Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 749/2015-T
Data da decisão: 2016-07-15  IRC  
Valor do pedido: € 135.713,49
Tema: IRC - Tributações Autónomas; Dedução à Coleta.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1. RELATÓRIO

 

1.1 A…, SGPS S.A. (doravante designada por “A…” ou Requerente), sociedade anónima, número único de pessoa coletiva e matrícula…, com sede em Lugar…, …-…, concelho de …, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

 

1.2 É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 16 de dezembro de 2015 e notificado à AT em 22 de dezembro de 2015.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 5 de fevereiro de 2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, e o Tribunal foi constituído a 22 de fevereiro de 2016.

1.3 O pedido de pronúncia arbitral foi deduzido pela Requerente na qualidade de sociedade dominante do Grupo B… e, como tal, responsável pela autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), ao qual, nos períodos de tributação de 2012 e 2013, foi aplicável o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), tem por base o indeferimento da reclamação graciosa deduzida pela Requerente e tem por objeto a anulação parcial dos atos de autoliquidação de IRC relativos aos exercícios de 2012 e 2013, na medida correspondente à não dedução à tributação autónoma dos pagamentos especiais por conta (PEC) e do crédito fiscal do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) ao nível do Grupo Fiscal B… com a consequente ilegalidade no que respeita aos montantes de 70.911,70€ e 64.801,79€, respetivamente, para os anos de 2012 e de 2013, num total de € 135.713,49€.

 

A Requerente vem reagir contra tal indeferimento, continuando a sustentar a ilegalidade das autoliquidações de IRC do grupo fiscal B…, de que é sociedade dominante, por afastamento indevido das deduções à coleta.

 

A título subsidiário, para o caso de não se entender que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, peticiona a Requerente que seja declarada a ilegalidade da liquidação das tributações autónomas (e serem estas consequentemente anuladas) por ausência de base legal para a sua liquidação.

 

Pede a Requerente que, em consequência da pretendida anulação das liquidações em crise, seja a Requerida condenada a reembolsar-lhe as quantias referentes às liquidações em crise, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 1 de setembro de 2013 quanto a 70.911,70€, desde 30 de maio de 2014, quanto a 41.236,19€, desde 23 de dezembro de 2014, quanto a 75,64€ e desde 1 de setembro de 2014 quanto aos restantes 23.489,96€, até efetivo e integral pagamento.

 

No que respeita ao erro da AT, que, no entender da Requerente, sustenta o seu direito a juros, alega que o sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas, os PEC e o crédito fiscal do SIFIDE., i .e., aquele sistema não permite, pois, deduzir uma parcela dos pagamentos antecipados efetuados por conta do IRC que será devido a final – os PEC – nem o crédito fiscal do SIFIFDE a uma parte do IRC final efetivamente apurado – as tributações autónomas.

 

Ou seja, que, intencional ou inadvertidamente, a declaração Modelo 22 do IRC e respetiva articulação com a programação do sistema informático da AT impede que se deduza à coleta relacionada com as taxas de tributação autónoma em IRC, inscrita no campo 365 do quadro 10 da declaração Modelo 22 os PEC ainda por deduzir à coleta de IRC, a começar pelos mais antigos, bem como o crédito fiscal correspondente ao SIFIDE e que, no caso em apreço, o sistema informático da AT impediu que a requerente inscrevesse o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC, expurgado, i.e., deduzido, dentro das forças da coleta de IRC resultante da aplicação destas taxas, dos PEC ainda disponíveis (a começar pelos mais antigos) para abate à coleta do IRC e do crédito fiscal do SIFIDE, o que resultou num excesso de imposto pago por referência aos exercícios fiscais de 2012 e 2013 aqui em causa, na medida em que os PEC acumulados e o crédito fiscal do SIFIDE são mais do que suficientes para compensar, através da sua utilização, a coleta da tributação autónoma em IRC dos exercícios de 2012 e 2013 aqui em causa.

 

1.4. A AT respondeu, defendendo-se por impugnação, mantendo a decisão e indeferimento em crise.

 

No que se refere à natureza jurídica das tributações autónomas em IRC, defende que esta figura prossegue vários objetivos, que abarcam desde o originário propósito de evitar práticas de evasão e de fraude –, através de despesas confidenciais ou não documentadas, ou de pagamentos a entidades localizadas em jurisdições com regimes fiscais privilegiados, à substituição da tributação das vantagens acessórias sob a forma de despesas de representação ou de atribuição de viaturas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, na esfera dos respetivos beneficiários ­- até à finalidade de prevenir o fenómeno designado por “lavagem de dividendos” ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos.

 

Pelo que tem, entende, carácter autónomo decorrente da especial configuração dada aos aspetos material e temporal dos factos geradores, o que impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC.

 

Pelo que, conclui, para a base de cálculo dos pagamentos por conta apenas é considerado o IRC apurado com base na matéria coletável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do art.º 87.º do respetivo Código, pelo que a base de cálculo corresponde ao montante da coleta do IRC resultante da matéria coletável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo, o que equivale a dizer que corresponde ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art.º 87.º do Código do IRC à matéria coletável determinada com base no lucro. 

 

Daí resultando que o crédito pelas quantias entregues como PEC e o crédito relativo ao SIFIDE, não constituem créditos exigíveis de que os sujeitos passivos do IRC possam dispor, sendo por isso destituída de qualquer base a pretensão da ora Requerente de dedução do montante suportado em sede de PEC e do crédito fiscal do SIFIDE à coleta produzida pelas tributações autónomas nos anos de 2012 e 2013, respetivamente.

 

1.5. Notificadas da intenção do Tribunal em dispensar a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, as partes não vieram opor-se e apresentaram as suas alegações, nas quais mantiveram as posições já antes sustentadas.

 

2. SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.

 

3. MATÉRIA DE FACTO

 

3.1. Factos provados

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

 

a)      A A…, SGPS, S.A., ora Requerente, é uma sociedade gestora de participações sociais enquadrada no regime geral do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC);

b)      A Requerente era, à data dos factos, a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) previsto no artigo 69.º do Código do IRC, que tinha como sociedades dominadas: C…, S.A., D…S.A., E… Lda., F…S.A., G…SA, às quais se acrescenta a H…, S.A., com efeitos a 1 de janeiro de 2013, conforme Documento n.º 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral;

c)      A Requerente entregou no dia 31 de maio de 2013 e no dia 29 de maio de 2014 as declarações de IRC Modelo 22 do seu Grupo Fiscal, referentes aos exercícios de 2012 e 2013, respetivamente, sendo que, em 6 de outubro de 2014 e 5 de fevereiro de 2015, apresentou declarações de substituição das supra referidas declarações de IRC Modelo 22, conforme documentos n.º 2, 3, 4 e 5 juntos ao pedido de pronúncia arbitral;

d)     Nessas declarações referentes aos anos de 2012 e 2013, a Requerente autoliquidou tributações autónomas nos montantes de € 70.911,70 e € 64.801,79, respetivamente, conforme Documentos nº 2, 3, 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral;

e)      Na declaração de rendimentos Modelo 22 de substituição referente ao exercício de 2012, o grupo fiscal da Requerente apurou coleta de IRC no montante de € 10.259,88, à qual foram deduzidos PEC, no mesmo montante (não obstante, o montante total dos PEC passiveis de dedução ascendesse a € 373.000,00), pelo que o IRC liquidado foi nulo.

f)       Assim, naquela declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC foi apurado um montante de imposto a recuperar de € 23.125,12 – correspondente ao excesso das retenções na fonte de € 101.092,61 face à derrama municipal no valor de € 7.055,79 acrescida das tributação autónoma o valor de € 70.911,70 –, tendo foi pago pela Requerente a diferença entre este montante e o montante do imposto a recuperar apurado na primeira declaração de rendimentos Modelo 22 do exercício de 2012, conforme documento n.º 8, junto ao pedido de pronúncia arbitral;

g)      Na declaração de rendimentos Modelo 22 de substituição referente ao exercício de 2013, o grupo fiscal da Requerente apurou coleta de IRC no montante de € 10.811,15, à qual foi deduzido benefício fiscal do SIFIDE, no mesmo montante (não obstante, o montante total do crédito fiscal do SIFIDE ascendesse a € 127.033,54 e o montante dos PEC ascendesse a € 367.964,61), pelo que o IRC liquidado foi nulo;

h)      Assim, naquela declaração de rendimentos modelo 22 de IRC foi apurado um montante de imposto a pagar de € 41.311,83 – correspondente à diferença entre as retenções na fonte no montante de € 32.497,51, por um lado, e o valor de € 9.007,55 de derrama municipal e o montante de € 64.801,70 de tributações autónomas, por outro –, o qual foi pago em 30 de maio de 2014 (no montante de € 42.236,99) e 23 de dezembro de 2014 (no montante de € 75,64), conforme documento nº 9;  

i)        No final do exercício fiscal de 2013, o grupo fiscal de que é sociedade dominante a Requerente apresentava créditos de SIFIDE por utilizar no valor de € 116.222,39, conforme documento nº 10, junto ao pedido de pronúncia arbitral;

j)        Em 2012, subsistia um montante acumulado de PEC por deduzir à coleta do IRC que ascendia a € 362.740,12 e em 2013 a € 372.500,00, conforme documento n.º 12, junto ao pedido de pronúncia arbitral.

k)      O modelo de declaração Modelo 22 de IRC que constava do sistema informático da AT não permitia que a Requerente deduzisse o PEC e o SIFIDE à coleta de IRC resultante das taxas de tributação autónoma referente aos exercícios de 2012 e 2013;

l)        Em 22 de outubro de 2015, a ora Requerente deduziu reclamação graciosa das autoliquidações do IRC efetuadas nas declarações de rendimentos Modelo 22 do IRC do grupo fiscal dos períodos de tributação de 2012 e 2013, no sentido de serem deduzidos à coleta do IRC de 2012 resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma os PEC e deduzido à coleta do IRC de 2013 resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma o crédito fiscal do SIFIDE, conforme documento n.º 6, junto ao pedido de pronúncia arbitral.

m)    A referida reclamação graciosa foi totalmente indeferida por despacho datado de 07-10-2015, do qual a Requerente foi notificada no dia 14 de outubro de 2015, conforme documento nº 7, junto ao pedido de pronúncia arbitral.

n)      No dia 16 de dezembro de 2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2.Factos não provados

 

Não se constataram factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

3.3 Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto

 

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pela Requerente, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida.

 

No que concerne ao sistema informático, a AT não questiona que ele não permita deduzir os PEC e os créditos do SIFIDE à coleta de IRC, antes defende que esse é o funcionamento adequado.

 

 

4. QUESTÕES DECIDENDAS

 

A principal questão submetida à apreciação do Tribunal Arbitral é a de aferir se a Requerente, enquanto sociedade dominante do denominado Grupo Fiscal B…, composto pelas sociedades identificadas na matéria de facto, tem o direito de proceder à dedução, também à coleta de IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, dos referidos PEC e do crédito fiscal do SIFIDE, sendo, em caso afirmativo, ilegais as (auto) liquidações de IRC dos exercícios de 2012 e 2013.

 

Submetida ao Tribunal está ainda, a título subsidiário, caso dê resposta negativa à primeira questão, a questão da eventual ilegalidade e consequente anulação da liquidação das tributações autónomas, por ausência de base legal para a sua liquidação.

 

O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre o direito a juros indemnizatórios sobre as quantias pagas em consequência das (auto)liquidações em crise.

 

Cumpre, pois, decidir quanto ao mérito do pedido de decisão arbitral das liquidações de IRC sub judice e do eventual direito da Requerida a juros indemnizatórios.

 

Vejamos:

 

O regime das tributações autónomas em vigor nos exercícios de 2012 e 2013 é o resultado de numerosas alterações legislativas.

 

A sujeição de determinadas despesas a tributação autónoma surgiu com o Decreto-Lei n.º 192/90, de 2 de junho, num contexto de penalização da tributação das despesas confidenciais ou não documentadas incorridas pelas empresas.

 

Posteriormente, as tributações autónomas foram incluídas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, que veio integrar a previsão das tributações autónomas no diploma que regula o IRC.

 

Desde então, o regime das tributações autónomas tem vindo a passar por um processo de expansão progressiva, em parte ditado pela aparente intenção contínua de aumentar a receita fiscal por via deste mecanismo.

 

Tendo em conta o artigo 88.º do Código do IRC, a tributação autónoma incide, grosso modo, sobre as seguintes realidades: despesas não documentadas; encargos com viaturas; despesas de representação; ajudas de custo; importâncias pagas a não residentes; lucros distribuídos por entidades sujeitam a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção; gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a relação contratual; e ainda os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.

 

A Lei do Orçamento do Estado para 2014 introduziu algumas alterações na previsão das tributações autónomas[1], que, no entanto, não só não foram especialmente relevantes como não oferecem contributo para a presente discussão.

 

O artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, não deixa margem para qualquer dúvida razoável.

 

Na verdade, a redação da referida norma introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, prevê que “o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indirectamente incidam sobre os lucros” não são fiscalmente dedutíveis.

 

O posicionamento das duas vírgulas na letra da lei, uma antes e a outra depois da expressão “incluindo as tributações autónomas”, constante da atual redação do citado artigo 23.°-A, n.º 1, alínea a), do CIRC, afasta a possibilidade de defender que as tributações autónomas não sejam (parte do) IRC.

 

Ou seja, na atual redação do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a) do Código do IRC, o legislador não só esclarece que as tributações autónomas integram o IRC, senão enquanto imposto stricto sensu, pelo menos em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário, como também que as mesmas devem ter o mesmo tratamento para efeitos do cômputo do lucro tributável.

 

Aliás, este entendimento corrobora o que, à data dos factos, resultava do teor literal do artigo 12.º do Código do IRC, segundo o qual “as sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal, não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas”, do qual se conclui também que as tributações autónomas são IRC (são uma parte de IRC).

 

Ou seja, e em suma, o legislador entendia, e continua a entender, que as tributações autónomas integram o IRC, senão enquanto imposto stricto sensu, pelo menos em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário.

 

Deve-se, para além de tudo o mais, ter em conta, que a norma do artigo 45.º do CIRC situa-se num contexto de ampla discricionariedade legislativa. Ou seja, na definição do que sejam encargos dedutíveis ou não dedutíveis para efeitos fiscais, o legislador fiscal goza de uma ampla liberdade concretizadora. Daí que, não se possa dizer que esteja vedado ao legislador, pela “natureza” das tributações autónomas, excluí-la dos encargos dedutíveis para efeitos fiscais.

 

Entende-se, deste modo, que será legítimo ao legislador incluir ou excluir as tributações autónomas daquela categoria dos encargos dedutíveis para efeitos fiscais, independentemente da “natureza” que a doutrina ou a jurisprudência lhes surpreenda.

 

A questão, devidamente situada, será então a de determinar qual a intenção do legislador, expressa no texto legislativo, compreendido no seu todo.

 

E sob este prisma, a conjugação do teor do artigo 12.º do CIRC com o artigo 45.º, n.º 1, alínea a) do mesmo, não deixará grandes dúvidas, quanto ao entendimento legislativo de que as tributações autónomas, se não constituem IRC stricto sensu, integrarão seguramente o regime daquele imposto, e serão devidas a esse título.

 

Acresce ainda que nenhum óbice de princípio existe a que o legislador isole determinados tipos de rendimentos e lhes aplique taxas específicas, ou diferenciadas, como ocorre, por exemplo, nos casos previstos no artigo 4.º do atual CIRC.

 

De resto, nem o resultado, aparentemente tão contraintuitivo e impressionante, de poder ser devido o pagamento de imposto por via das tributações autónomas que ora nos ocupam, mesmo em caso de inexistência de um rendimento (positivo) no final do período de tributação, é coisa rara no regime do IRC.

 

Na verdade, em alguns casos de retenção na fonte a título definitivo, pode ocorrer o caso de o titular dos rendimentos sujeitos àquela retenção ter tido despesas que excedam os rendimentos.

 

Também no caso da operacionalidade de algumas das cláusulas antiabuso específicas (artigos 63.º a 67.º do CIRC), por força da consideração de custos, pode ocorrer que os sujeitos passivos sejam tributados por um lucro tributável ficto, na medida em que possa estar em causa a desconsideração de custos, efetivamente suportados, mas desconsiderados por abusivos. Poder-se-á dar o caso, assim, de um sujeito passivo ter de pagar IRC, não obstante ter tido, na realidade, prejuízos.

 

Tudo aquilo que se tem vindo a dizer, evidencia que a evolução do regime legal do IRC transmutou-o, transformando-o numa realidade complexa e multifacetada, aos mais diversos níveis, que se reflete, na matéria que nos ocupa nestes autos, na tal dualidade de natureza, que não prejudica, contudo, que se considere que o sistema, apesar de dual, é o mesmo.

 

Dito de outro modo, apenas faz sentido falar-se de um sistema dual, se o sistema em questão for, ainda, o mesmo. Caso contrário falar-se-ia não de um sistema de natureza dual, mas de dois sistemas distintos, o que, por tudo o que se vem dizendo, não será o que ocorre.

 

E, in casu, o sistema será o regime do IRC, que, operando ora pela receita, ora pela despesa, visa e prossegue as finalidades próprias daquele imposto, incluindo, evidentemente, a arrecadação de receita.

 

Reconhecem-se aqui, evidentemente, aquelas caraterísticas que há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:

a) a tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam, na maioria das situações, como componentes negativas do lucro tributável do IRC e é isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a coleta e, consequentemente, o imposto a pagar;

b) se trata de tratar desfavoravelmente esses gastos que, pela sua natureza, são facilmente desviados do consumo privado para o empresarial;

c) pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos, mas que continuam a evidenciar estruturas de consumo difíceis de compaginar com a saúde financeira das suas empresas;

d) modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio, tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efetiva entre contribuintes e tipos de rendimento;

e) materializar o reconhecimento de que não é fácil determinar a medida exata da componente de alguns desses gastos que corresponde a consumo privado.

 

 

Ao contrário do que por vezes se defende, as tributações autónomas não constituem, na sua génese, impostos especiais sobre o consumo, correspondendo a cada despesa um facto tributário, de formação instantânea.

 

Desde logo, porque uma tal conceção forçaria, em IRC, a que se apreciasse a respetiva constitucionalidade à luz do princípio da tributação pelo rendimento real das empresas e, por outro lado, porque não há aqui verdadeiramente uma manifestação de riqueza que deva ser tributada, além do que muitas das despesas sujeitas são também dedutíveis, reconhecendo-se assim que se relacionam com a atividade da empresa e não com gastos que manifestem capacidade contributiva.

 

As tributações autónomas têm como fundamento a presunção da existência de rendimento que deixou de ser tributado, não só em sede de IRC como de IRS. Como se explica na decisão do Tribunal Arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 209/2013-T, que decidiu negativamente quanto à questão da dedutibilidade das tributações autónomas como custo fiscal em sede de IRC, “trata-se de (…) uma forma de, indiretamente e através da despesa, tributar o rendimento”.

 

A parte da coleta de IRC que provém das tributações autónomas é calculada a partir dos elementos do imposto definidos no artigo 88.º do CIRC inserido no ‘Capítulo IV – Taxas’.

 

Este artigo delimita a matéria coletável das tributações autónomas, por um lado, e, por outro lado, enuncia as taxas das tributações autónomas, que são várias, consoante a natureza da matéria coletável a que se apliquem; por dependerem do tipo de sujeito passivo (v.g., entidade sem fins lucrativos, entidades isentas, entidade que desenvolva a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola), e ainda são dependentes do próprio desempenho económico do sujeito passivo de IRC, ao assumirem percentagens diferentes quando se apurar lucro ou prejuízo fiscal. A coleta que provém de tributações autónomas é função do resultado tributável, calculando-se a partir de duas expressões que são o produto da matéria coletável por uma taxa dependente do resultado tributável: uma taxa mais elevada quando se apurar um prejuízo fiscal e outra, inferior, quando o resultado tributável for positivo.

 

Assim, a coleta proveniente de tributações autónomas não poderá ser determinada de modo instantâneo e imediatamente a seguir a ter-se incorrido na despesa, pois depende do próprio resultado que é - ao contrário do que a AT pretende e com apoio na decisão proferida no Processo Arbitral n.º 113/2015-T - de formação sucessiva.

 

Também alguns gastos que não coincidem com as despesas que extinguem e que são sujeitas a tributação autónoma, nomeadamente as depreciações, são de formação contínua.

 

Posto isto, a questão essencial que interessa resolver, é se a liquidação das tributações autónomas é “apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC”, pois, se o for, terá de se concluir que as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC também poderão ser efetuadas à coleta proveniente das tributações autónomas.

 

A norma em crise é a do artigo 90.º do CIRC, sendo a alínea a) a que se aplica à liquidação feita pelo sujeito passivo (autoliquidação).

 

Era esta a redação do artigo resultante Lei n.º 3-B/2010 e vigente até 31.12.2013:

 

“1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos 

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

(...)

2 — Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

 

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

 

3 —(Revogado  pela  Lei n.º 3-B/2010-28/04, produzindo efeitos a partir de Janeiro de 2011, no que respeita ao regime simplificado - n.º 2 do artº92 da lei referida).

4 — Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

 5 — As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 — Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 — Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 — Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos nºs 2 a 4.

9 — Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

10 — A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.”

 

Assim, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, e visa apurar o imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional.

 

O Código do IRC refere-se, na sua versão atual, de modo expresso, às tributações autónomas apenas em cinco artigos, nomeadamente no art.º 12.º (ao excluir as tributações autónomas da isenção de IRC aplicável às sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal), no art.º 23.º-A, n.º 1 (ao explicitar que as tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável), no art.º 88.º (ao estabelecer as taxas e ao delimitar a matéria coletável das tributações autónomas), no art.º 117.º n.º 6 (a propósito da obrigação declarativa de entidades isentas de IRC ao abrigo do art.º 9.º, quando houver lugar a tributações autónomas) e no art.º 120.º n.º 9 (quanto à declaração periódica de rendimentos). Não existe no CIRC qualquer outra referência explícita às tributações autónomas.

 

Aliás, difere a redação atual daquela que esteve em vigor até 31.12.2013 apenas na novidade do artigo 23.º-A, o qual vem estabelecer que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os encargos associados à tributação autónoma, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação determinados encargos, sendo que a redação da alínea a) é esclarecedora: “o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros”.

 

Ou seja, não só o legislador expressa que o IRC inclui as tributações autónomas, como não existem no CIRC, designadamente, nos capítulos que tratam da incidência (Capítulo I), liquidação (Capítulo V) e pagamento (Capítulo VI) quaisquer outras referências expressas às tributações autónomas, do que é forçoso concluir que estão sujeitas, de modo genérico, aos demais artigos previstos no CIRC.

 

Não existe no CIRC outro artigo para além do art.º 90.º que se distinga o processo de liquidação das tributações autónomas do restante IRC. E, nestes termos, a liquidação de ambos - tributações autónomas e restante IRC - é única e tem o mesmo suporte legal. 

 

As tributações autónomas não resultam de um processo distinto de liquidação do imposto.

 

Entendido que é serem as tributações autónomas (parte do) IRC, compreende-se que seja única a liquidação de IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas.

 

Há uma liquidação de IRC única que comporta duas partes: a liquidação das tributações autónomas e a do restante IRC, cada uma com matéria coletável determinada de modo próprio e com taxas de tributação próprias, mas ambas liquidadas nos termos do art.º 90.º do CIRC. Havendo uma liquidação única, conclui-se que a parte da coleta que provém das tributações autónomas é parte integrante da coleta de IRC.

 

Ao contrário, não se encontra em qualquer outro artigo do CIRC a referência à liquidação das tributações autónomas como processo distinto. Aceitar que não se inclui a coleta das tributações autónomas no art.º 90.º do CIRC, seria aceitar que existe uma lacuna na lei e, sendo esta uma lei fiscal, não permite a integração.

 

Neste sentido, vai o Acórdão n.º 775/2015-T ao referir que “Aceitar que a liquidação das tributações autónomas está fora do art.º 90.º n.º 1 do CIRC e, portanto, afastar da sua coleta a dedutibilidade do PEC prevista na alínea c) do n.º 2 e do SIFIDE prevista na alínea b) do n.º 2, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação se não faz nos termos da lei, contrariando o n.º 3 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio da legalidade tributária que a Lei Geral Tributária, no seu art.º 8º, n.º 2, alínea a), estabelece. Se a Autoridade Tributária e Aduaneira assumiu que a coleta das tributações autónomas se calculou fora do art.º 90.º do CIRC, deveria indicar com base em que norma de liquidação o fez. Não havendo norma sobre liquidação das tributações autónomas separada, parece ter de aceitar-se que a coleta de IRC a engloba, incluindo-se no art.º 90º, n.º 1 do CIRC, sendo, portanto, dedutível o pagamento especial por conta referido na alínea c) do n.º 2 e o SIFIDE referido na alínea b) do n.º 2.

 

Note-se, aliás, que nos números seguintes daquele artigo 90.º do Código do IRC o legislador se preocupou em enunciar várias exceções e limites à regras da dedutibilidade do n.º 2. No n.º 4, quando prevê que “apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC”, o que é revelador: compreende-se que assim seja, porque é na coleta de IRC que se pretende deduzi-las, ou, no n.º 7, quando prescreve que das deduções à coleta a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar, de uma forma geral e sem distinguir a coleta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma, valor negativo.

 

Em nenhuma delas - e seria este, indubitavelmente, o local certo – e em nenhuma outra norma se refere a qualquer limitação à dedutibilidade dos PEC e do SIFIDE à parte da coleta de IRC que resulta das tributações autónomas, sendo, portanto, forçoso concluir que não quis fazê-lo.

 

Note-se, aliás, que, embora alterado o artigo 90.º com a Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o CIRC, o que aqui se disse não só perdura como, de um ponto de vista interpretativo, sai até reforçado, porquanto o legislador aditou algumas limitações e exceções às deduções à coleta previstas no número 2 e voltou a não se referir à parte da coleta que resulta da aplicação das taxas de tributação autónoma.

 

Por isso, o artigo 90.º do Código do IRC aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A autonomia das tributações autónomas restringe-se às taxas aplicáveis e à respetiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efetuado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC.

 

Aliás, na resposta, a AT partilha deste entendimento, confirmando que, “convém clarificar que a liquidação das tributações autónomas é efetuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto”.

 

As diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e a coleta resultante do lucro tributável, assenta na determinação da matéria tributável e nas taxas, previstas nos Capítulos III e IV do CIRC, mas não nas formas de liquidação, que se preveem no Capitulo V do mesmo Código e são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante coleta de IRC.

 

Por isso, encontrando-se o artigo 90.º inserido neste Capítulo V, não se vê suporte legal para efetuar uma distinção entre a coleta proveniente das tributações autónomas e a restante coleta de IRC, pelo facto de serem distintas as taxas e as formas da determinação da matéria tributável.

 

Atendendo a que, como defende a AT na resposta, ambas as coletas são apuradas nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º, não assume relevância para o caso o facto de serem apuradas segundo regras diferentes.

 

E, como se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efetuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efetuada mais que uma autoliquidação. 

 

Por isso, a expressão “quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste”, que consta da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, abrange no seu teor literal, a liquidação das tributações autónomas, cuja matéria coletável tem de ser indicada nas referidas declarações, como resulta, inclusivamente, da própria declaração Modelo 22.

 

A coleta obtém-se aplicando a taxa à respetiva matéria coletável, pelo que, no caso do IRC, havendo várias taxas aplicáveis a diversas matérias coletáveis, a coleta de IRC global será constituída pela soma de todos os resultados dessas aplicações.

 

Acresce que, independentemente dos cálculos a efetuar, é unitária a autoliquidação que o sujeito passivo ou a AT devem efetuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias coletáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.

 

Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas, uma explicação para o seu afastamento da respetiva coleta, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à coleta proporcionada por correções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso.

 

A finalidade das tributações autónomas é dual. Visam tributar o rendimento real, corrigindo-se por isso o rendimento tributável para o aproximar daquele rendimento e, ao mesmo tempo, procuram penalizar os sujeitos passivos que através da realização de certas despesas acabam por reduzir o rendimento tributável.

 

Como pode ler-se no Acórdão 617/12 do Tribunal Constitucional, mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procuram desencorajar, cria uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. “Em resumo”, diz o Tribunal Constitucional, “o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objeto de tributação.".

 

Sendo que o regime legal das tributações autónomas em questão apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas, por completo, de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC. É que, mesmo que se aceitasse que o facto tributário impositivo é cada uma das singulares despesas legalmente tipificadas, o certo é que não são estas, qua tale, o objeto final da tributação, a realidade que se pretende agravar com o imposto.

 

Se assim fosse, teriam de ser taxadas todas as despesas previstas, realizadas por todos os sujeitos e não apenas por alguns deles.

 

Ou seja, as tributações autónomas são indissociáveis dos sujeitos do imposto sobre o rendimento respetivo, e, mais especificamente, da atividade económica por eles levada a cabo, o que é ainda mais evidente quando se pensa na ligação que, embora tenha variado nas sucessivas alterações legislativas, as tributações autónomas tinham e ainda têm alguma ligação com a dedutibilidade – e a efetiva dedução – das despesas tributadas.

 

Esta circunstância, crê-se, é elucidativa da imbricação existente entre aquelas e o IRC (no caso), e justificativa não só da sua inclusão no CIRC, mas, igualmente, da sua integração, de pleno direito, como parte do regime jurídico do IRC.

 

De fato, não só apenas as despesas realizadas por sujeitos passivos de IRC é que estão sujeitas à imposição de tributação autónoma em tal quadro, como tais despesas apenas o estarão, em regra (sem prejuízo, reitera-se, dos avanços e retrocessos legislativos nesta matéria) se aqueles sujeitos as elegerem como despesas dedutíveis no apuramento da matéria tributável de tal imposto [2].

 

As tributações autónomas ora em causa são, como tal, indubitavelmente entendidas pelo legislador como uma forma de obstar a determinadas atuações abusivas, que o normal funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir ou que seriam mais onerosas ou trabalhosas para a administração tributária ou, até, eventualmente, para o contribuinte.

 

Este caráter antiabuso das tributações autónomas será não só coerente com a sua natureza “anti sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva.

 

Neste prisma, como bem refere a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral no processo n.º 187/2013-T, as tributações autónomas em análise, terão então subjacente uma presunção de empresarialidade parcial das despesas sobre que incidem, em função da supra apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).

 

Confrontado com esta dificuldade, o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da relação das despesas em questão com a atividade empresarial, optou por consagrar o regime atualmente vigente.

 

Esta presunção de empresarialidade parcial, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de elisão decorrente do art.º 73.º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária, o que se afigura conforme a uma adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas cuja relação com a atividade prosseguida poderá não ser, à partida, evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.

 

Por seu lado, a própria Administração Tributária, caso o entenda e considere que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

 

Face a tudo o que se vem de expor, consideramos que as tributações autónomas em crise integram o regime do IRC e que a respetiva liquidação é efetuada nos termos do artigo 90.º do Código do IRC.

 

4.1. Quanto à dedutibilidade do PEC às quantias devidas a título de tributação autónoma

 

Antes da Lei n.º 7-A/2016, as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, que têm por alvo o “montante apurado nos termos do número anterior” aplicavam-se perante uma das situações especialmente previstas nos n.º 4 e seguintes do mesmo artigo, que não têm aplicação no caso dos autos.

 

A dedução dos PEC a todo o valor apurado nos termos daquele artigo 90.º, n.º 1, alínea a), resultava também do teor explícito do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC, na redação anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao estabelecer que «a dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efetuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efetuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º».

 

O montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º inclui os montantes relativos a tributações autónomas, não havendo qualquer outra declaração específica para este efeito.

 

Na verdade, as declarações previstas no artigo 120.º do CIRC são elaboradas num único modelo oficial aprovado por despacho do Ministro das Finanças, nos termos do artigo 117.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CIRC.

 

Assim, em face do preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º e no n.º 1 do artigo 93.º do CIRC, até à Lei n.º 7-A/2016, nada no teor literal do CIRC obstava à dedução das quantias dos PEC à totalidade coleta de IRC que foi determinada nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, inclusivamente a derivada de tributações autónomas, dentro do condicionalismo aí previsto.

 

Por outro lado, tendo o PEC a natureza de empréstimo forçado[3], que cria na esfera jurídica do sujeito passivo um crédito sobre a Administração Tributária, não se afigura irrazoável que ele seja tido em conta em situações em que se gera um crédito desta em relação ao contribuinte.

 

 

Ainda por outro lado, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude que o legislador lhes tem vindo a atribuir, para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas, incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indiretas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas, como está ínsito na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao aludir a «IRC, incluindo as tributações autónomas (…)».

 

Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indireta, mas, na perspetiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com direta incidência sobre rendimentos».

 

Aliás, é um facto que a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa coletiva tem como corolário um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que

 

imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas, constitui uma forma de tributar indiretamente o seu rendimento.

 

O novo artigo 23.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros», deixa entrever que, na perspetiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem direta ou indiretamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos.

 

Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que preveem a forma de efetuar o pagamento de IRC.

 

Por outro lado, se é certo que, à face do regime vigente antes da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro ter alterado o n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, as quantias pagas a título de PEC nem sempre podiam ser deduzidas, também o é que esse regime foi alterado por aquela Lei, sendo o reembolso admitido sem condições que não sejam a de o sujeito passivo o pedir, no prazo previsto.

 

Por isso, a interpretação que decorre mais linearmente do texto dos artigos 93.º, n.º 3, e 90.º, n.º 1, do CIRC, anteriores à Lei n.º 2/2014, é a da dedutibilidade dos PEC à coleta de IRC derivada das tributações autónomas.

 

4.2. Quanto à dedutibilidade do crédito fiscal do SIFIDE à quantia devida a título de tributação autónoma

 

Outra questão que se coloca neste âmbito, é a de saber se os créditos fiscais reconhecidos à requerente no ano de 2013, em sede de SIFIDE, também podem ser deduzidos à coleta produzida pelas tributações autónomas que a oneram nesse exercício fiscal, na parte em que não podem ser deduzidos à restante coleta.

 

Para responder a esta questão é importante referir o artigo 36.º do Código Fiscal do Investimento, na redação à data dos factos, que referia que:

“1. Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2013 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem (…).

2 - Para os sujeitos passivos de IRC que sejam PME de acordo com a definição constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 15 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior. (…)”

 

O artigo 37º acrescentava:

“Apenas podem beneficiar da dedução a que se refere o artigo anterior os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

a) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;

b) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.”

 

Na verdade, aquele diploma não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer coleta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 36.º “ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência”.

 

O n.º 3 do mesmo artigo confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que “a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior”.

 

Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que a referência que no artigo 36.º, n.º 1 e 3 se faz à “dedução (…) nos termos do artigo 90.º do Código do IRC (…)” como forma de materializar o benefício fiscal, abrange, literalmente também a coleta de IRC resultante das tributações autónomas, que integra a coleta única de IRC.

 

O facto de o artigo 37.º do Código Fiscal do Investimento afastar o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indiretos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indiretamente a tributação de lucros (designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos suscetíveis de os reduzirem), não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de «métodos indiretos» tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT (para além de normas especiais), reportando-se a meios de determinar o lucro tributável, cuja utilização não se prevê para cálculo da matéria coletável das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC.

 

Por outro lado, se é a necessidade de fazer uso de métodos indiretos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à coleta das tributações autónomas, que é determinada por métodos diretos.

 

Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas uma explicação para o seu afastamento da respetiva coleta do âmbito da dedutibilidade do benefício do SIFIDE, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à coleta proporcionada por correções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização.

 

Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE ser limitada à coleta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja coleta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas.

 

Assim, apontando o teor literal do artigo 36.º do SIFIDE no sentido de a dedução se aplicar também à coleta de IRC derivada de tributações autónomas apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação daquele benefício fiscal à coleta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.

 

A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excecionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.

 

De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adotou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)».

 

Como fundamento para uma interpretação restritiva poderá aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes suscetíveis de afetarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respetiva coleta poder ser objeto de deduções.

 

Por isso, há que apreciar se há razões que justifiquem uma conclusão sobre a incompatibilidade do sentido do texto do artigo 36.º, com a ratio legis daquele benefício fiscal.

 

Mas, o desincentivo desses comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de proteção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos, por definição, são «medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

 

E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspetiva legislativa, de enorme importância, como se infere da fundamentação no Relatório do Orçamento do Estado para 2011:

 

II.2.2.4.4. Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento

Empresarial II (SIFIDE)

 

Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, a Proposta de Orçamento do Estado para 2011 propõe renovar o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilitando a dedução à coleta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento).

 

Dado o balanço positivo dos incentivos fiscais à I&D empresarial, e considerando também a evolução do sistema de apoio dos outros países, foi decidido rever e reintroduzir por mais cinco períodos de tributação este sistema de apoio. A I&D das empresas é um facto decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVIII Governo, assim como em vários relatórios

internacionais recentes.

 

É neste contexto que, no panorama internacional, a OCDE considera desde 2001 Portugal como um dos três países com um avanço mais significativo na I&D empresarial. Sendo o sistema nacional vigente, comparativamente aos demais sistemas que utilizam a dedução à coleta e a distinção entre taxa base e taxa incremental, é um dos mais atrativos e competitivos.”

 

Sendo a investigação e desenvolvimento das empresas «um facto decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo», compreende-se que se tenha dado preferência ao incentivo da aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, que, a prazo se reconduzem à obtenção de maiores receitas fiscais.

 

A importância que, na perspetiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal previsto no SIFIDE, é também decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicado como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC, na redação à data dos factos.

 

Por isso, é, também por esta via, seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da coleta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas.

 

Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detetar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à coleta das tributações autónomas que resulta diretamente da letra do artigo 36.º, n.º 1, do respetivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.

 

Como se disse, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à coleta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efetuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida. Das duas alternativas que se deparavam ao legislador relativamente ao incentivo aos investimentos previstos no SIFDE, que eram, por um lado, manter intactas as receitas provenientes de IRC (incluindo as de tributações autónomas) e não ver incentivado o investimento em investigação e desenvolvimento e, por outro lado, concretizar esse incentivo com perda de receitas de IRC, a ponderação que necessariamente está subjacente ao SIFIDE é a da opção pela criação do inventivo com prejuízo das receitas. E, naturalmente, sendo a criação do incentivo ao investimento melhor, na perspetiva legislativa, do que a arrecadação de receitas, não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.      

 

E, no caso do benefício fiscal do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal que justificam o incentivo com perda de receita são fortíssimas, pois considera-se que os investimentos incentivados são um facto decisivo na competitividade futura do país.

 

Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do seu cálculo, pois o que está em causa é sempre prescindir ou não de determinada quantia em dinheiro para criar um incentivo ao investimento.

 

Neste contexto, a natureza das tributações autónomas e as soluções legislativamente adotadas, em geral, em relação a elas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.

 

Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance do SIFIDE, que estabelece um regime de natureza excecional, que visou prosseguir determinados interesses públicos, e não contribuir para a decisão de qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da lei, quer no Relatório do Orçamento para 2011, a menor preocupação legislativa.

 

Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 4.º do SIFIDE no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis à «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa coleta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores.

 

Assim, terá de aceitar-se a dedução do PEC e do SIFIDE à coleta de IRC, nela se incluindo necessariamente a parcela proveniente das tributações autónomas.

 

Verifica-se, porém, que o sistema informático não permite a dedução dos PEC e do SIFIDE à parte da coleta de IRC proveniente das tributações autónomas. O facto de as formas da determinação da matéria coletável e de as taxas das tributações autónomas de IRC serem estabelecidas separadamente e serem diferentes das do restante IRC não parece ser razão suficiente, nem ter suporte legal, para a solução informática existente.

 

Aqui chegados, há que analisar a questão do n.º 21 do artigo 88º do CIRC, introduzido pela Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2016 (Lei 7-A/2016, de 30 de março).

 

Na verdade, foram aditados por esta Lei vários números ao artigo 88.º do CIRC, que se refere às tributações autónomas, entre eles o número 21, segundo o qual “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”

 

E, no artigo 135.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, dispõe o legislador que “a redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos números 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa.”

 

A Administração Tributária entende que a nova redação do artigo 88.º impede a dedução, nos termos do artigo 90.º, dos PEC e do SIFIDE à coleta que resulte das tributações autónomas.

 

Atendendo a que estão em causa liquidações de IRC dos exercícios de 2012 e 2013, importa assim analisar qual o efeito que aquele número e o carácter interpretativo que é atribuído pelo legislador à sua introdução em 2016 têm sobre os factos em apreço.

 

Vigora na codificação substantiva nacional o princípio de não retroatividade, que é constitucionalmente consagrado quanto à lei fiscal.

 

Acontece que uma lei interpretativa não é, dita o artigo 13º, n.º 1, do Código Civil, retroativa.

 

Nos termos ali prescritos, para que uma lei nova – como é, no caso em apreço, o número 21 do artigo 88.º do CIRC - possa ser realmente interpretativa são necessários dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta: e é um facto que a decisão que se impõe a este Tribunal tem carácter controvertido.

 

Necessário é, porém, também que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei.

 

Pelo que se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.

 

Não basta, porém, que o legislador expressamente confira à lei nova carácter interpretativo para que ela se aplique à questão controvertida que surgira antes da entrada em vigor da lei nova, putativamente interpretativa, para que o julgador esteja obrigado a aplicá-la ao caso concreto.

 

É necessário que o julgador se sentisse habilitado, em face do texto antigo, a adotar a solução que a lei agora preconiza.

 

Norma interpretativa, portanto, é norma que não altera qualquer conteúdo ou elemento da norma interpretada, vem tão só traduzir o seu significado.

 

Uma norma que altera o sentido, conteúdo ou o alcance da norma interpretada não estará a interpretar, antes a modificar a regra, criando nova norma, instituindo novos direitos, deveres e obrigações.

 

Sendo certo que até a norma interpretativa deve respeitar os direitos adquiridos sob a vigência da norma interpretada, particularmente em questões relativamente às quais a proibição de retroatividade está especialmente consagrada na Constituição, como é o caso na lei fiscal, cuja retroatividade está proibida pelo n.º 3 do artigo 103.º da CRP.

 

Neste contexto, a emissão pelo legislador de lei interpretativa, com efeitos retroativos, só é concebível quando, sem qualquer dúvida, se limite a simplesmente reproduzir (= produzir de novo), ainda que com outro enunciado, o conteúdo normativo interpretado, sem modificar ou limitar o seu sentido ou o seu alcance.

 

Isso, bem se percebe, é hipótese de difícil conceção, quase inconcebível, a não ser no plano teórico, ainda mais quando se considera que o conteúdo de um enunciado normativo reclama, em geral, interpretação sistemática, não podendo ser definido isoladamente[4].

 

No caso sub judice, por tudo o que se deixou já explicitado supra, entende-se que o texto da lei em vigor à data dos factos em crise não permitia que se concluísse que estava vedada a dedução dos PEC e do SIFIDE à parte da coleta de IRC que resultava das tributações autónomas.

 

Isto porque, como dissemos supra, o legislador em lado algum apontava para essa solução e, no artigo 90.º do CIRC, não distinguia, no que respeita às deduções possíveis à coleta de IRC, aquela que resultava das tributações autónomas da restante. E onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir.

 

Entendemos, pois, que o número 21 do artigo 88.º do CIRC não tem caráter interpretativo no que respeita à questão em discussão, não se aplicando a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, nomeadamente, aos factos e liquidações sub judice.

 

Termos em que se conclui que os atos de autoliquidação de IRC relativos aos exercícios de 2012 e 2013, na medida correspondente à não dedução de parte da coleta do IRC do Grupo Fiscal B… enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, o mesmo sucedendo com a decisão da reclamação graciosa, na medida em que não reconheceu essa ilegalidade.

 

Fica, pois, prejudicada a análise da questão suscitada pela Requerente quanto à eventual ilegalidade e consequente anulação da liquidação das tributações autónomas, por ausência de base legal para a sua liquidação.

 

4.3 Dos juros indemnizatórios

 

Finalmente, tratemos o pedido formulado pela Requerente de reembolso das quantias que aqui se julgaram já indevidamente (auto)liquidadas e pagas em consequências das (auto)liquidações em crise.

 

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios pelo pagamento indevido do IRC de 2013, desde 30 de maio de 2014, quanto a 41.236,19€, e desde 23 de dezembro de 2014, quanto a 75,64€, datas em que procedeu ao pagamento daquelas importâncias.

 

A Requerente pede também juros indemnizatórios pelo reembolso de IRC de 2012 e 2013 em montante inferior ao devido no montante de 70.911,70€, relativo ao IRC de 2012, contados desde 1 de setembro de 2013, e no montante de 23.489,96€, relativo ao IRC de 2013, contados desde 1 de setembro de 2014, correspondendo estas datas ao termo do prazo para o reembolso oficioso do imposto nos termos do n.º 3 do artigo 104.º do Código do IRC na redação vigente nos anos de 2012 e 2013.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão, de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

Ora, é pacífico que o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do art.º. 61.º, n.º 4 do CPPT.

 

Assim, o n.º 5 do art.º. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos artigos. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

Quanto aos juros, o regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, que “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

Ora, no caso em apreço, a ilegalidade das autoliquidações é totalmente imputável à AT, Requerida, face ao que foi supra dado como provado relativamente à estrutura da declaração Modelo 22 do IRC no sistema informático da AT, organização que é, naturalmente, da total responsabilidade desta, que não permitia à Requerente efetuar a autoliquidação nos termos que aqui se julgaram serem os legais.

 

Por outro lado, também a manutenção da situação ilegal, i.e., a decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

 

Das autoliquidações em crise, caso fosse considerada a dedução do PEC e do SIFIDE à coleta do IRC associada às tributações autónomas, resultaria imposto a recuperar adicional de 70.911,70€ relativo ao IRC de 2012 e de 23.489,96€ relativo ao IRC de 2013, o qual deveria ter sido reembolsado até 31 de agosto de 2013 e 31 de agosto de 2014, respetivamente, nos termos do n.º 3 do artigo 104.º do Código do IRC, na redação então vigente.

 

Para além disso, caso fosse considerada a dedução do SIFIDE à coleta do IRC de 2013 associada às tributações autónomas, a Requerente não teria de ter procedido ao pagamento de imposto no montante de 41.236,19€, em 30 de maio de 2014, nem no montante de 75,64€ em 23 de dezembro de 2014.

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, contados desde 1 de setembro de 2013 quanto a 70.911,70€, desde 30 de maio de 2014, quanto a 41.236,19€, desde 23 de dezembro de 2014, quanto a 75,64€ e desde 1 de setembro de 2014 quanto aos restantes 23.489,96€, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde aquelas datas até integral pagamento.

 

5. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar totalmente procedentes os pedidos principais da Requerente e, em consequência:

 

- declarar a ilegalidade do despacho de 7 de outubro de 2015 do Senhor Chefe de Divisão da Justiça Tributária – Contencioso da Direção de Finanças de … e anulá-lo por ter indeferido a pretensão da Requerente de deduzir o PEC e o crédito fiscal do SIFIDE no montante de 70.911,70€ e 64.801,79€ referentes à coleta das tributações autónomas de IRC dos exercícios de 2012 e 2013, respetivamente;

 

- anular, por ilegais, as autoliquidações em crise na parte em que não foi deduzido o PEC e o crédito fiscal do SIFIDE no montante de 70.911,70€ e 64.801,79€ referentes à coleta das tributações autónomas de IRC dos exercícios de 2012 e 2013, respetivamente;

 

 - condenar a Requerida a reembolsar a Requerente no montante 135.713,49€ e, ainda, a pagar-lhe juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, contados desde 1 de setembro de 2013 quanto a 70.911,70€, desde 30 de maio de 2014, quanto a 41.236,19€, desde 23 de dezembro de 2014, quanto a 75,64€ e desde 1 de setembro de 2014 quanto aos restantes 23.489,96€, até efetivo e integral pagamento.

 

* * *

Fixa-se o valor do processo em 135.713,49€ (cento e trinta e cinco mil setecentos e treze euros e quarenta e nove cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.

 

O montante das custas é fixado em 3.060€ (três mil e sessenta euros), ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 15 de julho de 2016,

 

Os Árbitros,

 

José Baeta de Queiroz

 

Jorge Carita

(vencido, conforme voto que se segue e integra o presente acórdão)

 

 

 

João Gonçalves da Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Voto de vencido

 

 

No caso dos autos importa saber se os valores pagos a título de pagamento especial por conta são dedutíveis à colecta produzida pelas Tributações Autónomas.

 

Efectivamente, parece maioritária a corrente da jurisprudência do CAAD que admite que as Tributações Autónomas são IRC, estando já fixadas as consequências daí decorrentes para a TA em sede da aplicação do art.º 45.º n.º 1 c) do CIRC – Não são custo fiscal.

 

Consequentemente, poderia não parecer lógico que as TA’s deixassem de ser IRC, para efeitos da aplicação do disposto no art.º 90 do CIRC[5] e consequentemente não possam ver o PEC abatido à sua colecta, porque também IRC. Contudo, temos que ter em consideração tudo o que se tem escrito (Vd. nomeadamente requerimento inicial e alegações da AT, no presente processo) sobe a diferença do regime entre o IRC e as TA, que não deve ser descurado[6].

 

Por isso não me inclino a decidir no sentido da posição sustentada pela Requerente, salientando que a argumentação utilizada no processo vai um pouco mais longe que aquilo que a invocada jurisprudência do CAAD permitiria, devendo ter-se, igualmente em consideração o teor da decisão do CAAD tirada no Proc. 113/2015-T CAAD.

 

Importa salientar que não encontro resposta clara para a objecção colocada pela AT nas suas alegações, quanto ao facto da fórmula de cálculo do PEC não incluir as TA’s, e isso parece-me bastante relevante.

 

No mesmo sentido o facto de existirem regras próprias para apuramento das respectivas colectas (Não há uma liquidação única de IRC, mas antes dois apuramentos). Ou seja, taxas diferentes para matérias colectáveis diferentes.

 

Ora, a presente Decisão tem por base recentes Acórdãos do CAAD, nomeadamente, os tirados nos Proc. n.º 673/2015-T, mas principalmente no Proc. 775/2015-T. 

 

Apesar do bom fundamento da argumentação que serve de base à decisão de reconhecer a dedução à colecta das TA´s dos valores suportados com os PEC, não consigo acompanhar tal decisão.

 

Não foi isso que o legislador pretendeu, tal resultado nunca foi por ele querido, e se porventura no contexto sistemático da elaboração das regras insítas ao CIRC a situação não está tão correctamente expressa, como deveria estar, tal não é de molde a permitir extrair a conclusão a que se chegou.

 

Refira-se que é a própria Decisão tirada no Proc. n.º 775/2015-T, pág. 19, que refere que tal solução poria em causa as diversas finalidades com que as variadas TA´S foram  criadas, tendo em vista, nomeadamente “… desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável….” o que seria posto em causa já que a sua “força desincentivadora” ficaria atenuada “… com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções“.

 

Acontece, que se o próprio Tribunal Constitucional reconhece (Acórdão 617/12) que a base de incidência da TA é um custo, transformado excepcionalmente em objecto de tributação”, como é que depois se perde a excepcionalidade do seu regime e se pretende que ao valor resultante de taxação do custo, sejam deduzidos os pagamento por conta.

 

Trata-se de um regime manifestamente excepcional, cuja análise não se pode cingir ao modo com se processa a liquidação do IRC, do PEC, da derrama ou das TA’s……

 

Gostaria, ainda, de referir com todo o respeito, que não concordo com as conclusões extraídas na parte final da Decisão tirada no Proc. 775/2015-T, no que diz respeito as alterações introduzidas no regime das TA´s, no OE 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março) recolhidas no contexto da presente decisão.

 

Quanto a mim, o problema morreu!!! Ou seja:

 

“Não são efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado” (TA’S ).

 

Assim determina o art.º 89.º do CIRC.

 

Por outro lado, refira-se se ainda que na Decisão tirada no Proc. n.º 784/2015-T, presidida pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, foi aceite a dedução à colecta das TA´s, das deduções fiscais em sede de SIFIDE, que não do PEC.

 

Louvo-me neste e noutras mais recentes Decisões do CAAD no mesmo sentido, nomeadamente no Proc. 113/2015-T e no Proc. 535/2015-T.

 

Não consigo, no nosso processo reconhecer razão à Requerente.

 

É o que se me oferece dizer.

 

Razões pelas quais voto vencido, mas não convencido.

 

 

 

 Jorge Carita

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 



[1] Quanto às disposições legais, referir-nos-emos, sempre que não haja ressalva expressa, à redação do CIRC que vigorou até 31.12.2013, tendo em conta as disposições transitórias do artigo 12.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.

 

[2] Dizemos em regra porque há hoje, é sabido, exceções. É o caso das despesas com viaturas, as quais estão sujeitas a tributação autónoma ainda que não sejam dedutíveis (ex. amortização de viaturas cujo custo de aquisição ultrapassa o limite de dedutibilidade – a amortização contabilística da parte do custo acima do limite também está sujeita a tributação autónoma).  

[3] Neste sentido, pode ver-se CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 541, acompanhado pelo Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 18-2-2009, processo  n.º 0926/08, e de 13-5-2009, processo n.º 0927/08.

[4]Cf. Juarez Freitas, A Interpretação Sistemática do Direito, SP, Malheiros, 1995, p. 47.

[5] “Art.º 90.º

1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

… … …

2 — Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

 … … …

d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;”

[6] Recorde-se que a sua natureza é muito diversa, quando se identificam TA’s sobre determinados rendimentos, sobre despesas que não são gasto fiscal e sobre despesas que são gasto fiscal (Vd. Prof. Casalta Nabais), o que pode justificar, bem como as suas finalidades, que por vezes as TA adoptem as regras do IRC e outras vezes se afastem.