e por isso, não se enquadram no dispor no artigo 88.º do CIRC, não estando sujeitas a tributação autónoma.

 

No que nos parece que lhe falece razão. O raciocínio da Requerente parece assentar no facto de a AT ter aceite as despesas em crise, de um e do outro grupo, como custos dedutíveis, o que, no seu entender, as afastaria do conceito de despesas de representação e, consequentemente, da sujeição a tributação autónoma.

 

A verdade é que a sujeição a tributação autónoma depende, exatamente, da aceitação da despesa como custo. Se ela é aceite como custo, é tributada autonomamente e, se não é aceite como custo, em regra também não é tributada autonomamente (exceto nos casos em que o é mesmo quando não aceite fiscalmente como custo, o que acontece quando a empresa apresenta prejuízos fiscais).

 

Este sistema explica-se precisamente pela supra referida ideia de “empresarialidade” parcial de certas despesas e pela opção do legislador em tributa-las em IRC em vez de as tributar em sede de IRS na esfera dos beneficiários das despesas e pressupõe que o custo é fiscalmente dedutível, pelo que demonstrado está o pressuposto para que o seja, o da indispensabilidade para a formação do rendimento tal qual está formulado no artigo 23.º do CIRC. De outro modo, não é, em regra, sequer sujeito a tributação autónoma.

No caso em apreço, estão em causa dois grupos de despesas: “eventos, que consistiam, essencialmente, em receções aos seus clientes e outras pessoas, que incluíam despesas de alojamento, alimentação, divertimento, aluguer de espaços, etc., e que tinham em vista a apresentação e promoção dos seus produtos”, bem como “despesas suportadas com uma viagem ao México”.

 

Do disposto no artigo 88.º resulta claramente que as despesas em crise, quer o primeiro quer do segundo grupo, são despesas de representação. Aliás, esta é a única interpretação que, à luz do elemento sistemático, permite compreender regime do CIVA em articulação com o CIRC. Nos termos do artigo 21.º do CIVA há também uma exclusão do direito à dedução de tipo de despesas, quando não sejam aceites fiscalmente como custo.

 

O CIVA refere-se expressamente a despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, a despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de receção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais receções, a despesas de divertimento e de luxo e a despesas de alojamento, alimentação e bebidas relativas à participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares.

 

Sendo que, nos casos em que sejam aceites, não há exclusão, mas ocorre uma limitação do direito à dedução, que é explicada precisamente pela presunção de a “empresarialidade” parcial de tais despesas.

 

No caso em apreço, dúvidas não podem portanto, restar que as despesas incorridas pela Requerente, quer as relativas a “eventos” quer as relativas às “viagens ao México”, se enquadram no conceito de despesas de despesas de representação para efeitos do disposto no artigo 88.º do CIRC. Isto, sem prejuízo de terem sido consideradas pela AT como custos fiscalmente dedutíveis.

 

Sendo – como entendemos que são – despesas de representação, cabe-nos apreciar a segunda possibilidade, que resulta da conformação que a Requerente deu ao seu pedido, de não sujeição destas despesas a tributação autónoma: a ideia de que a presunção que preside a estas tributações, de “empresarialidade” parcial, é ilidível e que, sendo-o, a Requerente as conseguiu ilidir.

 

No que respeita à possibilidade de elisão da presunção, analisada a argumentação que está subjacente à decisão do tribunal arbitral proferida no processo no 628/2014-T citada pela Requerente, afastamo-nos do entendimento lá expresso nesta medida: na verdade, o artigo 88.º do CIRC não consagra uma presunção de “empresarialidade” parcial. Se consagrasse, seria indubitavelmente ilidível ao abrigo do artigo 73.º da LGT.

 

O que sucede é que as tributações autónomas do artigo 88.º do CIRC, sem a consagrar, assentam, i.e., buscam a sua ratio (ou parte dela) numa presunção de “empresarialidade” parcial.

Mas não é esta a sua única ratio, designadamente, no que interessa ao caso em apreço. Subjacente à tributação autónoma está também a opção do legislador de tributar em IRC ao invés de tributar em IRS na esfera dos beneficiários das despesas nas quais a empresa incorreu.

O que não é despiciendo.

 

Caso se entendesse que a empresa podia e lograra ilidir a dita presunção, necessário era encontrar uma forma de tributar o acréscimo patrimonial que tinha resultado da realização e tais despesas para os respetivos beneficiários. Por hipótese, que o Código do IRS contivesse uma norma que, nesse caso, permitisse considerar e forçar a englobamento, na esfera dos beneficiários, os custos incorridos pelas empresas como rendimento coletável.

 

Isto, pelo que supra já deixamos exposto acerca das várias razões pelas quais – concorde-se ou não - o legislador introduziu as tributações autónomas: elas são, na verdade, medidas específicas anti-abuso, introduzidas num contexto de ampla discricionariedade legislativa: o legislador pode decidir o que considera encargo dedutível (em IRC como em IVA) e o que não considera, bem como aquilo que, pelas razões já expostas, aceita como encargo por um lado, mas tributa pelo outro.

 

E. note-se, o abuso que o sistema de tributações autónomas pretende evitar não é apenas aquele que pode ocorrer em sede de IRC na empresa que incorre na despesa, como aquele que pode ocorrer em sede de imposto sobre o rendimento para o beneficiário da despesa.

 

Consideramos, portanto, que a norma do artigo 88.º do CIRC, assentando, em parte, numa presunção, na verdade não consagra qualquer presunção que, portanto, seja ilidível nos termos do artigo 73.º da LGT.

 

Pelo que improcede também nessa medida, a pretensão da Requerente.  

 

Porquanto este tribunal arbitral entende que as liquidações em crise não padecem de qualquer vício, está prejudicada a análise do pedido formulado pela Requerente de reembolso das quantias pagas e do invocado direito da Requerente a juros indemnizatórios.

 

***

  1. DECISÃO

 

Em face do exposto, decide-se julgar totalmente improcedentes os pedidos da Requerente.

 

* * *

Fixa-se o valor do processo em 34.196,81€ (trinta e quatro mil cento e noventa e seis euros e oitenta e um cêntimo) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.

 

O montante das custas é fixado em 1 836.00€ (mil oitocentos e trinta e seis euros), ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 11 de Julho de 2016

 

O Árbitro

 

 

(Eva Dias Costa)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.



[1] Na referências às disposições legais aplicáveis, referir-nos-emos, sempre que não haja ressalva expressa, à redação do CIRS que vigorou até 31.12.2011, tendo em conta as disposições transitórias do artigo 116.º da  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro que altero parcialmente a redação daquele artigo 88.º e outras normas do CIRC e aprovou o Orçamento de Estado para 2012.) e, bem assim, tendo em conta as disposições transitórias do artigo 12.º da º 2/2014, de 16 de janeiro, que procedeu à reforma da tributação das sociedades, alterando e republicando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

 

 

[2] Sempre na redação aplicável ao exercício em causa, nos termos já supra descritos.