Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 5/2016-T
Data da decisão: 2016-07-27  IRC  
Valor do pedido: € 63.599,28
Tema: IRC – Tributações Autónomas, SIFIDE e RFAI
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), Paulo Nogueira da Costa (Vogal) e João Pedro Dâmaso (Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidiram o seguinte:

 

I.       RELATÓRIO

 

1.1.       A…– Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., pessoa colectiva n.º…, com sede na…, n.º … – Lugar…, …-… …, concelho de …, com o capital social de € 15.000.000,00,  (doravante designada por “Requerente”), estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de…, sociedade dominante e responsável pela autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) do grupo fiscal (Grupo Fiscal B…) ao qual, no período de tributação de 2012, foi aplicável o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), e que era composto por si e pelas sociedades:

§  C…, S.A.;

§  D…, S.A.;

§  E…, Lda.;

§  F…, Lda.;

§  G…, S.A.;

§  H…, S.A.;

§  I…, S.A.;

§  J…, Lda.;

§  K…, S.A.; e

§  L…, S.A.,

 

apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.       A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral Coletivo se digne declarar a ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação de tributações autónomas em IRC do ano de 2012, bem como declarar a ilegalidade da autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, do Grupo Fiscal B…, relativa ao exercício de 2012, no que respeita ao montante de taxas de tributação autónoma em IRC de € 63.599,28, com a sua consequente anulação nesta parte por afastamento indevido das deduções à colecta, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à requerente da referida quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, desde 24 de Junho de 2013.

 

1.3.       Subsidiariamente, no caso de o Tribunal entender que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, a Requerente pede a declaração da ilegalidade e consequente anulação da liquidação das tributações autónomas e reembolso do montante de € 63.599,28, acrescido de juros indemnizatórios contados desde 24 de Junho de 2013.

 

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo foi aceite, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e de imediato notificado à Requerida, em 07 de janeiro de 2016.

 

1.4.    Dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, foram os signatários designados como árbitros, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Em 07 de março de 2016, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

1.6.    Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 22 de fevereiro de 2016.

 

1.7. No Requerimento Arbitral, por si oferecido, a Requerente invocou, em síntese, o seguinte:

 

a)      Os atos objecto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral são o indeferimento da reclamação graciosa supra identificada e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), o acto de autoliquidação de IRC do grupo fiscal B… relativo ao exercício de 2012, na medida correspondente à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma de incentivos fiscais em IRC do benefício fiscal apurado no âmbito do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento – (“RFAI”) – e do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial – (“SIFIDE”) ou, subsidiariamente, na medida em que é indevida a liquidação de tributação autónoma; 

b)      Pretende-se submeter à apreciação do Tribunal Arbitral (i) a legalidade deste indeferimento da reclamação graciosa, na medida em que desatende o reconhecimento da ilegalidade (por afastamento indevido de dedução à colecta ou, subsidiariamente, por pura e simples liquidação indevida da tributação autónoma) daquela parte da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2012 do grupo fiscal B… e, bem assim, (ii) a legalidade daquela parte da autoliquidação de IRC referente a este exercício de 2012, mais especificamente ilegalidade no que respeita ao montante de € 63.599,28.

c)      Entregou no dia 30 de Maio de 2013 a declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2012 do seu grupo fiscal, sendo que apresentou ainda declaração de substituição, tendo apurado um montante de tributações autónomas em IRC de € 63.599,28 (Docs. n.ºs 1 e 2);

d)     Na referida declaração de rendimentos, o grupo fiscal apurou um montante de imposto a pagar de € 136.858,34, que se encontra pago, o qual resulta do reembolso a que tinha direito de retenções na fonte suportadas no montante de € 78.353,56, do apuramento de tributações autónomas em IRC no montante de € 63.599,28, de derrama municipal de € 66.615,75 e derrama estadual de € 84.996,87 (Doc. n.º 5);

e)      O sistema informático da AT revela anomalias consubstanciadas no assinalar de divergências (“erros”) que impedem que a requerente inscreva o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC expurgado, i.e., deduzido, dentro das forças da colecta de IRC resultante da aplicação destas taxas, (i) quer dos montantes de beneficio fiscal reconhecido às empresas do grupo fiscal ao abrigo do SIFIDE , na modalidade de crédito de imposto dedutível à colecta de IRC, (ii) quer dos montantes de benefício fiscal reconhecido às empresas do grupo fiscal ao abrigo do RFAI, o que resultou num excesso de imposto pago por referência ao exercício fiscal de 2012, aqui em causa;

f)       O montante de SIFIDE, atribuído/obtido, disponível para utilização no final do exercício de 2012 ascendia a € 1.245.366,66, conforme certificação acompanhada de Declarações da Comissão Certificadora do SIFIDE (Doc. n.º 6);

g)      Em sede de RFAI subsiste um montante acumulado por deduzir à colecta de IRC que ascendia em 2012 a € 1.045.549,94, conforme certificação e respectivo detalhe em anexo (Doc. n.º 7);

h)      O grupo fiscal dispõe de créditos de IRC para abate à respectiva colecta em montante muito superior à colecta das tributações autónomas em IRC do exercício de 2012, colecta esta que, como se referiu atrás, ascendeu a € 63.599,28, sendo que esse abate (que o sistema informático da AT não permite) se deve fazer começando pelos benefícios fiscais adquiridos há mais tempo, seguindo-se a ordem de dedução prevista na lei;

i)        A AT não apura nem apurou o lucro tributável do grupo fiscal B… e respectivas sociedades por métodos indirectos: ele foi apurado nos termos normais, via apresentação da modelo 22 (Docs. n.ºs 1 e 2);

j)        As empresas integrantes do grupo fiscal na origem do SIFIDE e do RFAI não são e não eram então entidades devedoras ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições (cfr. certidões que se juntam como Doc. n.º 8, e artigos 5.º, alínea a) e 6.º, n.º 2, segunda parte, da Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto);

k)      Os créditos de IRC por SIFIDE e RFAI são mais do que suficientes para compensar, através da sua utilização, a colecta da tributação autónoma em IRC do exercício de 2012 aqui em causa;

l)        A questão que se pretende ver esclarecida é: tem ou não o grupo fiscal B… o direito de proceder à dedução, também à colecta de IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, dos referidos SIFIDE e RFAI?

m)    Tendo em conta a esmagadora jurisprudência arbitral que hoje qualifica as tributações autónomas como IRC, a requerente absolutamente nada vê na lei que afaste o abate destes créditos de IRC por SIFIDE e por RFAI, também à parte da colecta de IRC produzida pelas tributações autónomas;

n)      Do mesmo modo que a jurisprudência tem entendido, de modo praticamente unânime, que a colecta de IRC prevista no (em vigor até 2013) artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, compreende, sem necessidade de qualquer especificação adicional, a colecta das tributações autónomas em IRC, se há-de também entender que a colecta do IRC prevista no mesmo código uns metros mais à frente (artigo 90.º, n.º 1, e n.º 2, alíneas b) e c), do CIRC, na redacção em vigor em 2013) abrange também a colecta das tributações autónomas em IRC;

o)      A negação da dedução do SIFIDE e do RFAI à colecta em IRC das tributações autónomas viola as alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC (anteriormente a 2010, artigo 83.º; e desde 2014 passaram a ser as alíneas c) e d) do referido n.º 2 do artigo 90.º do CIRC);

p)      Sendo entendido por todos quantos contam (AT e tribunais) que a tributação autónoma é IRC (e é porque o é que se lhe aplica o artigo 90.º do CIRC, dirigido exclusivamente ao IRC e a nenhum outro imposto), seja indiferente se a norma de benefício se refere ao que se apura em aplicação do artigo 90.º do CIRC (e portanto indirecta, mas necessariamente, ao IRC), como é o caso do SIFIDE e do RFAI;

q)      Quanto à possibilidade de abater crédito fiscal por benefício fiscal (SIFIDE) à colecta das tributações autónomas, pronunciou-se recentemente a Direcção de Serviços do IRC (“DSIRC”) a pedido de um (outro) contribuinte, tendo então afastado as deduções à colecta das tributações autónomas apenas no que respeita aos créditos de imposto por dupla tributação internacional (Doc. n.º 13);

r)       Quando haja grupo fiscal, como sucede no caso, o entendimento da AT é o de que o que releva nas tributações autónomas é a perspectiva do grupo fiscal como um todo, por oposição à perspectiva das sociedades que o integram individualmente consideradas (cfr. o ponto 6 do Doc. n.º 14 que aqui se junta);

s)       Tem sido sistematicamente decidido pelos tribunais tributários, no caso na modalidade de tribunais arbitrais, que as tributações autónomas são IRC, daí se retirando como consequência que se lhes aplicam normas dirigidas ao IRC como a referente à não consideração da colecta do IRC para o cômputo do lucro tributável em IRC (artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, em vigor até 2013);

t)       A AT, em sede de reclamação graciosa respeitante à dedução do SIFIDE e do RFAI à colecta de IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma (IRC, conforme entendimento, em sintonia, da AT e dos tribunais), não faz qualquer referência a essas decisões arbitrais e respectivas conclusões;

u)      A jurisprudência arbitral fundamentou a sua conclusão com a ideia que se segue, na qual aliás se apoiou e apoia também a DSIRC: as tributações autónomas respeitantes, pelo menos, a encargos com viaturas, ajudas de custo e despesas de representação (as aqui em causa – cfr. Doc. n.º 11), são um substituto (ou complemento) da indedutibilidade dos custos em IRC, donde a natureza de IRC da colecta produzida por estas tributações autónomas;

v)      É com base nesta conclusão, assim fundamentada, que a jurisprudência concluiu que por ser colecta de IRC a colecta produzida por estas tributações autónomas estava, por isso mesmo, sujeita ao regime previsto para a colecta do IRC na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC (na redacção em vigor até 2013): indedutibilidade desta colecta na operação de cômputo do lucro tributável.

w)    Pela mesma razão deve, coerentemente, concluir-se que a colecta de IRC constituída por estas tributações autónomas está disponível, a par da restante colecta do IRC, na operação das deduções à colecta previstas no artigo 90.º do CIRC, entre as quais se encontra a dedução do SIFIDE e do RFAI.

x)      Como pode a AT no indeferimento da reclamação graciosa dizer que pelo facto de o artigo 90.º do CIRC não mencionar as tributações autónomas, a sua colecta estaria fora das deduções aí previstas (páginas 8 e 9 do Doc. n.º 15), se justamente não mencionando também a alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC as tributações autónomas, isso não impediu a mesma AT (e dezenas de decisões arbitrais) de concluir que a sua colecta estava lá incluída?

y)      Não se diga também, como faz a AT (cfr. § 5 e ss, página 8, e página 9, do Doc. n.º 15), que não haveria suporte legal no artigo 90.º do CIRC para efectuar as deduções à colecta do IRC aí previstas, no que respeita à colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma;

z)      Com efeito (e isto é uma evidência), sendo pressuposto indiscutível para a AT e para os tribunais, que com as taxas de tributação autónoma está em causa IRC, por que razão se sente a AT habilitada a dizer que deixam de o ser quando o CIRC se refere à colecta do IRC no seu artigo 90.º?

aa)   E, relacionado com este ponto, não têm as tributações autónomas também a sua matéria colectável, definida na respectiva norma de incidência, constante do CIRC? Sim. Como a AT (fugindo-lhe a boca para a verdade) reconhece (e lhe chama isso mesmo) no § 7, da página 8 da sua fundamentação (Doc. n.º 15): “(…) o legislador no CIRC refere-se de modo expresso às tributações autónomas apenas em cinco artigos, nomeadamente (…) no artº 88º (ao estabelecer as taxas e ao delimitar a matéria colectável das tributações autónomas) (…)” (sublinhado nosso).

bb)   Em que é que, então, a referência à matéria colectável no dito artigo 90.º do CIRC, afasta colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma em IRC?

cc)   Se a AT entende que naquele artigo 90.º do CIRC não está incluída a colecta de IRC resultante das tributações autónomas (apurada nos termos do artigo 88.º), mas apenas a colecta de IRC resultante do lucro tributável (apurada nos termos do artigo 87.º), sempre teria que se concluir na mesma que, afinal, a liquidação da própria tributação autónoma é, em si mesma, ilegal, por força quer do artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da Lei Geral Tributária, quer do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.” (artigo 103.º, n.º 3, da Constituição; sublinhado nosso).

dd) E por força desta ilegalidade, sempre terá então de ser anulada, agora com base nesta outra razão, as liquidações de tributação autónoma aqui em causa.

ee)   Num cenário em que, apesar de todos os argumentos expostos acima, se entenda não ser possível efectuar a dedução dos benefícios fiscais disponíveis para utilização aos montantes devidos a título de tributações autónomas, argumentando que, apesar de na sua essência as tributações autónomas serem IRC, a sua liquidação não tem enquadramento na norma de liquidação do IRC consagrada no artigo 90.º do Código do IRC (o que apenas como mera hipótese teórica se concebe), então a requerente solicita que, a título subsidiário, seja anulada a sua autoliquidação do período de tributação de 2012, na parcela correspondente às tributações autónomas, e que ascende a € 63.599,28, respectivamente, pelo facto de a mesma ter sido liquidada e cobrada sem base legal para o efeito.

ff)    A requerente pagou imposto em montante superior ao legalmente devido (cfr. Docs. n.ºs 1 e 5), pelo que, declarada a ilegalidade das (auto)liquidações na parte aqui peticionada, a requerente tem direito não só ao respectivo reembolso, mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), a juros indemnizatórios. Juros estes calculados sobre € 63.599,28 indevidamente pagos em 24 de Junho de 2013 (cfr. Doc. n.º 5), contados desde esta data.

gg)  Acresce que o erro de que padece a (auto)liquidação contra a qual se reclama resulta de erro dos Serviços sobre os pressupostos de direito que condicionou informaticamente o preenchimento das declarações (Modelo 22) de autoliquidação, como supra se referiu.

hh)  Nestas circunstâncias – erro imputável aos Serviços – deverá ser reconhecido à requerente o direito a indemnização pelos prejuízos resultantes do pagamento de imposto em excesso nos montantes supra referidos.

ii)      Quer o indeferimento da reclamação graciosa supra melhor identificado, quer a autoliquidação de IRC (incluindo as suas taxas de tributação autónoma) respeitante ao exercício de 2012, padecem de vício material de violação de lei, porquanto não deve ser vedada a dedução do SIFIDE e do RFAI à parte da colecta de IRC correspondente às taxas de tributação autónoma, a começar pelo SIFIDE e pelo RFAI mais antigos. Nessa conformidade, deve: a) ser declarada a ilegalidade e anulado o indeferimento da reclamação graciosa na medida em que recusou a anulação da parte ilegal, nos termos que aqui se discutiram, da autoliquidação de IRC na parte produzida pelas taxas de tributação autónoma, do exercício de 2012, com isso violando o princípio da legalidade; b) ser declarada a ilegalidade desta autoliquidação (e ser consequentemente anulada), na parte correspondente ao montante de € 63.599,28; c) ser, consequentemente, reconhecido o direito ao reembolso deste montante e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado, contados, até integral reembolso, desde 24 de Junho de 2013; d) subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade da liquidação das tributações autónomas (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efectivação (cfr. artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT, e artigo 103.º, n.º 3, da CRP), com o consequente reembolso do mesmo montante de € 63.599,28 e o pagamento de juros indemnizatórios contados de 24 de Junho de 2013.

 

1.8. A AT apresentou resposta e juntou processo instrutor, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntesse, o seguinte:

 

a)      Para dirimir a questão controvertida no presente processo, importa começar por analisar a natureza jurídica das tributações autónomas e a sua articulação com as regras gerais do imposto em que se integram;

b)      As considerações tecidas pela jurisprudência e pela doutrina revelam que a figura das tributações autónomas tem sido instrumentalizada para a prossecução de objectivos diversos, que abarcam desde o originário propósito de evitar práticas de evasão e de fraude –, através de despesas confidenciais ou não documentadas, ou de pagamentos a entidades localizadas em jurisdições com regimes fiscais privilegiados, à substituição da tributação das vantagens acessórias sob a forma de despesas de representação ou de atribuição de viaturas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, na esfera dos respectivos beneficiários –, até à finalidade de prevenir o fenómeno designado por “lavagem de dividendos” (cfr. n.º 11 do art.º 88.º CIRC) ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos (cfr . n.º 13 do mesmo preceito).

c)      Reconhece-se, assim, que o caracter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspectos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC;

d)     A integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista[1], em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes. E isso, pois, num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria colectável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias colectáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC.

e)      Ao contrário do que é afirmado no ponto 9 da declaração de voto de vencido anexa à Decisão Arbitral proferida no processo n.º 697/2014-T, não há uma liquidação única de IRC[2], mas, antes dois apuramentos; Isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.

f)       Contrariamente, à conclusão redutora extraída desta afirmação de que “se lhes aplica igualmente a norma dirigida à colecta do IRC constante das alíneas b) e c) (actuais c) e d)) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, por não se vislumbrar obstáculo a tanto na sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis”, impõe-se que seja feito um exercício interpretativo em ordem a determinar se o regime das deduções da colecta do IRC, enquanto parte integrante do sistema-regra deste imposto e pré-existente à incorporação no respectivo das tributações autónomas, também se projecta nas (múltiplas) colectas destas tributações.

g)      Convém clarificar que a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto: (1) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e (2) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.

h)      Donde resulta que o montante apurado nos termos do alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime- regra do imposto.

i)        Quando se trata das deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, pretende a  Requerente – ancorando-se, salvo o devido respeito, numa leitura simplista e descontextualizada deste normativo – que a expressão “montante apurado nos termos do número anterior” deve ser entendida como abrangendo o somatório do montante do IRC, apurado sobre a matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e às taxas previstas no art.º 87.º do mesmo Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no art.º 88.º. Ora, o resultado desta interpretação implicaria que, na base de cálculo dos pagamentos por conta definida no n.º 1 do art.º 105.º do Código do IRC – e em termos idênticos aos utilizados no n.º 2 do art.º 90.º, a saber: «Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º (…)» –, fossem incluídas as tributações autónomas. Com efeito, para a base de cálculo dos pagamentos por conta apenas é considerada o IRC apurado com base na matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do art.º 87.º do respectivo Código.

j)        Em boa lógica, só faz sentido concluir que a respectiva base de cálculo corresponda ao montante da colecta do IRC resultante da matéria colectável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo. Assim sendo, a delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, “montante apurado nos termos do número anterior”, e no n.º 1 do art.º 105.º do CIRC, “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º”, deve ser feita de forma coerente. O que equivale a dizer que corresponde ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art.º 87.º à matéria colectável determinada com base no lucro e nas taxas do art.º 87.º do Código

k)      Também, para as deduções à colecta a título de benefícios fiscais, o montante ao qual são efectuadas só pode respeitar ao imposto liquidado com base na matéria colectável, determinada com base nas regras do capítulo III e das taxas previstas no art.º 87.º do CIRC. Isso, sob pena de uma incongruência resultante da subversão da necessária interligação que, no plano material, deve existir entre os objectivos prosseguidos pelos benefícios e a própria grandeza representada pelo lucro.

l)        Começando pela dedução relativa a benefícios fiscais (alínea b) do n.º 2 do art.º 90.º), quando se trata de benefícios ao investimento – como é o caso do RFAI  e SIFIDE -, tem subjacente a filosofia[3] de que o benefício constitui um prémio cuja amplitude varia com rendibilidade dos investimentos, pois, quanto mais elevado foi o lucro/matéria colectável do IRC maior será a capacidade para efectuar a dedução. Verifica-se, portanto, uma ligação indissociável entre o montante do crédito de imposto por investimento e a parte da colecta do IRC calculada sobre a matéria colectável baseada no lucro e, a não ser assim, subverter-se-ia a necessária articulação que, no plano material, deve existir- entre os objectivos prosseguidos pelos benefícios fiscais e o seu impacto na própria grandeza que serve de base ao cálculo da matéria colectável e da colecta – o lucro.

m)    Para designar a mesma grandeza, tanto o n.º 1 do art.º 92.º como o n.º 1 do art.º 105.º do Código do IRC, referem-se ao “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º” e sobre o seu conteúdo, quer a AT, quer os contribuintes em geral, sempre reportaram os cálculos previstos nesses preceitos – resultado da liquidação e pagamentos por conta, respectivamente - à parte da colecta do IRC que tem por base a matéria colectável determinada como base no lucro.

n)      No respeitante à dedução do CFEI o próprio art.º 3.º, n.º 5, alínea a), da Lei n.º 49/2013, fornece uma resposta clarificadora, ao prescrever que «Aplicando -se o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução prevista no n.º 1: a) Efectua -se ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, com base na matéria colectável do grupo;». Ora, a matéria colectável do grupo, só pode ser a referida no n.º 1 do art.º 69.º “Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo.”, cujo cálculo  obedece, entre outras, às regras especiais  previstas nos artigos 70.º e 71.º, onde não se detecta qualquer interferência das tributações autónomas que, aliás, são determinadas autonomamente por cada sociedade pertencente ao grupo.

o)      Compulsadas a normas que regiam o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial[4], vulgo SIFIDE, nas circunstâncias de tempo que relevam para os presente autos, verificamos que decorre do artigo 4o (Âmbito da dedução) do diploma, em síntese, que os valores que traduzam o benefício fiscal em sede de SIFIDE são deduzidos "aos montantes apurados nos termos do artigo 90.0 do Código do IRC, e até à sua concorrência" e na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis e que, na falta ou insuficiência de colecta apurada nesses termos, as despesas que não possam ser deduzidas no exercício em que forem realizadas «poderão ser deduzidas até ao 6.° exercício imediato».

p)      Pois bem, a coleta a que se refere o artigo 90.° quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte (situação que ocorre nos autos), é apurada com base na matéria colectável que conste nessa liquidação/autoliquidação [cf. artigo 90.°, n.° 1, alínea a) do CIRC].

q)      Sendo o crédito em que se traduz o SIFIDE deduzido apenas à coleta assim apurada, ou seja, à coleta apurada com base na matéria colectável [é o disposto no artigo 5o, alínea a), da Lei reguladora do SIFIDE, impedindo esta expressamente que os créditos dele decorrente sejam deduzidos quando o lucro tributável seja determinado por métodos indiretos].

r)       Por seu turno, no que respeita ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), criado pelo art.º 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, e a sua vigência, em 2012, resultou da prorrogação feita pelo art.º 162.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30/11, os incentivos fiscais abrangidos pelo RFAI consistiam, nos termos da alínea

a) do n.º 1 do art.º 3.º, numa “Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos fiscais com finalidade regional: i) 20% do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de €5.000.000; ii) 10% do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a €5.000.000.”

s)       O n.º 2 do mesmo preceito dispunha que “A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2012.” e o n.º 3 previa que “Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.”

t)       É manifesto o carácter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspectos material e temporal dos factos geradores, os quais impõem, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC.

u)      É que, a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista[5], em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes.

v)      Ou seja, num (1) caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria colectável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código e, noutro (2) caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias colectáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC.

w)    Pelo que não há uma liquidação única de IRC[6], mas, antes dois apuramentos; i.e., existem dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.

x)      De onde decorre, irretorquivelmente, a impossibilidade de proceder a qualquer dedução dos créditos resultantes do SIFIDE à colecta produzida pelas tributações autónomas, sob pena de se subverter todo a teleologia que esteve presente na sua génese.

y)      Em síntese, não existe qualquer contradição entre a assimilação das tributações autónomas com o IRC, “para efeitos de procedimento e forma de liquidação e regras de pagamento (artigos 89.º e seguintes e 104.º do CIRC” afirmada, entre outras na decisão arbitral proferida no proc.º n.º 79/2014-T e o entendimento de que a liquidação efectuada nos termos do art.º 90.º, n.º 1, não é unitária, na medida em que comporta múltiplos apuramentos de imposto, por um lado, do imposto determinado com base na matéria colectável determinada nos termos do art.º 15.º, n.º 1, do Código do IRC e as taxas referidas no art.º 87.º, e, por outro, os apuramentos dos montantes de imposto resultantes da aplicação das diferentes taxas e das matérias tributáveis previstas no art.º 88.º.

z)      Não pode o sistema informático permitir ou consagrar o que a lei não dispõe, i.e., o sistema e as aplicações informáticas da AT deverão ser um mero reflexo dos preceitos legais em vigor em cada momento. Ora, como se demonstrou, não existe qualquer suporte legal, entendimento administrativo ou mesmo assiste qualquer razão à pretensão do Requerente, pelo que, carece absolutamente de sentido o entendimento propugnado pela mesma a este respeito.

aa)   Na situação dos autos, o apuramento do imposto foi efectuado pela Requerente, pelo que mesmo que fosse configurável a procedência do pedido quanto ao pagamento de juros – o que não é, já que improcedendo o pedido principal, terá forçosamente que improceder o pedido de juros – na situação em apreço nos autos, o seu cômputo teria como termo inicial a data em que ocorreu a da decisão que indeferiu a reclamação graciosa e, nunca, o momento indicado pela Requerente no seu pedido.

bb)  As tributações autónomas, ao arrepio do que vem escorado na douta jurisprudência arbitral e na argumentação da AT, pese embora se tratar de uma colecta em IRC, distingue-se por incidir não sobre os lucros mas, antes sim, sobre despesas incorridas pelo sujeito passivo ou por terceiros que com ele tenham relações.

cc)   Insista-se que em face da sua teleologia, as tributações autónomas, enquanto instrumento fiscal antiabusivo, esvaziar-se-iam de qualquer conteúdo prático-tributário na eventualidade de se acolher a tese defendida pela Requerente nos seus extensíssimos e prolixos excursos – o que apenas por mero exercício académico se concederia. Sob pena de se subverter os fins das tributações autónomas, ao conferir-lhes, com esta interpretação, um efeito nulo, em conformidade com o que a AT vem exaustivamente pugnando.

dd) Permitir devaneios interpretativos que redundariam na admissibilidade de dedução de benefícios fiscais, tais como SIFIDE’S, RFAI’s ou CFEI’s à colecta das tributações autónomas – à semelhança daquilo que a lei permite à colecta do IRC – como pretende a Requerente, amputa inexoravelmente as tributações autónomas naquilo que foram os princípios e fins em que assentou a sua criação pelo legislador.

ee)   As pretensões aduzidas assentam, com o devido respeito, numa construção fantasiosa e falaciosa sem qualquer sustentáculo legal, escorando-se numa qualquer tentativa forçada de interpretação ab-rogante do normativo vigente, termos em que fenecem in totum os argumentos esgrimidos pela Requerente.

ff)    Pelo que, respeitosamente considerando a douta jurisprudência arbitral arvorada pela Requerente (desconstruída e reconstruída ao sabor do seu ficcional ideário argumentativo), interpretar o normativo vigente para as tributações autónomas no sentido que se propugna na falácia acolhida e defendida por aquela, mais não é do que, repise-se à saciedade, uma interpretação ab-rogante travestida de impulso legiferante, podendo constituir, em última análise, uma violação ao princípio da separação de poderes.

gg)  Sempre se terá que chamar à colação, dissipando-se definitivamente a questão controvertida, o teor do Orçamento de Estado para 2016 que aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, atribuindo ao mesmo com carácter interpretativo, onde: «A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.»

hh)  Tal norma veio clarificar positivando, como se evidenciou supra, o entendimento e prática perfilhados pacificamente pela doutrina e pelos contribuintes em geral, os quais nunca foram postos em causa pela AT, pelo que qualquer interpretação dissonante será materialmente inconstitucional.

ii)      Adoptar a posição da Requerente, como supra referido, sempre teria como consequência lógica e inerente ao funcionamento do IRC que os valores apurados a título de tributações autónomas, se entendidos como integrantes duma colecta única – o que só por mero exercício académico se pode conceber – fossem tidos em conta no cálculo dos pagamentos por conta.

jj)      Deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

 

1.9-Notificada a Requerente para informar se mantinha interesse na inquirição das testemunhas por si arroladas, veio a mesma informar o Tribunal que prescindia da prova testemunhal.

 

1.10- Por despacho de 15 de abril de 2016, o Tribunal, não tendo sido invocadas exceções e não havendo lugar à produção de prova constituenda, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por força dos princípios da celeridade, simplificação e informalidade. Mais designou o dia 22 de setembro de 2016 como prazo limite para prolação da decisão arbitral. 

 

1.11-Em sede de alegações, Requerente e Requerida pugnaram, no essencial, pelas posições que sustentaram na petição inicial e na resposta, respectivamente.

 

***

 II.     SANEAMENTO

 

2.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

2.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

2.3.    O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

2.4.    Não foram suscitadas quaisquer exceções de que cumpra conhecer.

 

2.5.    Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

***

III. MÉRITO

 

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1.     Factos provados

 

        Julgam-se provados os seguintes factos:

 

a)      Em 30 de Maio de 2013 a ora requerente procedeu à apresentação da declaração de IRC Modelo 22 do seu grupo fiscal referente ao exercício de 2012, sendo que apresentou ainda declaração de substituição, em 25 de Janeiro de 2014, com referência ao período de tributação de 2012 (Docs n.ºs 1 e 2), tendo nesse momento procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desse mesmo ano de 2012, no montante de € 63.599,28 (Docs. n.ºs 1 e 2);

b)      Em 29 de maio de 2015 a requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida autoliquidação respeitante ao exercício de 2012 (Doc. n.º 3);

c)      Em 14 de Outubro de 2015 foi a requerente notificada do indeferimento da supra referida reclamação graciosa (cfr. Doc. n.º 4);

d)     Na referida declaração de rendimentos, o grupo fiscal apurou um montante de imposto a pagar de € 136.858,34, que foi pago em 24 de junho de 2013, o qual resulta do reembolso a que tinha direito de retenções na fonte suportadas no montante de € 78.353,56, do apuramento de tributações autónomas em IRC no montante de € 63.599,28, de derrama municipal de € 66.615,75 e derrama estadual de € 84.996,87. (Doc. n.º 5);

e)      Ao imposto resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma em IRC o sistema informático da AT assinala divergências (“erros”) que impediram que a requerente inscrevesse o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC;

f)       O montante de SIFIDE, atribuído/obtido, disponível para utilização no final do exercício de 2012 ascendia a € 1.245.366,66 (Doc. n.º 6);

g)      Em sede de RFAI subsiste um montante acumulado por deduzir à colecta de IRC que ascendia em 2012 a € 1.045.549,94, conforme certificação e respectivo detalhe em anexo que aqui se junta como (Doc. n.º 7);

h)      A AT não apurou o lucro tributável do grupo fiscal B… e respetivas sociedades por métodos indirectos (Docs. n.ºs 1 e 2);

i)        As empresas integrantes do grupo fiscal na origem do SIFIDE e do RFAI não são e não eram então entidades devedoras ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições (Doc. n.º 8).

 

§2 . Motivação quanto à matéria de facto

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas partes em sede de facto e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes, bem como na análise do processo administrativo.

 

III.2.  MATÉRIA DE DIREITO

 

A questão central a decidir, tal como colocada pela Requerente, está em saber se as autoliquidações de IRC (incluindo as suas taxas de tributação autónoma) relativas ao exercício de 2012, padece do vício material de violação de lei, objeto de impugnação porquanto, segundo entende, não deve ser vedada a dedução do SIFIDE e do RFAI à parte da coleta de IRC correspondente às taxas de tributação autónoma.

  Segundo a argumentação da Requerente, a coleta do IRC abrange também a coleta das tributações autónomas em IRC. Alega ainda a Requerente que, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então subsidiariamente ser declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas (e serem consequentemente anuladas) por ausência de base legal para a sua efetivação, com base no artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT e artigo 103.º, n.º3, da CRP.  

  A resposta ao problema colocado pressupõe, desde logo, que se analise a natureza da figura das tributações autónomas com vista a averiguar se o seu regime jurídico é compaginável com a pretensão da Requerente.

 

Vejamos.

 

III.2.1. A natureza das tributações autónomas

 

As tributações autónomas foram criadas pelo artigo 4.º do Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de junho, que teve por objeto a introdução de alterações ao CIRC, conforme resulta do respetivo preâmbulo. Este Decreto-Lei concretizou a autorização legislativa conferida ao Governo pelo n.º 3 do artigo 25.º da Lei n.º 101/89, de 29 de dezembro, cuja epígrafe é “Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC)”.

Dos diplomas referidos, em particular da lei de autorização, não resulta qualquer indício de que o legislador pretendesse criar um novo imposto. Pelo contrário o que é evidenciado é a intenção de o legislador introduzir ajustamentos à tributação do rendimento das empresas.

Com a aprovação da Lei nº 30-G/2000, de 29 de dezembro, que teve por objeto a “reforma da tributação do rendimento”, foi revogado o Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de junho, tendo sido aditado ao CIRC o artigo 69.º-A, sob a epígrafe “Taxa de tributação autónoma”, a qual indicia que estamos perante a aplicação de uma taxa, em sede de IRC, distinta das taxas gerais previstas no artigo 69.º. Note-se que a epígrafe refere “taxa de tributação autónoma”[7] e não “tributações autónomas”, o que evidencia que o que o legislador pretendeu foi prever um taxa distinta das taxas gerais, para determinadas situações, aí descritas.

Daqui resulta que a expressa consagração das “taxas de tributação autónoma” foi feita em sede de reforma da tributação do rendimento, pelo que surgiria absolutamente descontextualizado e incoerente com o propósito do legislador criar um imposto sobre a despesa e, para cúmulo, não o identificar como tal e incluí-lo no CIRC. Mais, a inserção sistemática do novo preceito normativo é feita imediatamente a seguir ao preceito que prevê as taxas gerais, e não nos artigos finais do CIRC, o que seria lógico se se tratasse de um outro imposto conexo com o IRC, nem tampouco em sede de definição das regras de incidência.

Não existe assim qualquer indício que nos leve a admitir que no caso das “taxas de tributação autónoma” estamos perante um imposto (sobre a despesa?) distinto do IRC.

A norma contida no artigo 69.º-A introduzido pela Lei nº 30-G/2000, de 29 de dezembro, tal como sucede com a norma contida no artigo 88.º do CIRC em vigor à data dos factos no processo sub judice, não contém regras de incidência subjetiva, nem sobre liquidação e pagamento das tributações autónomas. Pense-se, a título de exemplo, na atual alínea a) do n.º 1 do artigo 88.º, que estabelece o seguinte: “As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos do artigo 23.º”. Se entendêssemos que estamos perante um preceito que cria um novo imposto, sempre teríamos que perguntar: quem é o sujeito passivo?; como é feita a liquidação?; quais são as regras de pagamento? Isto sem falar na questão que se prende com saber qual seria o pressuposto material de tributação que legitimaria um tal imposto.

As respostas hão de ser encontradas em sede de IRC. Note-se, em coerência com o que acabou de se dizer, que as “taxas de tributação autónoma” não originam sequer uma prestação de imposto que deva ser paga ao Estado. A aplicação das taxas de tributação autónoma reflete-se na coleta de IRC e é a prestação de IRC que, nos termos da lei, tem que ser paga pelo sujeito passivo. Tanto assim é que os pagamentos por conta a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 104º do CIRC também são dedutíveis ao valor apurado em sede de tributação autónoma, ou seja, são deduzidos no pagamento final do imposto ou descontados para efeitos de reembolso.

Distinta das “taxas de tributação autónoma” é, designadamente, a derrama estadual, prevista no artigo 87.º-A. A diferença começa por ser notada na própria epígrafe – “Derrama Estadual” e não “taxas de derrama estadual”, o que aponta para uma figura tributária distinta do IRC, embora com ele relacionado. Não se trata aqui de uma mera aplicação autónoma de uma taxa, distinta das taxas gerais. Para além disso, o artigo 87.º-A do CIRC prevê, de forma clara, a incidência subjetiva, a incidência objetiva, as taxas, e o procedimento de liquidação aplicável, resultando numa coleta distinta da do IRC, prevendo ainda a lei regras específicas sobre o pagamento da derrama estadual (artigo 104.º-A). Ora, nada disto sucede com as “taxas de tributação autónoma”.

A aplicação das taxas de tributação autónoma é feita no âmbito da liquidação do IRC, e o respetivo resultado reflete-se na coleta de IRC. A prestação fiscal a pagar ao Estado é a referente ao IRC.

De acordo com o artigo 104.º do CIRC, o pagamento deste imposto, faz-se por via dos pagamentos por conta, que em geral são três, não se destacando o pagamento das “tributações autónomas” relativamente ao pagamento do IRC. Para efeito de pagamento do IRC, é irrelevante se foram ou não aplicadas taxas de tributação autónoma.

Verifica-se que existe lugar a reembolso de IRC nos termos do número 2 do mesmo artigo 104.º do CIRC quando o «valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os n.ºs 2 e 4 do artigo 90.º, for negativo, pela importância resultante da soma do correspondente valor absoluto com o montante dos pagamentos por conta» ou «o valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os n.ºs 2 e 4 do artigo 90.º, não sendo negativo, for inferior ao valor dos pagamentos por conta, pela respectiva diferença». Ou seja, no caso de haver liquidação de IRC por tributação autónoma, o pagamento por conta de IRC, efectuado nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 104º do CIRC, também é dedutível neste apuramento.

Deste modo, também as regras de pagamento do IRC apontam para que as “tributações autónomas” integrem o IRC.

Mas se dúvida ainda houvesse, é o próprio legislador a reconhecer que as “tributações autónomas” são IRC quando, no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a) do CIRC se refere ao «IRC, incluindo as tributações autónomas, …». Note-se que esta alínea refere-se à não dedutibilidade de encargos com impostos que incidam sobre o rendimento (e não sobre a despesa).

Não se compreende, pelas razões expostas, que a tributação autónoma possa ser perspetivada como um imposto distinto do IRC. Simplesmente, não existe qualquer fundamento legal ou sequer qualquer indício que permita sustentar essa tese.

Tal como é referido no Acórdão Arbitral proferido no Processo n.º 79/2014-T, «ontologicamente, as tributações autónomas não se configuram como um tipo de imposto distinto do IRC».

Subscreve-se, também, o Acórdão Arbitral proferido no Processo n.º 95/2014-T, quando aí se afirma que «não compete ao julgador alterar por sua iniciativa a opção política e técnica do legislador em configurar este tipo de tributo como IRC, ainda que possa não concordar tecnicamente com a solução encontrada pelo legislador. Tal constituiria uma interpretação corretiva, consabidamente vedada pelo imperativo de obediência à lei».

Não sufragamos, por outros lado, a tese expressa nos recentes acórdãos do Tribunal Constitucional, a qual radica fundamentalmente na seguinte ideia: o IRC tributa rendimentos; as “taxas de tributação autónoma” traduzem-se na aplicação de taxas a certas despesas; logo, a tributação autónoma é um imposto distinto do IRC (cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 310/2012 e 465/2015)[8].

Com efeito, não basta que um preceito normativo preveja a aplicação de uma taxa a um determinado facto para concluirmos que estamos na presença de um imposto. Tal representaria um esvaziamento do conceito de imposto. Se aplicássemos esta conceção minimalista da figura do “imposto” à tributação do rendimento das pessoas singulares, que a Constituição impõe que seja una (artigo 104.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), conseguiríamos identificar 5 “impostos” distintos sobre o rendimento das pessoas singulares, embora formalmente incluídos no CIRS, tantos quantos os tipos de taxas aí previstas: (i) o próprio IRS, mediante a aplicação das taxas gerais do artigo 68.º, e ainda os “impostos” que corresponderiam à aplicação da taxa adicional de solidariedade (artigo 68.º-A do CIRS), das taxas liberatórias (artigo 71.º do CIRS), das taxas especiais (artigo 72.º do CIRS) e das taxas de tributação autónoma (artigo 73.º do CIRS). Isto para não falarmos do caso da sobretaxa (prevista na Lei do Orçamento, à margem do CIRS, portanto).

Um aspeto que parece causar algumas dificuldades no recorte da natureza das “taxas de tributação autónoma” é o facto de as mesmas incidirem sobre despesas, o que representaria um fator anómalo num quadro de tributação do rendimento. Nas palavras de Rui Duarte Morais, «[nas tributações autónomas] está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários»[9]. Naturalmente, partindo deste pressuposto, o Autor reconhece a dificuldade em «descortinar a natureza desta forma de tributação e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento»[10].

Entendemos, em sentido contrário, que as taxas de tributação autónoma não representam um imposto sobre a despesa, e, por essa razão, não se nos afigura de difícil compreensão a previsão da figura das “taxas de tributação autónoma” nos códigos de IRC e de IRS.

Vejamos.

O relevo da consideração das despesas em sede de IRC (e de IRS) resulta do princípio constitucional da tributação do rendimento real, o qual é um rendimento líquido. É essa a razão pela qual os gastos e perdas são considerados na determinação do lucro tributável em IRC (artigo 23.º do CIRC). Todavia, o legislador afasta expressamente a dedutibilidade de certos gastos, designadamente por razões que se prendem com a prevenção da evasão fiscal (artigo 23.º-A). Mas nalguns casos o legislador, tendo em vista desincentivar a realização de certos gastos, designadamente como meio de prevenção da evasão fiscal, vai ainda mais longe do que a previsão da mera não dedutibilidade, ao prever o agravamento da coleta de IRC mediante a aplicação de taxas que penalizam os sujeitos passivos que realizem certas despesas. É isto que sucede com as taxas de tributação autónoma, previstas no artigo 88.º do CIRC.

Foi o que sucedeu, por exemplo, aquando da introdução de uma taxa de tributação autónoma sobre as despesas de representação, no ano de 2000, correspondente à taxa de 6,40%, dada a alteração introduzida pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, a qual aditou os números 3 a 6 ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho.

Para que melhor se perceba a razão da introdução, no ano de 2000, de uma taxa de tributação autónoma de 6,40% sobre as despesas de representação, teremos que recuar até ao ano de 1999, e analisar, na parte que agora interessa, o artigo 41.º do CIRC, sob a epígrafe “encargos não dedutíveis para efeitos fiscais”, que estabelecia na alínea g) do seu número 1 que «não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício: (…) as despesas de representação, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%». Posteriormente, pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, esta alínea veio a ser revogada. Foi, justamente, esta lei que introduziu a nova taxa de tributação autónoma de 6,40%, sobre as despesas de representação.

Para se poder encontrar explicação para a determinação da referida taxa de 6,40%, existe necessidade de averiguar qual a taxa máxima de IRC em vigor no ano de 2000, a qual correspondia a 32%[11].

Neste contexto, verifica-se que, num momento inicial, para a determinação do resultado tributável, conforme estabelecido na alínea g) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, em vigor até 31 de dezembro de 1999, ter-se-ia que acrescer o valor correspondente a 20% do total do montante das despesas de representação.

Posteriormente, em 1 de janeiro de 2000, as mesmas despesas de representação passaram a estar sujeitas à taxa de tributação autónoma de 6,40%, a que correspondia um acréscimo da coleta de imposto. Ora, a taxa de 6,40% resulta do produto de 20% com 32%; ou seja, o efeito que se pretendia era exatamente o mesmo, para os sujeitos passivos que apresentavam matéria coletável, dado que acrescer ao resultado líquido do exercício 20% do valor das despesas de representação, para efeitos de determinação da matéria coletável, ou adicionar o valor correspondente ao imposto que pudesse ser dedutível, pela não adição do montante corresponde aos mesmos 20% das despesas de representação, corresponderia ao mesmo resultado. Com esta modificação, existiu um único objetivo, que foi o de colocar todos os sujeitos passivos a pagar imposto sobre o valor correspondente a 20% das despesas de representação.

Salienta-se também que a tributação autónoma incidente quer sobre as despesas de representação, quer sobre as despesas sobre veículos de passageiros, em 2003, beneficiou de uma redução para 6%, a qual resulta, justamente, da redução da taxa máxima de IRC, para 30%. Fazendo novamente o teste de multiplicação de 20% por 30%, obtém-se o valor da taxa em referência de 6%.

A mesma situação ocorre com as despesas de ajudas de custo e quilómetros em viatura própria, tributadas autonomamente à taxa de 5%, com início de produção de efeitos a 1 de janeiro de 2005, dada a alteração do número 9 do artigo 81.º do CIRC, pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro.

Do que fica dito conclui-se que a previsão da aplicação de taxas de tributação autónoma surge como uma técnica legislativa em matéria fiscal que se traduz numa operação de sentido inverso ao da dedução, e que podemos designar por acréscimo fiscal.

Ou seja, a despesa constitui um elemento decisivo no apuramento do lucro tributável em IRC, e o legislador prevê expressamente três formas de tratamento diferenciado das mesmas: i) a dedução, da qual irá resultar uma diminuição da coleta de IRC; ii) a não dedutibilidade, em que as despesas em causa têm um efeito nulo sobre a coleta de IRC; iii) o acréscimo, por via da aplicação de taxas sobre certas despesas, donde resultará um agravamento da coleta de IRC do sujeito passivo.

Assim, ao invés da qualificação dificilmente explicável, e de sentido contrário aos diversos indícios já explicitados, das “tributações autónomas” como imposto sobre a despesa enxertado num imposto sobre o rendimento, entende-se que a figura das “taxas de tributação autónoma” consiste numa técnica de agravamento da coleta de IRC, que atua sobre as despesas – elemento fundamental na determinação do lucro tributável –, e que configura um acréscimo fiscal (ou seja, uma operação de sentido inverso ao da dedução fiscal).

 

III.2.2. As deduções previstas nos regimes jurídicos do SIFIDE e RFAI

 

Vejamos agora em que termos estão previstas as deduções no âmbito do SIFIDE e do RFAI.

O regime jurídico do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), nas suas diversas versões, prevê a dedução «…ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC…»[12].

Por seu lado, o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento – (“RFAI”), também nas suas diversas versões, prevê a «dedução à coleta de IRC…»[13].

Ora, as tributações autónomas são liquidadas de acordo com as regras previstas no artigo 90.º do CIRC.

A propósito desta liquidação, subscrevemos a fundamentação contida no Acórdão Arbitral proferido no Processo n.º 673/2015-T, expressa nos seguintes termos:

 «Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.

Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).

[…]

De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente».

 

Na interpretação da lei, e sem prejuízo da consideração dos diversos elementos interpretativos, não pode o intérprete chegar a um resultado que não tenha um mínimo de correspondência na letra da lei. Ora se o legislador determina expressamente, no SIFIDE e no RFAI, que a dedução é feita “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC” ou, o que resulta no mesmo, “à coleta de IRC”, não pode o intérprete concluir que a ratio legis aponta para uma dedução à matéria coletável de IRC e não à coleta deste imposto. Acresce que estamos perante termos técnicos, com um significado jurídico-fiscal preciso, presumindo-se que os mesmos foram empregados pelo legislador intencionalmente, até porque desde que os regimes jurídicos do SIFIDE e do RFAI foram criados já vários diplomas legais estenderam os seus efeitos ou alteraram alguns dos seus preceitos, mas nunca foi alterada a referência à dedução “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC” (no SIFIDE) nem a previsão da dedução “à coleta de IRC” (no RFAI).

Portanto, as deduções previstas no SIFIDE e no RFAI devem ser feitas após o apuramento do montante global de IRC, que inclui o resultado da aplicação das taxas de tributação autónoma, nos termos previstos no artigo 90.º do CIRC. E o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira deveria refletir fielmente as opções do legislador nesta matéria, permitindo que as deduções do SIFIDE e do RFAI sejam feitas à coleta de IRC, globalmente considerada (isto é, após a aplicação das taxas de tributação autónoma).

 

III.2.3. A “norma interpretativa” aditada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março

 

A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento para 2016), aditou ao CIRC os n.ºs 20 e 21 do artigo 88.º, tendo sido reconhecida pelo legislador natureza interpretativa às normas aí contidas.

O n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, prevê o seguinte:

«A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado».

 

Da análise desta norma podemos retirar as seguintes conclusões:

i)          Ela não altera o regime jurídico do SIFIDE nem do RFAI;

ii)        Ela não tem por objeto a interpretação autêntica de normas contidas no SFIDE nem no RFAI;

iii)      Mantém-se válida a previsão, contida no SIFIDE, das deduções “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC”;

iv)      Mantém-se válida a previsão, contida no RFAI, das deduções “à coleta de IRC”;

v)        Não é alterada a natureza das “taxas de tributação autónoma”;

vi)      Não é alterado o procedimento e forma de liquidação;

vii)    Passam a estar expressamente vedadas deduções ao montante de tributações autónomas apurado, o que não impede que sejam feitas deduções à coleta de IRC (que inclui o resultado das tributações autónomas) previstas no SIFIDE e no RFAI.

Conforme é afirmado no Acórdão Arbitral proferido no Processo n.º 673/2015-T, a propósito do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI):

 «[p]ela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é a Lei n.º 49/2013, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída».

Ainda segundo este Acórdão:

 «não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «dedução à colecta de IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, designadamente o artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013.

E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial.

Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013 no sentido de que as despesas de investimento previstas no CFEI são dedutíveis à «colecta de IRC», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta do pagamento especial por conta e de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores».

 

Esta fundamentação é transponível, com as devidas adaptações, para o caso sub judice.

Deste modo, a norma contida no n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, à qual foi atribuída natureza interpretativa, não obsta a que sejam deduzidos à coleta de IRC (ou seja, à globalidade da coleta apurada por aplicação do artigo 90.º do CIRC) montantes ao abrigo do SIFIDE e do RFAI.

Com efeito, o intérprete e aplicador da lei pode discordar das opções do legislador, o que não pode é alterar as soluções legislativas adotadas. Ora o legislador refere-se no RFAI à dedução “à coleta do IRC” e no SIFIDE refere-se à dedução “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC”, o que, em ambos os casos, é manifestamente distinto de “dedução à matéria coletável de IRC”. O legislador poderia, quer no RFAI quer no SIFIE, ter adotado esta solução; a verdade é que não o fez, e não cabe ao intérprete corrigir a mão do legislador.

Como afirma José de Oliveira Ascensão, «[p]or mais desejável que se apresente uma alteração do sistema normativo, essa alteração pertence às fontes de direito, não ao intérprete. Este capta o sentido da fonte como ele objectivamente se apresenta no momento actual, não lhe antepõe qualquer outro sentido. Razões ponderosas de segurança e de defesa contra o arbítrio alicerçam esta conclusão»[14].

Deste modo, para que as deduções previstas no RFAI e no SIFIDE deixem de ser feitas à coleta do IRC (para a qual concorrem também as tributações autónomas) o legislador, caso assim o entenda, deve alterar os regimes jurídicos especiais que as preveem.

Face ao exposto, revela-se desnecessária qualquer consideração acerca da natureza interpretativa ou não interpretativa da norma contida no n.º 21 do artigo 88.º do CIRC e da sua admissibilidade ou não à luz do princípio constitucional da proibição da retroatividade da lei fiscal.

 

Termos em que, assiste razão à Requerente, pelas razões e com os fundamentos invocados, no que respeita à possibilidade de dedução dos benefícios fiscais relativos ao SIFIDE e ao RFAI à coleta do IRC, determinada após a aplicação das taxas de tributação autónoma, nos termos do artigo 90.º do CIRC.

 

III. 2.4. Outros pedidos

 

 A Requerente pede ainda o reembolso do montante de € 63.599,28, corresponde às taxas de tributação autónoma em IRC, relativas ao exercício de 2012, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde 24 de junho de 2013, até integral reembolso.

O n.º 1 do art. 43.º da Lei Geral Tributária prevê que:

 «[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

Conforme escrevem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, «[o] erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte» (Lei Geral Tributária. Anotada e comentada, 4.ª ed., Lisboa, 2012, p. 342).

A lei determina ainda, no art. 100.º da Lei Geral Tributária, que:

«A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

 

Conforme é afirmado no Acórdão do STA de 11/02/2009, recurso n.º 1003/08,

«Tendo o legislador adoptado a indemnização sobre a forma de juros indemnizatórios, na sequência de decisão anulatória de acto de liquidação, presumindo o prejuízo patrimonial derivado da privação da quantia paga na sequência de um acto de liquidação ilegal, a interpretação do art. 100.º da LGT conforme à Constituição é a de que nele se reconhece o direito a juros indemnizatórios desde a data em que ocorreu a privação da quantia ilegalmente liquidada e não apenas a contar do termo do prazo de execução da decisão anulatória».

 

De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), «[o]s juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos».

No presente processo, a requerente pagou imposto em montante superior ao legalmente devido, pelo que, declarada a ilegalidade das (auto)liquidações na parte aqui peticionada, a requerente tem direito não só ao respectivo reembolso mas, também a juros indemnizatórios. Juros estes calculados sobre sobre o € 63.599,28, indevidamente pagos em 24 de Junho de 2013, contados desde esta data, tudo nos termos que vier a ser apurado em execução de sentença.

 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)      Julgar procedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC na parte produzida pelas tributações autónomas, relativa ao exercício de 2012, objeto de impugnação, com a sua consequente anulação;

b)      Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa, com a sua consequente anulação;

c)      Julgar procedente o pedido de reembolso do montante de € 63.599,28, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde 24 de junho de 2013, até integral reembolso, tudo nos termos que vier a ser apurado em execução de sentença.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 63.599,28.

 

VI.   CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27/07/2016

 

 

 

 

A Árbitro Presidente

 

 

Fernanda Maçãs

(vencida nos termos da declaração de voto anexa)

 

 

O Árbitro Adjunto

 

 

Paulo Nogueira da Costa

 

 

 

O Árbitro Adjunto

 

 

João Pedro Dâmaso

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VOTO DE VENCIDO

 

 

Não acompanho a orientação que fez vencimento pelas razões constantes do Acórdão Arbitral n.º 722/2015-T, cujo teor passo a reiterar, ainda que de forma resumida.

 

1.A divergência fundamental que nos separa da tese do presente acórdão diz respeito, em primeiro lugar, à natureza das tributações autónomas, uma vez que sufragamos (ao contrário do que expresssamente se alega no acórdão) a jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal Constitucional sobre a matéria. Jurisprudência esta iniciada com o voto de vencido do Exmo Conselheiro Vítor Gomes, aposto no Acórdão n.º 204/2010, onde se pode ler que: “Embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula, (….). Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta (…).”

Por Acórdão n.º 310/12, de 20 de Junho, o Tribunal Constitucional reformulou a doutrina do Acórdão n.º 18/11, aproximando-se do então voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes, nos termos seguintes:

“Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC). Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo. Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso). Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.” Esta jurisprudência foi reiterada pelo Acórdão do Plenário, no Acórdão n.º 617/2012, processo n.º 150/12, de 31/1/2013 e no Acórdão n.º 197/2016, processo n.º 465/2015.No mesmo sentido, pode ver-se a jurisprudência do STA vazada, entre outros, no Acórdão de 21/3/2012, processo 830/11, de 21/3/2012.

 Esta orientação é a seguida, em geral, pela doutrina. Para RUI MORAIS (Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 202-203) “está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas com constituindo factos tributários. (…)” . CASALTA NABAIS, referindo-se à “tributação autónoma das despesas não documentadas e das despesas de representação e com viaturas”, considera “Tratar-se de uma tributação sobre a despesa ou consumo e não sobre o rendimento…” (Direito Fiscal, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, p. 542). No mesmo sentido, ver ANA PAULA DOURADO ( Direito Fiscal, Lições, 2015, pp. 237 ss.).

Finalmente, mesmo que se admitissem dúvidas a este respeito, as mesmas teriam de considerar-se ultrapassadas. Com efeito, o próprio legislador reconhece que as “tributações autónomas” não são IRC quando, no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do CIRC, na redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável» «o IRC, incluindo as tributações autónomas» inculca a ideia desta evidente diversidade de realidades. Se o legislador fiscal entendesse que o IRC incluía as tributações autónomas não tinha necessidade de o acrescentar neste preceito após referir o IRC, pois esse IRC já incluiria necessariamente as tributações autónomas, a seguir-se a orientação que fez vencimento.

É, por outro lado, aceite pela generalidade da doutrina e jurisprudência que as tributações autónomas radicam na necessidade de evitar abusos quanto à relevação de certos encargos ou despesas e que poderão ser facilmente objecto de desvio para consumos privados ou que, de algum modo, são susceptíveis de configurar formalmente um gasto da pessoa colectiva, mas que, substancialmente, representam ou podem configurar abusos em ordem a minimizar a medida real do imposto. Trata-se de uma tributação que se explica pela necessidade de prevenir e “evitar que, através dessas despesas, as empresa procedessem à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros das empresas, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionariam…” (CASALTA NABAIS, Idem, p. 542). No mesmo sentido, cfr. SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, 2007, p. 406.

As tributações autónomas configuram, assim, normas anti - abuso dirigidas a racionalizar comportamentos específicos dos contribuintes face ao dever de imposto, pelos quais tradicionalmente conseguiam alcançar uma medida de imposto inferior ao que o evidenciava a sua capacidade contributiva efectivamente revelada mas que, mercê, desses comportamentos abusivos era passível de ser mitigada ou eliminada, com evidente violação ou postergação do princípio da justiça, de justa repartição da carga fiscal por quem revela capacidade contributiva.

Assim sendo, pode ler-se no Acórdão Arbitral n.º 722/2015-T:

“Consequentemente, se faz sentido admitir que se façam deduções gerais à coleta do imposto (IRC), permitidas por lei por força do princípio da tributação do rendimento real e efetivo, o mesmo não acontece em relação à coleta devida por tributações autónomas. Neste caso, essa dedução geral deixa de fazer sentido porque, não tributando os lucros, mas despesas, não se coloca, quanto a elas, a questão da justiça na repartição do encargo geral do imposto, pelo que seria ilógico permitir a dedução de encargos quando tal dedução, na prática, destruiria o sentido anti abusivo que as impregna; o desincentivo de comportamentos desviantes que a sua instituição reprime ou dirime.”

Como ficou consignado no Acórdão Arbitral n.º 697/2014-T, de 13 de Maio de 2015,  “Visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com  a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo de exercício constituir factor de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador”.

Em suma, as tributações autónomas, que incidem sobre certas despesas, funcionam de modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC, que tributa rendimentos, e, não obstante a inserção sistemática e a ligação funcional ao IRC, a verdade é que são cobradas no âmbito do processo de liquidação deste imposto sem, no entanto, perderem a sua raiz dogmática próprias.

Como se refere no Acórdão que vimos seguindo, por apelo ao elemento lógico racional, temos que “a colecta total do IRC não seja uma realidade unitária, mas composta (…)” é, assim, possível descortinar, no apuramento do IRC uma “coleta total do imposto propriamente dita, resultante da mecânica geral de apuramento do IRC (…), que é devida com fundamento constitucional assente no dever geral de cada um (neste se englobando as pessoas coletivas) de contribuir para as despesas públicas segundo os seus haveres (art.º 103.º, n.º 1 da CRP). Tudo no respeito e em cumprimento dos princípios da justiça, da igualdade e do dever de pagar imposto segundo a capacidade contributiva revelada. E a que se deduzem as importâncias referidas no artigo 90.º do CIRC e nos termos e modos ali referenciados”.

“A esta coleta geral, radicada neste fundamento de ordem fundacional, adiciona-se a coleta específica, devida por tributações autónomas, que tem, como se deixou claro, uma raiz, um sentido e um fundamento próprios, qual seja o de desincentivar a adoção dos comportamentos por elas tributados, elencados no art.º 88.º do código, que configura, com é pacífica doutrina, uma norma anti abuso”.

 

2.Ao contrário do consignado no presente acórdão, não subsiste, assim, qualquer erro conceptual nem tão pouco qualquer contradição entre o acabado de expor e o facto de os regimes do SIFIDE e do RFAI estabelecerem que os mesmos são concretizados em deduções à colecta do IRC. Ao fazer essa referência expressa está o legislador a reportar-se à colecta de IRC propriamente dita para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas, precisamente porque não entram no apuramento nem do lucro tributável, nem da matéria colectável, e, como consequência, não concorrem para a colecta do IRC, nem mesmo do IRC liquidado ou do IRC a pagar/recuperar (cfr. CASALTA NABAIS, Idem p. 541). O resultado das tributações autónomas, repete-se, apurado de forma autónoma, não concorre para a colecta do IRC, pelo contrário, há-de acrescer ao IRC liquidado para efeitos de apuramento do valor a pagar ou a recuperar, o que consubstancia um resultado bem diferente.

Atenta a natureza e a razão de ser das tributações autónomas, não é possível admitir, sob pena de subversão da ordem de valores, a dedução de benefícios fiscais, sob pena de descaraterização dos princípios que especificamente se pretendem prosseguir, quer com tais incentivos, quer com as tributações autónomas.

Com efeito, tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se, o que sucederia se fosse possível deduzir à colecta das tributações autónomas, incentivos fiscais, como a Requerente o pretende. Essa possibilidade resultaria num duplo efeito estranho: de um lado poderia, no limite, eliminar a colecta resultante das tributações autónomas e, de outro, propiciaria a dedução de certo benefício fiscal (no caso, estão em causa o SIFIDE e o RFAI) a imposto que tem uma função especificamente anti abuso, de mitigação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados.

Finalmente, seguindo a doutrina do Acórdão Arbitral n.º 722/2015-T,  seria de concluir, pela ilegalidade da dedutibilidade  do SIFIDE  e do RFAI à colecta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (OE para 2016), ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, que passa a ter o seguinte conteúdo: “21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”.

Na tese que se sufraga, o legislador, ao aditar este n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC com o conteúdo mencionado, limitou-se a acolher e a reforçar o sentido interpretativo que já resultava das normas vigentes, como ficou demonstrado pelo raciocínio supra exposto. O que dispensa a aplicação retroactiva daquela norma.

Agora para aqueles que continuam a defender que as tributações autónomas são IRC, como acontece no presente acórdão, não se afigura correcto sustentar que o aditamento feito pela Lei do Orçamento é irrelevante porque em nada altera o regime anterior. A declaração feita pelo legislador, no n.º 21 do artigo 88.º do IRC, é de tal modo clara e inequívoca, que de tal declaração não pode ser feita tábua rasa, como se inóqua e irrelevante fosse a sua vigência. Tanto mais que o tribunal não aponta qualquer vício juridicamente fundado à normatividade em apreço, não lhe assacando designadamente qualquer inconstitucionalidade ou incompatibilidade com lei de valor superior.

As mais elementares regras de hermenêutica jurídica imporiam, assim, fazer-se aplicação retroactiva da lei interpretativa, com todas as consequências daí advenientes, razão pela qual se afigura padecer o acórdão de défice de ponderação fundamentadora capaz de justificar a inaplicabilidade da norma interpretativa em causa.

 Termos em que, pelas razões expostas, negaria provimento ao pedido arbitral de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC, na parte produzida pelas tributações autónomas, relativa ao exercício de 2012, com a sua consequente manutenção na ordem jurídica. 

 

Fernanda Maçãs

 

 

 

 

 



[1] Expressão utilizada pelo Ilustre Professor SALDANHA SANCHES, J. L., Manual de Direito Fiscal, pág.407. «Com esta previsão [tributações autónomas] o sistema mostra a sua natureza dual.»

[2] De facto, o que existe é um pagamento único, pois, quanto às regras de pagamento, no art.º 104.º, n.º 2, alínea a),do CIRC o legislador refere-se ao montante total apurado na declaração, incluindo, portanto, todos os apuramentos.

[3] FREITAS PEREIRA, M.H., Fiscalidade, Almedina, 2014-5.ª ed., págs. 439-440.

[4]  Lei n.° 40/2005, de 3 de Agosto para vigorar entre 2006 e 2010, Lei n.° 55-A /2010, de 31 de Dezembro (artigo 133.°) institui o SIFIDE 11 a vigorar entre 2011 e 2015, alterado pela Lei n.° 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

[5] Expressão utilizada pelo Ilustre Professor SALDANHA SANCHES, J. L., Manual de Direito Fiscal, pág.407. «Com esta previsão [tributações autónomas] o sistema mostra a sua natureza dual.»

[6] De facto, o que existe é um pagamento único, pois, quanto às regras de pagamento, no art.º 104.º, n.º 2, alínea a),do CIRC o legislador refere-se ao montante total apurado na declaração, incluindo, portanto, todos os apuramentos.

 

[7] Sublinhado nosso.

[8] No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 465/2015 pode ler-se o seguinte:

«a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas).

[…]

Com efeito, como se fez notar, o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas.»

[9] Apontamentos ao IRC, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 202-203.

[10] Idem, p. 203.

[11] No ano de 2000, as taxas do IRC encontravam-se reguladas no artigo 69.º do CIRC. Neste ano, conforme o número 1 deste artigo, a taxa de IRC era de 32%.

[12] À data dos factos, artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE, na redação introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (cfr. o seu artigo 133.º) para vigorar até 2015 como SIFIDE II, por sua vez alterado já pela Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro (cfr. os seus artigos 163.º e 164.º) vertido entretanto para os artigos 33.º e seguintes do Código Fiscal do Investimento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, e alterado pela Lei n.º 83-C/2013 de (cfr. os seus artigo 211.º e 212.º) que, entre outras alterações, prorrogou a vigência do SIFIDE II até 2020.

[13] À data dos factos, artigo. 3.º, n.º 1, al. a), do RFAI, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março, tendo a sua vigência sido sucessivamente prorrogada até 31 de Dezembro de 2013, pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (cfr. o seu artigo 116.º), pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (cfr. o seu artigo 134.º), pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (cfr. o seu artigo 162.º) e pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (cfr. o seu artigo 232.º), e transferido entretanto para os artigos 23.º e seguintes do Código Fiscal do Investimento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, que, entre outras alterações, prorrogou a vigência do RFAI até 2017.

[14] O Direito. Introdução e teoria geral, 13.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009.