Acórdão Arbitral
Processo n.º 733/2015-T
Os árbitros José Poças Falcão, árbitro presidente, Paulo Mendonça e João Menezes Leitão, árbitros vogais, que constituem o presente Tribunal Arbitral, acordam:
I. Relatório[1]
1. A... - ..., S.A., pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º …, com sede na …, …, … (adiante designada como Requerente), apresentou em 04.12.2015, ao abrigo do disposto no artigo 2.º e no artigo 10.º, n.ºs 1, al. a) e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), pedido de pronúncia arbitral em matéria tributária, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade e anulação das correções à matéria tributável de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) dos exercícios de 2011 e 2012 refletidas nos atos tributários de liquidação de IRC n.º 2015 ..., de 24.08.2015, e de compensação n.º 2015 ..., relativos ao exercício de 2011, e de liquidação de IRC n.º 2015 ..., de 24.08.2015, e de compensação n.º 2015 ..., relativos ao exercício de 2012.
2. No pedido de pronúncia arbitral, em conformidade com o previsto nos artigos 5.º, n.º 3, al. b), 6.º, n.º 2, al. b), 10.º, n.º 2, al. g) e 11.º, n.º 2 do RJAT, a Requerente manifestou a sua intenção de designar como árbitro o Senhor Dr. Paulo Mendonça.
Nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do mesmo RJAT, a Requerida indicou como árbitro o Senhor Dr. João Menezes Leitão.
Os árbitros designados pelas partes, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, al. b) e 11.º, n.º 6 do RJAT, com observância do prescrito pelo artigo 3.º, n.º 2, al. b) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, designaram, por acordo, como Árbitro-Presidente o Exmo. Senhor Doutor José Poças Falcão.
Em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, e conforme comunicação do Senhor Presidente do CAAD, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 01.03.2016.
Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do presente processo.
3. No pedido de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), a Requerente peticiona o seguinte:
“a) A declaração de ilegalidade e anulação das correções aritméticas à matéria tributável de IRC dos exercícios de 2011 e 2012, efetuadas em sede de inspeção tributária realizada ao abrigo das ordens de serviço n.ºs … e …, com recurso ao regime dos preços de transferência constante do artigo 63.° do CIRC;
b) Em consequência de a), a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, da liquidação de IRC n.º 2015 ..., de 24 de Agosto de 2015, e compensação n.º 2015 ..., relativa ao exercício de 2011;
c) Também em consequência de a), a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, da liquidação de IRC n.º 2015 ..., de 24 de Agosto de 2015, e compensação n.º 2015 ..., relativa ao exercício de 2012;
d) A condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data do pagamento indevido da liquidação de IRC de 2011 identificada em b) até à data de processamento da respetiva nota de crédito, nos termos dos artigos 43.°, n.ºs 1 e 4 da LGT e 61.° do CPPT”.
4. A AT, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, apresentou resposta, peticionando a improcedência, por não provado, do pedido de pronúncia arbitral.
5. Por despacho do Senhor Presidente do Tribunal de 26.04.2016, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e prosseguir o processo com alegações escritas sucessivas, tendo sido fixada como data limite para a prolação e notificação da decisão final o dia 15.07.2016.
As Partes apresentaram subsequentemente as suas alegações escritas, nas quais, essencialmente, reiteraram as posições já expostas nos seus articulados.
II. Saneamento
6. O Tribunal arbitral é competente para julgar o pedido de pronúncia arbitral (artigo 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e encontram-se devidamente representadas.
A cumulação de pedidos relativa às correções à matéria tributável e aos atos tributários de liquidação de IRC que as materializaram respeitantes a 2011 e a 2012, acima identificados, mostra-se admissível em face do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, dada a procedência dos pedidos depender da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.
Não ocorrem nulidades nem foram invocadas exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.
III. Thema decidendum
7. O thema decidendum, conforme se extrai da PI da Requerente e da resposta da AT, prende-se com apurar da legalidade das correções aritméticas à matéria tributável de IRC assentes no regime dos preços de transferência que se manifestaram nos atos tributários de liquidação de IRC n.º 2015 ..., de 24.08.2015, e de compensação n.º 2015 ..., respeitantes ao exercício de 2011, e de liquidação de IRC n.º 2015 ..., de 24.08.2015, e de compensação n.º 2015 ..., respeitantes ao exercício de 2012.
Mais especificamente, o objeto do litígio incide sobre a legalidade das correções realizadas, em relação aos exercícios de 2011 e de 2012, do quantum de gastos financeiros deduzidos com juros respeitantes a suprimentos efetuados à Requerente pelos seus acionistas, com base na aplicação das regras sobre preços de transferência constantes do artigo 63.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.
A análise deste objeto processual implica, tendo em atenção as alegações de violação de lei suscitadas pela Requerente, a apreciação das questões seguintes: i) adequação às regras sobre preços de transferência dos comparáveis externos adotados pela Requerente; ii) adequação às regras sobre preços de transferência do comparável interno que, em substituição dos comparáveis externos, foi utilizado pela AT como base das correções realizadas; iii) ausência dos pressupostos de aplicação do regime dos preços de transferência.
IV. Decisão da matéria de facto e sua motivação
8. Examinada a prova documental produzida, quer a que foi apresentada com a PI, quer a que consta do procedimento administrativo junto aos autos (a seguir PA), em particular o Relatório de Inspeção Tributária (a seguir RIT) a fls. 1 a 44 do PA, o Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
1) A Requerente, atualmente denominada A...- ..., S.A., e anteriormente A... - ..., LDA., foi constituída em 2007, com o objeto social de fabrico, comercialização, importação e exportação de medicamentos, especialidades ...s, produtos químicos, produtos de higiene corporal, cosmética, dietética, produtos de uso clínico, hospitalar e cirúrgico, produtos de biotecnologia, biogenéricos, diagnósticos e material clínico e hospitalar, ativos farmacêuticos e restantes componentes destinados ao fabrico de especialidades ...s, bem como a prestação de serviços de promoção de medicamentos e outros produtos farmacêuticos (Vd. RIT, II.3, p. 9 e factualidade reconhecida no n.º 14 da PI).
2) Em 21.01.2009, data da celebração dos contratos de suprimentos e do contrato de financiamento bancário a seguir descritos, a Requerente, com o capital social de €26.687.500, passou a ter como acionistas: 1) A... II S.a.r.L., com sede no Luxemburgo, com 78,545% do capital; 2) B..., com 9,956% do capital; 3) C..., com 3,677% do capital; 4) D..., com 3,677% do capital; 5) E..., com 3,677% do capital; e 6) F..., com 0,468% do capital (RIT, II.3.3, p. 10).
3) Em 21.01.2009, os acionistas identificados no ponto anterior procederam à realização de suprimentos à Requerente no montante total de €80.062.500 (€80.212.500 a partir de 20.03.2012), na proporção das suas participações no capital social, conforme quadro seguinte (cf. quadro inserido no ponto III.1.2 do RIT, p. 14):
Acionistas
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Montante Suprimentos
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Taxa juro contratada
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Percentagem no capital A...
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A... II (Luxemburgo)
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€62.885.250
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10%
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78,545%(*)
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B…
|
€7. 971.000
|
12,55% (em 2010, a taxa de juro foi fixada em 10%)
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9,956%
|
C…
|
€2.943.750
|
10%
|
3,677%
|
E…
|
€2.943.750
|
10%
|
3,677%
|
D…
|
€2.943.750
|
10%
|
3,677%
|
F…
|
€350.000
|
10%
|
0,468%
|
TOTAL
|
€80.062.500
|
|
100%
|
(*) Em 17.02.2012, a A... II S.a.r.L. passou a ser detentora da totalidade do capital da A....
4) Para o efeito, foram celebrados, na referida data de 21.01.2009, pela Requerente os contratos de suprimento (“Shareholder loan”) que se mostram juntos como docs. n.ºs 6 a 12 à PI, respectivamente, com os acionistas A... II, no valor de € 62.885.250,00, depois acrescido, em 20.03.2012, de €150.000,00, totalizando € 63.035.250,00 (cfr. docs. n.º 6 e 7), C..., no valor de € 2.943.750,00 (cfr. doc. n.º 8), D..., no valor de € 2.943.750,00 (cfr. doc. n.° 9), E..., no valor de € 2.943.750,00 (cfr. doc. n.º 10), B..., no valor de € 7.971.000,00 (cfr. doc. n.º 11), e F..., no valor de € 375.000,00 (cfr. doc. n.º 12).
5) O propósito dos acionistas com os indicados contratos de suprimentos foi dotar a sociedade de meios para pagar a aquisição de 100% do capital da G... - …, S.A., NIPC …, e das sociedades por esta detidas, A... ..., S.A., NIPC …, I...... - ..., S.A., NIPC … e H... - …, S.A., NIPC …, o que aconteceu em 21.01.2009 (RIT, II.3.1, p. 9, e III.1.3, pp. 15-16; cfr. factualidade reconhecida no n.º 31 da PI).
6) Quanto à remuneração, ficou convencionado em todos os contratos de suprimentos uma taxa de juro fixa de 10% ao ano (cfr. nos docs. n.ºs 6 a 12 juntos à PI a cláusula 4 [“Interest”]), com exceção do contrato celebrado com B… (cfr. cláusula 4 no doc. n.º 11 junto à PI) em que se previu uma taxa de juro de 12,55%, mas a taxa efetivamente praticada foi de 10% ao ano (RIT, III.1.2, p. 15; cfr. factualidade reconhecida no n.º 39 da PI).
7) Na cláusula 5 dos contratos de suprimentos (cfr. igualmente cláusula 1 [“Definitions”] e cláusula 4. nos docs. n.ºs 6 a 12 juntos à PI) estipula-se que o reembolso dos suprimentos e o pagamento dos juros deveria ocorrer na primeira das seguintes datas, mas nunca antes de decorrido um ano e um dia da sua constituição:
a) Data em que as partes de capital detidas pelo mutuante no capital da mutuária sejam transferidas a um terceiro não incluído no grupo do mutuante;
b) Data de termo do contrato de suprimentos (sete anos e um dia, ou seja, o dia 22.01.2016) e na mesma proporção do montante vencido do Credit Facility Agreement and Securities Agreement (“Contrato de Financiamento e Contrato de Garantias”).
8) Na mesma cláusula 5.2 dos contratos de suprimento (cfr. docs. n.ºs 6 a 12 juntos à PI), previu-se que podiam ser efetuados reembolsos antecipados, sem qualquer bónus ou penalidade, mas nunca antes de decorrido um ano e um dia da sua constituição ou se o reembolso infringir qualquer compromisso assumido ou resultar em incumprimento ao abrigo de qualquer contrato ou outra obrigação financeira do mutuário.
9) Na cláusula 8 dos contratos de suprimento (cfr. docs. n.ºs 6 a 12 juntos à PI) estabeleceu-se a subordinação dos créditos dos acionistas à execução das obrigações de pagamento estabelecidas no Credit Facility Agreement and Securities Agreement (“Contrato de Financiamento e Contrato de Garantias”) ou em outros acordos de financiamento do mutuário que este possa ter celebrado com o propósito de financiar a aquisição da G... e das suas subsidiárias.
10) Os contratos de suprimento não preveem garantias específicas associadas (cfr. docs. n.ºs 6 a 12 juntos à PI).
11) Os juros dos suprimentos objeto destes contratos foram calculados anualmente e registados na conta 691113, pelos valores de €8.006.250,00, em 2011, e de €8.017.916,67, em 2012, em observância do princípio da especialização dos exercícios, mas não foram pagos, sendo a respetiva repartição por acionista nos anos em causa a seguinte (RIT, III.1, pp. 13-14):
Acionistas
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2011
|
2012
|
A... II (Luxemburgo)
|
€6.288.525,00
|
€7.731.629,17
|
B…
|
€797.100,00
|
€132.850,00
|
C…
|
€294.375,00
|
€49.062,50
|
E…
|
€294.375,00
|
€49.062,50
|
D…
|
€294.375,00
|
€49.062,50
|
F…
|
€37.500,00
|
€6.250,00
|
TOTAL
|
€8.006.250,00
|
€8.017.916,67
|
12) A Requerente, juntamente com outras entidades mutuárias, celebrou em 21.01.2009 um contrato de financiamento com um sindicato bancário, no montante de €74.500.000,00, dividido em três tranches (conforme descrição objeto do quadro abaixo):
a) Tranche A, no montante de €53.400.000,00, destinada a reembolsar parcialmente a Dívida Atual [a “Dívida Sénior das Mutuárias, existente na Data de Assinatura e que será parcialmente reembolsada na Data de Assinatura”] e para pagamento dos custos relacionados com tais reembolsos, com reembolsos semestrais até 15.01.2015;
b) Tranche B, no montante de €14.100.000,00, para dotar de fundos a Requerente, como Adquirente, “para pagamento do preço de aquisição das Ações …, bem como para pagamento dos custos relacionados com essa aquisição”, com reembolso integral em 15.01.2016; e
c) Tranche de Tesouraria, no montante de €7.000.000,00, “para financiamento de eventuais futuras necessidades de fundo de maneio das Mutuárias”, em regime de conta-corrente, com reembolso integral em 15.01.2016 (cfr. o contrato de financiamento a fls. 344 a 416 do PA, anexo 10 ao RIT, e em cópia parcial como doc. n.º 4 junto à PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido, respectivos considerandos G e H, cláusulas 1.1, definições 87, 157 a 162, 3.1, 3.2, 3.3; cfr. também factualidade reconhecida no n.º 23 da PI).
Tranche
|
Montante
|
Finalidade
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A
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€53.400.000
|
Refinanciamento de parte da dívida das sociedades do grupo à data.
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B
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€14.100.000
|
Pagamento do preço de aquisição pela Requerente da totalidade do capital da … e de outras sociedades por esta direta ou indiretamente detidas.
|
Tesouraria
|
€7.000.000
|
Financiamento de eventuais necessidades futuras de fundo de maneio de sociedades do grupo.
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13) Especificamente em relação ao reembolso, resulta da cláusula 13 do contrato de financiamento, sem prejuízo de reembolsos antecipados voluntários e de reembolsos antecipados obrigatórios, o seguinte (cfr. docs. referidos no ponto anterior e factualidade reconhecida no n.º 24 da PI):
Tranche
|
Montante
|
Prazo de reembolso
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A
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€53.400.000
|
Prestações semestrais consecutivas, com início em 15 de Julho de 2009 e termo em 15 de Janeiro de 2015, conforme Anexo XII do contrato.
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B
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€14.100.000
|
Reembolso integral no dia 15 de Janeiro de 2016.
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Tesouraria
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€7.000.000
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Funciona em regime de conta-corrente e deverá estar integralmente reembolsada em 15 de Janeiro de 2016.
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14) No que concerne à remuneração, a cláusula 8.1 do contrato de financiamento estabelece que “O montante do Empréstimo em dívida vencerá juros à taxa equivalente à taxa Euribor acrescida da Margem e de Custos Obrigatórios, caso haja” e a cláusula 9.1 do mesmo contrato determina, quanto à Margem (spread), que “A Tranche A e a Tranche Tesouraria para os períodos de Contagem de Juros que se iniciem antes da receção pelos Bancos do Balanço e Contas Anuais e respectivo Certificado de Rácios referentes ao exercício social de 2009, é de 3% (três por cento)” e “A Tranche B é de 3,50% (três vírgula cinquenta por cento)”, sendo que a cláusula 9.2 prevê que “Para os Períodos de Contagem de Juros que se iniciem após a receção pelos Bancos do Balanço e Contas Anuais e respectivo Certificado de Rácios referentes ao exercício social de 2009 e desde que a Fusão esteja definitivamente registada, a Margem para a Tranche A e Tranche Tesouraria será calculada, consoante o Rácio de Endividamento Sénior Líquido indicado no último Certificado de Rácios recebido pelos Bancos (relativamente ao Período de Cálculo imediatamente anterior), nos seguintes termos (cfr. documentos referidos acima em 12):
Rácio de Endividamento Sénior Líquido
|
Margem
|
≥3,00x
|
3,00%
|
≥2,50x e <3,00x
|
2,75%
|
≥2,00x e <2,50x
|
2,50%
|
<2,00x
|
2,25%
|
15) Nos exercícios de 2011 e 2012, a Requerente registou na conta 691103, respectivamente, € 3.492.742,85 e € 1.756.645,40 a título de juros do mútuo objecto do contrato de financiamento acima referido em 12, juros esses resultantes da aplicação da taxa Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 3% na tranche A e de 3,5% na tranche B (cfr. RIT, III.1, p. 13, e factualidade reconhecida no n.º 26 da PI).
16) A Requerente, juntamente com outras entidades mutuárias e seus acionistas, celebrou em 21.01.2009 com o sindicato bancário (com exceção da …) o Contrato de Garantias, junto como doc. n.º 5 à PI, que aqui se dá por reproduzido, no âmbito do qual foram constituídos penhor financeiro de ações, penhor de ações e penhor de quotas, promessa de penhor financeiro de ações, de penhor de ações e de penhor de quotas, penhor financeiro de contas bancárias, penhor de bens móveis, promessa de penhor de bens móveis, o penhor e promessa de penhor de marcas e promessa de penhor de patentes, penhor de estabelecimento, penhor de créditos acionistas, promessa de hipoteca, cessão de créditos com escopo de garantia, “Para garantia do pontual e integral cumprimento das obrigações emergentes para as Mutuárias do Contrato de Financiamento” (cfr. considerando B) do Contrato de Garantias).
17) Em 21.01.2009, a Requerente procedeu à aquisição da totalidade do capital da sociedade G... - …, S.A. (RIT, II.3.1, p. 9).
18) Em 02.12.2009, com efeitos retroagidos à data de 01.01.2009, verificou-se a fusão por incorporação na Requerente (então designada A...), como sociedade incorporante, das já identificadas sociedades G... - …, S.A., A... ..., S.A., I...... - ..., S.A., e H... - …, S.A. (RIT, II.3.1 e III.1.3, pp. 9 e 16, e factualidade reconhecida nos n.ºs 19 e 20 da PI).
19) Em 17.02.2012, a A... II S.a.r.L. adquiriu o restante capital social da Requerente, pelo que, a partir dessa data, passou a ser acionista única da Requerente, tornando-se igualmente titular única dos suprimentos no montante de €80.062.500, sendo que, em 20.03.2012, a A... II S.a.r.L. reforçou este montante com um valor adicional de suprimentos de €150.000,00, sujeitos aos mesmos termos do contrato de 21.01.2009 (RIT, II.3.1, II.3.3 e III.1.2, pp. 9, 10 e 15 e documento a fls. do PA, anexo 5 ao RIT).
20) A Requerente organizou os dossiers de preços de transferência para os exercícios de 2011 e 2012, conforme documentos que se encontram juntos como anexos 8 e 9 ao RIT, que aqui se dão por reproduzidos, em que identifica os suprimentos efetuados em 2009, bem como o reforço efetuado em 2012, como uma operação vinculada e afasta a utilização como comparável interno do mútuo bancário celebrado em 21.01.2009 com base no seu montante (RIT, III.1.5, p. 18 e nota de rodapé 1, e III.1.7, p. 20 e pontos VI.2 e V dos dossiers de preços de transferência de 2011 e 2012, respectivamente; cfr. também a factualidade reconhecida na primeira parte do n.º 70 da PI).
21) Nos referidos dossiers de preços de transferência, a Requerente utilizou a base de dados Bloomberg, tendo empregue os seguintes critérios e filtros (cfr. RIT, III.1.7, pp. 20 e seguintes, bem como a factualidade reconhecida nos n.ºs 75 a 77 da PI):
do que resultou para o ano de 2011 o seguinte intervalo:
e para o ano de 2012 o seguinte intervalo:
22) Na sequência das ordens de serviço n.ºs OI2014... e OI2015..., determinadas pela verificação de valores elevados de encargos financeiros, a Requerente foi objeto de uma ação inspetiva tributária externa, de âmbito parcial (IRC), aos exercícios de 2011 e de 2012 (RIT, II.1 e II.2, p. 8).
23) Do RIT, com as conclusões da ação de inspeção identificada no ponto anterior, cujo teor e dos respectivos anexos aqui se dá por integralmente reproduzido, consta o seguinte, que, pela sua relevância, importa destacar[2] (RIT, pp. 17 a 44):
i) - “III.1.5 - SUBORDINAÇÃO DOS SUPRIMENTOS REALIZADOS (OPERAÇÃO VINCULADA) ÀS REGRAS DOS PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA
(...)
para aplicação das regras de preços de transferência, é necessário que o sujeito passivo realize operações com uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, devendo então, certificar-se de que estão a ser contratados e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente o seriam entre entidades independentes em operações comparáveis.
Importa assim saber qual a definição legal de relações especiais e se esta se aplica ao caso em análise, isto é, aos suprimentos realizados pelos acionistas da A... em 2009.
(...)
podemos concluir que o acionista A... II Sarl, que naquela data detinha 78,545% do capital social da A..., se enquadra na alínea a) do n.º 4 do artigo 63.° do CIRC considerando-se assim que tinha (e tem) o poder de exercer influência significativa nas decisões de gestão da empresa existindo assim relações especiais entre estas duas entidades.
(...)
três dos acionistas que realizaram suprimentos em 2009/01/21 eram, naquela data, administradores da empresa, um deles exercendo o cargo de presidente do Conselho de Administração (B…) e dois exercendo o cargo de Vogal (C... e F…), tendo assim todos eles o poder de exercer influência significativa nas decisões de gestão da empresa existindo assim relações especiais entre a A... e cada um deles.
Relativamente aos restantes acionistas que efetuaram suprimentos, a saber: E… e D…, verifica-se que são filhos do acionista e vogal da sociedade C... pelo que se conclui que igualmente se enquadram na alínea c) do n.º 4 do artigo 63° do CIRC.
Por todo o referido, somos de concluir que o caso em apreço - a realização de suprimentos pelos acionistas à sociedade - é uma operação vinculada, nos termos do n.º 4 do artigo 63.° do CIRC e da alínea b) do n.º 3 do artigo 1.º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, estando assim sujeito à observância do Principio de Plena Concorrência (...).
O mesmo concluiu o sujeito passivo, dado ter produzido os dossiers de preços de transferência, a que se refere o n.º 6 do artigo 63.° do CIRC, para os exercícios de 2011 e 2012, entregues no decurso da ação inspetiva, nos quais identifica os suprimentos efetuados em 2009, bem como o reforço efetuado em 2012, e que originaram gastos com juros a pagar em 2011 e 2012, como uma operação vinculada (pontos VI.2 e V dos dossier de preços de transferência de 2011 e 2012, respetivamente)”.
ii) - “III.1.7 - MÉTODO APLICADO PELO S.P. PARA OBSERVÂNCIA DA CONFORMIDADE DA OPERAÇÃO VINCULADA COM O PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA
a) Fundamentação do método aplicado
Da análise aos relatórios de preços de transferência apresentados pela A... no decurso do procedimento inspetivo, referentes aos exercícios de 2011 e 2012, verificou-se que esta, com o objetivo de aferir se os termos e condições acordados e praticados na operação vinculada observaram o Princípio de Plena Concorrência considerou a aplicação dos vários métodos descritos no n.º 3 do artigo 63° do CIRC.
Da análise efetuada, concluiu o sujeito passivo que o Método do Preço Comparável de Mercado é o mais apropriado para aferir se a operação vinculada observa, ou não, o princípio de Plena Concorrência (vide pág. 47 e 48 dos relatórios de preços de transferência de 2011 e 2012, respetivamente).
Refere ainda que apesar da A... deter um empréstimo junto de entidades bancárias, o mesmo não foi considerado um comparável fidedigno na medida em que, atendendo aos montantes do empréstimo bancário em causa, tal fator ter um impacto relevante no preço da operação, nomeadamente na taxa de juro.
Assim, considerou o sujeito passivo não ser possível a utilização de um comparável interno, socorrendo-se de comparáveis externos, nomeadamente recorrendo às taxas de juro praticadas pelas instituições bancárias, para financiamentos de médio/longo prazo, com montantes de financiamento genericamente comparáveis à operação sob análise.
b) Aplicação do Método do Preço Comparável de Mercado pelo sujeito passivo
O sujeito passivo pretendeu na sua análise utilizar um comparável externo, através da identificação das taxas de juro praticadas no mercado financeiro internacional que correspondessem a operações comparáveis com a operação de realização de suprimentos.
Assim, recorreu à base de dados Bloomberg para pesquisa de taxas de juro de:
• obrigações emitidas em 2011 e 2012;
• cujo emissor possui um rating igual ou superior a CCC+ (notação Standard & Poor’s);
• com maturidade superior a um ano e inferior a dez anos;
• com um valor em dívida superior a 1,5 milhões de Euros; e
• com taxa de juro fixa.
A pesquisa foi efetuada selecionando inicialmente os títulos com rating superior a CCC+ (notação Standard & Poor’s) e posteriormente excluindo os resultados com taxas variáveis, e selecionando as observações com maturidade entre um e dez anos e com colaterais seguros por ativos.
Dos relatórios de preços de transferência apresentados, retiram-se os seguintes fundamentos para a pesquisa apresentada pelo sujeito passivo:
- Da utilização da base de dados Bloomberg:
Foi justificada por ser uma ferramenta de pesquisa de informação referente aos mercados financeiros mundiais, disponível através de terminais especializados, que providencia informação precisa e atual aos níveis económico, político e financeiro.
- De emissores com rating igual ou superior a CCC+:
Dado que os preços praticados no mercado dependem, em grande medida, da partilha dos riscos entre entidades intervenientes numa dada operação, torna-se necessário a análise dos riscos a que a A... se encontra exposta no desenvolvimento das suas atividades.
Atendendo ao referido, os relatórios de preços de transferência de 2011 e 2012 fazem uma análise dos riscos de mercado, de inventário, de crédito, de oferta, de qualidade, regulatório e de incumprimento da A..., naqueles anos.
Da referida análise conclui o sujeito passivo que todos os riscos são baixos, à exceção do risco de incumprimento que é de nível médio.
Em resultado desta análise consideram os relatórios ser de selecionar os títulos com rating igual ou superior a CCC+.
- Taxa de juro fixa:
Uma vez que a taxa de juro contratada nos suprimentos efetuados foi fixa (10%/ano), foram excluídos os resultados sujeitos a alterações do comportamento dos mercados.
- Títulos com colaterais seguros por ativos:
Uma vez que considera que os acionistas terão como colateral os ativos da A... em caso de incumprimento por parte desta.
Da seleção efetuada, foram consideradas como genericamente comparáveis à operação vinculada em análise, para 2011, 32 (trinta e duas) operações que se encontram identificadas a folhas 68 e 69 do dossier de 2011, e para 2012, 58 (cinquenta e oito) operações que se encontram identificadas a folhas 195 a 199 do dossier de 2012.
A partir das taxas de juro aplicáveis às operações consideradas comparáveis pelo sujeito passivo, foram apurados os intervalos de plena concorrência que se reproduzem nos quadros seguintes:
Quadro X – Taxa de juro anual bruta verificada em operações financeiras genericamente comparáveis
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2011
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2012
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Máximo
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12,750%
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12,375%
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3.º Quartil
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9,630%
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9,000%
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Mediana
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8,190%
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7,750%
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1.º Quartil
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7,310%
|
6,228%
|
Mínimo
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4,000%
|
0,000%
|
Conclui assim a A... que as taxas de juro aplicadas aos suprimentos realizados em 2009 (de 10%) se encontram nos intervalos apurados (entre o valor mínimo e o máximo), satisfazendo assim aquela operação o Princípio de Plena Concorrência.
III.1.8 - CONCLUSÃO QUANTO À VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA
Conhecendo o método aplicado pela A..., bem como os comparáveis utilizados na análise realizada, importa de seguida fazer uma análise destes e, consequentemente, da conclusão retirada pelo sujeito passivo de que a operação satisfaz o Princípio de Plena concorrência.
a) Quanto ao método utilizado - Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM)
Relativamente ao método utilizado - Método do Preço Comparável de Mercado - nada temos a apontar pois (...) de acordo com as orientações da OCDE este constitui o meio mais direto e mais fiável de aplicação do Princípio de Plena Concorrência, obviamente desde que seja possível identificar uma operação ou conjunto de operações comparáveis em mercado aberto.
Relativamente às observações retiradas pelo sujeito passivo da base de dados da Bloomberg são tecidas as considerações seguintes.
b) Quanto às entidades emissoras das obrigações
Considera a A... no seu relatório de preços de transferência de 2011 (p.30), corretamente em nosso entender, que a análise funcional, isto é, a descrição das funções desenvolvidas, dos ativos empregues e dos riscos assumidos pelo sujeito passivo e pelas entidades suas relacionadas no decurso normal da sua atividade, é relevante para efeitos de determinação de um preço de plena concorrência.
Isto porque, por um lado, a rentabilidade de uma operação se relaciona de forma direta com a sua complexidade, riscos assumidos e ativos utilizados e, por outro, as operações comparáveis a utilizar deverão ser similares às operações em análise, envolvendo funções, ativos e riscos similares.
Assim, o sujeito passivo, nos relatórios de preços de transferência de 2011 e 2012, teceu uma análise funcional da A... e do seu enquadramento no mercado em que opera.
Na verdade, na análise ao enquadramento da operação vinculada, há que tomar em consideração a sua especificidade nomeadamente:
- o seu enquadramento no mercado português, cuja crise da dívida soberana iniciada em 2009 levou à deterioração dos mercados financeiros nacionais;
- o seu enquadramento no mercado farmacêutico em geral, uma vez que, apesar das dificuldades que, de modo geral, assolavam os mercados mundiais se estimava (em 2010) que valorizasse;
- o seu enquadramento na indústria nacional, uma vez que a indústria ... representa um setor estratégico e um dos que mais contribui para o crescimento da economia em múltiplas variáveis, sendo um setor-chave da economia portuguesa;
- o seu enquadramento no setor, dado ter condicionalismos e riscos muito específicos, nomeadamente a instabilidade regulamentar e os preços;
- o seu enquadramento no setor de medicamentos genéricos em particular uma vez que, apesar dos condicionantes da indústria ... em Portugal e em geral, as alterações recentes na legislação nacional têm permitido um crescimento na venda de medicamentos genéricos, o que constitui uma oportunidade para a própria A...; e, entre outros,
- da própria empresa, verificadas através da análise económica e financeira da mesma, como sendo a sua estrutura, os seus ativos e passivos, os rácios financeiros - a título de exemplo a análise aos rácios de liquidez donde conclui o sujeito passivo que "denotam a robusta capacidade (...) para fazer face às suas responsabilidades de curto prazo”, entre outros.
Tendo em conta que a operação vinculada consubstancia um empréstimo à sociedade (suprimentos efetuados pelos vários acionistas em 2009), torna-se ainda mais importante a análise funcional referida uma vez que, diferentemente do que possa acontecer quando a operação vinculada for um fornecimento de bens ou serviços, a concessão de crédito está intimamente relacionada com a entidade devedora e a perceção do risco que a entidade que concede o crédito tem daquela e de toda a operação subjacente.
(...)
conclui-se que a utilização de comparáveis externos terá de resultar numa seleção de entidades que sejam semelhantes à A... quer em termos de rating, país de origem, setor de atividade, e situação financeira, elementos estes que condicionam a estrutura, resultados económicos e financeiros, riscos, condicionalismos e oportunidades, entre outros, de modo a poder assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações.
Ora, dos comparáveis externos utilizados pelo sujeito passivo (32 para 2011 e 58 para 2012), verifica-se que as entidades emitentes dos títulos selecionados são bastante diversificadas, quer ao nível dos mercados em que operam, quer ao nível da atividade que desenvolvem.
Pese embora os Relatórios de Preços de Transferência nada referirem relativamente às entidades consideradas comparáveis pelo sujeito passivo (apesar de a isso obrigar o n.º 6 do artigo 63.° do CIRC), procedeu-se a uma breve análise de algumas destas, tendo-se concluído que:
- Para 2011 temos entidades com sede na Alemanha, Bélgica, França, Holanda, entre outras, e cujas atividades vão desde produção e/ou comercialização de produtos de higiene descartáveis, à realização de diagnósticos médicos, serviços de dados por cabo, produção de armas e empresas financeiras, entre outras;
- Em 2012, temos igualmente entidades de diversos mercados geográficos como Portugal, França, Itália, Reino Unido, Holanda, entre outros, e de setores diferenciados como aluguer de veículos, concessão rodoviária, operador de aeroportos, empresas financeiras, entre outros.
De referir que, para além da diferença de mercados e de atividades, existem ainda diferenças das estruturas empresariais e de dimensão das empresas selecionadas, quer entre elas quer quando comparadas com a A....
Daqui se conclui que as entidades não são diretamente comparáveis à A..., pois os mercados e as atividades em que operam são bastante diferentes, o que altera de forma muito significativa as condições de acesso ao crédito uma vez que a estrutura, risco inerente e oportunidades de negócio divergem das aplicáveis à operação vinculada em análise.
Apesar do sujeito passivo, no estudo realizado, tentar minimizar a divergência acima referida, através da seleção de entidades emitentes com rating igual ou superior a CCC+ (na notação Standard & Poor’s) tal, na nossa opinião, não é suficiente pois na amostra selecionada, como já foi referido, constam empresas com diferentes atividades, dimensões e estruturas, fatores estes que influenciam de modo direto a concessão do crédito, e que não sofreram nenhuma apreciação casuística por parte do sujeito passivo, que aceitou (do que é dado a entender) todas as observações resultantes dos filtros da pesquisa informática.
Para além do referido, a escolha do critério de entidades com rating igual ou superior a CCC+ sofre, em nosso entender, de dois erros de análise.
Por um lado, os filtros efetuados são demasiado abrangentes, incluindo todas as entidades com rating de CCC+, B, BB, BBB, A, AA, AAA e, dentro de cada um destes, os com adição de (+) ou (-). Daqui se retira que as entidades incluídas no estudo são imensas e de diferentes graus de risco pois entidades com rating CCC+ não são diretamente comparáveis com entidades AAA, por exemplo.
Isto porque, se “uma obrigação avaliada com ‘CCC está atualmente vulnerável ao não pagamento e dependente de condições favoráveis de negócios, financeiras e económicas para o devedor honrar seus compromissos financeiros relativos à obrigação”, uma obrigação avaliada como ‘AAA’ tem o rating mais alto atribuído pela Standard & Poor’s, sendo a capacidade do devedor para honrar os seus compromissos financeiros relativos à obrigação “extremamente forte”. Esta dependência ou não de condições externas para honrar os seus compromissos influencia, de forma direta, o risco e, consequentemente o custo do acesso ao crédito (taxa de juro).
Por outro lado, o estudo apresentado pela A... não demonstra qual o rating que lhe foi atribuído e que justifica a seleção de entidades CCC+ ou superior, não estando assim justificada a seleção efetuada.
Da leitura dos Relatórios de Preços de Transferência retira-se uma análise superficial e subjetiva do risco do sujeito passivo (e que supostamente resultou na consideração da empresa com a notação de risco CCC+) no entanto a aferição de um rating deve ser suportada em critérios objetivos e técnicos vários como análise de balanços, análise de fluxos de caixa, projeções estatísticas, rácios financeiros, entre outros, e não só uma mera apreciação subjetiva dos fatores de risco.
(...)
é nosso entendimento que as entidades selecionadas, por divergirem significativamente da A... nos vários pontos já mencionados, não atendem ao disposto no n.º 5 da referida Portaria, não reunindo assim as condições para serem consideradas comparáveis.
c) Quanto à data da emissão das obrigações
Relativamente à data da emissão das obrigações pesquisadas pelo sujeito passivo na base de dados da Bloomberg, foram consideradas as obrigações emitidas no ano 2011, para a análise do relatório de preços de transferência de 2011, e as emitidas em 2012, para a análise do relatório de preços de transferência de 2012.
Tal filtro não é, em nosso entender, suscetível de aproximar a amostra de dados finais obtida pela A... com a operação vinculada em análise. Com efeito, através do filtro efetuado pelo sujeito passivo, são obtidas operações contratadas em 2011 e 2012, operações essas que necessariamente estão intimamente ligadas à evolução que os mercados financeiros tiveram naqueles anos.
Tendo em conta que os mercados financeiros são extremamente voláteis, as condições de financiamento podem alterar (e alteram-se) significativamente de um momento para o outro. Assim, não é indiferente contrair um empréstimo (bancário ou acionista) em 2009 ou num outro ano dado que algumas premissas sofreram alterações ao longo do tempo decorrido.
Também as próprias empresas que contraíram os financiamentos sofreram alterações ao nível da estrutura empresarial, posição de mercado, oportunidades e riscos de negócio, resultados económicos e financeiros apresentados, entre outros, não permitindo uma melhor comparabilidade.
(...)
A análise do sujeito passivo fará todo o sentido nas operações que podem ser revistas anualmente. Nestas, o sujeito passivo terá que se assegurar, em todos os anos em que decorrem as operações vinculadas, de que estão de acordo com o Princípio de Plena Concorrência.
No caso em análise, no entanto, tanto a operação vinculada como as possíveis operações comparáveis obedecem a contratos entre as partes. No caso dos suprimentos foi estipulado um prazo de maturidade para o financiamento de 7 (sete) anos e 1 (um) dia não sendo por isso possível à A..., mesmo que as condições de acesso ao crédito em mercado aberto se alterassem, corrigir as taxas de juro suportadas.
Parece-nos assim que para obter operações comparáveis à operação vinculada em análise, deveriam ter sido selecionadas operações de financiamento contratadas em 2009, e consequentemente, sujeitas às condições de mercado a que a A... esteve sujeita no momento em que os acionistas realizaram os suprimentos.
d) Quanto ao critério da maturidade
Foram selecionados pelo sujeito passivo os títulos com maturidade superior a 1 ano e inferior a 10 anos.
Conforme já referido, os suprimentos realizados em 2009 tinham a maturidade de 7 (sete) anos e 1 (um) dia, sendo que o intervalo de maturidade selecionado pelo sujeito passivo integra o prazo da operação vinculada em análise.
No entanto, e dado estar em causa uma operação de financiamento, a maturidade do empréstimo reveste-se de extrema importância para as taxas praticadas uma vez não ser indiferente realizar um financiamento por três ou por sete anos, por exemplo.
O facto do intervalo selecionado pelo sujeito passivo abarcar títulos com maturidades entre um e dez anos não limita os comparáveis usados, não se obtendo assim, em nosso entender, o mais elevado grau de comparabilidade a que se refere o n.º 2 do artigo 63° do CIRC e o n.º 2 do artigo 4º da já referida Portaria.
e) Quanto ao critério do valor em dívida
De acordo com o referido nos relatórios de preços de transferência de 2011 e 2012, foram selecionados da base de dados os títulos com um valor em dívida superior a 1,5 milhões de Euros.
É também referido naqueles relatórios que apesar da A... deter um empréstimo junto de entidades bancárias este não foi considerado como um comparável fidedigno atendendo aos valores do financiamento em causa.
Da análise ao contrato de financiamento bancário em causa (que será melhor exposto no ponto II1.1.9 deste relatório) verifica-se que o valor total de financiamento foi de 74,5 milhões de Euros, dos quais 14 milhões de Euros (correspondentes à tranche B) foram destinados à aquisição do capital da sociedade G... SA - destino igualmente dado aos suprimentos da operação vinculada em análise.
Assim, não se compreende o raciocínio lógico utilizado pelo sujeito passivo na seleção dos comparáveis à operação vinculada pois, se por um lado afasta a operação de financiamento bancário por o valor (74,5 milhões de Euros, ou 14 milhões de Euros se só considerada a tranche B) ser divergente dos suprimentos realizados (80 milhões de Euros), por outro, aceita comparáveis cujo valor da dívida é meramente superior a 1,5 milhões de Euros, ou seja, cuja diferença é bastante superior à do empréstimo bancário.
Para além do referido acresce ainda que, dos elementos revelados nas tabelas dos Anexos aos Relatórios de Preços de Transferência, quer em 2011 quer em 2012, não consta qualquer coluna com a indicação dos montantes associados a cada um dos títulos selecionados pelo que não foi possível conhecer em concreto da mera análise daquelas, quais os montantes associados às operações consideradas comparáveis pelo sujeito passivo, podendo os 32 (2011) ou 58 (2012) resultados obtidos terem valores aproximados do mínimo selecionado (1,5 milhões de euros) ou largamente acima dos 80 milhões de EUR da operação vinculada (uma vez não haver teto máximo na seleção).
Por este motivo, foi solicitado à A... o montante das observações consideradas genericamente comparáveis com a operação vinculada, tanto para 2011 como para 2012. Em resposta ao pedido efetuado, foram remetidas, por correio eletrónico, novas tabelas com o conjunto final das operações comparáveis, de 2011 e 2012, em tudo idênticas às que constam nos Anexos aos Relatórios de Preços de Transferência, acrescendo uma coluna com o montante emitido (da dívida).
Da análise às novas tabelas apresentadas (anexo 11) conclui-se que os montantes das observações aceites são muito dispersos, variando entre 1,5 M € e 800 M €.
(...)
Mais ainda, se repartirmos os montantes das obrigações por intervalos de valores, verifica-se que os intervalos com maiores resultados aceites não são coincidentes com o intervalo onde se insere a operação comparável.
Relativamente a 2011, cerca de 62,5% das operações consideradas comparáveis pelo sujeito passivo situam-se nos intervalos entre 200 M € e 400 M €, sendo que só 9% (3 observações) se situam no intervalo entre 1,5 M € e 100 M €. Mesmo estas, duas no valor de 1,5 M € e outra no valor de 26 M €, são francamente divergentes do valor da operação vinculada (80 M €).
Relativamente ao ano 2012, verifica-se que o intervalo com maior número de observações (17 observações) é entre 200 M € e 300 M €, sendo que só 15,52% (9 observações) pertencem ao intervalo da operação vinculada. Destas, só cinco poderão considerar-se de valor aproximado à situação em análise (entre 65 M € e 84,5 M €).
Refira-se ainda, relativamente à falta de aperfeiçoamento da filtragem efetuada pelo sujeito passivo, que dos resultados aceites como comparáveis constam em 2012 um cujo montante da dívida não é especificado (N/A) e três cuja taxa praticada é 0% o que denota incomparabilidade destas operações por desconhecimento de fatores fortemente influenciadores do custo do crédito (o montante, no primeiro caso, e outros que levem investidores independentes a aceitarem a taxa de juro nula nos empréstimos que realizam, no segundo caso).
Assim, pelo facto do sujeito passivo ter utilizado comparáveis cujos montantes são tão divergentes do da operação vinculada (entre 53 vezes menos e 10 vezes mais) não está em nosso entender, assegurado o mais elevado grau de comparabilidade a que se refere o n.º 2 do artigo 63° do CIRC e o n.º 2 do artigo 4.º da já referida Portaria.
f) Conclusão
Atendendo ao n.º 3 do artigo 4.º da referida Portaria, “[d]uas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas (...) de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afetar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado(...)”, o que em nosso entender, não acontece no caso em apreço, conforme exposto.
Assim, e considerando que as observações aceites pelo sujeito passivo levaram ao apuramento do limite mínimo e máximo, bem como interquartil, das taxas de juro em 2011 e 2012 (...), somos de concluir que os intervalos apresentados também não são válidos.
Tanto assim é que, numa análise mais atenta, podemos verificar a grande dispersão das observações aceites.
(...)
Em face de todo o referido, somos de concluir que os comparáveis externos utilizados pelo sujeito passivo para justificar a conformidade da operação vinculada com o Princípio de Plena Concorrência não preenchem os requisitos impostos pela Portaria 1446-C/2001, de 21/12, não proporcionando assim o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e outra(s) não vinculada(s) e, consequentemente, não satisfazendo o Princípio de Plena Concorrência.
Refira-se que, da análise à contabilidade do sujeito passivo, foi identificado o empréstimo obtido junto de um consórcio bancário em 2009/01/21 como uma operação substancialmente idêntica à operação vinculada, realizada entre a A... e uma entidade independente, e assim comparável com a operação vinculada. Deste modo proceder-se-á à análise daquela operação nos pontos seguintes.
III.1.9 - PESQUISA DE UMA OPERAÇÃO COMPARÁVEL
a) Características do empréstimo bancário contraído pela A... em 2009/01/21
Conforme já referido neste relatório, verificou-se que a A... tem um empréstimo bancário, contratualizado em 2009.
Da análise ao contrato de financiamento (anexo 10) verificou-se que foi realizado junto de um consórcio bancário constituído pelas seguintes entidades bancárias: Banco BPI SA, Banco Espírito Santo de Investimento SA, Banco Santander Totta SA, Banif - Banco de Investimento SA, Banif Banco Internacional do Funchal SA, Caixa - Banco de Investimento SA e Caixa Geral de Depósitos SA.
O contrato de financiamento data de 2009/01/21 e foi efetuado pelo valor total de 74.5 milhões de Euros, (vide considerando F da pág. 10 do contrato de financiamento) distribuído por três tranches nos seguintes montantes e destinadas aos seguintes fins:
- Tranche A: no valor de 53,4 milhões de Euros, destinada ao refinanciamento parcial da dívida das sociedades do grupo naquela data;
- Tranche B: no valor de 14,1 milhões de Euros, destinada ao financiamento da aquisição pela A... (então A... SA) da G... SA e subsidiárias por esta direta ou indiretamente detidas. Este valor foi depositado na sua totalidade em conta bancária da A... com data valor na data do contrato, tendo efetivamente sido utilizado para a aquisição das referidas participações sociais;
-Tranche Tesouraria: 7 milhões de Euros, destinada a dotar a A... de fundos necessários para eventuais futuras necessidades de fundo de maneio de tesouraria. Esta tranche pode ser utilizada por diversas vezes ao longo do período do empréstimo.
O empréstimo deverá ser reembolsado nos seguintes prazos:
- Tranche A: em prestações semestrais consecutivas nos termos do anexo XII ao contrato (não apresentado);
- Tranche B e Tranche Tesouraria: integralmente reembolsadas no dia 15 de Janeiro de 2016. i.e., com um prazo de maturidade de 7 anos menos 6 dias.
A taxa de juro contratada é a equivalente à Euribor acrescida da Margem (“spread”). A margem difere para as várias tranches, sendo a seguinte:
- Tranche A e Tranche Tesouraria: 3% - esta margem poderá ser reduzida até ao mínimo de 2,25 % mediante tabela constante do contrato, de acordo com o rácio de endividamento sénior líquido apresentado anualmente pela empresa (conforme descrito no contrato);
-Tranche B: 3,5 %
Refira-se ainda que da leitura do contrato de financiamento se conclui que as entidades bancárias concedentes do crédito tinham conhecimento da intenção de aquisição por parte da A... das ações da sociedade G... SA, até porque uma das tranches do empréstimo serviria para esse mesmo fim, bem como do processo de reestruturação da empresa, nomeadamente da fusão a ocorrer em momento posterior (e que ocorreu em 2009/12/02 com efeitos a 2009/01/01).
Mais ainda, conheciam o teor dos contratos de compra e venda daquelas ações, celebrados na mesma data do contrato de financiamento, e do memorando da nova estrutura da empresa, documentos esses entregues aos bancos concedentes do crédito, conforme referido em B do considerando do Contrato de Financiamento e no Anexo V, pontos 13 e 15.
Conclui-se assim que, na elaboração do contrato de financiamento foi tido em consideração, para além dos riscos da própria empresa naquele momento, do mercado em que opera, da atividade em que se insere, e do objetivo da operação em si, os riscos e oportunidades derivados da alteração da estrutura empresarial da A....
b) Comparação entre a operação vinculada (suprimentos) e a operação bancária realizada
Tendo em conta a existência de uma operação de financiamento da A... ocorrida no mesmo dia da operação vinculada, para os mesmos fins e com um prazo de maturidade idêntico, importará analisar se esta operação é um comparável que cumpre os requisitos indicados no artigo 5.º da Portaria 1446-C/2001, de 21/12 e que é por isso suscetível de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e o preço de mercado.
Pelo exposto, apresenta-se o quadro comparativo seguinte no qual se confrontam as duas operações apresentadas: a operação vinculada (concessão de suprimentos) e a operação independente (financiamento bancário).
Quadro XII- Comparação entre a operação vinculada e operação independente
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Operação Vinculada: Suprimentos
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Comparável interno: Empréstimo bancário
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Data da operação
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21-01-2009
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21-01-2009
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Data do reembolso
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15-01-2016
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22-01-2016
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Valor da operação (EUR)
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80.062.500,00
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74.500.000,00 (a)
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Finalidade da operação
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Aquisição do total do capital da sociedade G... SA
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- Refinanciamento parcial de dívida anterior (53,4 M €);
- Aquisição do capital da sociedade G... SA (14,1 M €); e
- Necessidades de tesouraria (7 M €)
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Taxa de juro anual da operação
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10%
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- entre 4,725% e 5,318% (Tranche B) (b)
- entre 4,068% e 3,279 % (Tranches A e Tesour.)
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Notas:
(a) O Valor total da operação está dividido em três tranches: Tranche A (53,4 M EUR), Tranche B (14,1 M EUR) e Tranche Tesouraria (7 M EUR).
(b) A taxa de juro aplicável à tranche B é a Euribor+3,5%; a taxa de juro aplicável às tranches A e de tesouraria é a Euribor+3%, podendo ser reduzida consoante o rácio de endividamento sénior líquido apresentado anualmente pela empresa. Os intervalos das taxas indicados no quadro são o valor máximo e mínimo referidos nos avisos de lançamento emitidos pelo BES Investimento, relativos ao empréstimo de 74,5 M €, para os períodos em análise.
Da análise ao quadro anterior verifica-se que a data da operação é coincidente nas duas operações pelo que usufruíram de condições de mercado idênticas uma vez que, quer o mercado financeiro, quer o sector farmacêutico (no qual a A... se insere), quer a posição da própria empresa eram os mesmos na data da celebração dos contratos não havendo qualquer ajustamento a ser feito relativamente a estes aspetos.
Também relativamente ao prazo dos empréstimos, se conclui pela sua semelhança pois em ambos os casos o reembolso é total no final dos contratos, que são em 2016/01/15 e 2016/01/22, ou seja, as maturidades têm uma diferença temporal de 7 (sete) dias, sendo ambas sensivelmente de 7 (sete) anos. Também neste caso, não há qualquer ajustamento a efetuar dado que a diferença temporal do reembolso (7 dias) não influencia de forma significativa o custo do empréstimo, i.e., a taxa de juro a aplicar.
Quanto ao valor da operação, podemos igualmente concluir pela sua semelhança. Dado que o valor total do empréstimo bancário foi de 74,5 milhões de EUR, foi este o valor total aceite pelo consórcio bancário e pela A..., pelo que, em termos de montante angariado pela empresa nas condições de mercado à data será este o valor a considerar. Também o risco assumido pelas entidades concedentes do crédito teve em conta o valor total do empréstimo. Neste caso, verifica-se que os montantes dos créditos em ambas as operações são bastantes aproximados gozando assim de condições semelhantes resultantes do volume das operações.
Relativamente à finalidade da operação de financiamento, que poderá influenciar o seu custo positiva ou negativamente em face das oportunidades, ativos e passivos que dela advêm, conclui-se existirem pontos comuns entre as duas operações. Na realidade, parte do empréstimo bancário (14,1 milhões de EUR) destinou-se à aquisição do capital da sociedade G... SA, destino esse igualmente dado aos suprimentos concedidos pelos acionistas à A....
Da análise comparativa às condições das operações em causa verifica-se que a maior divergência entre elas está exatamente nas taxas de juro aplicadas. Com efeito, os contratos da operação vinculada estipulam uma taxa de juro fixa de 10% ao ano. No entanto, o contrato de financiamento bancário estipula uma taxa variável, indexada à Euribor, acrescida de uma margem de 3,0 % ou 3,5%, consoante a finalidade do empréstimo.
De toda a análise efetuada à operação entre entidades independentes (empréstimo bancário) conclui-se que esta preenche os requisitos do artigo 5.º da já amplamente referida Portaria.
Mais ainda, dado que a operação bancária foi realizada com um sindicato bancário, constituído por sete entidades bancárias distintas, tal é forte indicador de que se regeu pelas condições efetivas de mercado, naquela data.
Aliás, de acordo com as diretrizes emanadas pelo Comité de Supervisão Bancária de Basileia (v. § 31) todos os participantes de um sindicato bancário (ou outro tipo de consórcio) de concessão de crédito deverão efetuar diligências de avaliação do risco e retorno do investimento como se de uma operação individual se tratasse. Assim, na operação de empréstimo bancário em analise terão sido realizadas sete avaliações de risco do mutuário e da operação, concluindo pela aplicação da taxa referida.
c) Comparação entre a operação vinculada, a operação bancária e o comparável apresentado pelo s.p.
De modo a sistematizar toda a informação recolhida e analisada, designadamente a resultante da operação vinculada (suprimentos), dos comparáveis externos utilizados pelo sujeito passivo (retirados da base de dados da Bloomberg) e do comparável interno (empréstimo bancário) foi construído o quadro seguinte.
Quadro XIII- Comparação entre a operação vinculada, comparável externo e comparável interno
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Operação Vinculada: Suprimentos
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Comparável interno: Empréstimo bancário
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Comparável externo: Base de dados da Bloomberg
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Data da operação
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21-01-2009
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21-01-2009
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Variáveis, em 2011 e 2012
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Data do reembolso
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15-01-2016
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22-01-2016
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Variáveis entre:
2011: 20-12-2013 e 15-03-2021 2012:05-12-2014 e 15-09-2022
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Valor da operação (EUR)
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80.062.500,00
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74.500.000,00 (a)
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Desconhecido e variável (> 1.500.000,00)
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Finalidade da operação
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Aquisição do total do capital da sociedade G... SA
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- Refinanciamento parcial de dívida anterior (53,4 M €);
- Aquisição do capital da sociedade G... SA (14,1 M €); e
- Necessidades de tesouraria (7 M €)
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Desconhecido e variável
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Taxa de juro anual da operação
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10%
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- entre 4,725% e 5,318% (Tranche B)
- entre 4,068% e 3,279 % (Tranches A e Tesour.) (b)
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Variáveis entre: 2011: 4% e 12,75%
2012:0% e 12,375%
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Notas:
(a) O Valor total da operação está dividido em três tranches: Tranche A (53,4 M EUR), Tranche B (14,1 M EUR) e Tranche Tesouraria (7 M EUR).
(b) A margem de 3% é aplicável às tranches A e de tesouraria, podendo ser reduzida consoante o rácio de endividamento sénior líquido apresentado anualmente pela empresa; A margem de 3,5% é aplicável à tranche B.
III.1.10 - IMPACTO DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA NA DETERMINAÇÃO DO RESULTADO TRIBUTÁVEL
Considerando que:
- Foi efetuada uma operação de financiamento do sujeito passivo através de suprimentos realizados por todos os acionistas em 2009, no valor total de cerca de 80 Milhões de Euros;
- Existem relações especiais entre as entidades intervenientes na operação (A... e acionistas) nos termos do n.º 4 do artigo 63° do CIRC;
- Nas operações entre entidades em situação de relações especiais nos termos referidos, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticas aos que normalmente seriam contratadas entre entidades independentes em operações comparáveis, conforme disposto no n.º 1 do artigo 63.° do CIRC;
- O sujeito passivo deve adotar, para determinação dos termos ou condições acima referidos, o método suscetível de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado, de acordo com o n.º 2 do artigo 63° do CIRC;
- Foi identificado o Método do Preço Comparável de Mercado como o que melhor cumpre o requisito acima referido;
- Não se consideram estar presentes na seleção dos comparáveis por parte do sujeito passivo os fatores de comparabilidade elencados no n.º 5 da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, nem quanto às entidades emissoras das obrigações, nem quanto à data de emissão destas, sua maturidade, valor da dívida ou características da operação;
Não podem, deste modo, as operações apresentadas pelo sujeito passivo ser aceites como comparáveis, não se obtendo com a sua utilização o mais elevado grau de comparabilidade a que se refere o n.º 2 do artigo 63° do CIRC e o n.º 2 da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, e encontrando-se por isso prejudicado o Princípio de Plena Concorrência com a taxa de juro aplicada pelo sujeito passivo.
Assim, a utilização de um comparável interno (empréstimo bancário) na aplicação do Método do Preço Comparável de Mercado proporciona o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e o preço comparável de mercado à data, dado as principais características da operação serem coincidentes ou muito semelhantes; entidade credora, data da operação, valor e maturidade do empréstimo e objetivo da operação de crédito.
Torna-se então necessário proceder ao cálculo do gasto da operação vinculada àquele preço, i.e., ao cálculo do custo da operação como se tivesse sido realizada entre entidades independentes, ao preço de mercado.
Para isso, será aplicada a taxa resultante do contrato de financiamento assinado em 2009/01/21 com um consórcio de bancos ao valor dos suprimentos realizados, também naquela data, ou seja a taxa Euribor a 6 meses, acrescida de uma margem (“spread”).
Atendendo a que o referido contrato de financiamento estipula margens diferentes consoante a finalidade do empréstimo, será de aplicar a margem que corresponde à finalidade coincidente com a operação vinculada, ou seja, 3,5% (correspondente à tranche B do empréstimo bancário).
Os juros serão contados dia a dia sobre o capital mutuado em dívida e ainda não reembolsado, tomando por base um ano de 360 dias e o número de dias decorridos, à semelhança do contrato de financiamento
Para o cálculo dos juros que seriam suportados com um empréstimo entre entidades independentes, idêntico aos suprimentos realizados, foi elaborado o quadro seguinte.
Conforme se conclui da análise do quadro anterior, o valor dos juros é bastante inferior ao considerado pelo sujeito passivo. Refira-se a este propósito o mencionado nas orientações da OCDE (vide § 1.34) que refere que as sociedades independentes, ao avaliarem as condições de uma eventual operação, comparam essa operação com outras opções que realisticamente se lhes oferecem e só concluem a operação se não tiverem outra alternativa claramente mais vantajosa.
Terminada assim a análise à operação relativa à concessão de suprimentos pelos acionistas à empresa em 2009/01/21, e reforço efetuado em 2012/03/21, concluiu-se que os termos e condições praticados naquela operação vinculada não são substancialmente idênticos aos que seriam normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, desrespeitando, deste modo, o Princípio de Plena Concorrência.
Importa, então, calcular qual o impacto que a violação do Princípio de Plena Concorrência teve na determinação do Lucro Tributável/ Prejuízo Fiscal dos períodos em análise.
Deste modo, procedeu-se à análise comparativa entre os gastos registados pela A... na sua contabilidade em 2011 e 2012, e que influenciaram negativamente quer o resultado contabilístico quer o fiscal daqueles períodos, e os gastos que deveriam ter sido considerados, caso tivesse sido aplicado o Princípio de Plena Concorrência e aceites condições idênticas às praticadas entre entidades independentes - conforme quadro seguinte.
Quadro XV - Impacto da violação do Princípio de Plena Concorrência no Lucro tributável
Período
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Gastos de juros considerados pela
A...
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Gastos com juros se aplicado o Princípio de Plena Concorrência
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Diferença
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2011
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8.006.250,00
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4.065.302,43
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3.940.947,57
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2012
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8.017.916,67
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3.790.861,95
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4.227.054,72
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Total
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16.024.166,67
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7.856.164,38
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8.168.002,29
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Pelo exposto, verifica-se que a A... considerou no apuramento dos resultados fiscais (prejuízos fiscais) dos anos 2011 e 2012 gastos com juros de suprimentos excessivos nos montantes de 3.940.947,57 EUR e 4.227.054,72 EUR, respetivamente.
Consequentemente, nos termos do n.º 8 do artigo 63.° do CIRC, seriam de efetuar pelo sujeito passivo, nas declarações de rendimentos modelo 22 de IRC, correções positivas ao Lucro Tributável/Prejuízo Fiscal nos montantes correspondentes aos efeitos fiscais mencionados.
A A... não efetuou as referidas correções nas declarações relativas aos exercícios 2011 e 2012, pelo que se procederá à correção aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo, com referência àqueles períodos, nos montantes calculados no quadro anterior”.
(...)
iii) IX. DIREITO DE AUDIÇÃO
IX.1 - ANÁLISE DO EMPRÉSTIMO BANCÁRIO CONTRATUALIZADO EM 2009
O sujeito passivo vem pôr em causa o comparável interno utilizado pela Inspeção Tributária no que respeita ao montante da operação, taxa de juro (fixa vs indexada), reembolso dos juros e garantias conforme referido nos parágrafos seguintes.
a) Quanto ao montante (§16 a 19):
Refere o sujeito passivo que apesar do valor global do empréstimo contraído pela empresa em 2009, de cerca de 74,5 milhões de EUR, ser equiparável ao montante dos suprimentos realizados, de cerca de 80 milhões de EUR, o mesmo é distribuído por 3 tranches diferentes que apresentam montantes, finalidades e remunerações distintas.
Refere ainda que “consideram os Serviços de Inspeção Tributária que apenas a tranche B, no valor de 14,1 milhões de EUR é comparável com a operação de suprimentos, dado que apresenta a mesma finalidade, i.e. destinada à aquisição do capital da sociedade G... SA, enquanto que as restantes tranches foram destinadas, principalmente, ao financiamento da dívida existente na empresa”
Concluiu assim o sujeito passivo que “os Serviços de Inspeção Tributária não estão autorizados a utilizar o argumento da diferença e diversidade de montantes para desconsiderar a maioria das observações apresentadas pela A... como genericamente comparáveis e, simultaneamente considerar como comparável interno válido um empréstimo bancário cujo montante é substancialmente inferior ao montante dos suprimentos em causa.”
Relativamente ao alegado temos a referir que, ao contrário do indicado pelo sujeito passivo, não consideram os Serviços da Inspeção Tributária que apenas a tranche B, no valor de 14,1 milhões de EUR é comparável com a operação de suprimentos - vide quadros XII e XIII.
Com efeito, o empréstimo total foi subordinado a um mesmo contrato de financiamento, com cláusulas comuns. O montante do empréstimo foi efetivamente de 74,5 milhões de EUR, apesar de ser constituído por 3 tranches. Conforme menciona o sujeito passivo no § 13, todos os condicionalismos interferem com um elemento determinante do financiamento, que é o risco assumido pelos credores. Ora, não podemos olhar para um empréstimo de 74,5 milhões de EUR e dividi-lo em 3 “pequenos” empréstimos, unicamente pelo facto do devedor decidir dar diferentes utilizações ao valor que recebeu.
Na realidade consideram os Serviços da Inspeção Tributária que o empréstimo, no seu todo, é genericamente comparável à operação vinculada, em particular nos montantes envolvidos – e que influenciam diretamente o risco total assumido pelo consórcio bancário. O facto de parte do empréstimo ter tido a mesma finalidade dos suprimentos realizados (aquisição do capital da G... SA) só vem, em nosso entender, fortalecer a comparabilidade das operações pois demonstra que as entidades bancárias envolvidas tinham pleno conhecimento do negócio de aquisição de capital em curso e puderam assim medir o risco da operação com maior grau de fiabilidade, conhecendo os condicionalismos e oportunidades da empresa.
A menção mais concreta à tranche B no projeto de relatório prende-se com a existência de pequena diferença no spread aplicado (0,5%) e que, sendo maior no valor a aplicar na aquisição do capital da G... SA, foi tomado em consideração nos cálculos da taxa de juro a considerar aos suprimentos realizados.
b) Quanto à taxa de juro (fixa vs. indexada) (§20 e 23):
Relativamente ao indexante da taxa de juro, vem referir o sujeito passivo que enquanto o empréstimo bancário tem subjacente uma taxa de juro variável (indexada à Euribor), os suprimentos apresentam uma taxa de juro fixa.
Refere ainda que tendo em conta o “contexto económico-financeiro desfavorável e volátil como o vivido em 2009, a contratação de uma taxa fixa funciona como um mecanismo de defesa face ao risco financeiro” pelo que considera “razoável e racional que, em períodos de turbulência dos mercados financeiros se pague um prémio superior na tentativa de se contratar um empréstimo a uma taxa fixa”.
Relativamente ao aludido, somos de referir que o que está em causa relativamente à taxa de juro acordada entre a A... e os seus acionistas é se esta está, ou não, de acordo com o Princípio de Plena Concorrência, ou seja, se as condições contratadas, aceites e praticadas são substancialmente idênticas às que o seriam entre entidades independentes, e, se possível, entre o próprio sujeito passivo e uma (ou várias) entidade(s) independente(s).
Acresce ainda que, em cada momento, os agentes económicos desejam e procuram as melhores condições de mercado para as operações que necessitam / pretendem desenvolver.
Assim, e tendo o acima referido em mente, somos de concluir que a A..., na negociação do contrato de financiamento junto do consórcio bancário, terá negociado as melhores condições possíveis naquele momento, momento esse que era igualmente “desfavorável e volátil, inserido num “período de turbulência dos mercados financeiros” tal como referido pelo sujeito passivo (pois o contrato foi celebrado exatamente na mesma data dos contratos de suprimentos).
Deste modo, parece-nos que a avaliação das melhores condições possíveis de praticar naquela data (Janeiro de 2009) entre a A... e uma entidade independente, para uma operação de financiamento na ordem dos 74,5 milhões de EUR, com um prazo de maturidade de 7 anos, foi de acordo com a opção da empresa de contratar um financiamento à taxa Euribor a 6 meses acrescida de um spread entre 3% e 3,5%. Daqui resulta a consideração de uma taxa indexada, e não fixa, pois nas mesmas condições dos mercados financeiros esta foi a taxa praticada entre entidades independentes.
c) Quanto ao reembolso dos juros (§ 21, 22 e 26):
Vem o sujeito passivo distinguir, no que ao prazo de recebimento dos juros respeita, entre o contrato de financiamento e os contratos de suprimentos, referindo que, enquanto no empréstimo bancário os juros são pagos periodicamente, nos suprimentos os juros são pagos no fim do contrato. Pelo hiato temporal considera a A... que a assunção do risco é maior no segundo caso o que justifica uma remuneração do montante emprestado também superior.
Apesar da diferença temporal do recebimento dos juros (semestral no caso do empréstimo bancário e na maturidade do contrato no caso dos suprimentos) tal não influencia diretamente a taxa de juro a aplicar.
Na realidade o juro é a remuneração cobrada por um empréstimo de dinheiro (expresso em percentagem - taxa). A taxa a pagar é uma compensação efetuada pelo tomador do empréstimo para ter o direito de usar o dinheiro emprestado até ao dia do pagamento (reembolso). O credor, por outro lado, recebe a compensação por não poder usar esse dinheiro. Assim, o prazo que influencia a taxa de juro é o do empréstimo do montante acordado e não dos juros (que são já por si um resultado da aplicação da taxa acordada).
No entanto, poderão as partes acordar juro simples ou composto para, no segundo caso compensar o credor pela dilação temporal do recebimento dos juros. Neste caso, a taxa de juro mantém-se mas o valor dos juros não pagos vai acrescendo ao valor inicial da dívida (juros sobre juros).
No caso em apreço (suprimentos) foi entendido entre as partes não contratar juro composto mas sim juro simples pelo que se entendeu, nos cálculos efetuados no ponto III.1.10, manter essa característica.
d) Quanto às garantias (§ 24 a 28):
Alega o sujeito passivo que “outro aspeto crucial a considerar na diferença entre as taxas de juro e que reforça a incomparabilidade das operações selecionadas pelos Serviços de Inspeção Tributária prende-se com as garantias dos credores que, no caso dos suprimentos, limitam-se, como é regra, ao património geral do devedor (...) enquanto no mútuo bancário revestem carácter reforçado: Hipotecas sobre todos os imóveis; Penhor de primeiro grau sobre: todas as ações representativas do capital (...)”.
Por outro lado, considera a A... que aquele critério foi adotado no processo de seleção dos comparáveis apresentados, tendo sido apenas consideradas observações garantidas pelos colaterais respetivos.
Relativamente ao exposto pelo sujeito passivo teceremos três considerações.
Em primeiro lugar, é de referir que as garantias indicadas pelo sujeito passivo são de carácter genérico e não concretas da operação em apreço: que hipotecas foram efetivamente contratadas e registadas, e que penhores?
Em segundo lugar, e relativamente ao critério adotado no processo de seleção no qual foram consideradas operações garantidas por colaterais, desconhecem-se em concreto quais os colaterais que garantem os empréstimos selecionados, qual o tipo de garantias em causa e se são semelhantes, ou não, às da operação vinculada.
Por último, e mesmo se conhecidos os elementos acima mencionados (e que não conhecemos) é importante reforçar que a operação vinculada é entre a A... e todos os seus acionistas (alguns igualmente administradores da empresa e os restantes familiares diretos destes).
Tal facto influencia fortemente as garantias prestadas a terceiros. Isto porque, se é verdade que em teoria os credores possam ter maiores garantias (hipotecas, penhores, ...) em termos práticos são os administradores e/ou detentores do capital das empresas - o que neste caso, como já referido, são coincidentes - que detêm o conhecimento real do estado em que estas se encontram, quer ao nível financeiro quer ao nível técnico, comercial, concorrencial, entre outros podendo tomar decisões que limitam as garantias dos seus credores ou que maximizam as oportunidades de ressarcir os empréstimos realizados à empresa por si ou terceiros.
Deste modo, não considera a Inspeção Tributária que o grau de incerteza quanto ao recebimento da quantia mutuada seja tão notoriamente superior no caso do empréstimo bancário como quer fazer crer o sujeito passivo.
e) Conclusões relativas ao comparável interno utilizado pela IT (§ 29 a 32):
Concluiu o sujeito passivo, na sua análise do empréstimo bancário contratualizado em 2009 (comparável interno utilizado pela IT) que este não será “um comparável mais fidedigno do que aqueles apresentados pela A...”. Refere ainda que “de acordo com os parágrafos 3.59 e 3.60 das orientações da OCDE, seria necessário realizar ajustamentos ao CUP dado que não há comparabilidade de critério, não há coincidência de alguns termos e condições e não existe sequer um intervalo de Plena Concorrência que torne a única observação estatisticamente significativa”.
Acrescenta ainda que “nos casos em que (...) possam permanecer ainda determinados defeitos de comparabilidade, a existência de um número considerável de observações no intervalo, juntamente com a aplicação de ferramentas estatísticas que utilizam medidas de tendência central para estreitar o intervalo (e.g. intervalo interquartil, mediana, etc.), permitem aumentar a fiabilidade da análise (conforme exposto no parágrafo 3.57 das orientações da OCDE) e a sua relevância estatística”.
Da análise ao exposto pelo sujeito passivo, refira-se que este diz não aceitar o comparável interno por carecer de ajustamentos mas, no entanto, também os comparáveis externos utilizados pela A... sofrem de incomparabilidade com a operação vinculada em análise, não tendo a A... tido qualquer preocupação com a realização, ou sequer ponderação, de ajustamentos.
Quanto à alusão ao parágrafo 3.57 das orientações da OCDE, refira-se que, apesar do que foi sugerido pelo sujeito passivo quanto à utilização de ferramentas estatísticas para estreitar o intervalo, tal não foi na prática tido em consideração pela A.... Com efeito, o sujeito passivo procedeu ao cálculo do intervalo interquartil e da mediana mas para efeitos puramente indicativos pois não considerou este intervalo nem valor nas conclusões retiradas. Isto porque, se analisarmos o quadro XI à luz do agora aludido pelo sujeito passivo (e que se enquadra nas orientações da OCDE) concluímos que se tivesse considerado o intervalo interquartil que agora refere (7,31% - 9,63% em 2011 e 6,228% - 9% em 2012) a taxa aplicada aos suprimentos (10%) estaria fora do intervalo, sendo a conclusão retirada a de que a taxa aplicada aos suprimentos não cumpre o Princípio de Plena Concorrência.
Ao contrário do agora referido, a A... usou no Intervalo de Plena Concorrência os valores mínimo e máximo das observações, não podendo assim, em nosso entender, vir agora referir que a fiabilidade da análise e a relevância estatística foram aumentadas pelo uso de ferramentas estatísticas, de acordo com a referência no parágrafo 3.57 das orientações da OCDE.
IX.2 - ANÁLISE DOS COMPARÁVEIS UTILIZADOS PELA A...
Em sede do direito de audição vem o sujeito passivo reforçar que a “metodologia utilizada pela A... quanto à seleção dos critérios de comparabilidade (...) não padece de qualquer incorreção, incongruência ou falta de clareza, devendo ser aceite”.
Nas alíneas seguintes expõem-se os considerandos do sujeito passivo, procedendo-se em simultâneo à sua análise.
a) Quanto às entidades emitentes (§ 34 a 39)
Discorda o sujeito passivo com os Serviços de Inspeção Tributária quando estes consideram que as entidades selecionadas e aceites pela A... como comparáveis divergem significativamente desta, nomeadamente em termos de rating, mercados em que operam e atividades que desenvolvem, não reunindo assim as condições para serem consideradas comparáveis. Considera a A... que, mais importante que a sua semelhança com as entidades a selecionar é a comparabilidade das operações.
Refere ainda que a pesquisa de operações comparáveis efetuada foi realizada através da introdução de diversos critérios, no sentido de “encontrar uma amostra estatisticamente significativa e suficientemente comparável”.
Assim, independentemente da diversidade de ratings e tipos de atividade das entidades selecionadas, “considera que o crucial é a capacidade de uma dada entidade em cumprir com os termos e condições aceites numa determinada operação de financiamento”. Tendo em conta o referido, concluiu que “a seleção de operações cujas entidades emitentes apresentem um rating igual ou superior a CCC+, assegura, por um lado a capacidade de fazer face às obrigações financeiras e, por outro, a existência de um número de observações suficiente na amostra, garantindo a relevância estatística dos intervalos apresentados".
Acrescenta ainda que as obrigações classificadas com rating abaixo de CCC+ apresentam risco substancial de incumprimento e são incluídas na categoria de grau especulativo, enquanto que as de rating CCC+ ou superior são incluídas na categoria de grau de investimento. Nesse sentido considera a A... que as observações incluídas no seu estudo são comparáveis entre si pelo facto de já não apresentarem um grau especulativo substancial.
Quanto à diversidade de mercados em que operam as entidades emitentes, dado pertencerem à mesma zona económica (a Zona Euro) na qual a entidade reguladora das entidades financeiras é única (o Banco Central Europeu), considera não haver divergências significativas no acesso ao crédito.
Relativamente ao alegado pelo sujeito passivo no sentido de que o mais importante é a comparabilidade das operações e não das entidades, diga-se que as operações são comparáveis também pelas entidades envolvidas. Não parece aceitável que se considere mais comparável o grupo de todas as entidades incluídas na categoria de grau de investimento, unicamente porque “já não apresentam um grau especulativo substancial” e ignorar a operação comparável realizada pela própria A.... Aliás, ao selecionar todas as entidades na “categoria de investimento” está o sujeito passivo a considerar comparável grande parte do tecido empresarial.
Acresce ainda que as entidades bancárias apreciam e ponderam o risco envolvido na operação de concessão de crédito atendendo à entidade devedora e ao mercado e atividade em que se insere pois analisando tais fatores poderá conhecer as oportunidades de crescimento ou os constrangimentos do negócio, por exemplo, que estão bem para além do simples rating de notação Standard & Poor’s e influenciam de modo direto o risco da operação.
A credibilidade do devedor é, aliás, o segundo fator com maior impacto em termos de comparabilidade dos spreads praticados (só atrás da data de transação) segundo estudo apresentado por Antonio Russo e Moiz Shirazi (Baker & Mckensie) já mencionado neste relatório.
Refira-se ainda que, ao pesquisar uma base de dados na busca por operações comparáveis os parâmetros a introduzir devem ser o mais aproximados à operação vinculada possível, analisando posteriormente os dados obtidos quer em termos de validade estatística quer ao nível da própria operação inerente. No entanto, do referido pelo sujeito passivo no § 37 parece tal lógica ter sido invertida pois o critério genérico de rating utilizado serviu para assegurar a existência de um número de observações suficiente na amostra. Questiona-se, no entanto, qual o objetivo de ter uma amostra supostamente com relevância estatística mas cujas observações não preenchem os critérios de comparabilidade com a operação vinculada, senão de forma muito genérica?
Quanto à consideração do sujeito passivo de que não há divergências significativas no acesso ao crédito entre empresas da Zona Euro, tal não é acolhido pela IT na medida em que, apesar de poderem haver mercados semelhantes dentro da Zona UE, não há semelhança em toda a zona Euro.
b) Quanto à data de emissão (§ 40 e 41)
Vem o sujeito passivo justificar o recurso, na análise de preços de transferência efetuada, a dados de operações realizadas em 2011 e 2012 por nestes anos a A... ter suportado encargos financeiros resultantes dos contratos de suprimentos, não podendo concordar com os Serviços de Inspeção Tributária relativamente ao período de seleção das operações à data de 2009.
Quanto a este critério de pesquisa, compreende-se o argumentado pelo sujeito passivo na medida em que seria aplicável a muitas situações do dia-a-dia empresarial que são negociáveis regularmente, requerendo assim que em cada período seja analisada a comparabilidade entre operações vinculadas e entre entidades independentes (compras, vendas, serviços prestados ou adquiridos). Tal caso, em nosso entender não se aplica aos suprimentos em análise uma vez que estes obedeceram a contratos realizados em 2009 e seria nessa data que teriam de ser encontradas as condições de mercado entre entidades independentes.
c) Quanto à maturidade (§ 42)
Discorda o sujeito passivo do entender da Inspeção Tributária de que a utilização de uma seleção por critério de maturidade entre 1 e 10 anos não limita os comparáveis usados, não se obtendo assim o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações.
Adianta ainda que “um critério de maturidade mais abrangente aumenta o número de observações, bem como a probabilidade de existirem, de facto, mais operações comparáveis”.
É efetivamente verdade que quanto mais abrangentes foram os critérios definidos na pesquisa à base de dados maior será o número de observações recolhidas. No entanto, recorde-se que o objetivo da pesquisa na base de dados é encontrar operações que apresentem o mais elevado grau de comparabilidade com a operação vinculada.
Ao invés do que o sujeito passivo quer fazer crer, não é pelo facto do tamanho da amostra ser maior que as observações da amostra são mais comparáveis. Pelo contrário, sendo os critérios muito abrangentes as observações irão distanciar-se das características da operação vinculada e na pesquisa obteremos uma grande amostra de observações não comparáveis.
É aliás nesta linha de raciocínio que se suportam as orientações da OCDE que referem no § 3.33 que o uso de bases de dados comerciais não deve encorajar a quantidade em detrimento da qualidade. Deste modo, as pesquisas na base de dados poderão necessitar de refinamento a partir de outra informação disponível, promovendo assim a qualidade da amostra ao invés da abordagem estandardizada.
d) Quanto ao montante da operação (§ 43 a 47)
Nestes parágrafos o sujeito passivo reforça a ideia já exposta nos parágrafos 16 a 19 de que os Serviços de Inspeção Tributária por um lado colocam em causa a utilização de comparáveis cujos montantes das operações sejam de valores superiores a 1,5 milhões de EUR (sendo este intervalo muito abrangente) e, por outro usam um comparável interno cujo montante é de 14,1 milhões de EUR e é também ele bastante divergente da operação comparável.
Refere ainda que dado que a um montante de empréstimo inferior corresponde um risco de incumprimento menor, a utilização do referido empréstimo bancário como comparável se torna manifestamente insuficiente e carece de relevância estatística.
Quanto ao exposto pelo sujeito passivo, reiteramos que o valor do empréstimo bancário a considerar é de 74,5 milhões de EUR (valor bastante aproximado ao da operação vinculada de c. de 80 milhões de EUR).
Conforme já amplamente referido, são vários os critérios que influenciam diretamente o risco da operação e, consequentemente, o seu custo (taxa de juro), sendo que nem sempre são critérios “matemáticos”. Tanto assim é que, ao contrário do indicado pelo sujeito passivo na sua exposição, de que para valores de empréstimo mais baixos o risco é mais reduzido (e consequentemente estará sujeito a uma taxa de juro mais baixa), o que foi contratualizado no empréstimo bancário em 2009 é exatamente o oposto.
Senão vejamos: à tranche A, no valor de 53,4 milhões de EUR (a de maior valor) é aplicada a taxa Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 3% enquanto que na tranche B, no valor de 14,1 milhões de EUR, é aplicada a taxa Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 3,5%
Daqui se conclui que para além do montante do empréstimo (com a diferenciação referida), da data em que é realizado, da maturidade e das garantias (estas iguais em todas as tranches) mais elementos influenciam o risco da operação e, consequentemente, a taxa de juro praticada.
Na exposição apresentada, o sujeito passivo apresenta ainda para o período de 2012 um quadro com as 4 observações consideradas no projeto de relatório comparáveis, quanto aos montantes, construindo a partir deste um novo intervalo de plena concorrência, concluindo que, ainda assim, a taxa de juro praticada pela A... se mantém dentro do intervalo.
Quer o sujeito passivo com este novo intervalo, construído unicamente com 4 observações e não tendo deste modo qualquer relevância estatística pela reduzida e totalmente díspar amostra, resumir toda a fundamentação da Inspeção Tributária ao simples critério do montante das observações da base de dados.
Conforme o referido ao longo deste relatório, o critério de pesquisa demasiado abrangente no que respeita aos montantes, mas também à diversidade de entidades emitentes (mercado, atividade, estrutura empresarial, ...), ao prazo de maturidade, a data das operações, entre outros, influenciaram as observações obtidas não sendo estas, em nosso entender, de modo geral comparáveis.
Mesmo nas 4 observações consideradas comparáveis no critério de montante do empréstimo, seria necessário refinar a amostra senão vejamos, por exemplo: a Seat Pagine Gialle SpA e a Asset Repackaging Trust Six BV emitiram obrigações em data aproximada, em montantes e com maturidades muito semelhante mas a taxa de juro no primeiro caso foi de 10,5% e no segundo 5,85% (quase metade). Em face do verificado uma questão se levanta e que põe em causa a comparabilidade destas observações com a operação vinculada em análise: qual o motivo de tão grande diferença de taxas? Tal não foi abordado na análise de Preços de Transferência da A..., limitando-se a critérios quantitativos e estatísticos, sem mais.
e) Conclusão relativa aos comparáveis usados pela A... (§ 48 e 49)
Por último, vem ainda a A... discordar com a conclusão vertida no projeto de relatório de que a situação de elevada dispersão dos limites aceites poderá indicar que os dados usados podem não ser fiáveis ou que algumas características das observações podem carecer de ajustamentos.
Tal discordância assenta no facto da taxa de juro se encontrar nos limites dos intervalos calculados e conforme as orientações da OCDE (vide parágrafo 3.60) de que “Se as condições relevantes da operação vinculada (e.g. preço ou margem) se situarem dentro do intervalo de plena concorrência, nenhum ajustamento será necessário realizar”.
Quanto à linha argumentativa usada pelo sujeito passivo neste ponto somos de referir que, de acordo com as orientações da OCDE, no que respeita ao apuramento do intervalo de plena concorrência (capítulo A.7) é referido no § 3.59 da necessidade de ajustamentos nos casos em que exista uma elevada dispersão dos limites.
Após ter sido apurado o intervalo de plena concorrência devemos então verificar se a operação vinculada se situa nesse intervalo e, nessa segunda fase ponderar outros ajustamentos a efetuar nomeadamente o uso da mediana ou do intervalo interquartil (capítulo A.7.2).
No caso em apreciação, o intervalo inicial é desde logo muito disperso logo, aparentemente não espelha realidades comparáveis. Para verificar que efetivamente, e apesar das diferenças de taxas aplicadas, as observações são comparáveis entre si e com a operação vinculada seria necessário que a A... tivesse aprofundado a análise para perceber as razões para tais diferenças. Tais razões poderão derivar de defeitos na comparabilidade ou condições excecionais na realização da operação por parte das entidades terceiras conforme é referido nas orientações da OCDE (v. § 3.63) sendo assim de excluir das observações aceites como comparáveis.
IX.3 - CONCLUSÕES DA ANÁLISE À EXPOSIÇÃO PARA EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUDIÇÃO
Pelo exposto ao longo deste relatório, e dado não se considerar que o intervalo de plena concorrência apurado pelo sujeito passivo apresenta o mais elevado grau de comparabilidade com a operação vinculada, considerando-se, pelo contrário a existência de um comparável interno que preenche esse requisito, conclui-se que serão de manter as correções propostas no projeto de relatório, relativamente à Matéria Coletável de IRC de 2011 e 2012, de acordo com o fundamentado no capítulo III.2 deste relatório”.
24) As correções de natureza aritmética ao lucro tributável de IRC, por aplicação do regime de preços de transferência, relativas ao exercício de 2011, no montante de €3.940.947,57, determinaram que o prejuízo fiscal declarado pela Requerente de €2.476.884,65 fosse corrigido para um lucro tributável de €1.464.062,92 (cfr. RIT, pp. 2 e 4).
25) As correções de natureza aritmética ao lucro tributável de IRC, por aplicação do regime de preços de transferência, relativas ao exercício de 2012, no montante de €4.227.054,72, determinaram que o prejuízo fiscal declarado pela Requerente de €7.027.700,76 fosse reduzido para um prejuízo fiscal corrigido de €2.800.646,04 (cfr. RIT, pp. 2 e 5).
26) Na sequência das correções à matéria tributável referidas nos pontos antecedentes, foram emitidas as liquidações de IRC n.º 2015 ..., de 24.08.2015, e a demonstração de compensação n.º 2015 ..., relativas ao exercício de 2011 (cfr. doc. n.º 1 junto à PI), e a liquidação de IRC n.º 2015 ..., de 24.08.2015, e a demonstração de compensação n.º 2015 ..., relativa ao exercício de 2012 (cfr. doc. n.º 2 junto à PI).
27) Dada a existência de prejuízos fiscais dedutíveis, a liquidação n.º 2015 ..., relativa ao exercício de 2011, previu um valor a pagar de €24.726,21, correspondente a €21.960,94 a título de derrama municipal, que resulta da aplicação da taxa de 1,5% sobre o lucro tributável apurado pela ATA, e a €2.765,27 de juros compensatórios (cfr. doc. n.º 1 junto à PI).
28) Em 22.10.2015, a Requerente pagou um total €24.726,21 a título de derrama municipal e juros compensatórios, conforme consta da liquidação n.º 2015 ..., relativa ao exercício de 2011 (cfr. doc. n.º 3 junto à PI).
29) Conforme se indica no campo “prejuízos fiscais” da liquidação n.º 2015 8... (cfr. doc. n.º 2 junto à PI), as correções relativas a preços de transferência e ao exercício de 2012, no montante de €4.227.054,72, traduziram-se na redução do montante dos prejuízos fiscais de € 7.027.700,76 para € 2.800.646,04.
9. Não existe qualquer outra factualidade que seja relevante para a decisão de mérito em atenção às possíveis soluções de Direito que caiba considerar como não provada, mostrando-se as demais alegações das partes inócuas para a solução jurídica do caso em apreciação.
10. A convicção do Tribunal sobre a factualidade dada como provada resultou do exame dos documentos que constam dos autos e do PA junto, incluindo o RIT relativamente aos elementos fácticos relevantes que não foram contrariados ou impugnados pela Requerente (cfr. artigos 76.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e 115.º, n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário), bem como do reconhecimento de factos constante da PI, tudo conforme se especifica em cada um dos pontos do probatório acima enunciados, não sendo, aliás, a matéria de facto articulada objeto de qualquer controvérsia entre as partes (cfr. artigos 3.º a 12.º da resposta).
V. Do Direito
A. Enquadramento legal
11. Cabe a este Tribunal apreciar a legalidade das correções de natureza aritmética à matéria tributável de IRC de 2011 e de 2012 apurada pela Requerente, decorrentes da concretização do regime dos preços de transferência objeto do artigo 63.º do CIRC, que se traduziram no ajustamento dos gastos contabilizados com os juros de suprimentos (cfr. n.ºs 3 a 11 do probatório) mediante a aplicação da taxa de juro prevista no contrato de financiamento bancário de 21.1.2009 para a Tranche B (cfr. n.ºs 12 e 14 do probatório) escolhido pela AT como comparável interno conforme se explicita no RIT, III.1.9, nos termos acima reproduzidos no n.º 23, ii) do probatório.
Como tal, cabe ter presente aqui, pela sua imediata relevância para o enquadramento jurídico do caso, o disposto nos n.ºs 1, 2 e 6 da indicada disposição legal do artigo 63.º do CIRC, na redação aplicável ratione temporis aos exercícios de 2011 e de 2012 (anterior, pois, às alterações promovidas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o CIRC):
“1 — Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
2 — O sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco. (...)
6 — O sujeito passivo deve manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º, a documentação respeitante à política adotada em matéria de preços de transferência, incluindo as diretrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros atos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respetivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados sectoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a seleção do método ou métodos utilizados.”
Nesta base, resulta do artigo 63.º do CIRC a necessidade de operar correções à matéria coletável do sujeito passivo quando os termos e condições das operações financeiras por ele realizadas com uma entidade com quem esteja em situação de relações especiais não sejam substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
Nos termos do n.º 13 do artigo 63.º do CIRC, “A aplicação dos métodos de determinação dos preços de transferência, quer a operações individualizadas, quer a séries de operações, o tipo, a natureza e o conteúdo da documentação referida no n.º 6 e os procedimentos aplicáveis aos ajustamentos correlativos são regulamentados por portaria do Ministro das Finanças”, a qual, como é sabido, é a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, cuja regulação, pois, é necessário considerar devidamente para resolução do caso sub judice, conforme a seguir se expõe.
12. Saliente-se, ainda em sede de enquadramento legal, a relevância particular que assume, no âmbito dos preços de transferência, a fundamentação das correções efectuadas pela AT.
Como é sabido, o dever de fundamentação é um dever constitucional que tem consagração, no domínio fiscal, no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT). Esse dever, além de satisfazer a exigência legal e constitucional, cumpre um duplo propósito:
a) Permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa; e
b) Assegurar a transparência da atividade administrativa, particularmente a observância dos princípios constitucionais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade.
A fundamentação, na sua forma mais essencial, abrange quer o dever de motivação (razões e motivos explicativos da decisão, especialmente quando, como acontece na matéria dos preços de transferência, existem espaços de valoração) quer o dever de justificação (referência ordenada aos pressupostos de facto e direito que suportam essa mesma decisão), deve ser feita de forma oficiosa (dever de agir por parte da AT), completa (indicação de todos os elementos necessários à tomada de decisão), clara (sem apelo a demasiados conceitos ou expressões técnicas, obscuridades, ambiguidades ou contradições), atual (efetuada no momento da comunicação e não posteriormente) e expressa (não pode ser feita por remissão)[3].
Se os requisitos de fundamentação, em geral, já são exigentes no ordenamento jurídico português, o n.º 3 do artigo 77.º da LGT impõe à AT um conjunto de formalidades acrescidas quando esta se propõe efetuar correções com base nas regras de preços de transferência[4]:
“ 3 - Em caso de existência de operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, ou de operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e qualquer outra entidade, sujeita ou não a imposto sobre o rendimento, com a qual aquele esteja em situação de relações especiais, e sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei para essa situação, a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos:
a) Descrição das relações especiais;
b) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;
c) Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direção-Geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados suscetíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito;
d) Quantificação dos respetivos efeitos.”
Destaque-se, em face desta disposição, que a lei é inequívoca (cf. alínea c) do n.º 3 do artigo 77.º da LGT) ao obrigar a AT a aplicar os métodos de preços de transferência previstos na lei, sem prejuízo de lhe conferir alguma latitude no que respeita à manutenção do sigilo no que respeita a dados de contribuintes utilizados para efeitos da necessária análise de comparabilidade. Ou seja, não só a AT é obrigada a aplicar à transação em apreço um dos métodos de preços de transferência previstos na lei, como deverá assegurar a comparabilidade entre os dados que apresenta para efeitos das correções[5].
É este, pois, o enquadramento legal que importa ter presente na resolução do litígio sub judice, como se passa a desenvolver.
B. Delimitação da matéria controvertida
13. Antes, porém, explicite-se que não se questiona nos autos, não sendo objeto de qualquer dissídio entre as partes (cfr. n.º 49 da PI e n.ºs 13 a 17 da Resposta), a verificação, conforme exposto no RIT (n.º III.1.5 – vd. acima n.º 23 da factualidade provada), de uma situação reconduzível ao conceito de relações especiais previsto no n.º 4 do artigo 63.° do CIRC: os suprimentos concedidos pelos acionistas à sociedade Requerente configuram operações vinculadas por serem realizadas entre entidades relacionadas, nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 63.°do CIRC e das alíneas b) e d) do n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, no que concerne à A... II, S.a.r.L., e nos termos da alínea c) do n.º 4 do mesmo artigo 63.º e das alíneas b) e d) do n.º 3 do artigo 1.º da referida Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, no que concerne aos demais acionistas, estando assim sujeitos ao cumprimento do princípio da plena concorrência.
Nesta sequência, assente a subordinação dos juros respeitantes aos suprimentos ao enquadramento próprio do regime dos preços de transferência, cabe igualmente assinalar que, em sede de métodos de determinação dos preços de transferência, também não se controverte nos autos (cfr. n.ºs 50 e 68 da PI e n.º 19 da Resposta, bem como n.º 13 das alegações da Requerente e n.º 17 das alegações da Requerida) a seleção, como método mais apropriado para comparar os termos e condições das operações financeiras sub judice realizadas entre entidades relacionadas com os que vigorariam numa operação entre entidades independentes, do método do preço comparável de mercado (MPCM).
Recorde-se que a adoção do método do preço comparável de mercado (al. a) do n.º 3 do artigo 63.º do CIRC e al. a) do n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001) requer “o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes” (n.º 1 do artigo 6.º da indicada Portaria) e pode ser utilizado designadamente (n.º 2 do artigo 6.º da mesma Portaria): “a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares; b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares”.
O litígio em causa nos presentes autos incide sobre os elementos de comparabilidade, designadamente na escolha das operações comparáveis em termos de comparáveis externos e de comparável interno: a Requerente selecionou comparáveis externos, a saber, as taxas de juro praticadas pelas instituições bancárias para financiamento de médio e longo prazo com montantes comparáveis aos da operação vinculada, enquanto a AT reputou como apropriadas as taxas de juro do contrato de financiamento celebrado com o sindicato bancário, nisso tendo assentado as correções a que procedeu em relação aos exercícios de 2011 e de 2012.
Neste âmbito, como acima se indicou (n.º 7), são três as questões que cabe resolver para decisão do litígio: i) adequação às regras sobre preços de transferência dos comparáveis externos adotados pela Requerente; ii) adequação às regras sobre preços de transferência do comparável interno que, em substituição dos comparáveis externos, foi utilizado pela AT como base das correções realizadas; iii) ausência dos pressupostos de aplicação do regime dos preços de transferência.
C. Da alegada ausência dos pressupostos de aplicação do regime de preços de transferência
14. Nos n.ºs 153 a 175 da PI, defendendo muito embora a conformidade com o princípio de plena concorrência da taxa de juro aplicada nos contratos de suprimentos celebrados, sustenta a Requerente que, no seu entender, “as correções e as liquidações subsequentes afrontam o quadro legal dos preços de transferência tanto nos seus pressupostos como na sua finalidade”, porquanto “a AT não logrou demonstrar que, no caso vertente houve, utilizando a expressão do acórdão do CAAD n.º 76/2012-T, “um abuso da liberdade de decisão em matéria de quantificação de preços” fundado nas relações especiais (n.ºs 153, 174 e 175 da PI), pelo que alega que a AT “procedeu a correções à margem dos pressupostos dos preços de transferência”.
Dado o disposto na al. b) do n.º 2 do art. 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. a) e c) do RJAT, bem como em atenção ao facto de uma questão sobre os pressupostos de aplicação do regime de preços de transferência possuir, em termos lógicos, precedência sobre os vícios imputados à própria aplicação desse regime, deve-se principiar pela apreciação desta alegação de “ausência dos pressupostos de aplicação do regime dos preços de transferência”, não obstante ela ser apresentada pela Requerente em último lugar (muito embora sem relação de subsidiariedade com os outros vícios de violação de lei suscitados).
15. Pois bem, face à factualidade considerada provada, não colhe, evidentemente, a tese da Requerente de que não estavam reunidos os pressupostos tendentes à aplicação das regras de preços de transferência, em especial por não ter sido demonstrado um “abuso da liberdade de decisão em matéria de quantificação de preços” fundado nas relações especiais entre a Requerente e terceiros.
Com efeito, uma vez confirmada a existência de uma operação entre partes ligadas por relações especiais, tal como definidas na lei (vd. supra n.º 13), impõe-se observar o princípio da plena concorrência, sem a necessidade de demonstração de elementos adicionais, como seja um intuito abusivo dos intervenientes (cfr. n.º 1 do art. 63.º do CIRC, n.º 1 do art. 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001, bem como n.º 3 do art. 77.º da LGT).
Conforme resulta do n.º 1 do art. 63.º do CIRC e do n.º 1 do art. 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001, que se reportam ao “dever” de contratar, aceitar e praticar “termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”, as regras sobre preços de transferência estabelecem, para efeitos de determinação da matéria coletável, a obrigação, para as entidades em situação de relações especiais, de adotarem, nas transações entre si efetuadas, critérios de determinação do valor idênticos aos utilizadas por entidades independentes em operações equivalentes. Ora, é desde logo a violação desta obrigação legal – não a prévia deteção de um qualquer objetivo abusivo – que determina a necessidade de correções à matéria colectável por parte da AT, como se conclui do n.º 3 do art. 77.º da LGT quando alude à “determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais” “sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei” para a situação de relações especiais.
É certo que, pela manipulação dos preços de transferência nas operações entre entidades relacionadas localizadas em diferentes jurisdições ou na mesma jurisdição, mas sujeitas a distintos regimes fiscais, é possível que grupos empresariais, independentemente da fonte de produção efetiva dos rendimentos, procedam à transferência de resultados dos territórios de mais elevada tributação para territórios de baixa tributação, ou para entidades sujeitas a menor carga fiscal, provocando a erosão das bases tributáveis. Porém, a consagração legal do princípio arm´s length não se destina simplesmente à consecução de fins anti-evasivos, mas possui valor geral, já que a sua aplicação faculta adequada equivalência entre o tratamento fiscal das sociedades pertencentes a grupos multinacionais e as sociedades independentes, o que evita a criação de vantagens ou desvantagens fiscais suscetíveis de distorcer a posição competitiva das empresas em função da sua estruturação jurídica e relações de titularidade. Nestes termos, o princípio de plena concorrência permite assegurar que todos os operadores económicos são tratados do mesmo modo no que concerne à determinação da base tributável para efeitos de imposto sobre o rendimento, independentemente do facto de fazerem parte de um grupo ou de constituirem entidades independentes no mercado.
Isto mesmo é assumido pelo legislador nacional, porquanto no Preâmbulo da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro indica-se expressamente que o “regime dos preços de transferência tem como paradigma o princípio de plena concorrência, em torno do qual se foi firmando um amplo consenso internacional por se entender que a sua adopção permite não só estabelecer uma paridade no tratamento fiscal entre as empresas integradas em grupos internacionais e empresas independentes como neutralizar certas práticas de evasão fiscal e assegurar a consequente proteção da base tributável interna”.
É igualmente esclarecedor o § 1.2 das OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations[6] que refere o seguinte: “a tax adjustment under the arm's length principle would not affect the underlying contractual obligations for non-tax purposes between the associated enterprises, and may be appropriate even where there is no intent to minimize or avoid tax. The consideration of transfer pricing should not be confused with the consideration of problems of tax fraud or tax avoidance, even though transfer pricing policies may be used for such purposes”.
Diga-se ainda que a citação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 252/2005, de 10 de maio, a que procede a Requerente para sustentar a sua posição (cfr. n.ºs 155 a 157 da PI), não se mostra adequada: basta referir que nesse acórdão (ponto n.º 5.1), a propósito da ratio subjacente à previsão originária do art. 57.º do CIRC, o Tribunal Constitucional, depois de se reportar ao objetivo de “acautelar as consequências resultantes de uma “facilitada” manipulação de valores fiscalmente relevantes para efeitos do cálculo do imposto devido pelo sujeito passivo numa ótica que não será de todo estranha à fenomenologia própria da evasão e fraude fiscais”, acrescenta: “Contudo, apesar de o preceito, considerado na sua globalidade operativa, ser suscetível de abarcar um tal conteúdo realístico, não pode ignorar-se que a regulamentação dos preços de transferência, a bem ver, não deve ser agrilhoada, tout court e in rerum natura, à estrita presunção de que, por detrás do “preço estabelecido entre sujeitos dependentes”, existirá forçosamente um princípio de ação norteado por uma intentio de evasão ao pagamento do imposto”.
Deve-se, pois, entender, com TOMÁS CANTISTA TAVARES[7], que o critério dos preços de transferência é “o padrão do preço de mercado, ainda que aos preços de transferência não subjazam intuitos de evasão fiscal” e que o instituto dos preços de transferência, na sua natureza, “não se consubstancia numa cláusula anti-abuso, mas traduz, antes, o princípio de distribuição equitativa do lucro entre as várias entidades que compõem o grupo (dentro de uma aceitável banda valorimétrica)”.
Resta, por fim, assinalar que a alegada ausência dos pressupostos de aplicação do regime dos preços de transferência sempre seria paradoxal e, como tal, insubsistente em face do cumprimento pela Requerente da obrigação acessória emergente do n.º 6 do art. 63.º do CIRC e do art. 13.º da Portaria n.º 1446-C/2001 quanto à informação e documentação necessária para justificar a política adoptada em matéria de preços de transferência, com consequente elaboração dos dossiers de preços de transferência relativos a 2011 e 2012 (cfr. os n.ºs 20 e 21 do probatório e os anexos 8 e 9 ao RIT), já que isso postula, evidentemente, a aplicação desse regime.
Improcede, pois, o vício imputado aos atos impugnados de violação de lei por ausência dos pressupostos de aplicação do regime dos preços de transferência.
D. Adequação às regras sobre preços de transferência dos comparáveis externos adotados pela Requerente
16. Cabe agora considerar a aplicação no caso sub judice do regime legal dos preços de transferência, de modo a apreciar a legalidade da atuação da AT, para o que, como acima se disse (vd. supra n.º 13), importa verificar a adequação legal (ou falta dela) dos elementos de comparabilidade adoptados, seja no que concerne à seleção pela Requerente dos comparáveis externos seja na escolha pela Requerida do comparável interno.
Vejamos, então, a questão suscitada sobre a adequação às regras sobre preços de transferência dos comparáveis externos adoptados pela Requerente.
17. Importa começar por endereçar algumas considerações prévias sobre a aplicação dos métodos de preços de transferência e correspondente ónus da prova.
O ónus da prova na matéria dos preços de transferência obriga a um percurso faseado, que se pode sistematizar da seguinte forma:
O artigo 13.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, impõe aos sujeitos passivos que no exercício anterior tenham atingido um valor anual de vendas líquidas e outros proveitos igual ou superior a €3 000.000, o dever de dispor de informação e documentação respeitantes à política adotada na determinação dos preços de transferência e manter, de forma organizada, elementos aptos a provar:
a) A paridade de mercado nos termos e condições acordados, aceites e praticados nas operações efetuadas com entidades relacionadas;
b) A seleção e utilização do método ou métodos mais apropriados de determinação dos preços de transferência que proporcionem uma maior aproximação aos termos e condições praticados por entidades independentes e que assegurem o mais elevado grau de comparabilidade das operações ou séries de operações efetuadas com outras substancialmente idênticas realizadas por entidades independentes em situação normal de mercado.
O n.º 1 do artigo 74.º da LGT determina que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
No plano prático, e num primeiro nível, os sujeitos passivos que atinjam o volume de vendas líquidas e outros proveitos previsto na lei terão de preparar a documentação de preços de transferência de forma a sustentar a paridade das condições e termos praticados nas transações com partes relacionadas com aquelas realizadas em condições semelhantes por partes não relacionadas.
A AT, ao inspecionar o contribuinte, terá acesso a esta informação e verificará da conformidade com as exigências legais dos elementos atinentes aos preços de transferência, em particular da observância pela operação vinculada do princípio de plena concorrência.
Importa não esquecer, a este propósito, o disposto no preâmbulo da supra mencionada Portaria, que estabelece um princípio de razoabilidade ao determinar que “é legítima a expectativa, por parte da administração tributária, que o contribuinte possua, e possa fornecer para análise, os elementos que, perante os factos e circunstâncias concretas que caracterizam a sua atividade e num quadro de boas práticas comerciais e financeiras, deveria razoavelmente deter para determinar e comprovar a conduta adotada na fixação dos preços de transferência, sem que, no entanto, seja obrigado a incorrer em custos de observância desproporcionados”. Assim, os deveres do contribuinte no plano da observância das regras de preços de transferência, com especial ênfase nos elementos de comparabilidade, devem ser enquadrados dentro de parâmetros de razoabilidade (sempre que o contribuinte tenha atuado diligentemente no que respeita à preparação da documentação de preços de transferência imposta por lei[8]).
Não considerando conforme com as exigências legais atinentes à aplicação do princípio de plena concorrência a informação disponibilizada pelo contribuinte, a lei impõe à AT, quando esta leva a cabo correções que necessariamente assentam na destruição da prova antes apresentada pelo contribuinte (que se deva considerar compatível com o princípio de razoabilidade supra mencionado), que não se limite a um exercício de colocação em crise dos pressupostos e análises realizadas, mas que consubstancie a sua posição com elementos e estudos de comparabilidade robustos e tecnicamente inatacáveis, que afastem, de forma cabal, aqueles apresentados pelo contribuinte, desenvolvendo, neste âmbito, um exigente dever de fundamentação, conforme já acima referenciado (cfr. n.º 12) a propósito do disposto no n.º 3 do artigo 77.º da LGT.
Por isso, a resposta à matéria controvertida tem de ser construída da seguinte forma: primeiro, é preciso averiguar a alegada incorreção do juízo de inadequação formulado pela AT relativamente aos comparáveis externos selecionados pela Requerente; segundo, é preciso apreciar a legalidade da utilização pela AT do contrato de financiamento bancário (cfr. n.ºs 12 a 14 do probatório) como comparável interno.
D.1. Afastamento dos comparáveis externos
17. Conforme se encontra provado nos n.ºs 20 e 21 do probatório, a Requerente, com vista à demonstração da paridade das condições e termos praticados nos contratos de suprimentos com transações realizadas em condições semelhantes com partes não relacionadas, utilizou comparáveis externos, consistentes nas taxas de juro praticadas no mercado financeiro internacional, para o que recorreu à base de dados Bloomberg para pesquisa de taxas de juro de:
• obrigações emitidas em 2011 e 2012;
• cujo emissor possui um rating igual ou superior a CCC+ (notação Standard & Poor’s);
• com maturidade superior a um ano e inferior a dez anos;
• com um valor em dívida superior a 1,5 milhões de Euros;
• com exclusão de operações cobertas por certas garantias, v.g. bank guaranteed, government guaranteed, etc; e
• com taxa de juro fixa.
Ora, tal como se expõe no RIT (cfr. n.º 23, ii) do probatório), a AT censura a seleção assim efectuada pela Requerente dos comparáveis externos em atenção, em súmula, aos seguintes fundamentos:
i) Quanto às entidades emissoras, “as entidades não são comparáveis à A..., pois os mercados e as atividades em que operam são bastante diferentes, o que altera de forma muito significativa as condições de acesso ao crédito uma vez que a estrutura, risco inerente e oportunidades de negócio divergem das aplicáveis à operação vinculada em análise”, sendo ainda que, por um lado, “as entidades incluídas no estudo são imensas e de diferentes graus de risco pois entidades com rating CCC+ não são diretamente comparáveis com entidades AAA, por exemplo” e, por outro lado, “o estudo apresentado pela A... não demonstra qual o rating que lhe foi atribuído e que justifica a seleção de entidades CCC+ ou superior, não estando assim justificada a seleção efetuada”;
ii) Quanto à data de emissão das obrigações, a seleção de títulos emitidos em 2011 e 2012 foi inadequada por terem sido “obtidas operações contratadas em 2011 e 2012, operações essas que necessariamente estão intimamente ligadas à evolução que os mercados financeiros tiveram naqueles anos”, sendo que “os mercados financeiros são extremamente voláteis, as condições de financiamento podem alterar (e alteram-se) significativamente de um momento para o outro”, de forma que “deveriam ter sido selecionadas operações de financiamento contratadas em 2009 e, consequentemente, sujeitas às condições de mercado a que a A... esteve sujeita no momento em que os acionistas realizaram os suprimentos”;
iii) Quanto ao critério de maturidade, “o facto do intervalo selecionado pelo sujeito passivo abarcar títulos com maturidades entre um e dez anos não limita os comparáveis usados, não se obtendo assim, em nosso entender, o mais elevado grau de comparabilidade”;
iv) Quanto ao critério do valor em dívida, por um lado, “não se compreende o raciocínio lógico utilizado pelo sujeito passivo na seleção dos comparáveis à operação vinculada pois, se por um lado afasta a operação de financiamento bancário por o valor (74,5 milhões de Euros, ou 14 milhões de Euros se só considerada a tranche B) ser divergente dos suprimentos realizados (80 milhões de Euros), por outro, aceita comparáveis cujo valor da dívida é meramente superior a 1,5 milhões de Euros, ou seja, cuja diferença é bastante superior à do empréstimo bancário” e, por outro lado, o “facto do sujeito passivo ter utilizado comparáveis cujos montantes são tão divergentes do da operação vinculada (entre 53 vezes menos e 10 vezes mais) não está em nosso entender, assegurado o mais elevado grau de comparabilidade”.
Deste modo, para a AT os comparáveis externos utilizados pela Requerente não preenchem os requisitos constantes da Portaria n.º 1446-C/2001, nem proporcionam o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada (suprimentos) e outra(s) não vinculada(s), pelo que não respeitam o princípio da plena concorrência – como se escreve no RIT, n.º III.1.10 (vd., novamente, a transcrição efectuada no n.º 23, ii) do probatório): “Não se consideram estar presentes na seleção dos comparáveis por parte do sujeito passivo os factores de comparabilidade elencados no n.º 5 da Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro, nem quanto às entidades emissoras das obrigações, nem quanto à data de emissão destas, sua maturidade, valor da dívida ou características da operação. Não podem, deste modo, as operações apresentadas pelo sujeito passivo ser aceites como comparáveis, não se obtendo com a sua utilização o mais elevado grau de comparabilidade a que se refere o n.º 2 do artigo 63° do CIRC e o n.º 2 [do art. 4.º] da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, e encontrando-se por isso prejudicado o Princípio de Plena Concorrência com a taxa de juro aplicada pelo sujeito passivo”.
Adita ainda a AT no RIT, n.º IX.2 (cfr. a transcrição efectuada no n.º 23, iii) do probatório) que “o intervalo inicial é desde logo muito disperso” e “aparentemente não espelha realidades comparáveis”, sendo que para “verificar que efetivamente, e apesar das diferenças de taxas aplicadas, as observações são comparáveis entre si e com a operação vinculada seria necessário que a A... tivesse aprofundado a análise para perceber as razões para tais diferenças” as quais “poderão derivar de defeitos na comparabilidade ou condições excecionais na realização da operação por parte das entidades terceiras conforme é referido nas orientações da OCDE (v. § 3.63) sendo assim de excluir das observações aceites como comparáveis”.
Resumidamente, a AT questiona que se encontrem presentes na seleção dos comparáveis por parte do sujeito passivo os fatores de comparabilidade elencados no art. 5.º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro, bem como a latitude do intervalo de plena concorrência apurado pela Requerente, na medida em que considera que os filtros de seleção no que respeita às entidades emitentes dos títulos no mercado internacional, à data de emissão dos mesmos, ao critério de maturidade e ao valor em dívida conduzem a resultados díspares que não fornecem um grau de comparabilidade razoável, como exige o n.º 5 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001.
Contrapõe a Requerente (n.ºs 81, 91, 92 e 99 da PI) que os critérios usados na seleção das operações comparáveis visaram restringir os resultados às transações com características o mais próximas possível da operação vinculada e que o facto de a taxa de juro contratualizada nos suprimentos estar dentro de um intervalo de plena concorrência veda ajustamentos (cf. parágrafos 3.55 e 3.60 das Guidelines da OCDE).
18. O exame que cabe aqui realizar é verificar se a AT ao afastar a estratégia de comparabilidade apresentada pelo contribuinte, propugnando a inadequação dos comparáveis externos utilizados na aplicação do MPCM, observou os ditames legais.
Vejamos:
Todo o regime dos preços de transferência assenta numa lógica de comparabilidade entre as transações vinculadas e não vinculadas.
Neste exercício, o primeiro passo consiste em identificar as condições comerciais ou financeiras entre as partes relacionadas e as condições e circunstâncias económicas relevantes associadas à operação vinculada (por exemplo, o setor de atividade do grupo, a estratégia de negócio, os ativos utilizados por cada entidade, os termos e condições contratuais). O segundo passo consiste em comparar as condições e circunstâncias económicas relevantes da operação vinculada com as condições e circunstâncias económicas relevantes da operação não vinculada, i.e., entre partes independentes ou não relacionadas.
Este percurso foi formalmente seguido pela Requerente nos dossiers de preços de transferência que constam do PA, mas a Requerida contesta os resultados obtidos porque entende que não foram adoptados fatores de comparabilidade em conformidade com os elencados no art. 5.º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro e que o intervalo de plena concorrência é excessivamente lato, não garantindo, assim, o mais elevado grau de comparabilidade.
Estabelece o artigo 4.º, n.º 5 da Portaria n.º 1446-C/2001 que “Se, no âmbito da aplicação de um método, a utilização de duas ou mais operações não vinculadas comparáveis (…) conduzir a um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correção, caso as condições relevantes da operação vinculada, nomeadamente o preço ou a margem de lucro, se situarem dentro desse intervalo”.
Na mesma linha, as Guidelines ou Diretrizes da OCDE em matéria de preços de transferência preveem no parágrafo 3.55 a existência de um intervalo de plena concorrência (arm’s length range), desde logo porque não se trata de uma ciência exata, ressalvando, contudo, no parágrafo 3.59 que “a substantial deviation among points in that range may indicate that the data used in establishing some of the points may not be as reliable as the data used to establish the other points in the range or that the deviation may result from features of the comparable data that require adjustments. In such cases, further analysis of those points may be necessary to evaluate their suitability for inclusion in any arm’s length range”.
O parágrafo 3.60 das Diretrizes da OCDE estipula que “If the relevant condition of the controlled transaction (e.g. price or margin) is within the arm’s length range, no adjustment should be made”, o que, no plano interno, encontra correspondência no já citado artigo 4.º, n.º 5 da Portaria n.º 1446-C/2001.
Em paralelo, é mister recordar, em primeiro lugar, que “Sempre que uma operação vinculada e uma operação não vinculada não sejam substancialmente comparáveis, o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável” (cf. artigo 6.º, n.º 3 da Portaria n.º 1446-C/2001).
E, em segundo lugar, que a AT está legitimada a colocar em crise a metodologia de observância do princípio da plena concorrência utilizada pelo sujeito passivo sempre que considere que o mesmo não satisfaz com os critérios legais, embora tenha, neste caso, o dever de fundamentação acrescido que resulta do n.º 3 do artigo 77.º da LGT.
Neste ponto, a AT externa e desenvolve de modo pormenorizado no RIT, conforme acima se indicou e resulta do n.º 23 do probatório, os motivos pelos quais a utilização dos comparáveis externos selecionados pela Requerente não conduz a resultados admissíveis no domínio do princípio da plena concorrência.
Há, de facto, demonstração e fundamentação objetiva e suficiente refletida no RIT pela AT no sentido de que os resultados compreendidos do intervalo de plena concorrência são de tal forma amplos ou díspares que a comparabilidade da operação vinculada com as operações não vinculadas encontradas fica fragilizada, carecendo de ajustamentos ou mesmo de substituição.
Em particular no que concerne aos factores de comparabilidade adoptados e à desadequação das operações selecionadas como comparáveis, assume significado decisivo o critério temporal, porquanto é manifesto o desfasamento temporal entre o ano (2009) de realização das operações vinculadas (cfr. n.ºs 3 e 4 do probatório) e os anos (2011 e 2012) em que foram realizadas as emissões de obrigações adotadas pela Requerente como operações comparáveis (cfr. n.º 21 do probatório).
Ora, como se observa no § 3.68 das Diretrizes da OCDE, “In principle, information relating to the conditions of comparable uncontrolled transactions undertaken or carried out during the same period of time as the controlled transaction ("contemporaneous uncontrolled transactions") is expected to be the most reliable information to use in a comparability analysis, because it reflects how independent parties have behaved in an economic environment that is the same as the economic environment of the taxpayer’s controlled transaction”. Assim, ao contrário do que é defendido pela Requerente, em consonância o disposto neste parágrafo 3.68 das Guidelines da OCDE em matéria de preços de transferência no que tange às operações financeiras que envolvem o pagamento de juros, deve-se recorrer à taxa de juro de plena concorrência aplicável na data da efetivação dos suprimentos, e não à dos anos em que os juros eram devidos ou foram reconhecidos.
Especificamente, deve mesmo lembrar-se que no Relatório do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE de 1979, Transfer Pricing and Multinational Enterprises, no qual a temática da taxa de juro de plena concorrência é objecto de referência particular, consta, no § 198, que: “The arm’s length interest rate is the rate of interest which is charged, or would have been charged at the time the indebtedness arose, in transactions with, or between, unrelated parties under similar circumstances”[9].
Nesta sequência, observa-se corretamente no RIT (vd. n.º 23, ii) do probatório) que as operações contratadas em 2011 e 2012 “necessariamente estão intimamente ligadas à evolução que os mercados financeiros tiveram naqueles anos”, pelo que “não é indiferente contrair um empréstimo (bancário ou acionista) em 2009 ou num outro ano”, sendo certo que as taxas de juro contratadas entre a Requerente e os seus acionistas no âmbito dos contratos de suprimento são fixas durante o período de duração dos empréstimos (sete anos e um dia), tendo sido estabelecidas à data da celebração dos contratos (21.01.2009) e não em 2011 ou 2012.
Nestes termos, a seleção de títulos com data de emissão em 2011 e 2012, e não em 2009, ano em que as operações vinculadas (suprimentos) foram efetuados, põe em crise a comparabilidade das operações selecionadas, dada a ausência de contemporaneidade entre a operação vinculada e as operações selecionadas como comparáveis externos.
Precisamente, determina o n.º 3 do art. 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001 que: “Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado”.
Esta realidade autoriza a AT a defender a aplicação de uma metodologia diversa.
Questão diferente, desenvolvida no ponto seguinte, é saber se a metodologia advogada pela AT no caso concreto deve ser aceite em atenção aos critérios legais aplicáveis.
Dito de outro modo, ainda que se aceite o afastamento dos comparáveis externos utilizados pelo sujeito passivo, ora Requerente, não se pode concluir, automática e logicamente, que o recurso a um comparável interno como aquele que foi efetivamente selecionado pela AT (contrato de financiamento bancário) é legítimo.
Em qualquer caso, no que concerne à questão ora em apreciação, impõe-se declarar que o afastamento dos comparáveis externos utilizados pela Requerente a que procedeu a AT mostra-se em conformidade com as regras sobre preços de transferência objeto do n.º 2 do art. 63.º do CIRC e da Portaria n.º 1446-C/2001, por não se mostrarem presentes os factores de comparabilidade exigidos pela indicada Portaria, não se verificando o mais elevado grau de comparabilidade, como exigido pelo princípio da plena concorrência, pelo que improcede o vício de violação de lei a este respeito imputado aos atos impugnados.
E. Adequação às regras sobre preços de transferência do comparável interno adotado pela AT
19. Compete, agora, averiguar se a AT, para além de fundadamente demonstrar a falta de adequação com o regime legal aplicável da estratégia de comparabilidade apresentada pelo contribuinte, levou devidamente a cabo a tarefa que lhe incumbia de apresentar uma solução alternativa mais fiável, economicamente justificável e compatível com os requisitos legais aplicáveis[10].
Com efeito, como reconhece a Requerida no n.º 55 da sua resposta (vd. igualmente n.º 52 das respetivas alegações): “Em cumprimento do disposto na alínea c) do n.º 3 do art.º 77.º da LGT, cabe a AT, em caso de rejeição dos elementos comparáveis utilizados pelo sujeito passivo, apresentar outros que considere mais apropriados em ordem a proceder às necessárias correções para eliminar os desvios provocados pelo incumprimento do princípio de plena concorrência”. De facto, como acima se referiu (n.º 12), resulta da referida al. c) do n.º 3 do art. 77.º da LGT que a AT está vinculada a aplicar os métodos de preços de transferência previstos na lei, incluindo a observância dos factores de comparabilidade nos termos previstos na Portaria n.º 1446-C/2001.
Recorde-se que a adoção do método do preço comparável de mercado (al. a) do n.º 3 do artigo 63.º do CIRC e al. a) do n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001) exige “o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes” (n.º 1 do artigo 6.º da indicada Portaria), do que resulta para a AT a necessidade de assegurar a comparabilidade entre os dados que apresenta para efeitos das correções.
Entende-se que tal desiderato não foi alcançado, pelas razões que se concretizam em seguida.
20. Afastados os comparáveis externos, a AT compara a operação vinculada com o mútuo bancário descrito nos n.ºs 12 a 14 do probatório em termos de data, prazo, valor e finalidade e, pese embora reconheça a divergência no que toca aos juros (cfr. RIT, III.1.9 citado no n.º 23, ii) do probatório: “os contratos da operação vinculada estipulam uma taxa de juro fixa de 10% ao ano” enquanto “o contrato de financiamento bancário estipula uma taxa variável, indexada à Euribor, acrescida de uma margem de 3,0 % ou 3,5%, consoante a finalidade do empréstimo”), defende que “o comparável interno resultante do empréstimo bancário contratado em 2009 proporciona o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e o preço comparável de mercado à data”, concluindo, portanto, que o indicado mútuo deve ser utilizado como comparável interno.
Como se declara no RIT n.º III.1.10 (cfr. a citação efetuada no n.º 23, iii) do probatório): “a utilização de um comparável interno (empréstimo bancário) na aplicação do Método do Preço Comparável de Mercado proporciona o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e o preço comparável de mercado à data, dado as principais características da operação serem coincidentes ou muito semelhantes; entidade credora, data da operação, valor e maturidade do empréstimo e objetivo da operação de crédito”.
Esta posição da AT assenta na invocação dos seguintes elementos de comparabilidade (cfr. as transcrições do RIT, III.1.9, acima efetuadas no n.º 23, ii) do probatório):
i) Data da operação – “a data da operação é coincidente nas duas operações pelo que usufruíram de condições de mercado idênticas uma vez que, quer o mercado financeiro, quer o sector farmacêutico (no qual a A... se insere), quer a posição da própria empresa eram os mesmos na data da celebração dos contratos não havendo qualquer ajustamento a ser feito relativamente a estes aspetos”;
ii) Prazo dos empréstimos – “Também relativamente ao prazo dos empréstimos, se conclui pela sua semelhança pois em ambos os casos o reembolso é total no final dos contratos, que são em 2016/01/15 e 2016/01/22, ou seja, as maturidades têm uma diferença temporal de 7 (sete) dias, sendo ambas sensivelmente de 7 (sete) anos. Também neste caso, não há qualquer ajustamento a efetuar dado que a diferença temporal do reembolso (7 dias) não influencia de forma significativa o custo do empréstimo, i.e., a taxa de juro a aplicar”;
iii) Valor da operação – “Dado que o valor total do empréstimo bancário foi de 74,5 milhões de EUR, foi este o valor total aceite pelo consórcio bancário e pela A..., pelo que, em termos de montante angariado pela empresa nas condições de mercado à data será este o valor a considerar. Também o risco assumido pelas entidades concedentes do crédito teve em conta o valor total do empréstimo. Neste caso, verifica-se que os montantes dos créditos em ambas as operações são bastantes aproximados gozando assim de condições semelhantes resultantes do volume das operações”;
iv) Finalidade da operação – “parte do empréstimo bancário (14,1 milhões de EUR) destinou-se à aquisição do capital da sociedade G... SA, destino esse igualmente dado aos suprimentos concedidos pelos acionistas à A...”.
Assim, ao reputar como comparável interno na aplicação do MPCM, “que proporciona o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e o preço comprável de mercado à data, dado as principais características da operação serem coincidentes ou muito semelhantes”, o mútuo bancário, a AT, por entender que “o valor dos juros [a saber, os que seriam suportados com os suprimentos caso tivesse aplicado condições idênticas às do mútuo] é bastante inferior ao considerado pelo sujeito passivo”, concluiu que “os termos e condições praticados naquela operação vinculada não são substancialmente idênticos aos que seriam normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, desrespeitando, deste modo, o Princípio da Plena Concorrência”, pelo que corrigiu o quantum dos encargos contabilizados pela Requerente com os suprimentos em função da aplicação da taxa de juro (Euribor a 6 meses acrescida de spread de 3,5%) aplicável à Tranche B daquele empréstimo por constituir a tranche “com finalidade coincidente com a operação vinculada” (pagamento da aquisição da Farma), “contados dia a dia sobre o capital mutuado em dívida ainda não reembolsado, tomando por base um ano de 360 dias e o número de dias decorridos, à semelhança do contrato de financiamento” (vd. as citações efetuadas do RIT, III.1.10, no n.º 23, ii) do probatório).
Ora, alega a Requerente (n.ºs 124 e seguintes da PI, bem como n.ºs 39 e seguintes das respectivas alegações) que a seleção do mútuo como comparável interno para aferição do cumprimento do princípio da plena concorrência é ilegal por atentar contra as Diretrizes da OCDE, o artigo 63.º, n.ºs 1 e 2 do CIRC e os artigos 4.º, n.ºs 2 e 3, 5.º e 6.º, n.º 2, al. a) da Portaria n.º 1446-C/2001, dada a “completa dissemelhança e a absoluta incomparabilidade das operações no domínio dos preços de transferência” porquanto os termos e condições do mútuo bancário “não eram substancialmente idênticos aos dos suprimentos, em especial porque previa uma vasta gama de garantias e tinha um valor global muito superior ao valor de cada contrato de suprimentos individualmente considerado” e “para além de não preverem qualquer tipo de garantia específica, os contratos de suprimentos mencionavam expressamente na cláusula 8 a subordinação dos créditos dos acionistas ao financiamento bancário, ou seja, o reembolso dos suprimentos e o pagamento dos juros estavam subordinados aos pagamentos realizados no mútuo ou em qualquer outro financiamento contratado pela Requerente para cobrir os custos de aquisição da sociedade G... e subsidiárias”.
Vejamos, então, esta questão.
E.1. Diferença entre os tipos de financiamento em apreço
21. A AT socorre-se, para efeitos de comparabilidade, do contrato de financiamento (mútuo) celebrado entre a Requerente e outras empresas do grupo e um sindicato bancário (acima descrito nos n.ºs 12 a 14 do probatório). Isto em contraponto aos suprimentos efetuados pelos sócios individuais e societário à mesma Requerente (acima descrito nos n.ºs 3 a 10 do probatório).
Em termos gerais, refira-se que o mútuo bancário, contrato pelo qual o mutuante entrega, ou se obriga a entregar, ao mutuário uma determinada quantia em dinheiro, obrigando-se o mutuário a pagar o capital e os juros que não tenham sido deduzidos no montante entregue, é o mais frequente subtipo de mútuo oneroso de dinheiro. A natureza do mutuante, uma instituição de crédito, atuando no mercado monetário, em ambiente concorrencial e sob supervisão pública, afasta-o de outros tipos de mútuos, verificando-se, por exemplo, a admissibilidade do anatocismo (n.º 3 do art. 560.º do Código Civil).
Os suprimentos realizados pelos sócios enquadram-se numa lógica contratual diversa, que assenta num empréstimo ou mútuo (em dinheiro ou outros bens fungíveis) efetuado pelo sócio em prol da sociedade, com um carácter de permanência – entendendo-se que esta corresponde a uma disponibilização financeira superior a um ano – ficando a sociedade obrigada a restituir bens de género e qualidade dos que lhe foram disponibilizados, ou é o contrato pelo qual o sócio acorda com a sociedade o diferimento, por prazo superior a um ano, do vencimento dos créditos que tem sobre a mesma (art. 243.º do Código das Sociedades Comerciais).
E haverá ainda que lembrar, em termos abstratos, a natureza absolutamente subordinada destes financiamentos, uma vez que soçobram, no que respeita à graduação de créditos, perante os demais créditos sobre a sociedade, apenas sendo satisfeitos quando se encontram liquidadas todas as demais responsabilidades sociais (cf. artigo 48.º, al. g) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou CIRE). Para além de que não pode o credor de suprimentos requerer a insolvência da sociedade com base nesses créditos (art. 245.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais).
22. Centrando, agora, a apreciação nas operações financeiras em concreto, que é o que releva na perspetiva do cumprimento do princípio de plena concorrência (n.ºs 1 e 2 do art. 63.º do CIRC)[11], ficou provado que na cláusula 8 dos contratos de suprimentos (Shareholder Loan - cfr. docs. n.ºs 6 a 12 juntos à PI) celebrados entre a Requerente e os seus accionistas em 21.01.2009, foi convencionada a subordinação dos créditos dos acionistas mutuantes ao cumprimento das obrigações resultantes do Credit Facility Agreement and Securities Agreement (“Contrato de Financiamento e Contrato de Garantias”) ou de outros acordos de financiamento do mutuário que este pudesse ter celebrado com o propósito de financiar a aquisição da G... e das suas subsidiárias (cf. n.º 9 da factualidade provada).
Mais se provou que estes contratos de suprimento não têm qualquer previsão de garantias específicas a favor do(s) credor(es) (cf. n.º 10 da factualidade provada), o que implica a conclusão de que valia para os acionistas mutuantes apenas a garantia geral das obrigações que é representada pelo património do devedor, em conformidade com a regra geral do artigo 601.º do Código Civil segundo a qual “Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor suscetíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios” (sem embargo, ainda, das previsões legais específicas acima aludidas n0 n.º 21).
Diferentemente, em relação ao contrato de financiamento bancário contratado em 21.01.2009 que a AT selecionou, enquanto operação não vinculada, como comparável interno, ficou provado (n.º 16 do probatório) que foi celebrado o contrato de garantias, junto como doc. n.º 5 à PI, no âmbito do qual foram constituídos penhor financeiro de ações, penhor de ações e penhor de quotas, promessa de penhor financeiro de ações, de penhor de ações e de penhor de quotas, penhor financeiro de contas bancárias, penhor de bens móveis, promessa de penhor de bens móveis, o penhor e promessa de penhor de marcas e promessa de penhor de patentes, penhor de estabelecimento, penhor de créditos acionistas, promessa de hipoteca, cessão de créditos com escopo de garantia, tudo para garantia do pontual e integral cumprimento das obrigações emergentes para a Requerente e demais mutuárias do referido contrato de financiamento.
Pois bem, impõe-se assinalar que, na análise de comparabilidade desenvolvida pela AT, aqueles factores atinentes à ausência de garantias específicas e à subordinação contratualmente estabelecida dos créditos dos acionistas ao financiamento bancário, que se verificam nas operações vinculadas dos contratos de suprimentos e, em contrapartida, não ocorrem na operação não vinculada do contrato de financiamento bancário, não foram tidos em ponderação.
Na verdade, conforme resulta do RIT, III.1.9 (cfr. n.º 23, ii) do probatório), os “comparability factors” reportados consistiram somente na data da operação, na data do reembolso, no valor da operação, na finalidade da operação e na taxa de juro anual (vd. em especial a transcrição efetuada no referido n.º 23, ii) dos quadros XII, “Comparação entre a operação vinculada e operação independente”, e XIII, “Comparação entre a operação vinculada, o comparável externo e o comparável interno”). É apenas em sede de pronúncia relativa ao exercício do direito de audição da Requerente (vd. as transcrições do RIT, IX.1 no n.º 23, iii) do probatório) que, depois de se invocar que: “as garantias indicadas pelo sujeito passivo são de carácter genérico e não concretas da operação em apreço” e que “a operação vinculada é entre a A... e todos os seus acionistas (alguns igualmente administradores da empresa e os restantes familiares diretos destes)”, o que “influencia fortemente as garantias prestadas a terceiros” “porque, se é verdade que em teoria os credores possam ter maiores garantias (hipotecas, penhores, ...) em termos práticos são os administradores e/ou detentores do capital das empresas - o que neste caso, como já referido, são coincidentes - que detêm o conhecimento real do estado em que estas se encontram, quer ao nível financeiro quer ao nível técnico, comercial, concorrencial, entre outros podendo tomar decisões que limitam as garantias dos seus credores ou que maximizam as oportunidades de ressarcir os empréstimos realizados à empresa por si ou terceiros”, se conclui o seguinte: “não considera a Inspeção Tributária que o grau de incerteza quanto ao recebimento da quantia mutuada seja tão notoriamente superior no caso do empréstimo bancário como quer fazer crer o sujeito passivo”.
E.2. Não conformidade do comparável apresentado pela AT com os factores de comparabilidade estabelecidos no artigo 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro
23. De acordo com o artigo 4.º, n.º 3 da Portaria n.º 1446-C/2001, a comparabilidade entre operações depende de uma identidade substancial, o que pressupõe uma analogia ou similitude entre as características económicas e financeiras relevantes e que não existam diferenças capazes de afetar de forma significativa os termos e condições que seriam praticados em condições normais de mercado. Para citar o §1.33 das Guidelines da OCDE: “Ser comparável implica que nenhuma das diferenças (se alguma existe) entre as situações em comparação pode materialmente afetar a condição que se encontra a ser objeto da metodologia (o preço ou margem) ou que ajustamentos razoáveis podem ser efetuados para eliminar o efeito dessas diferenças”.
Determina, por seu lado, o artigo 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001 que os fatores de comparabilidade a assegurar no âmbito de uma análise de preços de transferência, agora já na esfera das atribuições inspetivas da AT, em virtude da observação do ónus da prova, são os seguintes:
“a) As caraterísticas específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objeto de cada operação, são suscetíveis de influenciar o preço das operações, em particular as caraterísticas físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de proteção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;
b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os ativos utilizados e os riscos assumidos;
c) Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;
d) As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respetivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;
e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspetos suscetíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de atividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da atividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;
f) Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas”.
O art. 6.º da mesma Portaria, em sede de adoção do MPCM, requer “o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes” (n.º 1), sendo que, em relação a um comparável interno, exige-se “uma transação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares”.
Em face destes dispositivos, a que a AT está vinculada quando procede à determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais (cfr. o já citado n.º 3 do art. 77.º da LGT), a fixação do preço de plena concorrência e a “comparability analysis” aí implicada tem de assentar num comparável com termos e condições substancialmente idênticos ao da operação vinculada em confronto, tendo em atenção os cinco factores essenciais de determinação da comparabilidade (cfr., para além do acima citado art. 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001, os §1.36 e 1.38 das Guidelines da OCDE[12]).
24. Ora, em atenção às características da operação vinculada acima destacadas no n.º 22, cabe sublinhar aqui a necessidade, estabelecida pelo citado artigo 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de o grau de comparabilidade ser aferido, entre outros fatores, com base nas “funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração (…) os riscos assumidos” (al. b)) e nos “termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem (…) os riscos (…) entre as partes envolvidas na operação” (al. c)).
De facto, conforme é amplamente reconhecido pelas Guidelines da OCDE em matéria de preços de transferência, no mercado livre a remuneração geralmente reflete as funções que cada parte desempenha, tendo em conta os ativos utilizados e os riscos assumidos, de modo que a assunção de um risco maior é compensada por uma remuneração mais elevada. Assim, escreve-se nas Guidelines no § 1.45 o seguinte: “Controlled and uncontrolled transactions and entities are not comparable if there are significant differences in the risks assumed for which appropriate adjustments cannot be made. Functional analysis is incomplete unless the material risks assumed by each party have been considered since the assumption or allocation of risks would influence the conditions of transactions between the associated enterprises. Usually, in the open market, the assumption of increased risk would also be compensated by an increase in the expected return, although the actual return may or may not increase depending on the degree to which the risks are actually realised”.
Isto mesmo, aliás, é explicitamente reconhecido no RIT, n.º III.1.8 (cfr. n.º 23, ii) do probatório), pois nele se observa que: “a rentabilidade de uma operação se relaciona de forma direta com a sua complexidade, riscos assumidos e ativos utilizados e, por outro, as operações comparáveis a utilizar deverão ser similares às operações em análise, envolvendo funções, ativos e riscos similares”, destacando-se ainda que: “Tendo em conta que a operação vinculada consubstancia um empréstimo à sociedade (suprimentos efetuados pelos vários acionistas em 2009), torna-se ainda mais importante a análise funcional referida uma vez que, diferentemente do que possa acontecer quando a operação vinculada for um fornecimento de bens ou serviços, a concessão de crédito está intimamente relacionada com a entidade devedora e a perceção do risco que a entidade que concede o crédito tem daquela e de toda a operação subjacente”. Mais à frente, acentua-se igualmente no RIT que: a “dependência ou não de condições externas para honrar os seus compromissos influencia, de forma direta, o risco e, consequentemente o custo do acesso ao crédito (taxa de juro)” e que “a concessão de crédito está intimamente relacionada com a entidade devedora e a perceção do risco que a entidade que concede o crédito tem daquela e de toda a operação subjacente”.
Em súmula, o nível e a repartição do risco constituem características económicas relevantes que podem ter impacto significativo no exercício de comparabilidade entre operações vinculadas (no caso, suprimentos) e não vinculadas (no caso, financiamento bancário).
Assim, embora um contrato de suprimentos e um mútuo bancário possam, em abstrato, partilhar características comuns (por exemplo, montante, maturidade e finalidade), a forma como o risco (em particular, o risco de incumprimento do mutuário) é repartido entre as partes contratantes é potencialmente geradora de diferenças que atingem de forma significativa a comparabilidade.
Como tal, para que se possa dizer que um comparável interno possa satisfazer “o grau mais elevado de comparabilidade” era indispensável atender a estes elementos atinentes ao risco, desde logo o risco de incumprimento, designadamente a existência ou não de garantias especiais das obrigações assumidas. Com efeito, a remuneração do credor num financiamento é influenciada pelo risco que assume, o qual varia consoante existam ou não garantias na esfera do mutuário e em atenção ao rating mais ou menos positivo da entidade mutuária (que para a generalidade do mercado reflete a sua capacidade de cumprimento).
Por isso mesmo, o Relatório do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE de 1979, Preços de Transferência e Empresas Multinacionais, já acima citado, a propósito da taxa de juro de plena concorrência, estabelece que (§ 199):”Quando se quer determinar o que se entende por empréstimo comparável ou similar, é necessário ter em conta os seguintes factores: o montante e a duração do empréstimo, a sua natureza ou o seu objetivo (crédito comercial, empréstimo de objetivo múltiplo, crédito imobiliário, etc.), a (ou as) moeda(s) em que é especificado (moedas fortes ou moedas fracas), os riscos de câmbio para o contribuinte que contrai ou concede o empréstimo numa dada moeda, a garantia que acompanha o empréstimo e a situação financeira do mutuário”[13].
Na situação sub judice, atendendo ao teor dos contratos de suprimento e do contrato de financiamento bancário, conforme n.ºs 4 a 10 e 12 a 14 da factualidade provada, é inequívoco que há diferenças nos seus termos e condições que os tornam incomparáveis, o que se repercute na análise efetuada pela Requerida e nas correções à matéria tributável que dela resultaram.
Na verdade, no que diz respeito à condição associada à comparabilidade dos “termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem (…) os riscos (…) entre as partes envolvidas na operação”, a mesma não pode considerar-se verificada, porquanto entre os suprimentos e o financiamento bancário existe uma dissemelhança no que toca ao grau de proteção do credor, que no primeiro caso não dispõe de qualquer garantia especial e tem o respetivo crédito subordinado a todos os demais créditos do financiamento bancário e no segundo, em sentido oposto, tem em mãos um conjunto de garantias específicas e o crédito envolvido surge dotado de senioridade.
No que concerne à condição imposta por lei e pela soft law no que tange à comparabilidade dos riscos das partes envolvidas nas transações, também não se poderá considerar verificada.
A assunção do risco por uma parte implica que esta suporta as consequências da sua materialização, o que, em termos financeiros, acarreta que a parte que assume o risco sofre as consequências de qualquer evento externo (crises económicas) ou interno (controlo de gestão, decisões de investimento) suscetível de afetar a sua performance e capacidade de liquidez.
Na análise funcional que deve ser levada a cabo é necessário averiguar não só a gestão do risco (entendida como a capacidade de tomar decisões no sentido de assumir, afastar, recusar ou mitigar o risco) como ainda a capacidade financeira para assumir o risco (entendida como o acesso a fundos para assumir ou afastar o risco, para cobrir os custos de mitigação do risco e para suportar as consequências da sua concretização, o que, de acordo com as Guidelines da OCDE, deve ter em conta os ativos disponíveis e as opções realisticamente disponíveis de aceder a fundos adicionais, se necessário) e o poder de controlo sobre o mesmo (que não coincide, obrigatoriamente, com a capacidade de o influenciar ou anular).
Outro fator a ter em conta, por poder constituir um elemento económico relevante no exercício de comparabilidade relativamente aos riscos assumidos, é o apoio implícito (implicit support), ou seja, uma característica que se assume como inerente às relações de domínio ou de grupo e que se traduz na expectativa de uma entidade (a detentora do capital ou parent company) providenciar algum tipo de auxílio, nomeadamente financeiro, à outra (a entidade detida ou subsidiary) mesmo que não haja qualquer obrigação legal nesse sentido. Este elemento pressupõe uma análise não isolada, mas antes que enquadre a entidade relevante no contexto de um grupo, uma vez que, do ponto de vista do credor, esta relação de domínio ou grupo e a inerente capacidade de auxílio da parent company podem influenciar positivamente o rating da subsidiária, que, sendo mais elevado, terá correspondência numa redução da taxa de juro.
Ora, no caso dos autos o sindicato bancário exigiu garantias sobre os seus créditos que não são, de nenhuma forma, comparáveis com os dos sócios no que respeita aos suprimentos que realizaram à sociedade, a saber: penhor e promessa de penhor de partes sociais, o penhor sobre o saldo de contas bancárias, o penhor de bens móveis (equipamento industrial, administrativo e hospitalar) e dos bens imóveis que viesse a adquirir, o penhor de marcas e patentes, o penhor de estabelecimentos, o penhor de créditos (incluindo os suprimentos dos sócios utilizados pela AT como comparáveis para a operação em causa) e a hipoteca e promessa de hipoteca sobre imóveis. Diversamente, já acima se aludiu à ausência de garantias específicas na concessão de empréstimos, na forma de suprimentos, por parte dos sócios.
Numa perspetiva de implicit support, era imprescindível que a AT não só averiguasse a sua existência como, em caso afirmativo, identificasse em que se traduzia a vantagem de a Requerente ser detida maioritariamente (e depois totalmente) pela A... II, S.a.r.L., quantificasse essa vantagem e, por fim, mas não menos importante, determinasse o seu concreto impacto na determinação do preço da transação vinculada em análise. Mas do RIT não se extrai, nem mesmo indiretamente, qualquer alusão à eventual relevância, em termos de implicit support, da pertença da Requerente a um grupo societário na determinação em termos de plena concorrência do preço (taxa de juros) da operação vinculada, mas apenas a referência a que são os administradores e/ou detentores do capital das empresas “que detêm o conhecimento real do estado em que estas se encontram, quer ao nível financeiro quer ao nível técnico, comercial, concorrencial, entre outros podendo tomar decisões que limitam as garantias dos seus credores ou que maximizam as oportunidades de ressarcir os empréstimos realizados à empresa por si ou terceiros”, o que é insuficiente para legitimar a desconsideração das garantias específicas presentes no financiamento bancário que influenciam a respetiva remuneração.
Do que fica dito é possível visualizar uma diversidade entre os termos e condições dos contratos de suprimentos e do contrato de mútuo bancário que tem impacto significativo na comparabilidade. O risco assumido é, evidentemente, determinado pela existência de colaterais, o que influencia subsequentemente a taxa de juro fixada como remuneração pela disponibilização dos fundos emprestados. Logo, o mútuo bancário não podia servir como comparável interno, não possibilitando aferir o princípio de plena concorrência, porque os seus termos e condições não eram substancialmente idênticos aos dos suprimentos, em especial porque se previa um elenco diversificado de garantias, ao passo que na operação vinculada nenhuma garantia especial existia, e os créditos mostravam-se dotados de senioridade enquanto nos suprimentos se determinava a subordinação dos créditos às obrigações emergentes do financiamento bancário, tudo elementos suscetíveis de afectar materialmente o preço ou elemento financeiro (taxa de juro) em exame no MPCM.
Conclui-se, pois, que o financiamento bancário, pelos seus termos e condições, é insuscetível de comparação, por falta de identidade ou analogia em termos substanciais, com os suprimentos, não preenchendo os factores de comparabilidade determinados pela Portaria n.º 1446-C/2001, em especial porque, ao contrário do que sucede na operação vinculada, no financiamento bancário os credores dispõem de garantias e se trata de dívida sénior, com prioridade sobre os suprimentos, o que influi no risco da operação e logo na remuneração respetiva.
Assim, o financiamento bancário selecionado pela AT como comparável interno não cumpre os requisitos indicados no artigo 5.º da Portaria 1446-C/2001, não sendo suscetível de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e o preço de mercado, não se estando perante uma transação cujos termos e condições possam considerar-se substancialmente idênticos ou análogos, como determina a al. a) do n.º 2 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001.
25. A utilização do método do preço comparável por parte da ATA, estribada num comparável interno que não preenche as condições de comparabilidade previstas na lei, faz enfermar as correções à matéria tributável de 2011 e 2012 sindicadas nos autos de vício de violação de lei, por inobservância do disposto nos artigos 63.º, n.ºs 1 e 2 do CIRC, 4.º, n.ºs 2 e 3, 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a) da Portaria n.º 1446-C/2001, o que implica a anulação das correspondentes liquidações de IRC que materializaram tais correções.
F. Juros indemnizatórios
27. Peticiona também a Requerente a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data do pagamento da liquidação adicional de IRC n.º 2015 ... relativa a 2011 até à data de processamento da respetiva nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4 da LGT e 61.º do CPPT.
Prescreve a alínea b) do art. 24.º do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que se deve entender, em conformidade com o art. 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, como abrangendo o pagamento de juros indemnizatórios, em consonância, aliás, com o disposto no n.º 5 deste mesmo art. 24.º do RJAT.
Determina o art. 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Dado que, pelos fundamentos acima expostos, se verifica a ilegalidade das liquidações impugnadas, o que é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, nas correções efetuadas, não procedeu à devida aplicação ao caso sub judice do regime dos preços de transferência, tem a Requerente direito, em conformidade com os arts. 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso das prestações tributárias pagas em excesso no montante total de €24.726,21 (cfr. n.º 28 do probatório), e aos juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a indicada quantia desde 22.10.2015 (cfr. n.º 28 do probatório), à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
VI. Decisão
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado pela Requerente e, em consequência:
a) Anular as correções aritméticas à matéria tributável de IRC dos exercícios de 2011 e 2012, efetuadas pela AT em sede de inspeção tributária realizada ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2014... e OI2015..., com recurso ao regime dos preços de transferência constante do artigo 63.º do CIRC;
b) Anular, consequentemente, a liquidação de IRC n.º 2015 ..., de 24.08.2015, e compensação n.º 2015 ..., relativa ao exercício de 2011, e a liquidação de IRC n.º 2015 ..., de 24.08.2015, e compensação n.º 2015 ..., relativa ao exercício de 2012;
c) Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data do pagamento da liquidação adicional de IRC n.º 2015 ... relativa a 2011, no montante de €24.726,21, até à data de processamento da respetiva nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4 da LGT e 61.º do CPPT.
VII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €8.168.002,29 (oito milhões cento e sessenta e oito mil dois Euros e vinte e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, b) do CPPT, aplicável por força das als. a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
· Notifique-se.
Lisboa, 8 de Julho de 2016.
O Árbitro Presidente
(José Poças Falcão)
O Árbitro Vogal
(Paulo Mendonça)
O Árbitro Vogal
(João Menezes Leitão)
[1] Adota-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada, em conformidade, a grafia constante das citações efetuadas.
[2] Omitiram-se as notas de rodapé constantes das citações efetuadas.
[3] Joaquim Freitas da Rocha – “Lições de Procedimento e Processo Tributário” – pág. 114 – Coimbra Editora – 3ª Edição.
[4] De acordo com José Luís Saldanha Sanches no seu “Manual de Direito Fiscal” – pág. 474 - 3ª Edição- Coimbra Editora, “O legislador também reconhece a existência de áreas onde a densidade de fundamentação se exige maior. Fá-lo ao prever uma fundamentação especial (...) no caso de retificação de custos nas relações especiais entre empresas (...) que têm uma regulamentação especial no nº 3 do artigo 77º da LGT”.
[5] De acordo com José Luís Saldanha Sanches, em “Os Limites do Planeamento Fiscal no Direito Português”, pág. 226, “(...) os amplos poderes que são conferidos à administração fiscal no caso de relações especiais entre empresas, em que aquela deverá proceder a uma aplicação individualizada da lei e fundamentar a sua atuação”.
[6] OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, Paris, 2010, p. 31 (a seguir identificadas como Guidelines ou Diretrizes da OCDE). Cfr. também a tradução portuguesa do relatório de 1995 OCDE – Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais, Lisboa, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 189, 2002, p. 35. Como é amplamente reconhecido e o assume o próprio Preâmbulo da Portaria n.º 1446-C/2001 (que aconselha, nos casos de maior complexidade técnica, a “consulta dos relatórios da OCDE que desenvolvem esta matéria”) as guidelines da OCDE operam como elementos de apoio da interpretação das normas nacionais sobre preços de transferência.
[7] IRC e contabilidade: da realização ao justo valor, Coimbra, 2011, p. 409.
[8] A propósito da relevância da documentação de preços de transferência como meio primordial de defesa dos contribuintes, José Luís Saldanha Sanches, em “Os Limites do Planeamento Fiscal no Direito Português”- página 222, refere que “No regime geral dos preços de transferência, desde que o sujeito passivo cumpra os seus complexos deveres de documentação, estará a salvo de qualquer decisão administrativa, ainda que exista sempre o risco de litígio”.
[9] OECD, Transfer Pricing and Multinational Enterprises, OECD Publishing, Paris, 1979, p. 92. Vd. igualmente a tradução portuguesa Preços de Transferência e Empresas Multinacionais – Relatório do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE de 1979, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 144, pág. 129: “A taxa de juro de plena concorrência é a que é aplicada, ou que teria sido aplicada, no momento em que o endividamento foi gerado, em operações verificadas em circunstâncias análogas com ou entre partes independentes.»
[10] Freitas Pereira – “Fiscalidade”, 6.ª ed., Coimbra, Almedina, 2014, pág. 158 refere que quando “(…) se afastam para efeitos fiscais as condições praticadas entre pessoas com relações especiais entre si para ter em conta as que seriam praticadas entre pessoas independentes, não se atribui discricionariedade à administração, atribui-se-lhe apenas o poder/dever de, nesses casos, valorar a situação de acordo com critérios técnico científicos e que estão, aliás, traduzidos na lei de acordo com padrões internacionalmente aceites e que, apoiados em adequada análise funcional (análise das funções exercidas, tendo em conta os ativos utilizados e os riscos assumidos, pelas empresas com relações especiais nas transações em causa e pelas empresas independentes em transações no mercado livre), têm que ser devidamente fundamentados (artigo 77º, nº 3, da Lei Geral Tributária) e são controláveis judicialmente (…)”.
[11] Recorde-se que nos termos do §1.38 das Guidelines da OCDE, o exercício de comparação “is by nature two-fold, i.e. it includes an examination of the factors affecting the taxpayer’s controlled transactions and an examination of the factors affecting uncontrolled transactions”.
[12] Consigna-se no §1.36 o seguinte: “Attributes or “comparability factors” that may be important when determining comparability include the characteristics of the property or services transferred, the functions performed by the parties (taking into account assets used and risks assumed), the contractual terms, the economic circumstances of the parties, and the business strategies pursued by the parties”.
[13] Preços de Transferência e Empresas Multinacionais – Relatório do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE de 1979, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 144, pág. 130.