DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1. A…, residente na Rua …, …, em …, França, contribuinte nº…, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração da ilegalidade da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das pessoas singulares (IRS) nº 2015…, referente ao ano de 2014, no montante de €7.505,06, pretendendo a sua anulação. Esta liquidação encontra-se devidamente identificada e junta aos autos, bem assim como o respetivo comprovativo de pagamento.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 14-12-2015, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 22-12-2015. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 05-02-2015, a ora signatária como juiz árbitro.
2. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 22-02-2016. Em 29-02-2016 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.
Em 04-04-2016, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta acompanhada do processo administrativo (PA), que se dão por integralmente reproduzidos.
Em 22-04-2016, foi proferido despacho arbitral para as partes se pronunciarem sobre a possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, dado que as questões suscitadas pelas partes se configuram como questões exclusivamente de direito, não havendo produção de prova a considerar, podendo o processo prosseguir para alegações e decisão final. A requerida AT pronunciou-se favoravelmente, por requerimento junto aos autos em 03-05-2016. A requerente não se pronunciou. Nesta conformidade, o tribunal arbitral decidiu, por despacho proferido em 19-05-2016, dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, por desnecessária, e fixou o prazo de quinze dias para as partes apresentarem, querendo, as suas alegações por escrito. No mesmo despacho foi fixada como data provável para a prolação da decisão arbitral o dia 27 de junho de 2016, a qual foi prorrogada por mais trinta dias, conforme despacho arbitral de 27 de junho de 2016.
Foi, ainda, notificada a Requerente para efetuar o pagamento da taxa arbitral subsequente até à data indicada para prolação da decisão arbitral.
A Requerida juntou alegações em 07-06.2016. A Requerente não alegou.
B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:
3. A Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade da liquidação de IRS supra identificada, considerando que o artigo 43º, nº 2 do CIRS, ao estabelecer um regime diferenciado para tributação das mais-valias realizadas por residentes e não residentes em território nacional, estabelece uma discriminação inaceitável à luz do disposto no artigo 56º do Tratado da União Europeia, quando aplicado a residentes noutro estado membro que realizem mais-valias decorrentes da alienação de imóveis situados em Portugal.
A questão de direito objeto do presente pedido é a de saber se no caso de mais-valias obtidas por pessoa singular não residente em Portugal, geradas pela alienação de imóvel localizada em Portugal, a tributação é feita sobre 50% dessas mais-valias, por aplicação do artigo 43º, nº 2 do CIRS.
Ora, o artigo 43º, nº 2 do CIRS, ao estabelecer que a tributação sobre mais-valias imobiliárias é feita apenas sobre metade de tais mais-valias, estabelece que esse regime se refere às “transmissões efetuadas por residentes”, estabelecendo um regime diferenciado entre residentes e não residentes. Esta questão assume uma particular relevância, quando estejam em causa, residentes num Estado-membro da União Europeia, e foi já objeto de apreciação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, pelo Supremo Tribunal Administrativo e por decisões arbitrais do CAAD.
Assim, o Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão de 11/10/2007, Processo C-443/06, veio considerar que o artigo 43º, nº 2 do CIRS, ao estabelecer um regime diferenciado para os residentes em Portugal e para as residentes noutros Estados da União Europeia, violava o artigo 56º do Tratado da Comunidade Europeia.
No mesmo sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 22/3/2011, Processo nº 1031/10 e de 30/4/2013, Processo nº 01374/12. Também o CAAD já se pronunciou, no mesmo sentido nos Processos nºs 45/2012-T e 127/2012-T.
Assim, entende a Requerente que a liquidação impugnada é ilegal, porquanto tem a sua origem na aplicação do disposto no artigo 43º, nº2 do CIRS, do qual resultou no caso concreto a não aplicação da taxa de IRS em causa a metade da mais-valia, já que a Requerente é residente noutro Estado da União Europeia (França).
C – A RESPOSTA DA REQUERIDA
4. A Requerida AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual pugna pela manutenção na ordem jurídica do ato impugnado por corresponder a uma correta aplicação do direito à realidade material controvertida. Alega, em síntese que, é necessário fazer uma leitura conjugada dos preceitos em causa 43º, nº2 do CIRS, 56º e 57º, 63º e 65º do Tratado, à luz da proibição genérica de não discriminação contida no artigo 18º do TFUE.
Alega que não se verifica, in casu, violação da liberdade de circulação de capitais, por força do tratamento alegadamente discriminatório conferido aos rendimentos provenientes de mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, tributados em 50%, quando obtidos por residentes, e em 100% quando obtidos por não residentes. Resulta do artigo 65.º do TFUE uma limitação à liberdade de circulação de capitais, permitindo aos Estados-membros distinguir entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar onde o seu capital é investido.
O facto de os titulares dos rendimentos de capitais (mais-valias) serem residentes ou não em Portugal coloca-os em situação objetivamente diferente, não pelo simples facto de se encontrarem em situação de diferente residência, mas sim, pelo que tal representa em termos do regime fiscal a que se encontram sujeitos.
Assim, reconhece a AT que tratando-se de sujeitos passivos residentes, o saldo positivo apurado relativamente às mais-valias - que são de englobamento obrigatório - releva para efeitos de tributação às taxas gerais de IRS, em apenas 50% do seu valor. De acordo com o disposto no nº1, do artigo 15.º do CIRS, sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. Ou seja, decorre inequivocamente do regime tributário acabado de explicitar que os sujeitos passivos residentes e não residentes não de encontram, de modo algum, em situação idêntica, do ponto de vista da tributação anual dos seus rendimentos, em sede de IRS. No caso dos autos, a Requerente, tratando-se, como se trata, de sujeito passivo não residente, e não optando este pela tributação como residente, a liquidação foi-lhe efetuada de acordo com o disposto no artigo 72°, nº 1, do CIRS, que determina a aplicação de uma taxa proporcional de 25% ao valor das mais-valias realizadas, no caso com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Alega, ainda, a AT que foi a ora Requerente que pretendeu a tributação pelo regime geral, e não a opção pelas taxas gerais do artigo 68.º do CIRS - relativamente aos rendimentos sujeitos a retenção liberatória - artigo 72.º, n.º 7 do CIRS escolheu, de forma livre e consciente, a tributação descrita, em traços gerais, no artigo anterior. Regime de opção este que teve (e tem) como efeito uma neutralização do eventual tratamento discriminatório conferido aos não residentes em Portugal face aos residentes, em matéria de tributação de mais-valias em caso de alienação de direitos reais sobre bens imóveis.
Conclui pugnando pela legalidade da liquidação de IRS impugnada e pela improcedência do pedido arbitral.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
5. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, n.º1, alínea a) do RJAT.
6. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
7. O processo não padece de vícios que o invalidem.
8. Tendo em conta o a prova documental junta aos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.
III – Matéria de facto
A) Factos Provados
9. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
a) A Requerente reside em …, França, pelo que é não residente em Portugal, o que releva em sede de aplicação da lei fiscal;
b) No Modelo 3, referente ao IRS de 2014, foi declarada essa condição de não residente à Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do documento nº2 junto pela Requerente;
c) Na liquidação de IRS de 2014, efetuada pela AT, está indicado o nome do representante fiscal, bem assim como a residência em Portugal desse representante fiscal, para a qual foi remetida a referida liquidação;
d) Na Declaração Modelo 3, referente ao ano de 2014, foram declarados dois tipos de rendimentos obtidos: Rendimento de Pensões (categoria H) e mais-valias (categoria G).
e) As referidas mais-valias foram geradas pela alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (cfr. documento nº 3 junto aos autos pela Requerente);
f) A liquidação efetuada pela AT, incidiu apenas sobre a mais-valia e não sobre as pensões, as quais, por serem pagas por entidade localizada em Portugal, já eram tributadas em IRS em Portugal, por retenção na fonte a título definitivo;
g) A liquidação efetuada pela AT incidiu sobre a totalidade da mais-valia obtida pela requerente, no valor de €26.793,05.
h) A Requerente pagou o valor da liquidação de imposto impugnada, como resulta do respetivo comprovativo junto aos autos pela Requerente.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
10. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
11. Os factos supra descritos foram dados como provados com base na prova documental que as partes juntaram ao presente processo. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.
IV – DO DIREITO: fundamentação da decisão de mérito
12. Fixada a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente.
Nos presentes autos está em causa aferir se, no caso de mais-valias resultantes da alienação de bens imóveis, o regime diferenciado de tributação aplicável a residentes e a não residentes no território nacional, resultante do CIRS. Na verdade, o legislador introduziu no CIRS uma limitação da incidência de imposto, para os residentes, a qual onera apenas 50% do saldo das mais-valias. A questão é a de saber se, a não aplicação deste princípio aos não residentes, quando residam noutro Estado membro da UE, nos exatos termos em que está previsto para os residentes, configura uma situação de discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais, inadmissível à luz do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
A principal questão a decidir é, assim, a de saber se a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, no artigo 43º, nº2 do CIRS, para residentes e não residentes em território nacional, da base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é ou não incompatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. A questão coloca-se, naturalmente, para os não residentes em Portugal que residam noutro Estado membro da UE, por força da proibição de discriminação, quer da proibição genérica, tal como resulta do disposto no artigo 18º do Tratado, quer da proibição de qualquer restrição (direta ou indireta) à liberdade de circulação de capitais, por força de tal discriminação se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes.
No caso em apreciação nos presentes autos, ficou provado que a AT considerou, para efeitos de determinação do rendimento coletável e consequente liquidação do IRS à Requerente, não residente em Portugal mas na França, ou seja, num outro Estado-Membro da União Europeia, a totalidade da mais-valia realizada na alienação de um imóvel.
Ou seja, no caso dos presentes autos foi declinada a aplicação do regime preceituado no n.º 2, do artigo 43.º do Código do IRS, segundo o qual:
“O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor”. (sublinhado nosso)
Entende a AT, que tal disciplina apenas é aplicável a residentes em território nacional, em consonância, com o elemento literal da norma e com as especificidades do regime interno de tributação das pessoas singulares, vigente em Portugal, assente no princípio do englobamento e da progressividade.
13. Conforme alega a Requerente, a questão em apreço foi já apreciada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no Acórdão, de 11 de Outubro de 2007, proferido no processo C-443/06, designado por “Acórdão Hollmann”.
Na sequência deste Acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) português concluiu que “o n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, (…) que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.”
A Jurisprudência invocada pela Requerente não é questionada pela AT, embora defenda uma outra interpretação, por considerar que a introdução, pela Lei de Orçamento de Estado para 2008 (Lei n.º 67-A/2007 de 31 de dezembro) da possibilidade de opção do não residente pela tributação de acordo com as taxas previstas no artigo 68º do CIRS, embora nesse caso, sejam considerados todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora do território nacional. Este regime, constante do artigo 72º do CIRS, repõe a igualdade de tratamento entre residentes e não residentes, pelo que, do ponto de vista da AT, qualquer discriminação estaria dirimida. De notar que os nºs 9 e 10 do artigo 72º do CIRS foram introduzidos com a LOE para 2008.
Assim, constata-se que, para além do regime geral que se manteve idêntico, o legislador nacional instituiu, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, posterior à jurisprudência do Acórdão Hollmann, um regime de opção, alegadamente, para equiparação dos não residentes aos residentes, com o objetivo de obviar ao tratamento diferenciado dos não residentes comunitários e do espaço económico europeu que realizem mais-valias imobiliárias em Portugal.
14. Chegados aqui, importará aferir se com esta alteração estará dirimida a causa que está na origem do tratamento discriminatório entre residentes e não residentes, quando estes últimos sejam residentes em algum estado da UE.
O princípio da não discriminação, previsto no Tratado, é um princípio fundamental na construção da União Europeia, imperativo desde a constituição do projeto europeu, e deve ser lido como imposição de tratamento igual entre cidadãos europeus, independentemente da sua nacionalidade ou residência. Este princípio está, aliás, bem sedimentado na jurisprudência do Tribunal de Justiça, que ao longo das últimas décadas o vem afirmando com clareza e determinação.[1]
Também a jurisprudência do STA[2] tem vindo a ser firme nas decisões proferidas nesta matéria, bem assim como a jurisprudência arbitral já proferida nesta matéria[3].
Neste enquadramento, não oferece dúvidas que o disposto no nº2, do artigo 43º do CIRS constitui, objetivamente, uma discriminação de tratamento entre residentes e não residentes. A própria AT, entidade requerida, nos presentes autos, está consciente dessa discriminação, como se retira da análise dos articulados juntos aos autos.
Não obstante, alega a AT, que a introdução da opção pela tributação ao abrigo do regime geral das taxas previstas no artigo 68º do CIRS, repõe a necessária igualdade de tratamento, bastando para tal que o sujeito passivo opte pela tributação nesses termos. Daqui conclui que, se existiu discriminação no caso dos presentes autos, tal se deveu exclusivamente à decisão da Requerente, por não ter exercido a opção legal ao seu dispor.
Será assim?
Segundo a AT, esta opção de equiparação, a que se refere a AT, permite aos não residentes em Portugal mas residentes em algum dos Estados membros da UE, a opção pela tributação desses rendimentos em condições similares às aplicáveis aos residentes em Portugal, eliminando qualquer discriminação.
Se assim fosse, porque não teria optado o legislador português pela pura e simples eliminação da referência aos “residentes”, no texto do artigo 43º, nº 2 do CIRS, com os ajustamentos eventualmente necessários?
15. É entendimento deste Tribunal arbitral que a solução adotada pelo legislador português não garante, como alega a AT, a eliminação da discriminação resultante do disposto no nº2, do artigo 43º.
Dispõem os n.ºs 8 e 9 do artigo 72.º do Código do IRS (versão introduzida pela Lei nº 66-B/2012 de 31 de dezembro – LOE para 2013):
“8 – Os rendimentos previstos nos nºs 4 a 7podem ser englobados por opção dos respetivos titulares residentes em território português.
9- Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nos n.ºs 1 e 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português
10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”
Sobre a aplicação exclusiva a residentes em Portugal do limite da incidência de IRS a 50% das mais-valias imobiliárias, prevista no n.º 2 do artigo 43.º do respetivo Código, e a sua desconformidade com o disposto no artigo 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia (atual artigo 63.º do TFUE), já se pronunciou o TJUE no mencionado Acórdão Hollmann.
A questão em apreciação deve ter em conta, ainda, os princípios do primado do direito europeu e da prevalência da interpretação do TJUE sobre o direito de fonte comunitária, como aliás resulta do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Neste enquadramento, diga-se que a jurisprudência Hollmann, proferida pelo TJUE concluiu que a norma nacional, contida no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, viola o artigo 63.º do TJUE (antigo art. 56º do TUE), por revestir carácter discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritiva da liberdade de circulação de capitais entre Estados membros. Esta interpretação é, pois, inequívoca e clara.
A decisão proferida, no supracitado Acórdão, assenta nos seguintes tópicos argumentativos:
“- Uma operação de liquidação de um investimento imobiliário constitui um movimento de capitais, prevendo o Tratado uma norma específica que proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais;
- No caso de venda de um bem imóvel sito em Portugal, ocorrendo a realização de mais-valias, os não residentes ficam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que é aplicada a residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos;
- Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% sobre a totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%;
- Este regime torna a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado;
- A discriminação da norma nacional não é justificável pelo objectivo de evitar penalizar os residentes (que se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas que podem ser muito superiores e são tributados sobre uma base mundial, ao contrário dos não residentes, que são tributados à taxa proporcional de 25%, não ocorrendo o englobamento), porque, como acima salientado, sendo o escalão mais elevado 42% conduz sempre, nas mesmas condições, a uma tributação mais gravosa do não residente, tendo em conta a redução a 50% do rendimento colectável do residente, não existindo, objectivamente, nenhuma diferença que justifique esta desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias, entre as duas categorias de sujeitos passivos.”
Como se refere nas decisões arbitrais nº 45/2012-T e 127/2012-T, considerando o disposto no artigo 43º, nº2 do CIRS, deparamo-nos, com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Resta saber se a opção de equiparação, introduzida no sistema tributário português, após a prolação do Acórdão Hollmann, constante dos n.ºs 8 a 10 do artigo 72.º do Código do IRS, vigentes à data do facto tributário, permite afastar o juízo de discriminação do TJUE sobre a previsão restritiva do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS a sujeitos passivos residentes.
Desde logo, há que registar que a solução introduzida pelo legislador para contornar a discriminação contida na supra mencionada norma nacional, fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes. A isto acresce um outro reparo que resulta da complexidade de funcionamento do imposto, agravado pela “opção pelo englobamento” de todos os rendimentos obtidos no outro país, para além de outras questões relevantes associadas ao princípio da territorialidade previsto artigo 15º do CIRS, às condições de pessoalização do imposto e à progressividade do imposto, dificilmente compatível com uma adequada consideração dos valores auferidos noutro estado membro, no estado atual do direito comunitário.
Dito de outro modo, a AT não demonstrou (nem conseguiria) que a opção pelo englobamento, como forma de equiparação, tal qual foi introduzida nos nºs 8ª 10 do artigo 72º do CIRS, seja suficiente para excluir a discriminação em causa.
Acresce, como dissemos supra, que sempre ficaria a dúvida de sobre a razão que levou o legislador a não optar pela via da eliminação direta da discriminação contida na norma do artigo 43º, nº2 do CIRS. Alega a AT que a solução adotada no artigo 72º, nºs 8 a 10 bastante, porquanto também para os residentes em território português, estes rendimentos estão sujeitos ao englobamento. Ora, tal argumento não parece adequado porquanto não leva em linha de conta todas as outras condições de tributação inerentes ao funcionamento de um imposto com as características do imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares e evidencia uma intenção de tributação em função dos rendimentos auferidos no outro país (quando englobados) bem sabendo que se trata de realidades incomparáveis, facilmente falseadas por toda uma realidade de base que escapa à soberania fiscal do estado português.
Não temos dúvida que a solução adotada pelo legislador português não elimina o caráter discriminatório no tratamento de residentes e não residentes, em matéria de mais-valias decorrentes de alienação de imóveis.
16. Neste sentido, impõe-se a referência a um outro Acórdão do TJUE, no qual o Tribunal se pronunciou sobre questão semelhante à que resulta nos presentes autos, quanto à apreciação da opção introduzida pelo legislador português. Assim, se pronunciou o TJUE, no Acórdão, de 18 de Março de 2010, proferido no processo C-440/08, designado por “Acórdão Gielen”, numa situação idêntica à que agora apreciamos, com a única diferença de que neste processo estava em causa a violação do artigo 49.º e não a do artigo 63.º do TFUE.
Ora, neste Acórdão salienta o TJUE que “a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório”.
Considera, ainda, o TJUE no mesmo Acórdão que tal opção não é passível de excluir todos os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais, acrescentando que “o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório.”
Concluiu, por isso, o TJUE que “o Tratado se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes”.[4]
17. Como bem se refere na Decisão arbitral nº45/2012-T, as consequências do que se deixa exposto, em conformidade com a jurisprudência do TJUE supra referida, pode eventualmente resultar numa tributação mais favorável das mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes em Portugal, que residam na União Europeia, do que por residentes, pois, para além de beneficiarem de igual modo da redução a 50% da base de incidência de IRS, são sujeitos a uma taxa única de 25%, que será, na maioria dos casos, inferior às taxas progressivas dos residentes, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, a que acresce o facto de estes últimos terem de englobar todos os seus rendimentos. Porém, esta é uma consequência da fiscalidade direta ser um domínio da competência dos Estados membros, cabendo a estes resolver no plano interno este tipo de discrepâncias. Uma coisa é certa e incontornável, no atual estádio do Direito Comunitário, não se vislumbra um princípio ou norma que impeça a discriminação positiva dos não residentes face aos residentes, mas é clara a proibição de discriminação dos não residentes, nos termos supra explanados.
18. Este entendimento é, ainda, o sufragado pelo STA, como se extrai da jurisprudência do Acórdão de 22 de Março de 2011, proferida no processo n.º 1031/10, que anulou o ato de liquidação emitida pela AT, que “perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido (como aliás sempre sucede no IRS): à taxa prevista para os não residentes (25%, nos termos do artigo 72.º n.º 1 do Código do IRS) e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS), assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. n.º 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56.º do TJCE (actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), sujeitando deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário.”.
19. Nesta conformidade, a liquidação impugnada afigura-se ilegal, por incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, na parte em que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal, com a sua consequente anulação.
Em face do exposto, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando a liquidações de IRS impugnada.
V - Quanto a Juros indemnizatórios:
20. Cumula a Requerente, com o pedido anulatório da liquidação, o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
Face à procedência do pedido anulatório, deverá ser restituída a quantia paga indevidamente pela Requerente, relativamente ao ato tributário anulado. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos atos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à AT, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil, à taxa legal em vigor.
Acresce que, de harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária, a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT), que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que nas suas competências se compreendem os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
21. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação impugnado, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.
Assim, deverá a AT dar execução à presente decisão arbitral, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo à Requerente o montante pago acrescido de juros indemnizatórios, os quais são devidos desde a data do pagamento efetuado até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT).
VI - DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular o ato tributário objeto dos presentes autos e condenar a AT a restituir à Requerente o valor de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, a contar da data em que foi efetuado o pagamento.
b) Condenar a AT nas custas do processo, no montante de €612,00.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 7.505,06, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de julho de 2016
O Tribunal Arbitral Singular,
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(Prof. Doutora Maria do Rosário Anjos)
[1] Neste sentido, cfr., entre outros, Acórdão TJUE de 11-07-2007, Proc. C-443/06 – Ac. “Hollman”. Também o Acórdão TJUE de 12-06-2003, Proc. C-234/01 – Ac.“Gerritse”, havia afirmado idêntico entendimento, ao afirmar que aferir da existência ou não de discriminação incompatível com o direito da EU, implica aferir se a diferença de tratamento se traduz na aplicação de uma tributação efetiva mais elevada sobre os não residentes.
[2] Neste sentido, cfr. Acórdão do STA, de 16-01- 2008, proc. n.º 439/06, referente à aplicação do princípio contido no artigo 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia (TCE), correspondente ao atual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). No mesmo sentido, cfr. Acórdãos recentes, de 27-11-2013 e de 14-05-2014, respetivamente, proc. nº 0654/13 e 01319/13. Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Decisões arbitrais nºs 45/2012 – T; 127/2012-T, disponíveis in www.caad.pt.
[4] Cfr. Pontos 49 a 55 do Acórdão Gielen – Ac TJUE de 18/03/2010, Proc. C 440/08.