DECISÃO ARBITRAL
Partes
Requerente: A…, S.A., com sede em…, …, …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o número único de matrícula e de pessoa colectiva …;
Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).
I. RELATÓRIO
a) Em 01-02-2016, a Requerente entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).
O PEDIDO
b) A Requerente pede a declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2013 … de que resultou uma Demonstração de Acerto de Contas n.º 2013 … e um imposto a pagar no valor global de € 62.593,97, a título de taxa de tributação autónoma, juros compensatórios e juros de mora.
c) Impugnando especificamente o IRC quanto ao exercício de 2010, conforme conclusões finais do Relatório de Inspecção Tributária, o qual manteve a posição de que existiria IRC em falta relativamente àquele ano, no montante de € 57.566,02, a título de tributação autónoma (despesas de representação).
d) Montante que pagou ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social (“RERD”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro (o que fez reduzir o valor liquidado de € 62.593,97 para o valor aqui impugnado de € 57.566,02, dado o regime mais favorável quanto aos juros).
e) Liquidação da qual reclamou graciosamente e lhe indeferida. Recorreu hierarquicamente e também lhe foi indeferido o recurso.
f) Termina pedindo a anulação do despacho que indeferiu o recurso hierárquico, para além da declaração de ilegalidade da liquidação, reembolso do montante pago e ainda: “a indemnização … de todos os prejuízos sofridos … nomeadamente os resultantes do pagamento da liquidação em crise, no montante de € 57.566,02, incluindo os respectivos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 43.º e art.º 100.º da LGT e no art.º 61.º do CPPT”.
g) A Requerente fundamenta, em termos de direito, o seu pedido, na decisão arbitral colectiva adoptada no CAAD Processo 628/2014-T que versa sobre a mesma questão jurídica de fundo, decisão esta que juntou ao processo.
DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)
h) O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 19-02-2016.
i) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 05-04-2016. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
j) O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 20-04-2016, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
k) Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 20-04-2016 que aqui se dá por reproduzida.
l) Em 20-04-2016 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 23.05.2016. Juntou ainda o PA composto por 2 ficheiros informatizados designados por RG com 1/193 laudas e por RH com 1/302 laudas.
m) A AT pugnou pela não produção da prova testemunhal arrolada pela Requerente por considerar tratar-se de acto inútil, mas caso assim não se entendesse, manifestou-se no sentido da Requerente indicar os factos concretos a que as testemunhas deveriam prestar depoimento. Indicou ainda uma testemunha.
n) Logo no despacho referido na alínea anterior foi a Requerente convidada para, no prazo de 10 dias, contados sobre a data em que lhe fosse notificada a resposta da AT, indicar os factos em concreto sobre que deveriam depor as 2 testemunhas arroladas. Em 24.05.2016 após a notificação da resposta da AT, o TAS renovou o convite à Requerente e “sobre a necessidade de produção de prova testemunhal e dispensa de realização da reunião de partes do artigo 18º do RJAT e de alegações orais ou escritas”.
o) Por requerimento de 06.06.2016 a Requerente indicou os factos concretos, por remissão para os artigos do pedido de pronúncia, sobre que deveriam depor as testemunhas, dissentiu da sua não audição, não se opôs à dispensa de realização da reunião do artigo 18º do RJAT e não prescindiu de apresentar alegações, por escrito.
p) Por despacho do TAS de 07 de Junho de 2016 foi agendado o dia 21.06.2016, pelas 14.30 horas, nas instalações do CAAD, para a tomada de depoimentos das duas testemunhas arroladas pela Requerente e da testemunha arrolada pela Requerida, tendo sido convidada a AT a indicar os factos, em concreto, sobre que deveria depor a testemunha arrolada na resposta.
q) No dia 21.06.2016, pelas 14.30 horas, realizou-se a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente: B… à matéria dos artigos 4º, 5º, 10º, 11º, 12º. 13º e 19º do pedido de pronúncia arbitral; C… à matéria dos artigos 3º a 6º, 8º a 13º, 16º e 19 do pedido de pronúncia arbitral. A AT prescindiu do depoimento da testemunha arrolada. De seguida o TAS fixou prazo para alegações escritas e sucessivas e agendou o dia 25.07.2016 para a adopção da decisão final, tudo conforme ata junta no ao processo por registo no SGP do CAAD, que aqui se dá por reproduzida.
r) A Requerente apresentou alegações escritas em 01 de Julho de 2016 e a Requerida apresentou-as em 13 de Julho de 2016. Juntou ainda uma decisão arbitral singular adoptada no CAAD Processo 52/2016-T com data de 11.07.2016, quanto à Requerente e que decidiu de forma oposta face à decisão arbitral colectiva indicada em g) deste Relatório.
s) No dia 25.07.2016 a Requerente exerceu, espontaneamente, o contraditório sobre a junção da decisão a que se alude na alínea anterior.
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
t) Legitimidade, capacidade e representação – As partes gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária, são partes legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
u) Princípio do contraditório - A Requerida foi notificada do pedido de pronúncia nos termos do inciso l) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes.
v) Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto da decisão sobre o RH, aqui em discussão, ter sido notificada em 04.11.2015 e o pedido de pronúncia ter sido registado no CAAD em 01.02.2016.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE
w) A Requerente discorda da leitura que a AT adoptou em sede de relatório de inspecção e depois em sede de liquidação/correcção do IRC do exercício de 2010, aduzindo essencialmente, 3 argumentos.
x) Em primeiro lugar – porque os eventos que realizou em 2010: evento “D…”, acção de promoção do “E…”, evento “F…”, e acção para clientes da G… na “H…”; cujos custos lançou nas suas contas da seguinte forma: expositores, no valor de € 734,00; outros meios de promoção, no valor de € 10.334,00; stands e Aluguer de Espaços, no valor de € 4.700,00; organização de eventos, no valor de € 466.859,11; e produção de materiais gráficos, no valor de € 40.744,00, cuja documentação juntou à AT, gerarem despesas que se encontram “manifestamente excluídas do conceito de despesas de representação, desde logo porque o conceito de despesas de representação assenta, sem dúvida, no facto de estas despesas estarem mais afastadas do núcleo central de despesas instrumentais, no desempenho da actividade produtiva dos contribuintes, pelo que, as despesas com a organização de eventos destinados à promoção e venda de produtos comercializados pela Requerente não podem deixar de consubstanciar custos incorporados no seu próprio circuito económico directo de actividade, não podendo, portanto, ser qualificadas de despesas sem finalidade empresarial ou uma qualquer forma de remuneração a terceiras entidades”.
y) Concluindo que: “ … deverá considerar-se ilegal a tributação autónoma dessas despesas por não se enquadrarem definitivamente no conceito de despesas de representação”, uma vez que “ ficou demonstrado … que a AT sujeitou inclusivamente a tributação autónoma, integrando-os no conceito de despesas de representação, custos com a produção de material gráfico e audiovisual, na medida em que foram simplesmente utilizados nos referidos eventos” e que “… ficou amplamente provado através de toda a documentação junta …, bem como da prova testemunhal produzida” “destinavam-se à promoção e comercialização dos seus produtos, ou seja, à realização directa de vendas e respectivos proveitos” e “assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta”.
z) Pugnando pela desconsideração destas despesas como “despesas de representação” à luz do nº 7 do artigo 88º do CIRC, devendo considerar-se “custos inerentes ao normal desenvolvimento da actividade principal da sociedade”, invocando o decido no acórdão do TCAS de 16.10.2014 – processo 06754/13.
aa) Em segundo lugar – a Requerente para além de discordar da qualificação de tais custos como despesas de representação e subsequente sujeição a tributação autónoma, refere que, mesmo que o fossem, considera que a AT reconheceu a sua indispensabilidade, pelo que ficou ilidida a presunção de “empresarialidade” parcial que está subjacente à tributação autónoma de tais despesas.
bb) Invoca em seu favor a Decisão Arbitral proferida, em 2 de Fevereiro de 2015, no âmbito do processo CAAD nº 628/2014-T, onde se refere que “as tributações autónomas cujo encargo pretende a Requerente ver subtraídas ao seu lucro tributável, poderão ser encaradas como uma espécie de norma antiabuso consensual, em que o legislador propõe ao contribuinte uma de três alternativas, a saber:
· não deduzir a despesa;
· deduzir mas pagar a tributação autónoma, dispensando-se, quer a si quer à Administração Tributária, de discutir a questão da empresarialidade da despesa;
· provar a empresarialidade integral da despesa, e deduzi-la integralmente, não suportando a tributação autónoma”
cc) E mais adiante refere que a “prova de empresarialidade” contende efectivamente com a tributação autónoma, sendo que a referida empresarialidade das despesas constitui “critério de despesa da tributação autónoma”, dissentindo da AT quanto ao ponto 14 da resposta ao pedido de pronúncia arbitral, defendendo que “para que haja lugar a tributação autónoma não é suficiente que se demonstre a dedutibilidade dos encargos, exigindo-se também que o contribuinte não tenha logrado provar a empresarialidade integral da despesa”.
dd) Concluindo que as: “despesas em questão têm uma finalidade empresarial directa e estão directamente relacionadas com a obtenção de proveitos, o que ficou devidamente provado nos autos, de forma objectiva, ou dizem respeito a uma realidade diversa, logo, não sujeitas a tributação autónoma”.
ee) Quanto à aplicação do artigo 73º da LGT, aduz o que foi escrito pela AT no Projecto de Decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, onde a AT admitiu, em sentido diametralmente oposto ao que ora vem sustentado no âmbito da resposta ao pedido de pronúncia arbitral, que o legislador previu, relativamente às despesas em questão, uma presunção de “empresarialidade parcial” que se encontra “abrangida pela elisão decorrente do art.º 73º da LGT, quer pelo contribuinte quer pela Administração Tributária”.
ff) Em terceiro lugar – entende que seria aplicar aqui o mesmo regime da “dedutibilidade fiscal das despesas com viagens de profissionais de saúde a congressos e reuniões científicas, decorrente do Despacho do Director Geral dos Impostos proferido em 16 de Julho de 2009, no âmbito do processo n.º 1648/09, o qual veio interpretar os artigos 23.º, n.º 1, alínea b) e 81.º, n.º 7, ambos do Código do IRC, para efeitos de enquadramento fiscal dos encargos com viagens de profissionais de saúde a congressos e reuniões científicas; decidindo que quaisquer encargos, no caso, encargos com profissionais de saúde, tendo em vista a participação em congressos, acções científicas ou até de formação profissional “organizadas dentro do âmbito da promoção do medicamento”, “… relacionadas com publicidade, não poderão ser desconsiderados para efeitos fiscais, apenas sendo qualificados como despesas de representação quando tais encargos tenham sido suportados fora do âmbito da promoção de medicamentos, …, fora de acções de promoção ou publicidade referentes a produtos comercializados pelo contribuinte”.
gg) Aduz ainda que se a AT apenas qualifica “tais custos como despesas de representação quando os encargos com despesas de participação em congressos e reuniões clínicas sejam efectuados fora do âmbito da promoção de medicamentos”, pelo que “será forçoso concluir que tal entendimento deverá ser aplicado mutatis mutandis no caso concreto da Requerente, uma vez que, precisamente, estamos perante despesas suportadas no âmbito da organização de eventos destinados a promover e vender os produtos por si comercializados”.
hh) Conclui que “estamos aqui perante duas situações materialmente iguais: despesas inerentes a acções de publicidade e propaganda, com a agravante de a Requerente, no âmbito dos eventos que organizou, ter realizado vendas, o que não se verifica nos eventos destinados aos profissionais de saúde”, “logo, é a própria AT que adopta um entendimento distinto no caso concreto da Requerente, sem qualquer justificação”.
ii) Em sede de alegações manteve essencialmente o que referiu no pedido de pronúncia.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA
jj) Dissentindo do ponto de vista da Requerente, a Requerida entende que o que está em discussão neste processo em termos de matéria de direito é: “… o enquadramento das despesas incorridas pela Requerente, e ora controvertidas, no nº 7 do artigo 88º do CIRC e, caso assim se entenda, se este mesmo normativo legal admite a ilisão de presunção enquadra no artigo 73º da LGT” (artigo 1º das contra-alegações).
kk) Tem, no entanto, uma leitura da lei diferente da Requerente, referindo quanto ao enquadramento das despesas em causa (se se devem considerar apenas como gastos em “publicidade e propaganda” – artigo 23º-b) do CIRC), o seguinte: “a posição da AT é a de que todas as despesas ora em discussão configuram verdadeiras despesas de representação, sem que tal qualificação seja minimamente colocada em causa pelo facto de as mesmas se revelarem indispensáveis à actividade da Requerente, e, por conseguinte, serem dedutíveis à matéria colectável ao abrigo do artigo 23º do CIRC”.
ll) E quanto à questão da “prova de empresarialidade” propugna no sentido que consta na decisão arbitral singular adoptada no CAAD Processo 52/2016-T com data de 11.07.2016 que juntou e refere que “trata-se, assumidamente, de uma tributação sobre a despesa e não sobre o rendimento, …, pelo que, não faria qualquer sentido condicionar a tributação autónoma de determinada despesa ao seu grau de relação com a obtenção dos proveitos”.
mm) Quanto a esse tema, refere que o seu entendimento é de que “… o nº 7 do artigo 88º do CIRC não consagra qualquer presunção ilidível para efeitos do artigo 73º da LGT pois muito embora uma das ratios da norma seja a de associar àquelas despesas uma presumível empresarialidade parcial, a intenção do legislador não se esgota nessa ratio, compreendendo outras ratios que justificam a adopção de uma medida específica antiabuso no contexto de uma ampla discricionariedade fiscal…”.
nn) Prossegue: “as despesas suportadas com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades, ou seja, nas despesas de representação, para que haja lugar a tributação autónoma apenas tem que se verificar a dedutibilidade destes encargos, conforme decorre daquela disposição legal (artigo 88.º do Código do IRC)”.
oo) Reconhece que a Requerente “no exercício em análise … realizou eventos que consistiam, essencialmente, em recepções aos seus clientes e outras pessoas, que incluíam despesas de alojamento, alimentação, divertimento, aluguer de espaços, etc., e que tinham em vista a apresentação e promoção dos seus produtos” e considera que “… ainda que a promoção dos referidos eventos proporcione não só a realização de vendas no decurso dos mesmos como, seguramente, potencia a sua concretização no futuro, em resultado da forte imagem que, seguramente, deixa em todos os convidados, dada a grandiosidade daqueles, é inquestionável que aqueles custos/gastos suportados são comprovadamente indispensáveis à obtenção de rendimentos sujeitos a imposto, pelo que estes são aceites como gastos fiscais, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC e, desde logo dedutíveis na determinação do resultado tributável”. Contudo,
pp) “aqueles custos/gastos (recepções aos clientes e outras pessoas, que incluíam despesas de alojamento, alimentação, divertimento, aluguer de espaços, viagens, etc.), uma vez dedutíveis para efeitos fiscais, e enquadrando-se plenamente na referida definição de despesas de representação prevista no artigo 88.º do Código do IRC (despesas suportadas com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades) estão sujeitos a tributação autónoma à taxa de 10%, uma vez que reúnem todos os requisitos legalmente previstos no artigo 88.º do Código de IRC, os quais determinam este tipo de tributação”.
qq) Refere ainda: “no art.º 88.º n.º 7 do CIRC, o legislador definiu de forma clara e objectiva, as despesas visadas pela tributação autónoma, não podendo o intérprete, sem fundamento legal, limitar a sua aplicação, pois isso constituiria um claro desvirtuamento do objectivo da norma”, “As normas que estabelecem as tributações autónomas criam uma verdadeira imposição fiscal: à verificação de uma previsão (realização de certas despesas) associam uma consequência ao nível do Direito Tributário (a tributação), mais especificamente, impõem a tributação autónoma, in casu devida a título de IRC”.
rr) Aduz ainda: “… no que respeita às despesas de representação o legislador apenas pretendeu excluir da tributação autónoma as não consideradas dedutíveis, tal como resulta da lei, determinando assim, que todas as outras devem estar sujeitas a tributação autónoma”.
ss) Considera que as despesas em causa “cumprem maioritariamente os requisitos de despesas de representação”, porquanto “têm como finalidade a criação de uma imagem da entidade que as suporta junto de terceiro”, “encontram-se mais afastadas do núcleo central de despesas instrumentais no desempenho da actividade produtiva dos contribuintes”, mas “não poderão ser consideradas como custos incorporados no próprio circuito económico directo da sua actividade, até porque, têm um carácter pontual, não ocorrem todas as semanas, nem todos os meses, nem sequer todos os anos, nem sempre existiram na empresa. Desde 2012 que praticamente não existem e não decorrem sequer de uma prática generalizada no sector”, “têm um carácter de oferta dos bens e serviços obtidos com os encargos suportados uma vez que os beneficiários destes eventos não pagaram por eles qualquer quantia, pelo que, naturalmente, se considera que os mesmos foram oferecidos”.
tt) Termina: “se o Tribunal sufragar o entendimento da Requerente com vista à elisão de uma pretendida presunção legal, então estaremos perante uma interpretação materialmente inconstitucional das normas em apreço por violação princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstracção, decorrentes do princípio da legalidade e também enquanto instrumentos da igualdade fiscal, e portanto, igualmente por violação do princípio da igualdade tributária, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto no artigo 13º e no artigo 103º da CRP”.
uu) E formula a seguinte asserção: “assim, conclui-se que a tributação autónoma consiste numa tributação da despesa incorrida pelo sujeito passivo do imposto, atentas determinadas razões de política fiscal, destinadas à arrecadação de receita (fiscal) independentemente da matéria colectável que vier a ser apurada no respectivo período de tributação”, “… a despesa é o facto revelador da capacidade contributiva que se pretende alcançar, devendo a tributação autónoma incidir sobre o sujeito passivo que incorre no custo ou encargo que se pretende “penalizar””, “Enquanto instrumento de combate à fraude e evasão fiscais, a tributação autónoma consignada no artigo 88.º do Código do IRC pretende tributar aquelas despesas que, pela sua natureza, possam consubstanciar o pagamento dissimulado de rendimentos, com o objectivo de evitar a sua tributação na esfera dos respectivos beneficiários, ou possam não ter sido praticadas apenas em benefício do sujeito passivo que as suporta”.
vv) Em sede de alegações a Requerida manteve o que tinha referido na Resposta ao pedido de pronúncia mas juntou uma decisão, quanto a este contribuinte, referente ao exercício de 2011, sobre a mesma temática de direito e de facto (uma vez que o Relatório de Inspecção é o mesmo).
ww) Propugna pela improcedência do pedido de pronúncia e manutenção na ordem jurídica da decisão tomada no RH e da liquidação de IRC objecto de discussão.
II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR
A questão de fundo a decidir é a do apuramento da conformidade com a lei da liquidação de IRC, a título de tributação autónoma e classificando as despesas como de representação.
Considera a Requerente que as referidas despesas não deveriam ser consideradas despesas de representação, pelo que cumprirá, em princípio, apreciar a temática colocada nas seguintes alíneas do Relatório desta decisão:
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Alíneas x) a z) – Invocando-se o decidido no acórdão do TCAS de 16.10.2014 – processo 06754/13, citando o Relatório de Inspecção (RI) os custos/gastos relativos a “eventos, que consistiam, essencialmente, em recepções aos seus clientes e outras pessoas, que incluíam despesas de alojamento, alimentação, divertimento, aluguer de espaços, etc., e que tinham em vista a apresentação e promoção dos seus produtos” devem considerar-se como integrando a previsão da norma contida no artigo 23º-1-b) do CIRC, como gastos de “publicidade ou propaganda”, ou deve considerar-se que integram o conceito de “despesas de representação” (artigo 88º nº 3 alínea a) e nº 7 na redacção de 2010 - actual artigo 88º nº 7 do CIRC)?
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Alíneas aa) a ee) – Invocando-se o decidido por Tribunal Colectivo no processo CAAD nº 628/2014-T, a tributação dos custos/gastos aqui em causa, segundo a norma contida no artigo 88º nº 3 alínea a) e nº 7 na redacção de 2010 - actual artigo 88º nº 7 do CIRC, mesmo consideradas como despesas de representação, encerra uma presunção de “empresarialidade parcial” que se encontra “abrangida pela elisão decorrente do art.º 73º da LGT, quer pelo contribuinte quer pela Administração Tributária”? E em caso de resposta afirmativa, neste processo, foi ilidida essa presunção?
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Alíneas ee) a gg) – Invocando-se o decidido pelo Despacho do Director Geral dos Impostos proferido em 16 de Julho de 2009, no âmbito do processo n.º 1648/09, que versa sobre encargos com viagens de profissionais de saúde a congressos e reuniões científicas, organizadas dentro do âmbito da promoção do medicamento (publicidade) sendo apenas qualificados como despesas de representação quando tais encargos tenham sido suportados fora do âmbito da promoção de medicamentos (fora de acções de promoção ou publicidade referentes a produtos comercializados pelo contribuinte), este regime deve aplicar-se mutatis mutandis, neste caso, por se tratar de despesas suportadas no âmbito da organização de eventos destinados a promover e vender os produtos por si comercializados, e, como tal consideradas as despesas aqui em causa como integrando a previsão da norma do artigo 23º-1-b) do CIRC como gastos de “publicidade ou propaganda”?
III. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA FUNDAMENTAÇÃO
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, de resto não contestados pelas partes, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação. Os factos que se consideram provados, resultantes do depoimento de testemunhas, estão devidamente assinalados.
Factos provados
1) A Requerente tem por objecto social a realização de investimentos na indústria cerâmica, comércio, fabrico e exportação de produtos cerâmicos e prestação de serviços de gestão empresarial a terceiras entidades no sector da cerâmica industrial – conforme artigo 2º do pedido de pronúncia e ponto II.3.3 – pagina 12 do Relatório de Inspecção que constitui o Documento nº 3 em anexo ao pedido de pronúncia.
2) No decurso do ano de 2010 realizou a Requerente diversos eventos destinados a promover e vender os seus produtos, a saber: Evento “D…”; Acção de promoção do “E…”; Evento “F…”; e Acção para clientes da G… na “H…” – conforme artigo 3º do pedido de pronúncia, página 40 do Relatório de Inspecção que constitui o Documento nº 3 em anexo ao pedido de pronúncia e depoimento da testemunha C… .
3) Os custos dos eventos foram reflectidos nas seguintes contas: expositores, no valor de € 734,00; outros meios de promoção, no valor de € 10.334,00; stands e aluguer de espaços, no valor de € 4.700,00; organização de eventos, no valor de € 466.859,11; e produção de materiais gráficos, no valor de € 40.744,00 – conforme artigo 7º do pedido de pronúncia, página 33 do Relatório de Inspecção que constitui o Documento nº 3 em anexo ao pedido de pronúncia.
4) A Requerente foi, no sector de actividade onde se insere, pioneira na organização deste tipo de eventos, permitindo publicitar os seus produtos mas também realizar, nos próprios eventos, as vendas desses mesmos produtos – conforme artigo 10º do pedido de pronúncia e o depoimento da testemunha C… .
5) A Requerente através dos eventos difundiu características e qualidade dos produtos que produz e comercializa, dando-os a conhecer, vendendo-os e avaliando a possível aceitação e vantagens que novos produtos a fabricar poderiam vir a ter nos seus clientes – conforme artigos 4º. 5º e 6º do pedido de pronúncia e depoimento das testemunhas B… e C… .
6) A compra de produtos no decurso dos eventos permitia aos clientes adquiri-los com vantagens não apenas ao nível do preço, aproveitando as promoções especiais, mas também relacionadas com o facto de a eles terem acesso logo aquando do seu lançamento, antecipando-se relativamente aos seus concorrentes – conforme artigo 11º do pedido de pronúncia e depoimento das testemunhas B… e C… .
7) A Requerente configurou com a realização e custeio dos eventos, a apresentação e publicitação de produtos comercializados além da realização directa de vendas – conforme artigos 12º, 13º e 16º do pedido de pronúncia, depoimento das testemunhas B… e C… e página 31 do Relatório de Inspecção que constitui o Documento nº 3 em anexo ao pedido de pronúncia.
8) A Requerente deduziu os custos dos eventos no apuramento da matéria colectável de IRC do exercício de 2010, sem autoliquidação de qualquer taxa de tributação autónoma – conforme posição global da Requerente e da Requerida e página 32 do Relatório de Inspecção que constitui o Documento nº 3 em anexo ao pedido de pronúncia.
9) Relativamente ao exercício de 2010, foi levado a cabo, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de…, um procedimento inspectivo, com base na ordem de serviço n.º OI2013…, de 15.03.2013, incluindo sobre IRC, do qual resultaram correcções, em virtude da AT qualificar os custos dos eventos acima indicados como despesas de representação e subsequente sujeição a tributação autónoma, apurando-se um montante em falta de 57 566,02€ - conforme artigo 1º do pedido de pronúncia e Relatório de Inspecção que constitui o Documento nº 3 em anexo ao pedido de pronúncia.
10) A Requerente foi notificada, em data não determinada, da liquidação de IRC n.º 2013 … ora impugnada, resultando da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2013…, que também lhe foi notificada, IRC a pagar no valor global de € 62.593,97, a título de tributação autónoma, juros compensatórios e juros de mora – conforme notas juntas no SGP do CAAD em “pedido” e artigos 28º e 29º do pedido de pronúncia.
11) A Requerente veio a pagar no dia 18.11.2013, dentro do prazo de pagamento voluntário, o montante de € 57.566,02, ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social (“RERD”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro – conforme artigo 30º e conclusão BB) do pedido de pronúncia e Documento 4 em anexo à Reclamação Graciosa que corresponde ao Documento nº II em anexo ao pedido de pronúncia.
12) A Requerente reclamou graciosamente em 10.03.2014 da liquidação referida em 10) que lhe foi totalmente indeferida. Desta decisão recorreu hierarquicamente, em 09.02.2015, que tomou o nº …2015…, que também lhe foi indeferido por despacho proferido pela Exma. Senhora Directora de Serviços do IRC, em 22 de Outubro de 2015, e notificado em 4 de Novembro de 2015 pelo ofício … de 03.11.2015 – exórdio do pedido de pronúncia, artigos 32º e 58º do pedido de pronúncia e documento nº VIII junto com o pedido de pronúncia.
13) Em 01-02-2016, a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia – registo de entrada no SGP do pedido de pronúncia.
As duas testemunhas ouvidas mostraram conhecer os factos e os seus depoimentos convenceram o tribunal.
A primeira porque tinha relacionamento com a Requerente, esteve nos eventos do Algarve e do Porto e demonstrou conhecer bem o sector dos produtos cerâmicos e as razões dos eventos que, segundo ele, poderia, um evento, redundar em vendas de 300 000,00 euros. Referiu que se a Requerente não promovesse os eventos poderia “ficar fora do mercado” e na altura vivia-se um momento alto ao nível da construção de casas. Não se faziam descontos, mas eram oferecidos mais produtos. Todos os eventos eram realizados antes da Feira anual do sector e numa estratégia de antecipação.
Já a segunda testemunha é o director comercial da Requerente e esteve nos eventos a promover as chefiar a equipa de vendas. Referiu os objectivos: fazer promoções especiais, lançar e incentivar a compra de produtos novos, colocá-los rapidamente no mercado, mostrar os produtos. Os clientes eram os distribuidores.
Factos não provados
Não se deu como provado o alegado nos artigos 8º e 9º do pedido de pronúncia por se tratar de matéria conclusiva. Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR
Como resulta das alíneas x) a z) do Relatório desta decisão supra, invoca-se o decidido no acórdão do TCAS de 16.10.2014 – processo 06754/13, para com base nessa decisão, se defender que os custos/gastos suportados pela Requerente relativos a “eventos, que consistiam, essencialmente, em recepções aos seus clientes e outras pessoas, que incluíam despesas de alojamento, alimentação, divertimento, aluguer de espaços, etc., e que tinham em vista a apresentação e promoção dos seus produtos” devem considerar-se como integrando a previsão da norma contida no artigo 23º-1-b) do CIRC, como gastos de “publicidade ou propaganda”, e não como “despesas de representação” (artigo 88º nº 3 alínea a) e nº 7 na redacção de 2010 - actual artigo 88º nº 7 do CIRC).
Não lhe assiste razão. Como se nota na fundamentação da decisão que indeferiu a reclamação graciosa (Documento nº VI junto com o pedido de pronúncia) aí se refere que o acórdão se “refere a custos com fornecimentos de refeições a colaboradores que prestam serviços à sociedade … e não despesas efectuadas … junto de terceiros”.
Ao ler-se o acórdão nele se expressa: “estes serviços estão relacionados com almoços, jantares, pequenos-almoços e outros produtos alimentares, fornecidos pela empresa … à empresa em análise e consumidos pelos actores, figurinos, entre outros trabalhadores que prestam os seus serviços na produção dos programas televisivos ou radiofónicos” e relativas “… a despesas com viagens e estadias do sócio …, custos estes considerados alheios à actividade empresarial e cujo beneficiário foi o identificado sócio”.
Improcede, pois, nesta parte o pedido de pronúncia.
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Como se expressa nas alíneas aa) a ee) do Relatório desta decisão, invoca-se o decidido por Tribunal Colectivo no processo CAAD nº 628/2014-T, sobre questão idêntica, pugnando-se no sentido de que a tributação dos custos/gastos segundo a norma contida no artigo 88º nº 3 alínea a) e nº 7 na redacção de 2010 - actual artigo 88º nº 7 do CIRC, mesmo considerados como despesas de representação, encerra uma presunção de “empresarialidade parcial” que se encontra “abrangida pela elisão decorrente do art.º 73º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária”. E defende a Requerente, que neste processo, foi ilidida essa presunção.
Contra este entendimento trouxe aos autos a AT a decisão singular do CAAD, adoptada no processo 52/2016-T relativa à Requerente e quanto ao exercício de 2011 que está, diga-se, em consonância com a decisão invocada pelo Requerente, salvo quanto a este aspecto:
“No que respeita à possibilidade de elisão da presunção, analisada a argumentação que está subjacente à decisão do tribunal arbitral proferida no processo no 628/2014-T citada pela Requerente, afastamo-nos do entendimento lá expresso nesta medida: na verdade, o artigo 88.º do CIRC não consagra uma presunção de “empresarialidade” parcial. Se consagrasse, seria indubitavelmente ilidível ao abrigo do artigo 73.º da LGT.
O que sucede é que as tributações autónomas do artigo 88.º do CIRC, sem a consagrar, assentam, i.e., buscam a sua ratio (ou parte dela) numa presunção de “empresarialidade” parcial.
Mas não é esta a sua única ratio, designadamente, no que interessa ao caso em apreço. Subjacente à tributação autónoma está também a opção do legislador de tributar em IRC ao invés de tributar em IRS na esfera dos beneficiários das despesas nas quais a empresa incorreu.
O que não é despiciendo.”
Também não podemos deixar de reparar que a decisão adoptada no Tribunal Colectivo no processo CAAD nº 628/2014-T tem um voto de vencido, com a seguinte argumentação em termos de questão de fundo:
“O acórdão aprovado por maioria adopta uma interpretação do disposto no artigo 73º da LGT que exige a possibilidade de ilisão de qualquer juízo presuntivo subjacente a normas de incidência tributária, entendidas estas em sentido lato.
A esta visão contraponho uma outra que admita que o art. 73º da LGT deve ser interpretado, em conjunto com o art. 104º, nº 1 e 2, da CRP, como uma recomendação ao legislador no sentido de utilizar tanto quanto possível presunções juris tantum, evitando presunções inilidíveis e ficções, de forma a que, conjugando os artigos 73º e 74º da LGT, se distinga, no conjunto das presunções juris et de jure, as totalmente vedadas (casos das que presumem a existência de rendimentos em si), as não recomendadas (relativas a normas de incidência oneradoras do sujeito passivo) e as não proibidas (relativas a normas de incidência em sentido amplo que permitam chegar ao rendimento líquido ou considerar despesas que diminuam a capacidade contributiva).
A adoptar-se este tipo de distinção, “as normas de incidência que impliquem dedução de despesas, custos e outros encargos, para a determinação do rendimento líquido ou relacionadas com a capacidade contributiva, e também os benefícios fiscais, enquanto normas desoneradoras”, não estão abrangidas pelo art. 73º da LGT, nem violam a Constituição, desde que as tipificações não se afastem da realidade. A tipificação legal das normas desoneradoras “cuja fiscalização individual é muito difícil de assegurar” seria até “recomendada pelos princípios da praticabilidade e da igualdade”.
Como se vê a questão decidenda é muito pouco consensual.
Este TAS está obrigado a decidir segundo o “direito constituído”. Havendo dois (ou mais) sentidos opostos na leitura da lei, cumpre seguir o que se reputa ser mais assertivo, cumprindo formular uma análise crítica sobre as demais leituras da lei, evitando-se uma decisão acrítica, pela mera adesão a um ponto de vista.
Reputamos a leitura da lei adoptada no Tribunal Colectivo, processo CAAD nº 628/2014-T, como sendo a mais assertiva. Com efeito,
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A fundamentação da douta decisão adoptada no processo CAAD 52/2016-T quando refere que o artigo 88º do CIRC “não consagra uma presunção de “empresarialidade” parcial””, “sem a consagrar, assentam, i.e., buscam a sua ratio (ou parte dela) numa presunção de “empresarialidade” parcial”, parece difícil de sustentar, uma vez que, quer se entenda que a norma “consagra” ou “assenta e busca a sua ratio ou parte dela”, sempre permitirá ao intérprete, na demanda do pensamento legislativo (uma vez que o elemento literal da norma não resolve a questão), usar no esforço hermenêutico, a aludida presunção.
Por outro lado, não nos parece que o legislador tenha erigido como “ratio” de que à tributação autónoma está também associada a opção do legislador de tributar em IRC ao invés de tributar em IRS na esfera dos beneficiários das despesas nas quais a empresa incorreu. Ao ler-se a norma do actual nº 11 do artigo 88º do CIRC verifica-se que esta tributação autónoma não resulta de uma “despesa”, mas de um “lucro”, um dividendo, pago por uma sociedade comercial a uma entidade isenta. Ou seja, a ratio desta norma é apenas antiabuso, penalizando o fenómeno denominado “lavagem de cupões” (aqui apenas atingindo os dividendos). Parece-nos ser difícil sustentar, em termos gerais, que todas as tributações autónomas do actual artigo 88º do CIRC, tenham como ratio “a opção do legislador de tributar em IRC ao invés de tributar em IRS na esfera dos beneficiários das despesas”, posto que existe a situação referida em que isso não ocorre, onde ressalta como ratio o facto de se tratar de uma norma antiabuso, para além razões de política fiscal, destinadas à arrecadação de receita (fiscal).
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Por outro lado, o entendimento vertido na douta declaração de voto inserta no processo CAAD nº 628/2014-T, quanto às “normas desoneradoras”, de que não estão abrangidas pelo artigo 73º da LGT, nem violam a Constituição, desde que as tipificações não se afastem da realidade e de que tipificação legal das normas desoneradoras “cuja fiscalização individual é muito difícil de assegurar” seria até “recomendada pelos princípios da praticabilidade e da igualdade”, parece-nos, tal como aqui se refere, de complexa ou muito difícil praticabilidade, uma vez que o poder legislativo teria que estar sistematicamente atento a que as formulações das “tipificações” não se afastassem da realidade, o que poderia conduzir a uma maior proliferação de alterações da lei fiscal, o que em si, é considerado ser um dos maiores defeitos do actual sistema fiscal português, com custos de contexto não quantificáveis e imagem de insegurança do País para os investidores nacionais e estrangeiros.
Quanto a este aspecto, a própria AT, parece-nos dividida, entre a posição doutamente defendida na oposição e nas alegações e a que foi vazada na fundamentação do despacho que indeferiu a reclamação graciosa, que diz o seguinte:
“Esta presunção de “empresarialidade parcial” encontra-se abrangida pela elisão fiscal decorrente do artigo 73º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária. Assim terá o sujeito passivo de provar a empresarialidade integral da despesa ou a AT, caso o entenda e considere que o justifica, demonstrar que relativamente às despesas em questão e que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23º do CIRC”.
Como se refere em uu) do Relatório desta decisão, a AT formula a seguinte asserção: “Assim, conclui-se que a tributação autónoma consiste numa tributação da despesa incorrida pelo sujeito passivo do imposto, atentas determinadas razões de política fiscal, destinadas à arrecadação de receita (fiscal) independentemente da matéria colectável que vier a ser apurada no respectivo período de tributação”, “… a despesa é o facto revelador da capacidade contributiva que se pretende alcançar, devendo a tributação autónoma incidir sobre o sujeito passivo que incorre no custo ou encargo que se pretende “penalizar””, “Enquanto instrumento de combate à fraude e evasão fiscais, a tributação autónoma consignada no artigo 88.º do Código do IRC pretende tributar aquelas despesas que, pela sua natureza, possam consubstanciar o pagamento dissimulado de rendimentos, com o objectivo de evitar a sua tributação na esfera dos respectivos beneficiários, ou possam não ter sido praticadas apenas em benefício do sujeito passivo que as suporta”.
Mas, como acima se notou, a norma do actual nº 11 do artigo 88º do CIRC não permitirá concluir que todas as tributações autónomas se reconduzem, em termos gerais, à tributação de uma despesa, posto que aí se tributa um “lucro distribuído”, o dividendo ou equivalente (rendimentos de capitais), visando a norma em causa evitar o abuso na utilização das isenções fiscais pelas entidades a quem são conferidas (fenómeno denominado “lavagem de cupões”). Há uma penalização de quem recebe e não de quem paga o montante, o rendimento.
Feitas as análises críticas às posições dissonantes com a leitura da lei plasmada na decisão colectiva adoptada no processo CAAD nº 628/2014-T (que versa sobre matéria idêntica), cumpre-nos aqui aderir ao ponto de vista adoptado nesta decisão, tentando contribuir, assim, para simplificação das decisões sobre esta matéria, onde se escreve o seguinte:
“Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que abrangerão, pelo menos, três tipos distintos, a saber:
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Tributação autónoma de determinados rendimentos (ex.: n.ºs 3, 5 e 6 do CIRS);
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Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex.: n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º do CIRC);
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Tributação autónoma de outros encargos independentemente da respectiva dedutibilidade (ex.: artigos 1 e 2 do artigo 88.º do CIRC).
Esta precisão torna-se importante porquanto se entende que, atenta a disparidade e heterogeneidade das situações sujeitas a tributações autónomas, será nesta sede não só desnecessário mas, até, contraproducente, o esforço de sintetizar e procurar uma natureza jurídica própria e unitária, comum a todas aquelas situações.
A natureza das específicas tributações autónomas em questão nos autos, tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e jurisprudência recentes.
Uma corrente forte tem olhado para as mesmas como um imposto sobre a despesa, que tributaria determinados tipos de gastos, de uma forma totalmente desligada do rendimento, em termos de haver mesmo quem sustente que as mesmas constituem um tributo próprio, que apenas casualmente estaria integrado nos códigos do IRS e IRC.
Não obstante, tem obtido acolhimento recorrente na jurisprudência do CAAD, o entendimento de que as tributações autónomas sobre encargos dedutíveis, como as que estão em causa nos presentes autos, integram, ainda, o regime dos impostos regulados pelos códigos onde se integram, visando, ainda que de uma forma enrevesada, o rendimento tributado por aqueles.
Naturalmente que quem considere as tributações autónomas que ora nos ocupam um tributo directamente incidente sobre a despesa, concluirá que a norma sob interpretação, …, não integrará qualquer presunção, formulando, directamente, o objecto da sua incidência – a despesa.
Não se considera, todavia, que seja esse o entendimento mais correcto, entendendo-se, antes, que as tributações autónomas em causa se poderão configurar como um imposto “híbrido” , incidindo sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação, não incidindo, igualmente, sobre o património, e enquadrando-se numa problemática da tributação dos rendimentos relativamente à qual o legislador entendeu actuar a dois níveis (separada ou simultaneamente): não aceitar a dedutibilidade de alguns gastos, na totalidade ou parcialmente e/ou tributá-los autonomamente.
Neste quadro, as tributações autónomas ora em questão nos autos integrarão, para além do mais, o elenco de normas antiabuso específicas, sendo patente a similitude, por exemplo, com a norma do atual artigo 65.º/1 do CIRC, que dispõe que:
“Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.”.
Ou seja, nos casos a que se reportam as tributações autónomas suportadas pela Requerente nos autos, o legislador podia ter optado por um regime semelhante ao estatuído na norma transcrita, vedando pura e simplesmente a respetiva dedutibilidade, ou condicionando-a nos mesmos termos dessa norma, ou noutros que entendesse adequados. Em vez disso, optou o legislador por não ir tão longe, quedando-se o regime legal de IRC sobre os gastos em causa num patamar aquém daquele, ao permitir-se a dedutibilidade dos encargos em causa, contra o pagamento imediato de uma parte do lucro tributável que, presente ou futuramente, irá ser afetado por tal dedução.
Não obstante, será ainda assim inegável a similitude dos regimes, bem como das preocupações e finalidades que lhes estão subjacentes.
O que vem de se dizer tem, deste modo, subjacente a constatação de que as tributações autónomas, incluindo aquelas em questão nos autos, devem grande parte da sua razão de ser à circunstância de que será, objetivamente, inviável a tributação integral numa base rigorosa, em sede de IRS, nos potenciais beneficiários dos gastos sujeitos àquelas (o que equivaleria a uma tributação dos fringe benefits como foi concebida e aplicada na Austrália e na Nova Zelândia). Não se ignora assim que as tributações autónomas do tipo que aqui nos ocupa têm uma vertente dirigida diretamente para o rendimento de pessoas singulares. Tal como têm, de resto, uma vertente sancionatória – no sentido de impositiva de um tratamento desfavorável – relativamente ao tipo de despesas que as desencadeiam. Contudo, estas vertentes não esvaziam, nem, muito menos, impossibilitam, uma outra vertente, igualmente (senão mais) relevante, indissociavelmente interligada com o rendimento, no caso, das pessoas coletivas.
Entende-se, então, que, por via das imposições em causa, também se visa, pelo menos na mesma medida, disciplinar a utilização pelas empresas de gastos que podem ser necessários, numa parte, à prossecução da atividade normal, mas que – tendo por base um juízo de normalidade – também serão em benefício de pessoas singulares que acabam por deles fruir a título particular e não profissional. Só que, não dispondo a Administração Tributária de nenhuma “fita métrica” para fazer tal separação, vem o legislador optando, já há bastante tempo, pela introdução no Código do IRC desta parcela que já considerava objetivamente, à data dos autos, uma imposição, no mínimo, semelhante, ao IRC, mesmo que se considere questionável tal disposição (bem como a atual redação, a respeito da inclusão no IRC, das tributações autónomas no artigo 23º-A do Código do IRC).
Reconhecem-se aqui, assim, aquelas caraterísticas que há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:
a) a tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC. É isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a coleta e, consequentemente, o imposto a pagar;
b) pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;
c) trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efetiva entre contribuintes e tipos de rendimento;
d) considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exacta da componente que corresponde a consumo privado, e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.
Melhor ou pior, as tributações autónomas ora em causa deverão ser assim entendidas como uma forma de obstar a determinadas actuações abusivas, que o “normal” funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras formas de combater tais actuações, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis.
Este carácter antiabuso das tributações autónomas ora em causa será não só coerente com a sua natureza “anti-sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que, amiúde, o cita.”
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“Sob o prisma que vem de se expor, as tributações autónomas em análise terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra-apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá efetivamente na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).
Confrontado com tal dificuldade, o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da empresarialidade das despesas em questão (impondo, por exemplo, a demonstração de que “não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”, como faz nos artigos 65.º/1 e 88.º/8 do CIRC, optou por consagrar o regime actualmente vigente, que, não obstante, tem precisamente o mesmo fundamento, a mesma finalidade, e o mesmo tipo de resultado, que outras formas utilizadas noutras situações típicas do regime (no caso) do IRC.
Assim, do facto conhecido que é a realização de determinado tipo de gastos, o legislador tira o facto desconhecido, que é a aferição do grau de afectação empresarial do produto de tais gastos.
E será este facto desconhecido, presumido pelo legislador, que desencadeia e justifica a tributação autónoma em questão no presente processo. Com efeito, foi por presumir que as despesas sobre que incide aquela tributação autónoma têm, por norma, uma afectação mista, havendo, por isso, um benefício injustificado na sua dedução integral, que o legislador começou, numa primeira fase, por limitar a percentagem daquelas que admitia como dedutível. Ulteriormente, por razões que pouco importarão ao caso, mas que passarão por constrangimentos de ordem orçamental, por um lado, e pela necessidade de assegurar a tributação de eventuais benefícios que particulares pudessem retirar daquelas despesas, o legislador adoptou o actual modelo de tributação autónoma das despesas que ora nos ocupam. Mas tal, não excluiu, antes complementou, aquela primitiva motivação de tributar, adequadamente, o rendimento das pessoas colectivas, distorcido pela dedução de despesas, que o legislador presume de afectação não totalmente empresarial. Ou seja: as finalidades orçamentais e, eventualmente, de tributação de fringe benefits, que possam assistir ao regime actual da tributação autónoma que nos ocupa, não excluem, antes assentam, na referida presunção de “empresarialidade parcial” das despesas sobre que recaem (e, complementarmente, na distorção da tributação do rendimento das pessoas colectivas daí decorrente).
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Face à conclusão que vem de se operar, cumpre então apurar se a presunção que se identificou, é, ou não, susceptível de ser ilidida.
A este propósito, dispõe o artigo 350.º/2 do Código Civil: “As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.”
Em coerência, dispõe o artigo 73.º da LGT: “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”.
Face ao quadro legal apontado, haverá que concluir que a presunção de “empresarialidade parcial” em questão, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de ilisão genericamente consagrada no art.º 350.º/2 do Código Civil e 73.º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária, o que se afigura, de resto, conforme a uma proporcional e adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.
Por seu lado, a própria Administração Tributária, se assim o entender e considerar que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º/1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Assim, e em suma, as tributações autónomas cujo encargo pretende a Requerente ver subtraídas ao seu lucro tributável, poderão ser encaradas como uma espécie de norma antiabuso consensual, em que o legislador propõe ao contribuinte uma de três alternativas, a saber:
a) não deduzir a despesa;
b) deduzir mas pagar a tributação autónoma, dispensando-se, quer a si quer à Administração Tributária, de discutir a questão da empresarialidade da despesa;
c) provar a empresarialidade integral da despesa, e deduzi-la integralmente, não suportando a tributação autónoma.
O reconhecimento desta natureza presuntiva das tributações autónomas em causa nos autos, nos termos acima expostos, será, para além de tudo o mais, uma salvaguarda da sua constitucionalidade, na medida em que estará garantida quer a possibilidade da respetiva dedução integral pelo contribuinte, quer a sua não dedução, consoante o lado para o qual a presunção que lhes está subjacente seja, concretamente e em cada caso, infirmada, assim se assegurando, devidamente, a conformidade do regime legal em questão com os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, que seriam desnecessária (e, ocasionalmente, como é o caso, desproporcionalmente) truncados, pela estatuição de uma presunção inilidível da parcialidade da afectação empresarial das despesas em questão.”
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Cumpre agora aferir se, em concreto, a presunção da norma do artigo 88º nº 3 alínea a) e nº 7 na redacção de 2010 - actual artigo 88º nº 7 do CIRC, foi, ou não, ilidida.
Basta ler o que diz o Relatório de Inspecção (RI) para se verificar que a AT, considera, desde sempre, que quanto às despesas aqui em causa, o contribuinte fez, antes da elaboração do relatório, a prova da sua “empresarialidade integral”, o que se retira do que é referido a folhas 32:
“Assim, considerando ainda que a promoção dos referidos eventos proporciona não só a realização de vendas no decurso dos mesmos como, seguramente, potencia a sua concretização no futuro, em resultado da forte imagem que, seguramente, deixa em todos os convidados, dada a grandiosidade daqueles, … é inquestionável que aqueles custos/gastos suportados são comprovadamente indispensáveis à obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto, pelo que estes são aceites como gastos fiscais, nos termos do nº 1 do artigo 23º do Código do IRC e, desde logo dedutíveis na determinação do resultado tributável”.
Aliás, esta constatação, resultará certamente da junção que a Requerente fez dos diversos documentos titulando as despesas conforme Documentos I, primeira, segunda e terceira partes, junto com o pedido de pronúncia e que na altura foram certamente facultados aos inspectores tributários como se retira do relatório da inspecção.
Se dúvidas existissem, na própria fundamentação da decisão que indeferiu a reclamação graciosa, diz-se (vidé terceira lauda do Documento VI junto com o pedido de pronúncia): “Pela IT ao ser aceite integralmente a “empresarialidade” das despesas em causa é que as sujeita a tributação autónoma por se encontrarem dentro do ratio juris dos nºs 3 e 7 do artigo 88º do CIRC”.
No caso em apreço, a realização dos eventos, segundo se retira dos factos provados, constituiu uma forma agressiva de potenciar vendas, aumentar o lucro da empresa, aumentando ou mantendo a quota de mercado, como o referiu a primeira testemunha ouvida neste processo.
Ou seja, em termos comuns, estes custos com eventos, com aparência de grandiosidade, encerraram uma estratégica de vendas e promoção de produtos em antecipação à Feira Anual dos concorrentes, tendente a obter maiores lucros e fidelizar distribuidores, aumentando potencialmente os lucros no momento e no futuro. Ou sejam, configuram, para um cidadão comum, verdadeiras estratégias de publicidade e propaganda da empresa e dos seus produtos.
No caso concreto, inexistem quaisquer dúvidas quanto ao resultado dos eventos, como se afirma no RI, ao nível da projecção dos produtos da empresa e dos seus lucros.
Também aqui haverá que verificar se, de facto, esses eventos, para lá de qualquer dúvida razoável, ocorreram em contexto exclusivamente empresarial.
Face aos factos dados como provados, haverá, então, que considerar que, no caso, é isso que acontece. No fundo e em substância, estas despesas suportadas com os eventos em causa, corporizam uma forma “sui generis” de fazer publicidade da empresa e dos seus produtos. E reconhecidamente, por parte da Inspecção Tributária, com resultados positivos para o futuro da empresa.
Será de recordar que a primeira testemunha ouvida, profissional de engenharia do ramo, referiu que num evento poderia a empresa “ganhar” 300 000,00 euros com a realização de vendas e encomendas. E que as receitas dos mesmos cobriam as despesas suportadas.
A este respeito veja-se o que refere o RI (página 41 – Documento nº III junto com o pedido de pronúncia):
“De facto o volume de vendas directamente decorrente dos referidos eventos será pouco significativo face ao volume de vendas total da empresa, sendo, no entanto, indiscutivelmente importante para criar uma imagem nos seus clientes, … e desta forma também, naturalmente, poderá acabar por potenciar vendas”.
Ou seja, a IT configura os gastos nos eventos como “indiscutivelmente importante para criar uma imagem nos seus clientes”, considerando-os, implicitamente, gastos equivalentes aos das campanhas publicitárias.
Discorda-se da asserção “volume de vendas directamente decorrente dos referidos eventos será pouco significativo face ao volume de vendas total da empresa”, na medida em que, este apuramento em concreto, que assim seria determinante, poderia demonstrar, se e em que medida, a realização daquelas despesas aumentou (ou não) o lucro tributável em IRC e, por isso, aumentou (ou não) o próprio IRC a pagar e em que medida. O que seria o efeito prático típico de gastos com campanhas publicitárias e poderia, com alguma facilidade de raciocínio, considerar-se que os custos suportados com os “eventos” tiveram, pelo menos, um efeito prático idêntico aos de qualquer campanha publicitária com sucesso junto do público-alvo.
Os principais clientes da Requerente, que certamente foram convidados e estiveram presentes nos eventos, constam do RI (vidé página 13 do documento nº III em anexo ao pedido de pronúncia): “I…, J…; K… e L…”. Para além destes clientes poderia obter-se informação de outros que tenham estado nos eventos, e, através de informações cruzadas seria curial que se apurasse do efeito prático dos custos na relação directa com o aumento das vendas e dos lucros da empresa Requerente, com repercussões implícitas no aumento da receita fiscal, para além da dinamização da economia.
Uma das observações que a AT coloca – segundo se refere em ss) do Relatório desta decisão – é no sentido de que os eventos tiveram um carácter pontual e não ocorrem desde 2012. Mas não há razões para tal observação. Como é do conhecimento geral e a primeira testemunha explicou (que o sector caíu 70% - da construção de 120 000 fogos para 7 000), a crise económica portuguesa afectou sobretudo o mercado imobiliário, razão pela qual, a Requerente e as empresas do sector, por racionalidade económica, não conseguiriam recuperar sequer os custos destas acções, muito menos potenciar os lucros, através do aumento das vendas. Ao tempo dos factos – ano de 2010 - não se sentiam ainda os efeitos da crise que o País atravessa.
Também refere a AT que os encargos suportados pela Requerente “têm um carácter de oferta de bens e serviços”. No entanto, não vemos justificação para essa observação, sendo que no Relatório da Inspecção Tributária, como acima se expressou, se considerou de forma diferente.
Neste contexto, conclui-se, então, que será de considerar ilidida a presunção do artigo 88º nº 3 alínea a) e nº 7 na redacção de 2010 - actual artigo 88º nº 7 do CIRC, pelo que, demonstrando-se que as despesas sobre as quais incidiu a tributação autónoma em questão no presente processo arbitral têm um afectação 100% empresarial, não deverão as mesmas ser objecto de incidência daquela tributação.
Face ao exposto, deverá a presente acção arbitral ser julgada procedente e, consequentemente, a liquidação de objecto do presente processo ser anulada, nos termos peticionados.
Questões de conhecimento prejudicado
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto ao vício de ilegalidade referido, que assegura eficaz tutela dos direitos do Requerente, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento do terceiro fundamento invocado para a ilegalidade da liquidação, vertido nas alíneas ee) a gg) do Relatório desta decisão.
Tendo em conta que consta da resposta da AT: “Se o Tribunal sufragar o entendimento da Requerente com vista à elisão de uma pretendida presunção legal, então estaremos perante uma interpretação materialmente inconstitucional das normas em apreço por violação princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstracção, decorrentes do princípio da legalidade e também enquanto instrumentos da igualdade fiscal, e portanto, igualmente por violação do princípio da igualdade tributária, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto no artigo 13º e no artigo 103º da CRP”, considera-se que não se formula qualquer questão concreta de constitucionalidade que gere para este Tribunal uma obrigação de pronúncia, na medida em que se trata de uma mera formulação genérica de um suposto entendimento não concretizado, onde não se indica, para além do mais, qual a específica norma ou segmento normativo a cuja interpretação se refere, nem como, em que medida e porquê a suposta interpretação apresentada pela Requerente viola cada uma das normas constitucionais que arrola.
Juros indemnizatórios
Provou-se que “a Requerente veio a pagar no dia 18.11.2013, dentro do prazo de pagamento voluntário, o montante de € 57.566,02, ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social (“RERD”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro” evitando o pagamento de juros moratórios e custas em sede de processo de execução fiscal.
O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Como resulta do teor literal desta norma, o direito a juros indemnizatórios depende de «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso, a Requerente suportou € 57.566,02, pelo que a anulação da liquidação, para além do dever de reembolso, pode acarretar o pagamento de juros indemnizatórios, caso tenha ocorrido erro imputável aos serviços da AT na liquidação.
O nº 2 do artigo 43º da LGT refere que se considera haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
Foi o caso, o contribuinte pagou a dívida liquidada no âmbito de uma notificação que lhe foi feita pela AT (o que é equivalente a uma orientação genérica da AT), em dissonância com a posição da Requerente.
A ilegalidade da decisão adoptada em sede de recurso hierárquico também é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT desde a data em que efectuou o pagamento em causa, até reembolso.
V. DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos:
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Julga-se procedente o pedido de anulação da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico que tomou o nº …2015…, indeferido por despacho proferido pela Exma. Senhora Directora de Serviços do IRC, em 22 de Outubro de 2015, e notificado em 4 de Novembro de 2015 pelo ofício … de 03.11.2015 e bem assim o acto de liquidação de IRC n.º 2013 … e a demonstração de acerto de contas n.º 2013…, de onde resultou um IRC a pagar no valor global de € 62.593,97, considerando que o valor pago foi apenas o montante de € 57.566,02, ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social (“RERD”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro;
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Anulam-se a liquidação e o despacho referidos;
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Julga-se procedente o pedido de condenação da AT no reembolso do montante de € 57.566,02, valor efectivamente pago, condenando-se a Requerida a proceder ao respectivo reembolso.
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Julga-se procedente o pedido de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios quanto ao montante pago de € 57 566,02, contados desde 18.11.2013 e até integral reembolso (emissão de nota de crédito).
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Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 57 566,02 euros.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 2 142,00 € segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 25 de Julho de 2016
Tribunal Arbitral Singular (TAS),
Augusto Vieira
Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.