Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 91/2016-T
Data da decisão: 2016-07-14  Selo  
Valor do pedido: € 21.202,00
Tema: IS – Verba 28 da TGIS; Terrenos para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.  A… – …, S.A. (Requerente), com sede no Edifício …, Avenida do …, …, em …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … com o número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva …, apresentou em 17/02/2016, pedido de pronúncia arbitral, no qual peticiona a declaração de ilegalidade das decisões de indeferimento das reclamações graciosas n.º …2015… e n.º …2015… e, bem assim, dos actos de liquidação de Imposto do Selo dos anos de 2012 e de 2013, e a que correspondem os documentos com o n.º 2015 … e n.º 2015 …, ambas de 03/01/2015, nos montantes de € 10.601,00 e € 10.601,00, respectivamente.

 

1.2.  O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 11/03/2016, como árbitro singular o signatário desta decisão.

 

1.3.  No dia 29/04/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.  Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada, em 02/05/2016, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.5.  Em 06/06/2016 a AT apresentou resposta, solicitando, ainda, a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

1.6.  O tribunal arbitral em 09/06/2016 decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas e agendou a data para prolação da decisão final.

 

1.7.  Em 21/06/2016 a Requerente apresentou alegações escritas facultativas.

 

1.8.  Em 22/06/2016 a AT apresentou alegações escritas facultativas.

 

 

2.      SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

 

O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

 

3.      POSIÇÕES DAS PARTES

 

São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral e nas alegações escritas subsequentes e a da AT na sua resposta e nas alegações escritas subsequentes.

 

Para fundamentar o seu pedido a Requerente alega, em síntese:

 

a)      “(…) não são explicados, nem tão pouco explicados, na liquidação (…) as razões de ordem fáctica e jurídica que determinaram a respetiva emissão, designadamente a natureza e afetação dos imóveis nele melhor identificados e a razão da sua subsunção à verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo.” [realce e sublinhado da Requerente];

 

b)      “O dever de motivação ou de fundamentação de qualquer ato administrativo ou tributário tem associadas duas finalidades: (i) por um lado, inteirar o respetivo destinatário das razoes ou dos motivos que conduziram à tomada de decisão em determinado sentido; e (ii) por outro lado, permitir que se faça um controlo sobre a legalidade da decisão e sobre a validade dos motivos que subjazem a determina decisão concreta.”;

 

c)      “Não sendo explicados os fundamentos de facto e de direito subjacentes ao ato tributário em questão, há que concluir que a respetiva fundamentação não é clara, nem suficiente:

 

·         não é clara ao não permitir, através dos seus termos, que se apreendam com clareza e precisão os factos e o direito com base nos quais se decidiu e atuou;

·         nem suficiente, por não possibilitar ao administrado um conhecimento concreto e inequívoco da motivação do ato, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a atuar como atuou.”;

 

d)     “Desconhecendo, objetivamente, a Requerente (…) a integralidade dos fundamentos subjacentes às liquidações de imposto que constituem o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, por os mesmos não constam dos próprios atos, nem é feita, nos mesmos, remissão expressa para qualquer documento contemporâneo ou anterior a esses mesmos atos, e não tendo a Requerente sido notificada nos termos previstos na alínea a), do n.º 1, do artigo 60.º da Lei Geral Tributária para se pronunciar sobre os elementos em falta, por cautela, desde já, invoca adicionalmente, para todos os efeitos legais, a violação do citado preceito legal, que impõe a participação do sujeito passivo antes da liquidação de imposto, o que, por si só, implicará a anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo sub judice, por preterição de formalidade legal essencial (…)” [sublinhado nosso];

 

e)      “(…) a Requerente foi notificada dos atos de liquidação de Imposto do Selo atos de liquidação emitidos ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo (…)”;

 

f)       “Determinava a Verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo, na redação vigente nos anos 2012 e 2013, aos quais se referem os atos de liquidação em apreço, que eram sujeitos ao pagamento de imposto de selo os titulares de direito de «Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI - 28.1 - Por prédio com afetação habitacional» à taxa de 1% sobre o VPT.”;

 

g)      Sustenta, ainda, a Requerente que “Inexistindo uma definição legal de «prédio urbano com afectação habitacional» para efeitos da Verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo, à data relevante, importa trazer à colação os artigos 1.º, n.º 6 e 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo, por força do qual se determina que o conceito de prédio - incluindo, claro está, a determinação da sua natureza e afectação - deve ser entendido à luz do disposto nos termos do Código do IMI.”;

 

h)      “À luz do Código do IMI, o conceito de «prédio urbano com afectação habitacional» encontra-se integrado na definição de «prédio urbano habitacional» constante do artigo 6.º, n.º 2 do referido diploma legal, o qual abrange unicamente «os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins»”. [realce e sublinhado da Requerente];

 

i)        “De onde resulta que se encontram excluídos do campo de incidência do imposto previsto na Verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo, em vigor à data dos factos tributários em apreço, todos os prédios urbanos que não sejam construções ou que, sendo-o, tenham uma afectação diferente da habitação.”;

 

j)        “Acontece que de acordo com os atos de liquidação de Imposto do Selo notificados à Requerente, o imposto foi liquidado por referência à situação do imóvel detido pela Requerente, a 31 de dezembro de 2012 e a 31 de dezembro de 2013, inscrito na matriz predial urbana U-… da freguesia de ….”;

 

k)      “Conforme resulta da respectiva caderneta predial urbana, o referido imóvel não configura «prédios urbanos habitacionais», mas antes um lote de terreno (dito) para construção urbana e nesta medida sempre tal prédio urbano estava excluído do campo de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo, relativamente aos anos de 2012 e 2013.”;

 

l)        Em conclusão, “Acresce que a falta de incidência de Imposto de Selo sobre os terrenos para construção, com referência ao ano de 2012 e 2013 é tão mais evidente se considerarmos que o legislador teve necessidade de alterar a norma de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo através do artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31-12, passando aquela verba a prever a tributação à taxa de 1% «Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação (...)» não podemos deixar de concluir que não se está perante uma lei interpretativa, mas perante lei inovadora, aplicável apenas para o futuro.”.

 

Doutro modo, a AT, defendendo-se por impugnação, sustenta, em síntese, o seguinte:

 

a)      “A Lei n.º 55-A/2012, de 29/10/2012 veio alterar o art. 1.º do Código do Imposto de Selo, e aditar à TGIS, a verba 28.”;

 

b)      “Com esta alteração legislativa, o IS passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1.000.000,00.”;

 

c)      “A noção de afectação de prédio urbano encontrará assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, porquanto a afectação do imóvel (finalidade) incorporará valor ao imóvel, constituindo um factor de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.”;

 

d)     “Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do art. 45.º, n.º 2 do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41º do CIMI.”;

 

e)      “Ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de «prédios com afectação habitacional», para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.”;

 

f)       “Note-se que o legislador não refere «prédios destinados a habitação», tendo optado pela noção «afectação habitacional» - expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1 alínea a) do CIMI.”;

 

g)      Segundo a AT, “(…) considera-se a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, e do outro a área de terreno livre. Apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% (…) em virtude de a construção ainda não estar efectivada.”;

 

h)      “Nestes termos, muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção.”;

 

i)        “A verba 28 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel.”;

 

j)        “Trata-se de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito.”;

 

k)       “Importa ainda referir que a tributação em sede de imposto do selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.”;

 

l)        “Por todo o exposto, a liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.”.

 

 

4.      MATÉRIA DE FACTO

 

4.1.  FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:

 

4.1.1.      A Requerente é proprietária do prédio urbano da espécie “terreno para construção” inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, em Ponta Delgada, sob o artigo U-….

 

4.1.2.      À data das referidas liquidações, o valor patrimonial tributário (VPT) do prédio urbano em causa ascendia a € 1.060.100,00.

 

4.1.3.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2012 (documento n.º 2015 …), no montante de € 10.601,00, terminou em 30/04/2015.

 

4.1.4.      A Requerente procedeu ao pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2012 (documento n.º 2015 …) em 09/04/2015.

 

4.1.5.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2013 (documento n.º 2015 …), no montante de € 10.601,00, terminou em 30/04/2015.

 

4.1.6.      A Requerente procedeu ao pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2013 (documento n.º 2015 …) em 09/04/2015.

 

4.1.7.      Não se conformando com o teor dos actos de liquidação, a Requerente apresentou, em 31/08/2015, reclamações graciosas contra os actos de liquidação de Imposto do Selo n.° 2015 … e n.º 2015 …, requerendo a anulação dos mesmos, em virtude da “(…) errónea aplicação da lei pela Administração Tributária, no que concerne à sujeição a Imposto do Selo (ao abrigo da verba 28.1. da Tabela Geral) do imóvel – terreno para construção – detido pela Requerente (…) e inscrito na matriz predial da freguesia de ….”.

 

4.1.8.      Em 12/10/2015, a Requerente foi notificada para, querendo, pronunciar-se sobre o(s) projecto(s) de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas, tendo optado por não exercer o competente direito de audição prévia.

 

4.1.9.      Em 19/11/2015, a Requerente foi notificada da(s) decisão(ões) de indeferimento das reclamações graciosas identificadas em 4.1.7.

 

4.1.10.  Não se conformando com a decisão de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas, a Requerente apresentou, em 17/02/2016, o pedido de pronúncia arbitral em apreço.

 

4.2.  FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

 

5.      O DIREITO

 

5.1.  DA ILEGALIDADE DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO DO SELO DE 2012 E 2013

 

No caso em apreço, questão fundamental sob apreciação pelo tribunal arbitral consiste em saber se, no âmbito de incidência da Verba n.º 28 da Tabela Geral, na sua redacção à data dos factos tributários se incluem, ou não, os terrenos para construção. Ou seja, para tal efeito, os terrenos que integram esta espécie são, ou não, susceptíveis de serem considerados “prédios urbanos com afectação habitacional”?

 

Sobre esta matéria é já abundante a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e a jurisprudência arbitral em sentido contrário. [1] [2]

 

Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela continuarmos a concordar integralmente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido Acórdão do STA, de 9 de Abril de 2014, proferido no Processo n.º 1870/13 [3], senão vejamos:

 

“O conceito de «prédio (urbano) com afectação habitacional» não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.” [sublinhados nossos].

 

“Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (…), como a que está em causa nos presentes autos.” [sublinhado nosso].

 

“Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da (…)” AT “(…), porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

De facto, “Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.” [sublinhado nosso].

 

“E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.”. [4]

 

“O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).”.

 

“Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).”.

 

Nesta medida, “(…) atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.” [sublinhados nossos].

 

“Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”.

 

Vale a pena citar, ainda, o Acórdão do STA, de 25 de Novembro de 2015, proferido no Processo n.º 01338/15 [5], cujo resumo se transcreve:

 

“Não tendo o legislador definido o conceito de prédios (urbanos) com afectação habitacional, mas resultando do art. 6.º do CIMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba nº 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei nº 55-A/2012, de 29/10), como prédios urbanos com afectação habitacional.” [sublinhado nosso].

 

Por outro lado, conclui o Acórdão do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 19 de Maio de 2016, proferido no Processo n.º 09509/16 [6] que:

 

“No âmbito do C.I.M.I. (cfr. artº.6, do C.I.M.I.) um prédio com determinada afectação (habitacional, comercial e industrial) pressupõe a existência de uma edificação apta para ser utilizada com determinado fim, o que não ocorre nos terrenos para construção, em que estamos perante apenas «edificações autorizadas ou previstas» com possível afectação à habitação ou outra. É certo que a nova redacção da verba nº.28.1, da Tabela Geral do Selo, introduzida pela Lei 83-C/2013, de 31/12, vem fazer incidir a tributação sobre "prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação", mas tal norma não tem carácter interpretativo, antes é inovatória. Afigura-se-nos, pois, que a Lei 55-A/2012, de 29/10, ao aditar à Tabela Geral do Imposto do Selo a «Verba nº.28», sujeitando a imposto de selo os prédios urbanos «com afetação habitacional», cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do C.I.M.I., seja igual ou superior a € 1.000.000,00, não engloba na sua previsão os lotes de terreno para construção, uma vez que aquela expressão pressupõe a existência de uma edificação apta para ser utilizada para habitação, requisitos que os lotes de terreno não possuem. O que só veio a ocorrer com a alteração à referida verba introduzida pela citada Lei 83-C/2013, de 31/12, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2014, que passou a englobar «prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação»".” [sublinhados nossos].

 

Reitera-se, uma vez mais, a linha jurisprudencial traçada.

 

Por todo o exposto, considerando que o prédio da Requerente estava inscrito matricialmente como “terreno para construção” à data do(s) facto(s) tributário(s) relativo(s) ao(s) ano(s) de 2012 e 2013, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. Razão pela qual, devem ser anuladas as liquidações de Imposto do Selo n.º 2015 … e n.º 2015 …, com todas as consequências legais.

 

Com efeito, fica assim prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente, nomeadamente, o alegado vício de falta de fundamentação das decisões das reclamações graciosas apresentadas, assim, como dos actos de liquidação de Imposto do Selo impugnados e, bem assim, da alegada preterição de formalidade essencial, por ter sido declarada a ilegalidade das liquidações supra identificadas, por vício substantivo que impede a renovação dos actos, assegurando-se eficazmente a tutela dos direitos da Requerente, de harmonia com o preceituado no artigo 124.º do CPPT. [7]

 

5.2.  JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

À luz do disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT – na parte em que se diz que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, tem-se entendido que esta norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais.

 

Justifica-se assim, pelo exposto, a análise do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente. 

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (cfr. artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária).

 

É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vejam-se, por ex., os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30 de Maio de 2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10 de Abril de 2013, proc. 1215/12).

 

Ora, tendo havido, como decorre da presente decisão arbitral, erro imputável aos serviços – o qual conduz à anulação dos actos tributários em causa e à consequente devolução dos montantes pagos pela Requerente, nos termos do disposto no artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT –, conclui-se, sem necessidade de mais considerações, pela procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

 

 

6.      DECISÃO

 

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais as liquidações de Imposto do Selo n.º 2015 … e n.º 2015 …, com todas as consequências legais;

b)      Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios;

c)      Condenar a AT a restituir à Requerente o Imposto do Selo indevidamente pago, no montante de € 21.202,00;

d)     Condenar a AT em custas.

 

 

7.      VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 21.202,00 (vinte e um mil e duzentos e dois euros), nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

8.      CUSTAS

 

Custas a suportar pela AT, no montante de € 1.224 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.

 

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 14 de Julho de 2016

 

 

O árbitro,

 

 

(Hélder Filipe Faustino)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.



[1] Cfr. Andreia Gabriel Pereira, “As «Casas de Luxo» e o Imposto do Selo. Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (2.ª Secção), de 5 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 0993/14, Relator Cons. Francisco Rothes”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VII, N.º 4, Julho de 2015, pp. 235 e ss.

[2] Vejam-se, a título de exemplo, as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 218/2013-T, n.º 247/2013-T, n.º 66/2014-T e n.º 202/2014-T, disponíveis em https://caad.org.pt/.

[3] Ex vi do Acórdão do STA, de 29 de Abril de 2015, proferido no Processo n.º 021/15, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

[4] Conforme aponta Andreia Gabriel Pereira, “(…) visou-se criar uma tributação específica para os titulares das denominadas «casas de luxo», o que, aliás, é possível inferir do facto de a Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo incidir apenas sobre os prédios destinados à habitação (e, marginalmente, sobre os prédios detidos por residentes em paraísos fiscais). Foi assim que aquela Verba foi apresentada à opinião pública e por esta percepcionada.”. Op. Cit. pág. 237.

[5] Disponível em www.dgsi.pt.

[6] Disponível em www.dgsi.pt.

[7] Subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.