Decisão Arbitral
Os árbitros Maria Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Ricardo Rodrigues Pereira e Hugo Freire Gomes, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. No dia 24 de dezembro de 2015, a sociedade comercial A…– SGPS, S. A., NIPC…, com sede na Rua…, …, …, … (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT).
1.1. A Requerente pede a declaração de ilegalidade e a consequente anulação do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º …2015… e dos atos de autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, referentes aos exercícios de 2012 e 2013, do “Grupo Fiscal B…”, na medida correspondente à não dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta (PEC) efetuado em sede de IRC ou, subsidiariamente, a declaração de ilegalidade e a consequente anulação das liquidações das tributações autónomas, por ausência de base legal para a sua efetivação.
Para o efeito, juntou 12 (doze) documentos e arrolou duas testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
1.2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo a Conselheira Maria Fernanda Maçãs, o Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e o Dr. Hugo Freire Gomes, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
1.3. Em 16 de fevereiro de 2016, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
1.4. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 2 de março de 2016.
2. A fundamentar o pedido a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
A Requerente é a sociedade dominante do “Grupo Fiscal B…” e, nessa qualidade, apresentou em maio de 2013 e em maio de 2014, respectivamente, as declarações de rendimentos (modelo 22) de IRC referentes aos exercícios de 2012 e de 2013. Nesses mesmos momentos, a Requerente procedeu à autoliquidação de tributações autónomas em IRC dos anos de 2012 e de 2013, respetivamente, nos montantes de € 78.945,34 e de € 84.436,43.
Em conformidade com aquelas declarações de rendimentos que entregou, a Requerente apurou um montante de imposto a receber de € 69.555,80, no exercício de 2012, e de € 19.495,02, no exercício de 2013.
Acontece que, o sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos de apuramento do imposto por si devido, ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas o pagamento especial por conta. Aquele sistema não possibilita, pois, deduzir uma parcela dos pagamentos antecipados efetuados por conta do IRC que será devido a final – os PEC – a uma parte do IRC final efetivamente apurado – as tributações autónomas.
Ora, em sede de pagamento especiais por conta efetuados pela Requerente, subsiste um montante acumulado por deduzir à coleta do IRC que ascende a € 230.022,07, em 2012, e a € 246.513,73, em 2013; ou seja, a Requerente dispõe de pagamentos especiais por conta em montante superior à coleta das tributações autónomas em IRC dos exercícios de 2012 e de 2013.
Contudo, intencional ou inadvertidamente, a declaração Modelo 22 de IRC e respetiva articulação com a programação do sistema informático da AT impede que se deduza à coleta relacionada com as taxas de tributação autónoma em IRC, inscrita no campo 365 do quadro 10 da declaração Modelo 22, os pagamentos especiais por conta ainda por deduzir à coleta de IRC, a começar pelos mais antigos.
Assim, a Requerente pretende que se esclareça se ela tem ou não o direito de proceder à dedução, também à coleta de IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, dos referidos pagamentos especais por conta.
Constitui entendimento da Requerente que do mesmo modo que a jurisprudência tem entendido, de modo praticamente unânime, que a coleta de IRC prevista no artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC (redação em vigor até 2013) compreende, em necessidade de qualquer especificação adicional, a coleta das tributações autónomas em IRC, também se há-de entender que a coleta de IRC prevista no artigo 90.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CIRC (redação em vigor em 2013) abrange igualmente a coleta das tributações autónomas em IRC.
Por isso, a negação da dedução dos pagamentos especiais por conta à coleta em IRC das tributações autónomas viola o artigo 90.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CIRC.
Sustenta a Requerente que se as tributações autónomas são IRC e se à coleta de IRC (que se obteria se não se deduzissem as despesas em causa nas tributações autónomas) que esta parte do IRC que são as tributações autónomas visa substituir/ compensar, é dedutível o PEC, não se entende que ao substituto, tido também em termos finais por IRC, não seja dedutível este mesmo PEC.
Por outro lado, a Requerente questiona o seguinte: se as tributações autónomas não fossem IRC para efeitos do artigo 90.º do CIRC, então com base em que norma é feita e tem sido feita a liquidação das tributações autónomas. É que, diz a Requerente, o artigo 88.º do CIRC apenas refere o sujeito passivo, a base de incidência e as taxas a aplicar por forma a apurar a coleta de IRC em sede de tributações autónomas, de modo em tudo igual ao que faz o artigo 87.º do CIRC relativamente à coleta de IRC que resulta do lucro tributável e matéria coletável apurados em sede deste imposto. Porém, a liquidação da coleta de IRC apurada naqueles termos faz-se, isto é, está legitimada pelo disposto no artigo 90.º do CIRC, que lhe acrescenta ainda outros termos.
Pelo que se a AT entende que no artigo 90.º do CIRC não está incluída a coleta de IRC resultante das tributações autónomas (apurada nos termos do artigo 88.º), mas apenas a coleta de IRC resultante do lucro tributável (apurada nos termos do artigo 87.º), ter-se-ia de concluir que, afinal, a liquidação da própria tributação autónoma é, em si mesma, ilegal, por força do disposto no artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT e no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.
Em face do que se vem de referir, a Requerente entende que a procedência da presente acção com a consequente anulação parcial dos atos de autoliquidação de IRC, incluindo as taxas de tributação autónoma, dos exercícios de 2012 e de 2013, deverá determinar a restituição à Requerente dos montantes de € 78.945,34 (2012) e de € 84.436,43 (2013), e bem assim o pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre estes montantes, contados, até ao integral reembolso dos mesmos, desde o termo da data para o correspondente reembolso oficioso do imposto, isto é, desde 1 de setembro de 2013 e 1 de setembro de 2014, respetivamente.
Em 29 de maio de 2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra as referenciadas autoliquidações de IRC respeitantes os exercícios de 2012 e de 2013, a qual, não obstante o prazo de quatro meses legalmente previsto para o efeito, não foi objeto de qualquer decisão, até à data em que foi apresentado o pedido de pronúncia arbitral, pelo que se presume o seu indeferimento tácito em 29 de Setembro de 2015 (cf. artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT).
Em síntese conclusiva, a Requerente alega que quer o indeferimento da reclamação graciosa, quer as autoliquidações de IRC (incluindo as suas taxas de tributação autónoma) atinentes aos exercícios de 2012 e de 2013, padecem de vício de violação de lei, porquanto não deve ser vedada a dedução do pagamento especial por conta à parte da coleta de IRC correspondente às taxas de tributação autónoma. Nessa medida, deve:
«a) ser declarada a ilegalidade e anulado o indeferimento da reclamação graciosa na medida em que recusou a anulação da parte ilegal (…) das autoliquidações de IRC nas partes produzidas pelas taxas de tributação autónoma, dos exercícios de 2012 e 2013, com isso violando o princípio da legalidade;
b) ser declarada a ilegalidade destas autoliquidações (e serem consequentemente anuladas), nas partes correspondentes aos montantes de € 78.945,34 (2012) e € 84.436,43 (2013);
c) ser, consequentemente, reconhecido o direito ao reembolso destes montantes, bem como, o direito aos juros indemnizatórios calculados sobre os montantes de € 78.945,34 e € 84.436,43, contados, até ao integral reembolso dos mesmos, desde o termo da data para o correspondente reembolso oficioso do imposto, isto é, desde 1 de Setembro de 2013 e 1 de Setembro de 2014, respectivamente;
d) subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas (e serem consequentemente anuladas) por ausência de base legal para a sua efectivação (cfr. artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), com o consequente reembolso dos mesmos montantes e o pagamento de juros indemnizatórios contados das mesmas datas.»
2.1. A Requerente remata o seu articulado inicial peticionando o seguinte:
«Nestes termos, deve ser declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa supra melhor identificada e, bem assim, a ilegalidade das autoliquidações de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, do Grupo Fiscal B… de que é sociedade dominante a A…, relativas aos exercícios de 2012 e 2013, no que respeita aos montantes de taxas de tributação autónoma em IRC de € 78.945,34 (2012) e € 84.436,43 (2013), respectivamente, com a sua consequente anulação nestas partes por afastamento indevido das deduções à colecta, atenta a manifesta ilegalidade das liquidações nestas partes, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à Requerente destas quantias, acrescido de juros indemnizatórios calculados sobre os montantes de € 78.945,34 e € 84.436,43, contados, até ao integral reembolso dos mesmos, desde o termo da data para o correspondente reembolso oficioso do imposto, isto é, desde 1 de Setembro de 2013 e 1 de Setembro de 2014, respectivamente. Subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas (e serem consequentemente anuladas) por ausência de base legal para a sua efectivação (cfr. artigo 8.º, n.º 2, alínea a) da LGT e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), com o consequente reembolso dos mesmos montantes e o pagamento de juros indemnizatórios contados das mesas datas.»
3. No dia 11 de abril de 2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
3.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:
O caráter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspetos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC.
Efetivamente – diz a Requerida –, a integração das tributações autónomas no CIRC conferiu uma natureza dualista, em determinados aspetos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, por força de obedecerem a regras diferentes; porquanto, num caso, trata-se da aplicação das taxas do artigo 87.º do CIRC à matéria coletável determinada segundo as regras contidas no Capítulo III do CIRC e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias coletáveis relativas às diferentes realidades contempladas no artigo 88.º do CIRC.
Assim – prossegue a Requerida –, não existe uma liquidação única de IRC, mas sim dois apuramentos, isto é, dois cálculos distintos que, apesar de processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo Código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma materializa-se na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º e 88.º do CIRC, às respetivas matérias coletáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.
Conclui, então, a Requerida que o valor apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC não tem um caráter unitário, uma vez que compreende montantes apurados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas no n.º 2 do mesmo artigo 90.º só podem ser efetuadas à parte da coleta do IRC com a qual exista uma correspondência direta, de modo a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do IRC.
Com efeito – salienta a Requerida –, para a base de cálculo dos pagamentos por conta (cf. artigo 105.º, n.º 1, do CIRC) apenas é considerado o IRC apurado a partir da matéria coletável determinada segundo as regras do Capítulo III do CIRC e as taxas do artigo 87.º do mesmo Código. Desta forma, a delimitação do conteúdo da expressão utilizada no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, “montante apurado os termos do número anterior”, e no n.º 1 do artigo 105.º do CIRC, “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º”, deve ser feita de forma coerente; nessa medida, deve ser-lhe atribuído, em ambos os preceitos, um sentido unívoco, o que equivale a dizer que corresponde ao montante de IRC calculado mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria coletável determinada com base no lucro. Sendo essa a única e consistente interpretação da expressão “montante apurado os termos do número anterior” com a natureza das deduções referidas nas alíneas do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC.
Acrescenta ainda a Requerida que prosseguir na esteira do entendimento preconizado pela Requerente teria como consequência lógica e inerente ao funcionamento do IRC que os valores apurados a título de tributações autónomas, se entendidos como integrantes duma coleta única, fossem tidos em conta no cálculo dos pagamentos por conta.
Segundo a Requerida, o traço comum a todas as realidades refletidas nas deduções referidas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria coletável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.
A Requerida sustenta ainda que a natureza jurídica do PEC, revelada pela sua configuração como “instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição a se”, bem como pela função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante de IRC apurado sobre a matéria coletável determinada com base no lucro.
Por isso, afigura-se destituída de qualquer sustentação legal a pretensão da Requerente de deduzir o montante suportado em sede de pagamento especial por conta à coleta produzida pelas tributações autónomas nos anos de 2012 e 2013.
Relativamente às anomalias que a Requerente afirma existirem no sistema informático da AT, a Requerida contrapõe que este mesmo sistema não pode permitir ou consagrar o que a lei não dispõe, pois o sistema e as aplicações informáticas da AT deverão ser um reflexo dos preceitos legais em vigor em cada momento.
Noutra ordem de considerações, a Requerida refuta que sejam devidos quaisquer juros indemnizatórios à Requerente e, mesmo que fosse configurável a procedência desse pedido, o seu cômputo sempre teria como termo inicial a data em que ocorreu o indeferimento da reclamação graciosa e nunca o momento indicado pela Requerente.
A finalizar, a Requerida chama à colação o artigo 133.º, que aditou o n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC, com os efeitos previstos no artigo 135.º, ambos da LOE 2016, nos quais se preconiza, com caráter interpretativo, que “[a] liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”.
A Requerida remata assim o seu articulado:
«Nestes termos e nos mais de Direito, e com o douto suprimento de V. Exa, deve o presente pedido de pronuncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.»
3.2. A 21 de abril de 2016, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).
4. A Requerente prescindiu da inquirição das testemunhas por si arroladas, tendo então o Tribunal dispensado a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e fixado o dia 2 de setembro de 2016 como data limite para a prolação do acórdão arbitral.
5. Ambas as Partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.
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II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
O processo não enferma de nulidades.
As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.
Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa dois atos de autoliquidação de IRC, sendo peticionada a anulação parcial de cada um deles – em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).
Não existem quaisquer exceções ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade comercial, à qual era aplicável, nos anos de 2012 e 2013, para efeitos de tributação, o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC.
b) O grupo fiscal do qual fazia parte a Requerente, na qualidade de sociedade dominante – “Grupo Fiscal B…” –, era ainda constituído pelas sociedades “C…, S. A.”, “D…, S. A.”, “E…, S. A.” e “F…, S. A.”.
c) A Requerente procedeu, em 31 de maio de 2013, enquanto sociedade dominante, à submissão eletrónica da declaração de rendimentos (modelo 22) de IRC, referente ao exercício de 2012, do “Grupo Fiscal B…”, tendo nesse momento procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC, no montante de € 78.945,34. [cf. documentos n.ºs 1 e 7 anexos à P. I.]
d) A Requerente procedeu, em 30 de maio de 2014, enquanto sociedade dominante, à submissão eletrónica da declaração de rendimentos (modelo 22) de IRC, referente ao exercício de 2013, do “Grupo Fiscal B…”, tendo nesse momento procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC, no montante de € 84.436,43. [cf. documentos n.ºs 2 e 7 anexos à P. I.]
e) As declarações de rendimentos (modelo 22) de IRC referidas nos factos c) e d) originaram a liquidação de IRC n.º 2013 … de 14.06.2013, na qual foi apurado um reembolso no valor de € 69.555,80, referente ao ano de 2012, e a liquidação de IRC n.º 2014 … de 21.07.2014, na qual foi apurado um reembolso no valor de € 19.495,02, referente ao ano de 2013. [cf. PA junto aos autos]
f) A Requerente procedeu, em 29 de maio de 2015, à substituição da declaração de rendimentos (modelo 22) de IRC do “Grupo Fiscal B…”, referente ao ano de 2013, mantendo-se todavia inalterados quer o montante apurado de tributações autónomas em IRC, quer o montante de imposto a ser reembolsado à Requerente/“Grupo Fiscal B…”. [cf. documento n.º 3 anexo à P. I.]
g) O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos de apuramento do imposto por si devido, ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas os montantes de pagamentos especiais por conta.
h) Relativamente aos pagamentos especiais por conta efetuados pela Requerente, subsiste um montante acumulado por deduzir à coleta de IRC que ascende a € 230.022,07 (correspondente aos pagamentos especiais por conta disponíveis nos períodos de tributação de 2009 e 2011), em 2012, e a € 246.513,73 (correspondente aos pagamentos especiais por conta disponíveis nos períodos de tributação de 2009, 2011 e 2012, expurgado do montante de tributação autónoma referente ao exercício de 2012), em 2013. [cf. documentos n.ºs 5 e 6 anexos à P. I.]
i) Em 29 de maio de 2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra as referidas autoliquidações de IRC respeitantes aos anos de 2012 e de 2013 – que foi autuada sob o n.º …2015… no Serviço de Finanças de … - … –, na qual peticionou o seguinte: [cf. documento n.º 4 anexo à P. I. e PA junto aos autos]
«…solicita-se a V. Exa. que seja efectuada a correcção da autoliquidação de IRC dos períodos de tributação de 2012 e 2013, determinando-se a restituição dos montantes de € 78.945,34 e € 84.436,43, referentes ao imposto não reembolsado à Reclamante relativamente aos referidos períodos de tributação, bem como dos respectivos juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre aquele montante e até ao efectivo e integral pagamento do mesmo por parte da AT.»
j) Nem no prazo de quatro meses, contado a partir da entrada da respetiva petição no competente serviço da AT, nem posteriormente e, pelo menos, até ao dia 24 de dezembro de 2015, inclusive, a referenciada reclamação graciosa foi objeto de qualquer decisão expressa, pelo que se presume tacitamente indeferida em 29 de setembro de 2015, nos termos previstos no artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT. [cf. PA junto aos autos]
k) Em 24 de dezembro de 2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]
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§2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.
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§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos e no processo administrativo juntos aos autos.
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III.2. DE DIREITO
O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, estatui que o tribunal deve apreciar prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, seguidamente, os vícios que conduzam à sua anulação (n.º 1). No concernente aos vícios que consubstanciem inexistência ou nulidade, o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. No tocante aos vícios que constituam anulabilidade, é estabelecido o mesmo critério, que só não será aplicável se o impugnante tiver estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao ato – o que é permitido pelo artigo 101.º do CPPT –, pois nesse caso é dada primazia à sua vontade (desde que o Ministério Público não tenha arguido outros vícios) (n.º 2).
As regras emanadas desta norma legal sobre a ordem de conhecimento de vícios destinam-se a tutelar o interesse do impugnante com a máxima economia processual, omitindo pronúncia sobre vícios invocados quando o vício ou vícios já reconhecidos impedem a renovação do ato com o mesmo sentido. Efetivamente, o estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios pressupõe que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do ato impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao ato, seria indiferente a ordem de conhecimento.
A tutela dos interesses ofendidos é mais estável quando a decisão impede a renovação do ato lesivo dos interesses do impugnante e será mais eficaz quando permitir ao interessado, em execução de julgado, obter uma melhor satisfação dos seus interesses, ofendidos pelo ato anulado.
Volvendo ao caso concreto, temos que a Requerente estabeleceu a aludida relação de subsidiariedade, materializada na dedução de pedidos subsidiários, tendo primacialmente arguido o vício de violação do artigo 90.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CIRC (redação aplicável ratione temporis) e, subsidiariamente, a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas por ausência de base legal para a sua efetivação, o que consubstancia violação do disposto no artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT e no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.
Como impõe a sobredita norma legal, será pois observada a vontade da Requerente quanto à ordem de conhecimento dos apontados vícios.
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§1. A natureza das tributações autónomas na jurisprudência e na doutrina
No sentido de com as tributações autónomas se tributar a despesa e não o rendimento aponta-se, entre o mais, o voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes, aposto no Acórdão n.º 204/2010 do Tribunal Constitucional, em que afirma, referindo-se às tributações Autónomas:
“Embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula, (….). Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta.
Deste modo, o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período, sendo irrelevante que esta parcela de imposto só venha a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC”.
Foi igualmente reconhecido pela jurisprudência do STA (2.ª secção, processo 830/11, de 21-03-2012) “que sob a designação de tributações autónomas se escondem realidades muito diversas, incluindo, nos termos do n.º 1 do (então) artigo 81.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas, que são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, que será elevada para 70%, nos casos de despesas efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola (n.º 2 do [então] artigo 81.º) e que não são consideradas como custo no cálculo do rendimento tributável em IRC.
Refira-se contudo que já as despesas de representação e as relacionadas com viaturas ligeiras, nos termos do disposto no (então) artigo 81.º n.º 3 do CIRC e ajudas de custo estão afectas à actividade empresarial e “indispensáveis” pelo que são fiscalmente aceites nalguns casos ainda que dentro de certos limites.
Por sua vez, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 18/11, diz-nos que existem factos sujeitos a tributação autónoma, que correspondem a “encargos comprovadamente indispensáveis à realização dos proveitos” e que por isso a proibição da aplicação retroativa da lei nova não se aplica, pois tais encargos teriam sido incorridos independentemente do regime fiscal aplicável: isto significa que a tributação autónoma também recai sobre encargos que correspondem ao núcleo do conceito de rendimento real, rendimento líquido e cumprimento de obrigações contabilísticas. Este argumento do Tribunal Constitucional, a propósito da aplicação retroativa da lei fiscal às tributações autónomas (e esta matéria da aplicação da lei no tempo não cabe no objeto desta decisão), interessa-nos apenas salientar que o Tribunal reconhece que este regime constitui uma limitação à tributação do rendimento real (a qual é garantida pelo artigo 104.º n.º 2 da CRP).
Em recente Acórdão (n.º 310/12, de 20 de Junho, Relator Conselheiro João Cura Mariano), o Tribunal Constitucional vem reformular a doutrina do Acórdão n.º 18/11, aproximando-se do então voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes e do Acórdão do STA n.º 830/11, todos citados nos parágrafos anteriores, nos termos seguintes. “Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.
Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC). Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo. Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso). Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.”
Jurisprudência reiterada pelo Acórdão do Plenário, no Acórdão n.º 617/2012, processo n.º 150/12, de 31/1/2013 e no Acórdão n.º 197/2016, processo n.º 465/2015.
Em relação à doutrina constatamos que, no essencial, o conceito e a natureza das tributações autónomas não se afasta substancialmente do entendimento da jurisprudência produzida pelo Tribunal Constitucional.
Como refere RUI MORAIS, “está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas com constituindo factos tributários. É difícil descortinar a natureza desta forma de tributação e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento.” (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 202-203).
No mesmo sentido, JOSÉ ALBERTO PINHEIRO PINTO afirma que “não se trata propriamente de IRC – que visa tributar o rendimento das pessoas colectivas e não despesa por elas efectuadas -, mas da substituição de uma tributação de rendimentos “implícitos” de pessoas singulares, que se considera não exequível directamente”. Também CASALTA NABAIS considera que se “trata de uma tributação sobre a despesa e não sobre o rendimento” (CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 6.ª Ed., p. 614. No mesmo sentido, cfr. ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal, Lições, 2015, p. 237).
Em suma, alguma doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores e do Tribunal Constitucional consideram que as tributações autónomas são factos tributários autónomos, que incidem sobre a despesa. Assim, apesar de inseridas formalmente no Código do IRC, dizem respeito a uma tributação distinta do imposto sobre o rendimento.
Acresce que é aceite pela generalidade da doutrina e jurisprudência que as tributações autónomas visam prevenir práticas abusivas de remuneração de trabalhadores, gerentes e sócios/acionistas da sociedade. Como refere SALDANHA SANCHES, “Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida de taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal.” (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, 2007, p. 406). “Trata-se de uma tributação que se explica pela necessidade de prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da sociedade, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionam…” (CASALTA NABAIS, Idem, p. 614).
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§2. A evolução da figura das tributações autónomas
Na redação inicial do Código do IRC, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, não se fazia nenhuma referência expressa ou implícita a tributações autónomas, no âmbito do IRC. Só com a Lei n.º 101/89, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 1990, foi feita uma primeira referência a tributações autónomas no âmbito do IRC, através da autorização legislativa que consta do n.º 3 do seu artigo 15.º, em que se preceitua o seguinte:
3 - Fica o Governo autorizado a tributar autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa agravada em 10% e sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respetivo Código.
Como é consabido, a origem no ordenamento jurídico fiscal português das tributações autónomas remonta a 1990, com a publicação do Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de Junho, onde concretamente no seu artigo 4.º, com relação a despesas confidenciais ou não documentadas se estabelecia uma tributação autónoma à taxa de 10% e, relativamente a despesas de representação e encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, uma taxa de 6,4%. Concretizando esta autorização legislativa, o Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 192/90, em que incluiu, à margem dos códigos do IRS e do IRC, uma norma sobre tributações autónomas em que se estabelece o seguinte:
Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho
Artigo 4.º
As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.
Esta norma e de uma forma geral, o regime das tributações autónomas, veio a ser objeto de diversas alterações (v. g. a Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro; a Lei n.º 87-B/97, de 31 de Dezembro; a Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril; a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro) nomeadamente através de sucessivas modificações, quer das taxas, quer da sistematização e redação às mesmas conferida, nos respetivos códigos sobre os impostos sobre os rendimentos, ou seja quer no CIRC, quer no CIRS.
Com a aprovação da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, o decreto que consagrou as “tributações autónomas” foi revogado, aditando-se ao CIRC o artigo 69º-A – correspondente à data dos factos subjacentes (2012 e 2013) ao artigo 88º, onde para além da manutenção da incidência destas às despesas não documentadas, às despesas de representação e às despesas com viaturas, se estendeu a mesma a outras situações da natureza diversa.
Podemos, assim, retirar duas ilações de princípio:
(i) A primeira é a de que as tributações autónomas incidem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis em sede de IRC;
(ii) A segunda é a de que as tributações autónomas visam evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos.
Em relação às tributações autónomas sobre despesas não dedutíveis, caso se admitisse a sua dedutibilidade, estaria a admitir-se a dedutibilidade de um encargo não indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Podendo, ter-se como assente, e para o que relevará no sentido da decisão a proferir no âmbito dos presentes autos os seguintes pressupostos:
(i) as tributações autónomas de IRC ancoradas nos diversos números e alíneas do artigo 88º do CIRC traduzem situações diversas, às mesmas cabendo também taxas de tributação diferentes;
(ii) as tributações autónomas de IRC incidentes sobre determinados encargos de sujeitos passivos de IRC devem ser entendidas como pagamentos independentes da existência ou não de matéria coletável;
(iii) interpretadas como pagamentos, associados ao IRC, ou com este pelo menos relacionado podendo entender-se como uma exceção no que respeita ao princípio da tributação das pessoas coletivas de acordo com o lucro real e efetivo apurado (artigo 3º do CIRC),
(iv) nas tributações autónomas, o facto tributário que dá origem à tributação é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinadas despesas que estão sujeitas a tributação (embora o apuramento do montante de imposto resultante das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesas considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário);
(v) o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não o transforma num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa;
(vi) a tributação autónoma não é equivalente à não dedutibilidade das despesas realizadas pelo sujeito de IRC.
Reconhecem-se aqui, assim, aquelas caraterísticas que há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:
a) A tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC. É isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a coleta e, consequentemente, o imposto a pagar;
b) Pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;
c) Trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efetiva entre contribuintes e tipos de rendimento;
d) Considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exata da componente que corresponde a consumo privado, e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.
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§3. A causa e a função das tributações autónomas em sede de IRC
É pacífico que as tributações autónomas radicam, como se aflorou, na necessidade de evitar abusos quanto à relevação de certos encargos ou despesas e que poderão ser facilmente objeto de desvio para consumos privados ou que, de algum modo, são suscetíveis de configurar formalmente um gasto da pessoa coletiva, mas que, substancialmente, representam ou podem configurar abusos em ordem a minimizar a medida real do imposto.
Ciente desta dificuldade de, muitas vezes, se efetuar uma separação rigorosa destas duas realidades, foi sucessivamente “enxertado”, conforme supra descrito, no regime de tributação do lucro real e efetivo estabelecido no CIRC, como padrão geral, um regime autónomo de tributação de certos gastos, no todo ou em parte indesejados e indesejáveis que contaminam os termos do dever de imposto, que assim, surge configurado abaixo da real capacidade contributiva da entidade que a releva como tal.
Nestes termos, na ontologia das coisas pode afirmar-se que as tributações autónomas surgem integradas no regime do IRC, são apuradas e devidas no âmbito da relação jurídica de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas e é no quadro dela que se efetua o seu apuramento. Mas não “são IRC”, tout court; para que o fossem teriam, desde logo, que tributar o rendimento, e isso não é o que sucede, em momento algum, pelo que, neste respeito, não nos parece necessário lucubrar mais profundamente. Embora exista – não se nega –, uma instrumentalidade evidente entre o IRC e o modelo de tributação da renda em Portugal e as tributações autónomas, facto de resto bem evidenciado na jurisprudência dos Tribunais Superiores e, em especial, do Tribunal Constitucional, prevalece o entendimento de que as tributações autónomas tributam despesas.
De facto, elas são um instrumento que, afastando-se e introduzindo alguma medida de entorse num sistema que declara tributar rendimentos reais e efetivos, afinal também tributa gastos, dedutíveis ou não em IRC. Sem que com isso fiquem violados os ditames constitucionais já que a norma aplicável (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) declara imperativa a tributação das empresas “fundamentalmente” sobre o seu rendimento real, sem prejuízo quer das situações de tributação segundo os lucros ou o rendimento real quando seja apurado por métodos indiretos, quer das situações de tributação de gastos objeto de tributação autónoma por expressa opção de lei, do estabelecimento de soluções técnicas como é o caso do pagamento especial por conta e das regras específicas visando a sua devolução.
Vale lembrar, a propósito, que nem os sistemas fiscais nem os modelos de imposição concreta correspondem a modelos puros, isentos de elementos de estraneidade ao próprio sistema fundacional, de valores, ou ao próprio regime geral de um qualquer imposto abstratamente considerado. Todos os impostos possuem caraterísticas ou soluções que, quando vistas isoladamente, podem representar objetivamente uma descaraterização do modelo tal como na pureza dos conceitos foi concebido, mas que, quando articuladas com o modelo, se verifica que concorrem para a sua efetividade, e lhe conferem ou reforçam a sua coerência.
Essas soluções, mais pragmáticas ou específicas, não ferem tais ditames valorativos essenciais, sejam eles de proteção da receita ou de densificação dos ideais valorativos gerais (da ordem tributária) ou específicos do imposto, como é o caso da necessidade de evitamento de abusos. Desde que, eles mesmos não sejam de tal modo relevantes que abjurem o modelo de tributação-regra ou falseiem estruturalmente os valores em que radica.
Embora, no caso, a opção da lei fundamental e da lei ordinária, por consequência, haja sido claramente no sentido de tributar o rendimento das pessoas coletivas e, nas formas possíveis de apuramento deste, se haja escolhido a tributação do rendimento real e efetivo como manifestação do mais elevado padrão de justiça fiscal, a verdade é que o sistema sempre conheceu desvios mais ou menos relevantes. Seja porque certos gastos não são considerados como tal pela lei fiscal embora objetivamente possam ser imputáveis a uma atividade comercial, seja porque a lei fiscal, reconhecendo essa essencialidade, teme a ocorrência de abusos, como é o caso das tributações autónomas, genericamente falando.
Em parte este afastamento da pureza dos conceitos é uma consequência inevitável da complexidade das relações da vida, seja porque modelos de imposição fiscal puros são mais onerosos de implementar e gerir já que requerem informação relevante muito mais apurada, seja porque no campo dos impostos, como noutros campos da vida, há que temperar o ideal de justiça consagrado com soluções de razoabilidade normativa na qualificação dos factos relevantes e técnica nas soluções e exigências a estabelecer. Tudo para evitar que os modelos tributários sejam excessivamente complexos e onerosos deixando de atingir e realidades e práticas que mitiguem a carga tributária ou concorram para uma má distribuição da mesma.
Ora, deste balanceamento dos valores que suportam o dever de estabelecer / suportar imposto com as realidades da vida pode resultar a necessidade de estabelecer limites (fiscais ou outros) ao comportamento dos sujeitos passivos, em ordem a manter dentro de padrões gerais de equilíbrio, as soluções legais do sistema.
Por outro lado, importa ter presente, porque isso releva para efeitos da decisão a tomar, que as tributações autónomas configuram normas anti - abuso dirigidas a racionalizar comportamentos específicos dos contribuintes face ao dever de imposto, pelos quais tradicionalmente conseguiam alcançar uma medida de imposto inferior ao que o evidenciava a sua capacidade contributiva efetivamente revelada mas que, mercê, desses comportamentos abusivos era passível de ser mitigada ou eliminada. E com evidente violação ou postergação do princípio da justiça, de justa repartição da carga fiscal por quem revela capacidade contributiva.
Consequentemente, faz sentido admitir que se façam deduções gerais à coleta do imposto, que são permitidas por lei para dar sentido efetivo ao princípio da tributação do rendimento real e efetivo. Mas que, com relação à coleta devida por tributações autónomas, essa dedução geral deixa de fazer sentido porque, não tributando os lucros, mas despesas, não se coloca, quanto a elas, a questão da justiça na repartição do encargo geral do imposto, pelo que seria ilógico permitir a dedução de encargos quando tal dedução, na prática, destruiria o sentido anti abusivo que as impregna; o desincentivo de comportamentos desviantes que a sua instituição reprime ou dirime.
Ora, as tributações autónomas, como parece claro, não têm uma finalidade marcadamente reditícia, isto é, não visam, primacialmente, a obtenção de (mais) receita fiscal, embora este possa não ser um aspeto despiciendo, verificável. Elas visam dissuadir comportamentos, práticas ou opções das empresas radicadas em razões essencialmente de natureza de poupança fiscal, reditícia. Por outro lado, preservam os equilíbrios próprios do regime de tributação das pessoas coletivas, evitando distorções não apenas ao nível dos resultados tributáveis, como ondas de comportamentos desviantes, afetadores da expetativa jurídica da receita, em cada ano económico.
E forçam, através destas cláusulas gerais anti abuso, a manutenção de uma correlação saudável entre os volumes de negócios, os lucros tributáveis e o imposto devido a final pelas entidades sujeitas a IRC, em linha com os níveis médios de carga fiscal efetiva que recai sobre os diferentes grupos de contribuintes, dentro do sistema fiscal português e, até, comparativamente com a dos estados membros da OCDE ou fora dela.
As tributações autónomas, incluindo as previstas na al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC têm, pois, uma função disciplinadora geral que não é alheia às finalidades sistémicas do imposto. E isto porque elas – as tributações autónomas – como mecanismo anti abuso, não são alheias aos fins gerais do sistema fiscal.
A adoção de regimes legais que limitem os efeitos nefastos que resultem de comportamentos afetadores da equilibrada repartição da carga fiscal sobre os diferentes grupos de contribuintes não constitui apenas uma opção do legislador, mas é, antes, uma obrigação estrita, em resultado na obrigatoriedade de gizar e fazer funcionar o sistema como um todo de forma equilibrada. As tributações autónomas introduzem, é certo, mecanismos de tributação que, naturalmente, desagradarão aos seus destinatários, mas impedem ou limitam os efeitos nefastos de práticas abusivas que prejudicariam outros e são, por isso, necessárias à preservação dos equilíbrios do sistema. Ora, as empresas, tal como as pessoas singulares, também estão sujeitas e com a mesma intensidade ao dever geral de pagar impostos e, nesta medida, a lei fiscal não pode deixar de consagrar mecanismos que limitem procedimentos desviantes. Exatamente porque cada um deve suportar imposto segundo pode, isto é, segundo são as suas capacidades contributivas reveladas.
Importa notar que nos nossos dias se adotou, como regra geral, o regime da tributação segundo o rendimento real e efetivo para as pessoas coletivas. Ora, este não constitui apenas uma mera opção de funcionamento do sistema fiscal, de entre várias outras possíveis. Ela é, antes, uma manifestação concreta da modernidade e da maturidade de um sistema fiscal que exige dos seus destinatários / beneficiários uma madureza da mesma estatura pois representa também uma nova forma de responsabilização ética e social perante o fenómeno do imposto (a propósito das questões sobre os limites da moral face ao imposto vejam-se SUSANNE LANDREY, STEF VAN WEEGHEL e FRANK EMMERINK). Pois que existe uma interligação profunda e indiscutível entre o direito e a moral (JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 9.ª Reimp. pp. 50 e segs.).
Como referiu oportunamente SALDANHA SANCHES, citado na Decisão arbitral 187/2013-T, pp. 28, que as tributações autónomas constituem uma forma de obstar a atuações abusivas: “... que o “normal” funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis. Este caráter anti abuso das tributações autónomas, será não só coerente com a sua natureza “anti sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que o cita. Elas “terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular)” (A Decisão Arbitral do CAAD 210/13-T fala em “despesas que partilham entre si um risco de não empresarialidade, isto é, um risco de não serem realizadas com fins empresariais, mas sim extra-empresariais ou privados”.
Todas estas considerações convocam o que nos parece ser a verdadeira sententia legis, posto que a descoberta do verdadeiro sentido da lei constitui um imperativo, pois que importa assegurar que a atividade do intérprete atinja um sentido interpretativo pelo qual a lei exteriorize o seu sentido mais benéfico, mais profícuo e mais salutar, no dizer de FRANCESCO FERRARA, no seu Interpretação e Aplicação das Leis, Arménio Amado, editores, 1978, p. 137 e segs. Por outro lado, o sentido lógico da interpretação não nos conduz senão no sentido de que as tributações autónomas assentam numa lógica segundo a qual a lei pretende evitar ou desincentivar tais pessoas coletivas de relevar (abusivamente) como gastos valores relativos a bónus ou remunerações variáveis. É a relevação como gasto para efeitos de IRC, na sua inteireza, que se pretende desincentivar.
Fazendo apelo à ratio legis fica claro que as tributações autónomas são cobradas no âmbito do processo de liquidação do IRC de acordo com uma raiz e uma dogmática próprias que levam a que a coleta total do imposto não seja uma realidade unitária mas composta (MANUEL DE ANDRADE, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis). Assim, é nela possível descortinar a coleta de imposto propriamente dita, resultante da mecânica geral de apuramento do IRC, que é devida com fundamento constitucional assente no dever geral de cada um (neste se englobando as pessoas coletivas) de contribuir para as despesas públicas segundo os seus haveres (artigo 103.º, n.º 1 da CRP). Tudo no respeito e em cumprimento dos princípios da justiça, da igualdade e do dever de pagar imposto segundo a capacidade contributiva revelada. E a que se deduzem as importâncias referidas no artigo 90.º do CIRC e nos termos e modos ali referenciados.
A esta coleta geral, radicada neste fundamento de ordem fundacional, adiciona-se a coleta específica, devida por tributações autónomas, que tem, como se deixou claro, uma raiz, um sentido e um fundamento próprios, qual seja o de desincentivar a adoção dos comportamentos por elas tributados, elencados no artigo 88.º do código, que configura, com é pacífica doutrina, uma norma anti abuso, o que nos permite convocar aqui toda a dogmática própria em que se fundamenta. Sendo que, neste caso, por se tratar de cumprir finalidades que extravasam os fins puramente reditícios do imposto, para se situar no campo dos comportamentos que a lei considera abusivos e / ou não desejados, nos parece claro que não faz sentido que se lhe efetuem deduções, sob pena de se esvaziar, na prática, de qualquer sentido o regime anti abusivo criado.
Atento o que vai exposto, estamos agora em condições de analisar o pedido da Requerente, quanto à legalidade da dedução do pagamento especial por conta à parte da coleta de IRC correspondente às taxas de tributação autónoma.
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§4. A evolução do pagamento especial por conta de IRC e seu regime
A génese e a evolução do pagamento especial por conta (PEC) desenvolvem-se em três estádios, designadamente (i) o regime que vai do seu nascimento até ao ano 2000; (ii) o regime aplicável aos exercícios de 2001 e 2002; e o regime subsequente que vigora até hoje.
Na sua versão inicial o PEC foi apresentado como ferramenta de melhoria do sistema, que era e é muito baseado na declaração dos rendimentos pelos contribuintes. A sua introdução no sistema fiscal foi simultânea com a redução da taxa geral do IRC em dois pontos percentuais. A ocorrência dos dois factos não é coincidência; por um lado, reduziu-se a taxa aplicável aos contribuintes pagadores de imposto; através do PEC promoveu-se o pagamento especial de quantia a título de imposto, ainda que a título provisório, pelos sujeitos passivos que apesar de continuarem a desenvolver a sua atividade ano após ano, persistiam em declarar rendimentos negativos ou nulos, escapando à tributação efetiva. É pois, como medida de combate às “práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou de empolamento de custos” que o PEC foi justificado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 44/98, de 3 de março, que o instituiu.
A provisoriedade do pagamento do imposto residia afinal na possibilidade de deduzir as quantias pagas como PEC ao IRC apurado nos termos gerais, fixados no artigo 71.º do CIRC então vigente (do qual ainda não faziam parte as tributações autónomas), embora essa dedução só fosse possível se apesar dessa operação o valor do imposto a pagar fosse positivo (artigo 71.º, n.º 6, do CIRC 1998). Não havendo IRC a pagar nos termos gerais, o valor do PEC satisfeito podia ser reportado para o exercício seguinte (artigo 74.º-A, n.º 1) ou reembolsado mais tarde (artigo 74.º-A, n.º 2). Procurava-se assim garantir que a generalidade dos sujeitos passivos satisfizesse valor por conta do IRC, calculado provisoriamente sobre o volume de negócios do exercício anterior (artigo 83.º-A). No fundo, ficcionava-se que todas as empresas teriam por tendência um lucro tributável, calculado de acordo com os parâmetros gerais, equivalente a 1% do seu volume de negócios do ano anterior, acertando-se posteriormente a conta se assim não fosse.
A reforma do IRC operada em 2000-2001 através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro reduziu o caráter de pagamento por conta que o imposto tinha, impedindo o seu reembolso enquanto o contribuinte se mantivesse em atividade e impôs que o reporte das quantias satisfeitas fosse feito apenas até ao quarto exercício subsequente (artigo 74.º-A, n.º 1, do CIRC 2001). Desta norma restritiva resulta, pela primeira vez, a possibilidade do PEC se transformar em coleta mínima (TERESA GIL, Pagamento Especial por Conta, Revista Fisco. Ano XIV, (março 2003), n.º 107-108, p. 12) quando não fosse possível deduzir as quantias satisfeitas, por esgotamento do período de reporte. Em síntese é possível afirmar que as alterações introduzidas nesta reforma não só mantiveram como acentuaram a tónica de combate à evasão fiscal que tinha animado a introdução do PEC. Apesar de nesta ocasião as “tributações autónomas” terem sido introduzidas no CIRC, não foi previsto qualquer mecanismo de articulação entre os dois instrumentos.
A terceira configuração do PEC é introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, que no seu artigo 27.º introduziu um novo regime da dedutibilidade do PEC no artigo 87.º, n.º 3, do CIRC, repondo a possibilidade de reembolso das quantias entregues a título de pagamento especial por conta e não abatidas na liquidação anual de IRC. Manteve-se ainda aqui o caráter de medida de perseguição da evasão fiscal, embora se tenha aligeirado, sem o abolir completamente, o cunho de coleta mínima, face aos apertados condicionalismos impostos para o reembolso.
Dispõe o artigo 104.º do CIRC que: “As entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:
a) Em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos nºs 2 e 3 do artigo 8.º, no 7.º mês, no 9.º mês e no dia 15 do 12.º mês do respectivo período de tributação;
(…)”
E o artigo 106.º do CIRC dispõe: “Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º, os sujeitos passivos aí mencionados ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a efectuar durante o mês de Março ou em duas prestações, durante os meses de Março e Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adoptarem um período de tributação não coincidente com o ano civil, nos 3.º e 10.º meses do período de tributação respetivo.”
Do que antecede resulta a obrigatoriedade, para os sujeitos passivos de IRC, de efetuar pagamentos por conta do IRC que será devido a final. Como é sabido, a técnica dos pagamentos por conta consiste, no geral, num mero mecanismo de antecipação do imposto que venha a ser devido a final. Trata-se, como é pacificamente aceite, de um meio que tem vantagens para o Estado pois permite-lhe antecipar o recebimento do imposto, ao mesmo tempo que assegura a sua coleta no momento ou à medida que o rendimento se produz, sem prejuízo do apuramento final e com observância do apuramento do que for devido segundo o método geral de tributação pelo lucro real.
É verdade que a razão de ser dos pagamentos por conta e do pagamento especial por conta, partindo deste tronco comum - já que, inequivocamente, ambos são o produto de uma técnica tributária pela qual a coleta do imposto devido a final é antecipada – diverge pois, ainda assim, apresentam (no segundo caso), justificações algo diferenciadas. Ao passo que a razão de ser dos pagamentos por conta se esgotam, a nosso ver, nos fundamentos supra evidenciados, já o pagamento especial por conta, não perdendo essa finalidade de vista, tem ainda uma outra que se lhe adicionou. Com efeito, como bem se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 113/2015-T, “na doutrina e na jurisprudência o regime do PEC sempre foi tido como sistema para evitar a evasão fiscal e para garantir o pagamento de imposto por todas as empresas em atividade.” É, também isso que resulta do trabalho doutrinário desenvolvido pelo Tribunal Constitucional. Do seu acórdão n.º 494/2009, resulta que o PEC, no recorte que que lhe foi dado no CIRC, está também “indissociavelmente ligado à luta contra a evasão e fraude fiscais”, procurando garantir que os rendimentos manifestados pelos contribuintes “correspond[i]am ao rendimento tributável realmente auferido”.
O citado Acórdão n.º 494/2009 do Tribunal Constitucional identifica múltiplos trabalhos científicos que se pronunciaram no mesmo sentido, como é o caso de Teresa Gil (ob. e loc. cit.) que deu conta das circunstâncias que rodearam a introdução do PEC, designadamente das dificuldades na aplicação do princípio da tributação pelo lucro real, constatadas face à “divergência que existe entre os lucros efetivamente obtidos e aqueles que são declarados pelas empresas e, portanto, objeto de tributação”.
Como se tem dito, e neste passo, fazemos nossas a síntese invocada na supra referida Decisão Arbitral, em que o regime atual do PEC é assim caracterizado por “(i) ter ligação indissociável à luta contra a evasão e fraude fiscais; (ii) ter sido introduzido no CIRC em março de 1998, antes das taxas de tributação autónoma que só passaram a fazer parte da sua sistemática na reforma de 2000-2001; (iii) na conceção do PEC previu-se a sua dedução à coleta na liquidação do IRC calculado sobre o rendimento real; (iv) a recuperação do crédito resultante do PEC está subordinada a condições de obtenção de rácios de rentabilidade próprios das empresas do sector de atividade em que se inserem ou à justificação da situação de crédito por ação de inspeção feita a pedido do sujeito passivo (87º-3 do CIRC).”
Questão subsequente é a de saber se estas razões especiais são de molde a permitir que se deduza à coleta das tributações autónomas quer benefícios fiscais a que o contribuinte tenha direito quer o próprio PEC. Quanto às primeiras já nos pronunciamos supra no sentido de tal impossibilidade. Quanto ao PEC o facto é que ele não é mais do que um pagamento por conta do IRC que será (presumivelmente) devido a final pelo sujeito passivo, ainda que com algumas caraterísticas especiais. E, logo assim, ele é IRC para todos os efeitos legais havendo, todavia, regras especiais para a sua devolução.
Ao contrário das tributações autónomas, que são coleta devida em razão de comportamentos que a lei deseja desincentivar e, por isso, penalizam a relevação de certos gastos pelas razões indicadas, no PEC do que se trata é de garantir que seja adiantado a título de IRC e sem prejuízo da sua dedução à coleta geral do imposto, apurada por efeito da operação de liquidação stricto sensu, certa medida do imposto.
Ora, como bem se refere na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 13/2015-T, “o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes.
Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório. Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 83º-2-e CIRC se insere, pois o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.
Em termos práticos a possibilidade de dedução do PEC às tributações autónomas implicaria que mesmo que determinada empresa estivesse eternamente em situação de prejuízo, nenhum imposto sobre o seu rendimento real teria que suportar, enquanto aplicasse o PEC à satisfação das tributações autónomas. Para mais as próprias tributações autónomas (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012, citado) perderiam o seu caráter anti abuso, passando a confundir-se afinal com o imposto calculado sobre o lucro tributável. Ora não são esses os objetivos do sistema de tributação do rendimento das pessoas coletivas e a melhor interpretação da norma contida no artigo 83º-2-e CIRC não é essa decididamente aquela que permite deduzir os pagamentos especiais por conta à coleta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma.”
Em suma, ponderáveis razões, derivadas das finalidades que se pretenderam alcançar legislativamente com a criação do pagamento especial por conta, justificam uma interpretação restritiva dos artigos 90.º, nº1, e 93.º, n.º 3, do CIRC, em especial da referência que neste último se faz “ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do CIRC”.
De realçar que este entendimento arbitral se encontra em sintonia com o novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado, como vimos, pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, ao estabelecer que ao montante apurado das tributações autónomas não são “efetuadas quaisquer deduções”.
Também, neste caso, o legislador se limitou a acolher, clarificando-a, uma solução que os tribunais, com o recurso às regras vigentes e por aplicação dos critérios de hermenêutica jurídica estavam em condições de extrair do regime a aplicar, o que aliás se limitou a fazer este coletivo, no caso dos autos, não tendo, pois, necessitado de aplicar este novo preceito legal.
No mesmo sentido, vai o Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 673/2015-T, onde a este propósito se concluiu igualmente, entre o mais, que a solução legal já resultava do teor literal do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC, “sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando haja razões ponderosas para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário optimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar.”
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§5. Do caso sub judice: subsunção ao bloco normativo aplicável
Apreciados os factos e a pretensão da Requerente no sentido de ver deduzida à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do PEC efetuado em sede de IRC, à luz de tudo quanto vem exposto, míster é concluir que tal pretensão não pode deixar de soçobrar.
Efetivamente, pelas razões expostas, a pretensão da Requerente tem necessariamente que improceder, uma vez que as autoliquidações de IRC controvertidas cumprem com a legalidade, pois assentam em correta interpretação e aplicação das normas legais supra citadas.
Nesta parametria, improcede totalmente o pedido de declaração de ilegalidade das autoliquidações de IRC referentes aos exercícios de 2012 e 2013, no que se refere à não dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas tributações autónomas do PEC efetuado em sede do IRC.
Ademais, improcede também o pedido subsidiário invocado pela Requerente, no sentido da declaração de ilegalidade das liquidações das tributações autónomas por ausência de base legal para a sua efetivação, com base nos artigos 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT e 103.º, n.º 3, da Constituição, preceito este que estabelece que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.
Consequentemente e pela mesma ordem de razões, improcede o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa n.º …2015… .
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§5. Do reembolso das quantias pagas e do pagamento de juros indemnizatórios
A Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT ao reembolso dos montantes de € 78.945,34 e de € 84.436,43, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios.
Uma vez que as autoliquidações de IRC controvertidas, incluindo as taxas de tributação autónoma, não enfermam de qualquer vício invalidante, sendo pois legais, não tem a Requerente direito ao reembolso daqueles montantes nem, inerentemente, ao pagamento de quaisquer juros.
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IV. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
- não declarar ilegais as autoliquidações de IRC referentes aos exercícios de 2012 e 2013, incluindo taxas de tributação autónoma, do Grupo Fiscal B… de que é sociedade dominante a Requerente;
- não declarar ilegal o indeferimento da reclamação graciosa n.º …2015…; e
- não reconhecer o direito da Requerente ao reembolso dos montantes de € 78.945,34 e de € 84.436,43 nem, inerentemente, ao pagamento de quaisquer juros.
b) Absolver a Requerida dos pedidos.
c) Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 163.381,77.
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CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 3.672,00 (três mil seiscentos e setenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
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Lisboa, 1 de julho de 2016.
Os Árbitros,
(Maria Fernanda Maçãs)
(Ricardo Rodrigues Pereira)
(Hugo Freire Gomes)