Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 32/2016-T
Data da decisão: 2016-07-29  IRC  
Valor do pedido: € 3.319,33
Tema: IRC- Competência material do tribunal arbitral; precedência de reclamação graciosa; art. 131.º do CPPT
Versão em PDF

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

            I – Relatório

 

            1.1. A…, Lda., sociedade comercial por quotas registada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o n.º…, com sede na…, Lote…, …, …-… …(doravante designada por «requerente»), tendo sido notificada do acto tributário de liquidação de IRC n.º 2015…, apresentou, a 25/1/2016, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista obter a “declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.º 2015 … e a consequente devolução do imposto e juros compensatórios indevidamente liquidados, tudo no montante de €3319,33”.

 

            1.2. Em 7/4/2016 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos e para os efeitos do mencionado artigo. A AT apresentou a sua resposta (e o Processo Administrativo) em 5/5/2016, tendo argumentado, em síntese, a total improcedência do pedido da requerente. Na mencionada resposta, invocou, também, a “incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC”.

 

            1.4. A ora requerente, notificada da resposta da AT, respondeu, por escrito, à excepção invocada, em requerimento de 24/6/2016, o qual foi notificado à requerida.

           

            1.5. Considerando que a requerente já se tinha pronunciado, por escrito, a respeito da excepção invocada, o presente Tribunal considerou, ao abrigo do artigo 16.º, al. c), do RJAT, dispensável a reunião do art. 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse para decisão, tendo fixado a data de 29/7/2016 para a prolação da mesma.

 

            1.6. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

            1.7. No seu pedido de pronúncia, a requerente invoca a ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.º 2015…, por entender, em síntese, que: a) “o artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (na redacção dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31.12, com entrada em vigor em 01.01.2008 – anterior artigo 39.º-B) não condiciona a concessão do benefício fiscal à criação de postos de trabalho, sendo que [...] o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03, visa apenas estabelecer as normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas desse incentivo, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 7, do EBF”; b) “o referido Decreto-Lei não estabelece como condição de acesso às entidades beneficiárias ou das suas respectivas obrigações a manter um mínimo de postos de trabalho, para poder usufruir do benefício”; c) “os elementos previstos no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 não podem ser interpretados como condições obrigatórias, ou seja, não está no artigo 43.º do EBF, nem tão pouco na letra da lei do mencionado artigo 2.º, n.º 2, que seja condição obrigatória para usufruir do benefício, que o sujeito passivo tenha na área geográfica a sua sede e direção efetiva, e que disponha igualmente nessa área de 75% da massa salarial, ou mesmo que disponha de massa salarial”; d) “não estando previsto no artigo 43.º do EBF, o requisito de possuir massa salarial por parte do sujeito passivo, não pode ser interpretado o artigo 2.º, n.º 2, como um novo requisito de acesso ao benefício, mas sim como uma norma de boa execução, que presume determinado comportamento do sujeito passivo, de modo a existir essa boa execução e evitar abuso de direito”; e) “a Requerente não é entidade empregadora, nem precisa de o ser, para usufruir da redução da taxa do art. 43.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Benefícios Fiscais”; f) “a Requerente instalou-se em … e aí desenvolve a sua atividade principal. É em … que a Requerente tem a sua sede fiscal e efetiva. Para prestação dos serviços médicos, a Requerente tem colaboradores externos, nomeadamente médicos e enfermeiros residente na cidade de …, que consigo colaboram nas cirurgias e que procedem à emissão do correspondente recibo à Requerente. Resulta, assim, que a Requerente desenvolve, inequivocamente, a sua atividade principal em … (área geográfica beneficiária), de acordo com o objectivo previsto no artigo 43.º do EBF, e da interpretação e análise do objectivo do referido benefício. Estando assim cumpridos todos os requisitos para que seja concedido à requerente o benefício previsto no artigo 43.º do EBF.”

           

            1.8. Conclui a ora requerente que “deve o presente pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2015…, ser considerado procedente por provado e, consequentemente, ser ordenada a devolução do imposto e juros compensatórios indevidamente liquidados, tudo no montante de €3319,33”. 

 

            1.9. Por seu lado, a AT alega, na sua contestação, e em síntese, que: a) se verifica “a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral” porque “os litígios que tenham por objecto a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT”; b) “o direito ao benefício fiscal consignado no artigo 43.º do EBF está dependente da verificação de pressupostos cuja definição não se compreende na regra mais geral contida neste normativo [Lei n.º 53-A/2006]”. Assim, “sem a regulamentação que especifique e concretize os restantes pressupostos de que depende o benefício ali consignado em termos genéricos, não é tão pouco admissível falar de um qualquer direito a um benefício fiscal, uma vez que os pressupostos de que depende esse direito ainda não se encontram instituídos”; c) “a Requerente defende que lhes seja aplicável o artigo 43.º, n.º 1, b), do EBF, mas já não o seu n.º 7. Não pode a Requerente querer beneficiar apenas de uma parte do regime jurídico estabelecido pelo artigo 43.º do EBF”; d) “é o próprio legislador que decide manter em vigor a exigência da manutenção de mais de 75% da massa salarial na área beneficiária, condição que já se encontrava expressamente prevista no artigo 7.º, n.º 4, da Lei n.º 171/99. Pelo que, se a Requerente defende que lhe é aplicável a alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF, também tem que se sujeitar ao estabelecido no Decreto-Lei n.º 55/2008”; e) “resulta claro dos normativos legais aplicáveis que as empresas só poderão usufruir de tal benefício se exercerem a sua actividade principal numa das áreas beneficiárias. E só se considera que exercem a sua actividade principal numa dessas áreas se: a) aí tiverem a sua sede ou direcção efectiva; e b) aí fixarem mais de 75% da respectiva massa salarial”; f) “não podemos interpretar o n.º 1 do artigo 43.º do EBF como concedendo os benefícios fiscais em causa a todas as empresas, bastando que as mesmas exerçam uma qualquer actividade natureza comercial, industrial ou agrícola, sem mais”; g) “[não procede] o vício de violação do princípio da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República conforme invocado pela Requerente”. 

  

            1.10. Conclui a AT que “devem ser julgadas procedentes as supra invocadas excepções, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida da instância; ou caso assim não se entenda, deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de autoliquidação de IRC, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida dos pedidos.”

 

            1.11. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2015…/…, foi determinada uma acção inspectiva interna à requerente, realizada pela Direcção de Finanças de … (cfr. PA). Da referida acção inspectiva resultou a correcção colocada em causa, relativa ao período de 2013 (vd. RIT junto com o PA). O montante apurado de correcção ao imposto no ano de 2013 foi de €3114,47 (vd. RIT), acrescido de juros compensatórios.

 

            1.12. A requerente procedeu à regularização voluntária, tendo apresentado declaração de substituição de rendimento Modelo 22, referente ao ano de 2013, corrigindo o valor da colecta. A substituição da referida declaração ocorreu a 5/8/2015, conforme consta do RIT.

 

            1.13. Da entrega da mencionada declaração de substituição de rendimento Modelo 22, referente ao ano de 2013, resultou a autoliquidação de IRC aqui em causa.

 

            1.14. Em 25/1/2016, a requerente veio apresentar o presente pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, tendo em vista, em síntese, obter a “declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.º 2015 … e a consequente devolução do imposto e juros compensatórios indevidamente liquidados, tudo no montante de €3319,33”.

  

            II – Da Excepção de Incompetência em Razão da Matéria

 

            Tendo em consideração que foi invocada pela AT a excepção supra referida, justifica-se, previamente, a apreciação da mesma (considerando também, para tal efeito, a resposta da requerente de 24/6/2016): i.e., saber se o Tribunal é materialmente incompetente por o pedido em causa não ter sido precedido de reclamação graciosa nos termos do disposto no art. 131.º do CPPT.

 

            Assim sendo, o presente Tribunal deve começar por averiguar se o litígio ora em causa cabe no âmbito da sua competência material, nos termos definidos pelo disposto no art. 2.º, al. a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3.

            De acordo com o Preâmbulo do RJAT, o âmbito de competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD encontra-se perfeitamente delimitado. Foram, nesse sentido, fixadas “com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral”.

 

            Assim, o citado preâmbulo refere que se encontram abrangidas “pela competência dos tribunais arbitrais, a apreciação da declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e os de pagamentos por conta, a declaração de ilegalidade de atos de determinação de matéria tributável, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais e, bem assim, a apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projeto de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão anteriormente referida.”

 

            Em concreto, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD surge no art. 2.º, n.º 1, do RJAT, nos seguintes termos:

  

Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

 

1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de determinação da matéria tributável, de atos de determinação da matéria coletável, de atos de fixação de valores patrimoniais;

c) A apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projeto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegura a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior.

 

            Note-se, também, que a competência dos tribunais arbitrais é limitada pelos termos em que a Administração Tributária e Aduaneira (AT) expressou a sua vontade de se vincular àquela jurisdição, o que fez através da atrás referida Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3. Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, a vinculação da AT à jurisdição arbitral depende de aceitação, a qual fixará os limites dessa vinculação:

 

Artigo 4.º

Vinculação de funcionamento

 

1 – A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. 

 

            Ora, nos termos do disposto na al. a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 – artigo pelo qual a AT se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD –, excluem-se, de forma expressa, do âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

 

            A este propósito, ver, por ex., a Decisão Arbitral (DA) n.º 236/2013-T, de 22/4/2014: “o Dec.-Lei que institui a arbitragem em matéria tributária, contém uma previsão de ampla arbitragem das matérias tributárias. Esta previsão não tem operacionalidade imediata, pois fica condicionada à vinculação da AT. Trata-se de uma reserva da Administração. Compete à Administração, representada pelos Ministros da Justiça e das Finanças, e só a ela, fixar por ato unilateral os limites dessa vinculação. A vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais é objeto de uma limitação concreta: são expressamente excepcionadas da arbitragem as pretensões que decorram de alegada ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta, exceto se sua ilegalidade tiver sido previamente suscitada, nos termos dos arts. 131.º e ss. do CPPT.”

 

            Ainda segundo a citada DA, “deve partir-se da previsão ampla do Decreto-Lei, sem dúvida querida pelo legislador, mas deverá ter-se igualmente presente que, também por vontade do legislador, foi conferida à AT a faculdade de introduzir uma ou mais restrições genéricas (gerais e abstractas) ao âmbito de aplicabilidade da arbitragem. E deverá assim constatar-se que, nesse contexto e por iniciativa da AT, a referida Portaria exclui da arbitragem, de modo expresso, todas as pretensões conexas com atos de «autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta», para depois admitir apenas aquelas pretensões que tenham sido precedidos[as] de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

 

            Assim, e para melhor dilucidação, veja-se o que dispõem os aqui pertinentes n.os 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, na redacção aplicável ao presente caso:

 

Artigo 131.º

Impugnação em caso de autoliquidação

 

1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração.

 

3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º.

 

            Tendo presente este enquadramento, alega a requerente, na sua resposta de 24/6/2016, que “o sujeito passivo [procedeu] à regularização voluntária da situação de acordo com as avançadas correcções da AT, mediante a apresentação de declaração de substituição de rendimentos Modelo 22 referente ao ano de 2012, assim corrigindo o valor da coleta. Assim, sendo este o caso em que a AT, ora Requerida, já tomou posição sobre a autoliquidação do imposto – através de ato tributário de correção dos valores declarados pelo contribuinte – não se está perante situação que exija nova intervenção da administração tributária antes da colocação do problema ao tribunal, isto é, não se está perante situação que exija prévia reclamação nos termos do artigo 131.º do CPPT.” Por esta razão, a ora requerente entende que, no caso em apreço, não assiste qualquer razão à Requerida.

 

            No entanto, em face do que refere, por ex., o seguinte aresto do STA, não é de acolher a argumentação da requerente: “A imposição de reclamação graciosa prévia resultante do art. 131.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário, nos casos de autoliquidação em que a administração não tomou posição sobre a situação gerada com o acto do contribuinte, não viola os princípios constitucionais da tutela efectiva e da impugnabilidade contenciosa de actos administrativos nem o artigo 95.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária. [...]. [...] a autoliquidação é a liquidação de um tributo que não é feita pela Administração Tributária, mas pelo sujeito passivo, seja ele o contribuinte directo, o substituto legal ou o responsável legal. Como se sublinha no Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. IV, págs. 406 e 407, face ao conceito de acto administrativo adoptado pelo art. 120.º do CPA, que, embora previsto para esse código tem de ser aplicado por analogia, «tem de se concluir que nos casos de autoliquidação não se está perante um acto administrativo por não existir qualquer tomada de posição da administração sobre a sua relação com o contribuinte, na situação concreta gerada por este ao autoliquidar o tributo». Ainda a propósito da necessidade de reclamação prévia nos casos de autoliquidação esclarece Joaquim Freitas da Rocha, nas suas Lições de Procedimento e Processo Tributário, 4.ª edição, pág. 224: «Parece que se pode encontrar um argumento convincente na ideia de que, nestas situações, em rigor, ainda não existe propriamente um conflito de pretensões entre o credor tributário e o sujeito passivo que justifique a entrada em cena de um órgão jurisdicional. Com efeito, até ao momento da autoliquidação, se as coisas decorrerem de acordo com a normalidade, a Administração ainda não manifestou por forma alguma a sua vontade e, consequentemente, ainda nada fez que possa eventualmente lesar o contribuinte. Assim sendo, justifica-se que, antes de ingressar em Tribunal, esta questão mereça uma apreciação por parte daquela e, porventura, a liquidação feita seja alvo de uma correcção que satisfaça as pretensões do interessado».” (Acórdão do STA de 27/6/2012, proc. 982/11). [Itálicos nossos.]

 

            Ora, pela leitura dos presentes autos, verifica-se que houve: i) uma correcção à colecta de IRC do período de 2013, no valor de €3114,48; ii) a regularização voluntária por parte da requerente, apresentando esta declaração de substituição corrigindo o valor da colecta; iii) a autoliquidação de IRC, aqui em causa, em resultado da entrega da mencionada declaração. Daqui decorre, claramente, que não houve “qualquer tomada de posição da administração sobre a sua relação com o contribuinte, na situação concreta gerada por este ao autoliquidar o tributo” nem houve, previamente ao presente pedido colocado em sede arbitral, (reclamação graciosa por parte da requerente visando) a apreciação da autoliquidação por parte da AT.   

 

            Alega, ainda, a ora requerente, na sua resposta, que, “por outro lado, dispõe o n.º 3 do art. 131.º, que quando o fundamento da impugnação seja exclusivamente matéria de direito, o que é manifestamente o caso, e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com as orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia”. Contudo, se é certo que – como assinala a ora requerente – o fundamento da impugnação aqui em causa é exclusivamente de direito, não se verifica (nem a requerente demonstrou) que a presente autoliquidação tenha sido efectuada de acordo com as orientações genéricas da AT (cf. art. 55.º do CPPT e art. 68.º-A da LGT).

 

Face ao acima exposto, não se mostrando possível a submissão à arbitragem de litígio relativo às pretensões a que alude o disposto no artigo 2.º (objecto de vinculação) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, por este não ter sido precedido de (necessária) reclamação graciosa, afigura-se inquestionável a incompetência em razão da matéria do presente Tribunal Arbitral.

 

            Assim sendo, conclui-se que este Tribunal é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º e 2.º, al. a), da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.os 1 e 2, do CPC, ex vi art. 2.º, al. e), do CPPT, e artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT, a qual obsta ao conhecimento do pedido e conduz à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, al. a), do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT.

 

            Nestes termos, julga-se procedente a excepção de incompetência deduzida pela AT, pelo que se absolve a Requerida da instância, ficando, assim, prejudicado o conhecimento da questão de mérito e demais questões conexas.

 

 

***

 

            III – Decisão

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar procedente a excepção dilatória da incompetência deste tribunal em razão da matéria invocada pela Requerida.

            - Absolver a Requerida da instância (artigos 96.º e 278.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

 

Fixa-se o valor do processo em €3319,33 (três mil trezentos e dezanove euros e trinta e três cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da Requerente, no montante de €612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, dada a excepção supra assinalada, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 29 de Julho de 2016.

 

 

O Árbitro

 

 

     

(Miguel Patrício)

 

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.