Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 627/2015-T
Data da decisão: 2016-07-05  IUC  
Valor do pedido: € 11.975,69
Tema: IUC – Incidência subjetiva; locação financeira; presunções legais
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Decisão Arbitral

 

A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 09 de dezembro de 2015, decide nos termos que se seguem:

 

I. RELATÓRIO

1. No dia 01.10.2015, a sociedade “A…, S.A.”, NIPC … apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante, “RJAT”), sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 09.10.2015.

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do correspondente encargo no prazo aplicável.

4. Em 23.11.2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação da árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.ºe 7.º do Código Deontológico.

5. Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 09.12.2015.

6. No presente processo arbitral, pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade de 72 atos de liquidação oficiosa do imposto único de circulação (IUC) cujo montante total ascende a € 11.826,75, e, consequentemente, determine a restituição do valor total de € 11.975,69, correspondente a imposto e juros compensatórios no montante de € 148,94, bem como o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

7. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

- A Requerente é uma instituição financeira sujeita à supervisão do Banco de Portugal que prossegue a sua atividade no ramo do financiamento automóvel, designadamente sob a modalidade de concessão de empréstimos para a aquisição de veículos ou através de contratos de locação financeira.

 

- A Requerente recebeu 72 notas de liquidação de IUC sobre veículos relacionados com a atividade supra mencionada, tendo procedido ao pagamento de todas elas, embora entendendo que as mesmas são ilegais por não respeitarem os pressupostos subjetivos de incidência do imposto.

 

- Em concreto, entende a Requerente que, em todos os casos abrangidos pelo pedido de pronúncia arbitral, o imposto liquidado diz respeito a veículos já vendidos pela Requerente na data em que ocorreu o facto tributário, a imposto cuja responsabilidade é do importador, a veículos cujo contrato de leasing estava ainda vigente na data em que ocorreram os factos tributários e a imposto referente a veículos cujo contrato de leasing se encontrava em incumprimento à data de ocorrência do facto gerador.

 

- Quanto ao primeiro grupo de situações, entende a Requerente que o facto de o veículo em causa ter sido vendido por si em momento anterior ao da ocorrência do IUC consubstancia uma causa de exclusão de incidência do imposto que deveria ter sido atendida pela AT, na medida em que, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 3, do CIUC, o imposto se considera exigível ao proprietário (ou a outros detentores do veículo que sejam equiparáveis) no primeiro dia do período de tributação do veículo, o qual, de acordo com o artigo 4.º, n.º 2, do mesmo Código, tem lugar na data em que a matrícula é atribuída. O facto de a propriedade dos veículos não ter sido inscrita no registo automóvel a favor do novo proprietário não pode ser imputado à Requerente, que não tinha legitimidade para requerer tal inscrição. Por outro lado, entende a Requerente que, embora o artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, preveja que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados, a expressão “considerando-se” deve ser entendida como uma presunção legal ilidível mediante prova em contrário por parte do transmitente do veículo. Assim, à luz do artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, o imposto deve incidir sobre os novos proprietários dos veículos.

 

- Quanto ao segundo motivo invocado para a inexistência de incidência subjetiva, entende a Requerente que, tendo adquirido o veículo ao importador posteriormente à data de liquidação do IUC, este imposto também não é da sua responsabilidade. Assim, o responsável pelo IUC era o importador nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do CIUC que prevê que, na ausência de registo de propriedade do veículo efetuado dentro do prazo legal, o IUC devido no ano da matrícula do veículo é liquidado e exigido ao sujeito passivo do imposto sobre veículos com base na declaração aduaneira do veículo, ou com base na declaração complementar de veículos em que assenta a liquidação desse imposto, ainda que não seja devido.

 

- Quanto ao terceiro conjunto de situações, a Requerente refere que tinham sido celebrados contratos de locação financeira cujo objeto eram as viaturas em causa, os quais estavam em vigor à data em que o facto tributário se gerou e que o imposto se tornou exigível, pelo que o sujeito passivo do IUC é, em exclusivo, o locatário financeiro. Assim, o artigo 3.º, n.º 2, do CIUC, prevê que “são equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação. Por outro lado, argumenta, o proprietário do veículo não pode ser responsável subsidiário pelo pagamento do imposto em caso de incumprimento por parte do locatário uma vez que essa solução seria contrária ao princípio da equivalência nos termos do qual o IUC pretende onerar os contribuintes na medida do custo ambiental que estes causem. Aliás, é precisamente por ser o locatário o exclusivo detentor do veículo que o Código da Estrada o qualifica como “titular do documento de identificação do veículo” para efeitos de responsabilização por infrações que respeitem às condições de admissão do veículo ao trânsito (e.g., falta de inspeção), sendo ele também o responsável único pelo pagamento de portagens, coimas e despesas associadas a esta falta de pagamento nos termos do disposto nos artigos 118.º e 135.º do Código da Estrada e artigo 10.º da Lei 25/2006, de 30 de junho.

 

- Quanto ao quarto grupo de situações (contratos em incumprimento no momento da ocorrência do facto tributário), a Requerente invoca o facto de, previamente à data de vencimento do IUC e na sequência do incumprimento de obrigações contratuais por parte dos locatários, ter posto termo às relações contratuais de locação financeira, as quais foram resolvidas antes da data prevista para a cessação dos contratos, mas sem que os locatários tenham devolvido as viaturas em causa. A Requerente recorreu ao expediente previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, que prevê a providência cautelar de entrega judicial. Nos termos do n.º 1 da referida disposição legal, se, findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este, após o pedido de cancelamento do registo da locação financeira, a efetuar por via electrónica sempre que as condições técnicas o permitam, requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente. Ora, a não restituição do veículo pelo respetivo locatário tem como consequência que este continue a usufruir do veículo, sem que o respetivo proprietário possa dispor ou por qualquer forma usufruir da mesma. Assim, entende que, apesar de ter sido dada publicidade ao cancelamento do registo da locação financeira, isso não torna a Requerente sujeito passivo do imposto, devendo este continuar a cargo do locatário financeiro, que mantém a possibilidade de usufruir do veículo em causa, o que vai de encontro ao princípio da equivalência, previsto no artigo 1.º do CIUC.

 

8. Na sua Resposta, a AT invocou, resumidamente, o seguinte:

 

8.1 Questões prévias

 

- Em primeiro lugar, a AT argumenta que a Requerente não juntou todas as notificações com a indicação da data limite de pagamento, nomeadamente relativamente às viaturas …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, pelo que não faz qualquer prova da tempestividade do pedido de constituição do Tribunal Arbitral relativamente a estas liquidações impugnadas.

 

- Em segundo lugar, a AT refere que a Requerente enviou uma listagem com as viaturas cujo IUC vem impugnar e que, da verificação unitária dos documentos juntos ao processo, resulta uma total incongruência entre estes e a listagem entregue (a título de exemplo, a duplicação das notas de liquidação das viaturas …, …, …, …, …, … (pela terceira vez), …, …. Na pág. 1 as 2as vias de faturas das viaturas …, …, seguidas da nota de liquidação da viatura …. Na pág. 2 as 2ªs vias de faturas de viaturas com as matrículas …, …, seguido de um contrato de locação financeira da viatura …. Não junta os documentos que invoca no art. 23º). Entende a Requerida que, atendendo aos prazos para a apresentação de documentos firmados na lei não é possível a junção extemporânea de todos os documentos em falta por banda da Requerente. Entende ainda que a Requerente não contrariou de forma nenhuma as informações constantes do registo automóvel de ser a proprietária dos veículos nas datas da exigibilidade do imposto (art.º 3.º, n.º 1, do CIUC).

 

8.2 Quanto ao mérito do pedido, a AT invoca os seguintes argumentos:

 

·         O legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais [como proprietários ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas] as pessoas em nome das quais os mesmos [os veículos] se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.

·         Entender que o legislador consagrou aqui uma presunção seria inequivocamente efetuar uma interpretação contra legem; trata-se, isso sim, de uma opção clara de política legislativa cuja intenção foi a de que, para efeitos de IUC, fossem considerados proprietários aqueles que como tal constem do registo automóvel.

·         A seguir-se a tese defendida pela Requerente quanto ao facto de o artigo 3.º do CIUC consagrar uma presunção ilidível, então a ilisão da presunção depende do cumprimento do estatuído no artigo 19.º do CIUC; não tendo a Requerente cumprido o ónus probatório que se lhe impunha, e constatando-se o incumprimento da obrigação declarativa prevista naquela disposição legal, duas consequências devem retirar-se: (i) a responsabilidade da Requerente pelas custas arbitrais relativas ao presente pedido de pronúncia arbitral dado que aquele incumprimento deu azo à emissão de parte das liquidações em causa; (ii) o apuramento da sua responsabilidade em termos contra-ordenacionais à luz do artigo 117.º, conjugado com o artigo 26.º, n.º 4, do RGIT;

·         A interpretação dada pela Requerente traduz-se num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português;

·         A argumentação apresentada pela Requerente de que o sujeito passivo do imposto é o proprietário efetivo, independentemente de não figurar no registo automóvel nessa qualidade, é errada à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado no CIUC na medida em que o legislador pretendeu criar um imposto assente na tributação do proprietário do veículo tal como consta do registo automóvel.

·         Quanto aos documentos juntos pela Requerente para prova do primeiro conjunto de situações apresentado ao tribunal, entende a AT que os mesmos, por se tratarem de faturas, não são aptos a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte do pretenso adquirente. Acrescenta que a Requerente não juntou cópias do modelo oficial para registo da propriedade automóvel quando podia e devia tê-lo feito no requerimento do pedido de pronúncia arbitral, e tão-pouco junto prova do recebimento dos preços. Alega também que, no que tange ao valor ou força probatória das faturas corporizadas nos documentos juntos ao processo, levantam-se dúvidas, atentas as diversas menções das mesmas constantes (rescisão, perda total seguradora, valor residual, venda de viatura não locada). Por fim, relativamente às faturas identificadas como 2.ª via, invoca o já decidido na decisão arbitral de 30.07.2015, proferida no Processo n.º 79/2015-T CAAD, no que se refere à menção “válido após boa cobrança”: “Alega a Requerente que, à data em que ocorreram os factos tributários já havia transmitido a propriedade das viaturas para terceiros adquirentes. Para prova disso junta as segundas vias de Faturas, nas quais se menciona a matrícula da viatura, o nº de Cliente, a identificação do destinatário. No descritivo cada documento tem uma menção distinta, por exemplo: no Doc. nº 1 a menção é de “valor residual”, já nos Docs. 3, 7 e 8 a menção é de “venda de bem em crédito”, cujo significado nos deixa muitas dúvidas que possa ter como subjacente uma transmissão de propriedade. Mas, já no doc. nº 5 no descritivo figura ”Perca total seguradora”, cujo sentido também nos suscita muitas dúvidas sobre o tipo de transação subjacente.” “Acresce que, em todas as segundas vias de faturas juntas aos autos, consta a expressão “válido após boa cobrança”. Esta menção consta de todos os documentos juntos aos autos pela Requerente. Assim, parece evidente que os descritivos dos documentos em análise não permitem concluir, sem mais, pela existência de compras e vendas subjacentes, dada a diversidade de situações descritas. Mas, tal dúvida podia ter sido esclarecida e a prova da transmissão de propriedade ficaria demonstrada, se a Requerente juntasse aos autos as cópias das declarações de venda relativas a cada um dos veículos em questão, as quais tiveram de ser emitidas e entregues aos respetivos compradores para a conclusão do negócio e posterior alteração do registo de propriedade. Certamente, se existiram todas essas transmissões de propriedade, as declarações de venda forma devidamente preenchidas e o processo documental convenientemente concluído com a emissão do recibo, porquanto as financeiras não têm por regra enviar os documentos que finalizam o processo para o novo proprietário sem conferirem antecipadamente o pagamento do valor da última fatura, valor residual e encargos inerentes. Aliás, é por isso que os documentos juntos aos autos contêm a indicação de “válido após boa cobrança”. Claro que, a Requerente, dada a dimensão e estrutura empresarial de que dispõe de todos os processos devidamente organizados e de cópias de todos os documentos de formalização dos negócios. Não é credível que apenas disponha de segundas vias de faturas.” Em suma, entende a Requerida que, se as faturas apenas são válidas após a demonstração da sua boa cobrança, e se esta prova não foi feita, então as faturas são inválidas, ou pelo menos claramente insuficientes, para a prova dos factos pretendidos. Ainda quanto a este ponto, refere que, quanto à viatura com o número de matrícula …, no “Extrato de cliente” constam cheques devolvidos, pelo que subsiste a dúvida sobre se o veículo foi alienado ou não. Ainda relativamente a estes “extractos de cliente”, quanto à matrícula …, indica-se forma manuscrita que afinal se refere à matrícula …, não ficando claro a qual das matrículas se refere. Acrescenta, ainda, que, não obstante a Requerente juntar cópia dos respectivos contratos, a verdade é não é feita qualquer prova de que os mesmos estivessem vigentes nos anos do IUC em causa, podendo, designadamente, ter havido uma rescisão antecipada, e o veículo ter regressado à posse da requerente, em nome de quem se encontrava registado. A prova indubitável que a Requerente deveria ter feito, mas que não fez, era de juntar documento comprovativo do pagamento da renda de locação financeira no mês da exigibilidade do imposto.

·         Quanto ao terceiro conjunto de situações, a Requerida entende que a AT nada tem que ver com as relações contratuais entre a Requerente e os seus clientes e que, novamente, a Requerente não faz prova do que alega, designadamente, da existência de um contrato de locação; do incumprimento desse contrato; do cancelamento do registo de locação financeira; do cumprimento do disposto no artigo 19.º do CIUC.

·         Relativamente ao veículo com a matrícula …, refere a AT que a Requerente nada juntou que permita atribuir a responsabilidade pelo pagamento ao importador.

·         Por fim, a Requerida sustenta que, a ser aceite a interpretação veiculada pela Requerente, então a mesma mostra-se contrária à Constituição, na medida em que se traduz na violação do princípio da confiança, do princípio da segurança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade.

 

9. Trâmites subsequentes

 

Através de requerimento apresentado no dia 20.01.2016, veio a Requerente juntar aos autos cópias dos lançamentos contabilísticos na conta SNC – Bancos, referentes aos valores recebidos por referência às vendas das viaturas relativamente às quais alegou que o IUC tem data de vencimento posterior à data de alienação. Através do mesmo requerimento, veio também juntar faturas referentes ao mês/ano coincidente com a data de liquidação do IUC, com vista a demonstrar que os contratos de locação financeira referentes a tais liquidações estavam em vigor à data em que o IUC foi liquidado, motivo pelo qual a Requerente não era sujeito passivo de imposto. Esclareceu ainda que só nesse momento lhe foi possível reunir toda a documentação em causa, por a mesma ser muito detalhada de obtenção complicada (sendo a Requerente uma instituição financeira de crédito cuja atividade consiste na concessão de empréstimos para aquisição de veículos automóveis, a identificação individualizada de cada uma das situações é uma tarefa exaustiva e demorada).

 

Através de despacho de 20.01.2016, foi a Requerente convidada a pronunciar-se sobre as questões prévias suscitadas pela Requerida na Resposta apresentada.

 

No dia 02.02.2016, a Requerente apresentou a seguinte pronúncia sobre as questões prévias suscitadas pela Requerida:

- sobre a matéria da tempestividade, refere que, no dia 05.10.2015, apresentou um requerimento com todas as notas de liquidação que são objeto do processo, das quais consta a data limite para o pagamento voluntário, de onde começa a contar o prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral, e de onde se conclui pela tempestividade do pedido;

- relativamente à alegada não junção dos documentos referidos no artigo 23.º do pedido de pronúncia arbitral, nega tal alegação, referindo que juntou aos autos as inscrições no registo automóvel mediante as quais se pode comprovar a data em que adquiriu o prédio em questão e, portanto, o momento a partir do qual se tornou sujeito passivo do IUC relativo a essa viatura;

- quanto à alegação de que a Requerente não tinha comprovado o pagamento do imposto relativamente a todas as liquidações impugnadas, contesta também, referindo que foram juntas todas as notas de liquidação de onde consta o comprovativo do pagamento;

- quanto ao referido pela AT em relação à não junção da prova do recebimento do preço como forma de comprovar  a venda das viaturas, a Requerente esclarece que juntou faturas emitidas à data da venda, extratos contabilísticos e cópias dos lançamentos referentes aos valores recebidos pelas vendas dos veículos.

 

Através de despacho proferido a 23.02.2016, o Tribunal determinou que a AT fosse notificada dos requerimentos e documentos apresentados pela Requerente a 20.01.2016 e a 02.02.2016, bem como para se pronunciar sobre os mesmos no prazo de 10 dias, nomeadamente face às questões prévias que havia suscitado. Através do mesmo despacho, foi ainda determinada a notificação da Requerente para juntar aos autos a nota de liquidação referente à viatura de matrícula … e os documentos de suporte ao alegado quanto à não incidência de imposto sobre as viaturas de matrícula … e ….

 

No dia 03.03.2016, a Requerida veio juntar aos autos um requerimento em que mantém, integralmente, o teor da Resposta que havia apresentado.

 

No dia 18.03.2016, a Requerente veio juntar aos autos a nota de liquidação referente à viatura de matrícula …, pedindo esclarecimentos sobre o restante conteúdo do despacho de 23.02.2016.

 

No dia 21.03.2016, o Tribunal proferiu um despacho esclarecendo que, quanto aos veículos de matrícula … e …, relativamente aos quais a Requerente alega terem sido vendidos antes da data de vencimento do imposto, não tinham sido juntos aos autos quaisquer documentos comprovativos desses factos. Determinou ainda que os mesmos fossem juntos no prazo de 10 dias, sob pena de se considerarem definitivamente não juntos aos autos para efeitos de prova dos factos alegados.

 

No dia 23.03.2016, a Requerente veio juntar aos autos faturas emitidas à data da venda, extratos contabilísticos e lançamentos contabilísticos da conta SNC “Bancos” referentes aos valores recebidos à data de venda dos veículos … e ….

Através de despacho proferido a 24.03.2016, o Tribunal determinou que a Requerida fosse notificada para se pronunciar sobre os documentos juntos pela Requerente a 23.03.2016.

 

No dia 19.04.2016, verificando-se que a Requerida não havia exercido o seu direito ao contraditório, tendo já decorrido o prazo para o efeito, o Tribunal decidiu dispensar as partes da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e conceder prazo para a apresentação de alegações escritas. Informou ainda as partes de que a decisão arbitral seria proferida até ao dia 17.06.2016.

 

No dia 03.05.2016, a Requerente apresentou as suas alegações, em que reitera, no essencial, os argumentos já apresentados no processo.

 

No dia 16.05.2016, a Requerida juntou ao processo as suas alegações, em que também reitera os argumentos já apresentados.

 

Através de despacho de 25.05.2016, o Tribunal notificou a Requerente para juntar aos autos alguns documentos comprovativos de factos alegados e que não se encontravam devidamente provados através de prova documental, tendo simultaneamente notificado a Requerida de que dispunha do prazo de 5 dias, após apresentação de resposta por parte da Requerente, para se pronunciar sobre os elementos que esta eventualmente juntasse.

 

A Requerente veio responder através de requerimento datado de 07.06.2016 e a Requerida pronunciou-se a 09.06.2016, mantendo o que já havia alegado anteriormente.

 

III. SANEAMENTO

 

1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

3. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

4. Pretende-se a apreciação conjunta da legalidade de 72 liquidações de IUC, para o que se verificam os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT e no artigo 104.º do CPPT, sendo de admitir a cumulação em virtude da identidade do imposto e da circunstância de a análise dos atos tributários em causa depender da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da aplicação das mesmas regras de direito.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

 

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo (PA) junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1.      A Requerente é uma Instituição Financeira de Crédito sujeita à supervisão do Banco de Portugal, que se dedica ao financiamento automóvel, designadamente sob a modalidade de concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos ou da celebração de contratos de locação financeira;

2.      A Requerente recebeu 72 notas de liquidação de IUC sobre veículos relacionados com a atividade supra mencionada, todas identificadas na Tabela Anexa ao pedido arbitral, que aqui se dá por integralmente reproduzida;

3.      A Requerente efetuou o pagamento de todas as notas de liquidação de IUC objeto do pedido de pronúncia arbitral;

4.      A propriedade destes veículos encontrava-se à data dos factos tributários inscrita no registo automóvel a favor da Requerente;

5.      A Requerente emitiu os seguintes documentos denominados “2.ªs vias de fatura”, respeitantes às viaturas e com as datas que se indicam de seguida:

a.       Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.02.2009;

b.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.08.2013;

c.       Viatura de matrícula …, fatura datada de 22.07.2004;

d.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.01.2009;

e.       Viatura de matrícula …, fatura datada de 30.03.2012;

f.       Viatura de matrícula …, fatura datada de 28.11.2013;

g.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.04.2012;

h.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 01.09.2013;

i.        Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.04.2014;

j.        Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.02.2015;

k.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.01.2014;

l.        Viatura de matrícula …, fatura datada de 01.10.2011;

m.    Viatura de matrícula …, fatura datada de 01.04.2008;

n.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 01.09.2014;

o.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.02.2015;

p.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.03.2012;

q.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 01.05.2012;

r.        Viatura de matrícula …, fatura datada de 01.06.2009;

s.       Viatura de matrícula …, fatura datada de 01.04.2011;

t.        Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.07.2012;

u.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.07.2012;

v.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 30.11.2006;

w.    Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.03.2011;

x.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 29.05.2005;

y.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.03.2010;

z.       Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.03.2009;

aa.   Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.10.2012;

bb.  Viatura de matrícula …, fatura datada de 26.01.2005;

cc.   Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.03.2012;

dd. Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.03.2011;

ee.   Viatura de matrícula …, fatura datada de 01.07.2014;

ff.    Viatura de matrícula …, fatura datada de 01.03.2010;

gg.  Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.03.2015;

hh.  Viatura de matrícula …, fatura datada de 12.12.2014;

ii.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.04.2011;

jj.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 28.05.2005;

kk.  Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.10.2014;

ll.      Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.02.2013;

mm.         Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.02.2013;

nn.  Viatura de matrícula …, fatura datada de 01.02.2004;

oo.  Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.03.2010;

pp.  Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.01.2011;

qq.  Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.03.2011;

rr.     Viatura de matrícula …, fatura datada de 01.11.2006;

ss.    Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.04.2011;

tt.     Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.01.2012;

uu.  Viatura de matrícula …, fatura datada de 01.05.2012;

vv.  Viatura de matrícula …, fatura datada de 24.02.2009;

ww.         Viatura de matrícula …, fatura datada de 01.06.2010.

 

6.      À exceção das viaturas de matrícula … e …, que dizem respeito ao ano de 2014, todas as outras liquidações impugnadas dizem respeito ao ano de 2015.

 

7.      Relativamente à viatura de matrícula …, a informação constante da Conservatória de Registo Automóvel atesta que a Requerente se tornou proprietária da mesma em 31.12.2014.

 

8.      A matrícula desta viatura é de 05.11.2014, pelo que a o facto gerador ocorreu antes da aquisição pela Requerente.

 

9.      Relativamente à viatura de matrícula …, a informação constante da Conservatória de Registo Automóvel atesta que a Requerente se tornou proprietária da mesma em 14.01.2015.

 

10.  A liquidação referente à viatura de matrícula … é de 2014, pelo que o respetivo facto gerador ocorreu antes de a Requerente se tornar proprietária da mesma.

 

11.  A Requerente celebrou os contratos de locação financeira referentes às viaturas e pelos períodos de seguida identificados:

a.    …, de 01.04.2009 a 01.04.2015.

b.    …, de 01.03.2011 a 01.03.2015.

c.    …, de 24.03.2014 a 24.03.2017.

 

12.  A viatura de matrícula … tem data de matrícula de 31.03.2009, pelo que o facto gerador ocorreu na pendência do contrato de locação financeira.

 

13.  A viatura de matrícula … tem data de matrícula de 24.02.2011, pelo que o facto gerador ocorreu na pendência do contrato de locação financeira.

 

14.  A viatura de matrícula … tem data de matrícula de 26.02.2014, pelo que o facto gerador ocorreu na pendência do contrato de locação financeira.

 

15.  A Requerente celebrou os contratos de locação financeira referentes às viaturas e pelos períodos de seguida identificados:

d.   …, de 05.02.2008 a 05.02.2013;

e.    …, de 24.02.2009 a 24.03.2013;

f.     …, de 24.03.2007 a 24.03.2012;

g.    …, de 24.01.2009 a 24.01.2014;

h.    …, de 01.03.2005 a 01.03.2011;

i.      … de 24.03.2006 a 24.04.2011;

j.      …, de 24.01.2007 a 24.02.2011;

k.    …, de 24.10.2008, celebrado por 60 meses;

l.      …, de 01.02.2009 a 01.03.2013;

m.  …, de 24.03.2007 a 24.03.2012;

n.    …, de 24.02.2008 a 24.02.2013;

o.    …, de 24.03.2007 a 24.03.2012;

p.    …, de 24.03.2007 a 24.03.2012;

q.    …, de 24.07.2007 a 24.05.2014;

r.     …, de 24.01.2007 a 24.02.2013;

s.     …, de 01.05.2007 a 01.06.2012;

t.     …, de 24.07.2006 a 24.07.2012;

u.    …, de 01.04.2008 a 01.04.2013.

 

 

IV.2. Factos não provados

a.       Que, relativamente às viaturas com as matrículas que se indicam de seguida, a Requerente não seja sujeito passivo do IUC liquidado:

·         … Justificação: o IUC é posterior à vigência do contrato de locação financeira e a Requerente informou o tribunal de que a viatura tinha sido “retomada em 08.04.2015 e devolvida ao cliente em 29.04.2015 por força do pagamento da dívida.” Para prova desse facto ofereceu apenas um documento com a indicação “meramente informativo”.

·         … Justificação: o IUC é posterior à vigência do contrato. A Requerente informou o tribunal de que se tinha verificado “Perda total. Indemnização liquidada pela Seguradora AXA em 09/2012”, mas não ofereceu prova.

·         ... Justificação: o IUC é posterior à vigência do contrato e a Requerente reconhece que a viatura é sua propriedade.

·         .... Justificação: o IUC é posterior à vigência do contrato. A requerente informou o tribunal de que “Dívida liquidada pelo cliente. Modelo de venda enviado a 05.08.2014.” O único documento junto para prova contém a indicação: “Carta meramente informativa, não carece de assinatura.”

·         ... Justificação: o IUC é posterior ao fim do contrato e a Requerente reconhece que a viatura é sua propriedade.

·         ... Justificação: o IUC é posterior ao fim do contrato e a Requerente reconhece que a viatura é sua propriedade.

·         ... Justificação: o IUC é posterior ao fim do contrato e a Requerente reconhece que a viatura é sua propriedade.

·         ... Justificação: o IUC é posterior ao fim do contrato e a Requerente reconhece que a viatura é sua propriedade.

·         ... Justificação: o IUC é posterior ao fim do contrato e a Requerente reconhece que a viatura é sua propriedade.

·         ... Justificação: o IUC é posterior ao fim do contrato e a Requerente reconhece que a viatura é sua propriedade.

·         ... Justificação: o IUC é posterior ao fim do contrato. A Requerente apenas informou o tribunal de que “Dívida liquidada pelo cliente em 05/2016. Modelo de venda enviado a 03.05.2016.”

·         ... Justificação: o IUC é posterior ao fim do contrato e a Requerente reconhece que a viatura é sua propriedade.

·         ... Justificação: o IUC é posterior ao fim do contrato e a Requerente reconhece que a viatura é sua propriedade.

·         ... Justificação: o IUC é posterior ao fim do contrato e a Requerente reconhece que a viatura é sua propriedade.

·         ... Justificação: o IUC é posterior ao fim do contrato e a Requerente reconhece que a viatura é sua propriedade.

·         ... Justificação: o IUC é posterior ao fim do contrato. A Requerente apenas informou o tribunal de que “Dívida liquidada pelo cliente. Modelo de venda enviado a 31.01.2013.”

·         ... Justificação: o IUC é posterior ao fim do contrato e a Requerente reconhece que a viatura é sua propriedade.

·         ... Justificação: o IUC é posterior ao fim do contrato e a Requerente reconhece que a viatura é sua propriedade.

b. Quanto à viatura de matrícula …, cuja matrícula é de 23.02.2011, que a fatura de venda tenha sido emitida antes do facto gerador (foi emitida a 24.02.2015);

c. Quanto à viatura de matrícula …, cuja matrícula é de 19.02.2009, que a fatura de venda tenha sido emitida antes do facto gerador (foi emitida a 24.02.2015);

d. Quanto à viatura de matrícula …, cuja matrícula é de 23.03.2011, que a fatura de venda tenha sido emitida antes do facto gerador (foi emitida a 24.03.2015);

 

V. THEMA DECIDENDUM

 

A questão de fundo em causa nos presentes autos consiste em saber se os factos alegados pela Requerente consubstanciam motivos de exclusão de incidência subjetiva de imposto e se, em consequência, se deve considerar que os atos impugnados enfermam de erro sobre os pressupostos do facto tributário, o que consubstanciaria um vício de violação de lei determinante da respetiva anulação, com as devidas consequências legais.

 

VI. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

A Requerente fundamenta o seu pedido em quatro tipos de argumentos distintos, conforme a situação de facto que invoca:

1)      Viaturas cuja propriedade foi transmitida previamente ao facto gerador;

2)      Viaturas com contrato de leasing vigente à data do facto gerador;

3)      Viaturas cujo IUC é da responsabilidade do respetivo importador;

4)      Viaturas em que o facto gerador do IUC ocorreu depois de o contrato entrar em dívida.

 

1)      Quanto ao primeiro conjunto de situações:

Invoca a Requerente que, com referência aos atos de liquidação cuja propriedade foi transmitida previamente ao facto gerador, não se encontram preenchidos os pressupostos de incidência subjetiva previstos no artigo 3.º do CIUC, não sendo, por isso, sujeito passivo de IUC. Invoca que, à data dos factos tributários, já não era proprietária das referidas viaturas e, em consequência, as liquidações devem ser anuladas por manifesta falta de responsabilidade subjetiva pelo seu pagamento.

 

Invoca o disposto no artigo 3.º do CIUC, o qual, em seu entender, estabelece uma presunção implícita de propriedade dos veículos a favor de quem os mesmos se encontrem registados, presunção essa que, por força da aplicação da regra geral prevista no artigo 73º da Lei Geral Tributária, é ilidível mediante prova em contrário. Já para a Requerida, o artigo 3.º do CIUC não estabelece qualquer presunção implícita, mas uma verdadeira ficção legal, inilidível.

 

Esta questão tem sido abundantemente tratada pela jurisprudência arbitral ao longo dos últimos anos (cf. as decisões proferidas nos processos 286/2013-T, de 2 de maio de 2014, 293/2013-T, de 9 de junho de 2014, 46/2014-T de 5 de setembro, 246 e 247/2014 T, de 10 de outubro, entre outros), tendo ainda sido objeto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 19-03-2015, processo n.º 08300/14. Seguindo este tribunal de perto a linha jurisprudencial delineada nos processos acima indicados, indicar-se-ão aqui apenas os seus traços mais significativos.

 

Assim, o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC estabelece que:

“São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.“

 

A questão que se discute a propósito desta norma é a seguinte: deverá entender-se que o legislador utilizou a palavra “considerando-se” como poderia ter utilizado a palavra “presumindo-se” ou, pelo contrário, que o legislador quis estabelecer uma ficção legal, vedando a possibilidade de se realizar prova em contrário?

 

Nos termos do disposto no artigo 349.º do Código Civil, “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.” Por outro lado, o n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil esclarece que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, salvo nos casos em que a lei o proibir.

 

No que diz respeito às presunções de incidência tributária, determina o artigo 73.º da Lei Geral Tributária que estas admitem sempre prova em contrário.

 

As “ficções legais” consistem, diferentemente, “num processo jurídico que considera uma situação ou um facto como distinto da realidade para lhe atribuir consequências jurídicas”[1].

 

Ora, contrariamente ao que defende a Requerida e como já foi reconhecido nas decisões arbitrais e judiciais referidas, a análise do elemento literal, bem como dos elementos histórico e teleológico presentes na norma em questão conduzem à conclusão de que o legislador não pretendeu estabelecer qualquer ficção legal mas apenas e só uma presunção, ilidível mediante prova em contrário nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária. Tratando-se a norma de incidência prevista no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC de uma norma de incidência tributária, outro entendimento seria claramente contrário aos princípios que regem a relação jurídica fiscal.

 

Quanto ao elemento histórico, importa referir que o CIUC teve a sua génese na criação, através do DL 599/72, de 30 de Dezembro, do imposto sobre veículos, o qual já consagrava expressamente que o imposto era devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas em nome de quem os mesmos se encontram matriculados ou registados[2]. Por outro lado, o artigo 2.º do Regulamento dos Impostos de Circulação e de Camionagem (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 116/94) estabelecia que: “são sujeitos passivos do imposto de circulação e do imposto de camionagem os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas singulares ou coletivas em nome das quais os mesmos se encontram registados”.

 

É certo que, no CIUC, o legislador substituiu a expressão “presumindo-se” pela expressão “considerando-se”, o que, na perspetiva da Requerida, traduziu a consagração de uma ficção legal, inilidível. Não consideramos, no entanto, que assim seja. A mudança de verbo não consubstancia uma alteração de fundo na norma de incidência, que, a nosso ver, continua a estabelecer uma presunção ilidível mediante prova em contrário – em conformidade, aliás, com o disposto no artigo 73.º da LGT.

Como afirmam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na anotação ao n.º 3 do artigo 73.º da LGT, “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objetiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real”[3].

 

Em suma, em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela expressão “presume-se” ou por expressão semelhante[4]. A título de exemplo, refere Jorge Lopes de Sousa que no artigo 40.º, n.º 1, do CIRS, se utiliza a expressão “presume-se”, ao passo que no artigo 46.º, n.º 2 do mesmo Código se faz uso da expressão “considera-se”, não havendo qualquer diferença entre uma e outra expressão, ambas significando, afinal, o mesmo: uma presunção legal[5].

 

Quanto ao elemento teleológico, importa referir que o princípio estruturante da reforma da tributação

automóvel é justamente o da incidência da tributação sobre o verdadeiro utilizador do veículo, não se coadunando este princípio com a leitura “cega” da letra da lei, que poderia levar, afinal, a tributar quem não fosse proprietário e, dessa forma, quem não fosse o sujeito causador do “custo ambiental e viário” provocado pelo veículo, a que alude o artigo 1.º do CIUC.

 

Assim, quanto à incidência subjetiva do imposto, é de concluir que não se verificam alterações relativamente à situação anteriormente em vigor no âmbito do Imposto Municipal sobre Veículos, Imposto de circulação e Imposto de Camionagem, como aliás é amplamente reconhecido pela doutrina, continuando a valer uma presunção ilidível nesta matéria. Este entendimento é, ainda, o único que se afigura adequado e conforme ao princípio da verdade material e da justiça, subjacentes às relações fiscais, com o objetivo de tributar o real e efetivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário, por constar do registo automóvel.

 

Nesta conformidade, considerando os elementos de interpretação da lei referidos, somos conduzidos à conclusão de que a expressão “considerando-se” tem exatamente o mesmo sentido que a expressão “presumindo-se”, devendo, desta forma, entender-se que o artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, consagra uma verdadeira presunção de propriedade e não qualquer ficção, sendo, por isso, tal presunção ilidível. Por ser assim, tem de se permitir ao titular inscrito no registo automóvel a possibilidade de apresentar elementos probatórios bastantes para a demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo.

 

Por último, cumpre atender, na presente análise, ao valor jurídico do registo automóvel. Assim, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 1.º do DL 54/75, de 12 de Fevereiro, que instituiu o Registo da Propriedade Automóvel, “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respetivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. Acrescenta ainda o artigo 7.º do Código do Registo Predial que “o registo definitivo constituiu presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. O registo de propriedade automóvel não tem, portanto, natureza constitutiva, mas meramente declarativa, permitindo apenas a inscrição no registo presumir a existência do direito e a sua titularidade. Logo, a presunção resultante do registo pode ser ilidida mediante prova em contrário. E isto é assim justamente porque, nos termos do disposto no artigo 408.º do Código Civil, salvas as exceções previstas na lei, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, não ficando a sua validade dependente da inscrição no registo[6]. Em suma, o registo automóvel, na economia do CIUC, representa mera presunção ilidível dos sujeitos passivos do imposto. No caso de um contrato de compra e venda de um veículo automóvel, não prevendo a lei qualquer exceção para o mesmo, o contrato tem eficácia real, passando o adquirente a ser o seu proprietário, independentemente do registo; do mesmo modo, o titular inscrito no registo deixará de ser o proprietário, pese embora ainda possa constar, por algum tempo ou mesmo muito, do registo como tal.

 

De notar ainda que as transmissões efetuadas são oponíveis à Requerida, apesar do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Código do Registo Predial, que dispõe: “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros quando registados.” A noção de terceiros para efeitos de registo está consagrada no n.º 4 do mesmo artigo 5.º: terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si, o que, manifestamente não é o caso da AT. Assim, a AT não é terceiro para efeitos de registo.

 

Em consequência do que antecede, o proprietário registado de um automóvel pode fazer prova, para efeitos de tributação em sede de IUC, de que já não é o proprietário efetivo do veículo em causa, nomeadamente por ter procedido à respetiva venda. E a prova da existência de um contrato de compra e venda pode ser efetuada por qualquer meio, sendo a fatura um documento contabilístico idóneo para este efeito, como para muitos outros, nomeadamente fiscais. As faturas titulam vendas, transações ou prestações de serviços que se presumem verdadeiras por força da presunção de veracidade instituída no artigo 75.º da LGT. Neste sentido, não se aceita que se questione a sua força probatória apenas para o fim da prova da transmissão da propriedade do veículo, sob pena de cairmos no absurdo jurídico de, a partir do mesmo documento, se reconhecer que a transação existiu para efeitos de incidência de imposto sobre o rendimento, mas não existiu para efeitos de IUC. Mas, tratando-se de uma presunção, nada impede a demonstração da sua falsidade ou inadequação face aos requisitos legais estabelecidos no artigo 36.º do CIVA. Trata-se, também neste caso, de uma presunção ilidível, sendo que o ónus da prova cabe à AT.

 

Alega a Requerente que, à data em que ocorreram os factos tributários, já havia transmitido a propriedade das viaturas para terceiros adquirentes. Para prova disso junta as segundas vias de faturas, nas quais se mencionam, entre outros elementos, a matrícula da viatura, o número de cliente, a identificação do destinatário, o valor, uma descrição variável – por exemplo, “RESCISÃO”, VENDA NÃO LOCADO”, “PERDA TOTAL SEGURADORA”, “VALOR RESIDUAL” -, assim como a menção “Válido após boa cobrança.”

 

As faturas apresentadas pela Requerente beneficiam, como se disse, da presunção de veracidade contida no artigo 75.º da LGT, desde que cumpram os requisitos legais e demonstrem a correspondência à realidade de facto que a Requerente pretende demonstrar nos autos: a transmissão da propriedade das viaturas. 

 

Porém, a AT questiona a “própria validade de todas as alegadas 2.ºas vias das faturas de alienação dos veículos, e por várias ordens de razão. Na verdade, relativamente a todas as faturas identificadas como 2.ª vias, é absolutamente relevante o já decidido na decisão arbitral de 30.07.2015, proferida no Processo n.º 79/2015-T CAAD, do mesmo Requerente, no que se refere à menção, constante de todas as faturas, da menção “válido após boa cobrança” (…). Ou seja, e de uma forma liminar e sintética: se as todas faturas apenas são válidas após a demonstração da sua boa cobrança, e se esta prova não foi feita, então todas as faturas são inválidas para o efeito pretendido.” (…) As faturas juntas pelo Requerente apresentam no seu descritivo menções distintas. Assim, em algumas faturas juntas pode-se ler no campo da descrição a menção “VENDA NÃO LOCADO”, “PERCA TOTAL SEGURADORA”, “VALOR RESIDUAL”, “RESCISÃO”, e “VENDA DE BEM EM CRÉDITO”. Ou seja, perante um suposto único tipo contratual (i.e., contrato de compra e venda de veículo automóvel) seria expectável constatar a existência de um descritivo uniforme, o que não se verifica no caso vertente, dado que diversas faturas juntas ao pedido de pronúncia arbitral incluem descritivos diferentes, pelo que forçosamente é-se levado a concluir pela existência de várias realidades distintas.”[7]

 

Efetivamente, os documentos juntos pela Requerente para prova da transmissão de propriedade levantam algumas dúvidas quanto à efetiva ocorrência da transmissão que pretendem titular. Em primeiro lugar, os descritivos não permitem concluir, sem mais, pela existência de compras e vendas subjacentes, dada a diversidade de situações descritas. Em segundo lugar, a indicação de “válido após boa cobrança” retira à fatura a capacidade para, por si só, demonstrar a efetiva conclusão da venda. Claro que o cenário poderia ser diferente se a Requerente juntasse aos autos as cópias das declarações de venda relativas a cada um dos veículos em questão, as quais certamente foram emitidas e entregues aos respetivos compradores para a conclusão do negócio e posterior alteração do registo de propriedade. Contudo, não o fez. E, assim, não pode este tribunal considerar provadas as transmissões de veículos que a Requerente pretendeu provar através da junção das faturas, mas apenas a emissão destas. Portanto, quanto ao primeiro conjunto de situações constantes da tabela anexa ao pedido de pronúncia arbitral, este tribunal não considera provada a transmissão de propriedade que poderia levar à exclusão de incidência subjetiva por insuficiência da prova documental apresentada.

 

Acresce, relativamente às viaturas de matrícula …, … e … que, face às datas das respetivas matrículas, o facto gerador do IUC em causa sempre teria ocorrido antes da suposta venda pela Requerente, pelo que sempre seria da sua responsabilidade.

 

2)      Quanto ao segundo conjunto de situações:

 

Quanto a segundo grupo de liquidações impugnadas, invoca a Requerente a existência de contratos de leasing em vigor nas datas em que ocorreram os factos geradores do CIUC. A questão que se coloca é, portanto, a seguinte: se, na data da ocorrência do facto gerador do IUC, vigorar um contrato de locação financeira que tem por objeto o automóvel sobre o qual incide a tributação, para efeitos do disposto no artigo 3.º, nºs. 1 e 2 do CIUC, o sujeito passivo do IUC é o locatário ou a entidade locadora, proprietária do veículo, em nome da qual o registo do direito de propriedade se encontra feito?

 

Para estes casos, o legislador instituiu uma regra explícita, no n.º 2 do artigo 3.º do CIUC, segundo a qual, na vigência do contrato de locação, são os locatários os sujeitos passivos de imposto. Esta regra está, aliás, em consonância com o regime legal da locação financeira, estabelecido no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, do qual resulta que, na vigência de um contrato de locação financeira, embora o locador continue proprietário do bem em causa, só o locatário tem o gozo exclusivo do bem locado, usando-o como se fosse ele o verdadeiro proprietário.

 

Com efeito, não dispondo o locador, por imposição legal e contratual, do potencial de utilização do veículo e tendo o locatário o gozo exclusivo do automóvel, é coerente que seja o locatário o responsável pelo pagamento do imposto, uma vez que é ele que tem o potencial de utilização do veículo e que provoca os custos viários e ambientais a ele inerentes.

 

Contudo, é necessário atender ao disposto no artigo 19.º do CIUC, que prescreve o seguinte:

“Para efeitos do disposto no artigo 3.º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respetiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.”

 

Nos termos do disposto neste artigo, as entidades que procedam, designadamente, à locação financeira de veículos, ficam obrigadas a fornecer à AT a identidade fiscal dos utilizadores dos veículos locados para efeitos do disposto no artigo 3.º do CIUC. Assim, para que a locadora ou financeira não seja considerada sujeito passivo do IUC, com referência às viaturas tituladas nos respetivos contratos, o CIUC obriga à comunicação prevista no artigo 19.º. Na verdade, o ónus de saber se existe ou não contrato de leasing em vigor à data dos factos tributários, qual o seu início e qual o seu termo, cabe à Requerente e não à ATA. Se esta não receber a informação em tempo útil sobre a existência e condições do contrato, apenas pode orientar-se pelas informações de que dispõe, consultadas as bases registrais e/ou do IMTT. No presente caso, a Requerente não procedeu à comunicação prevista no artigo 19.º do CIUC – portanto, a AT não tinha outra alternativa senão a de emitir as liquidações de imposto em seu nome.

 

Contudo, a Requerente apresentou, no âmbito do presente processo, os contratos de leasing celebrados com referência a vários dos veículos objeto das liquidações impugnadas. Através desses contratos é possível (i) constatar que, efetivamente, foram celebrados contratos de locação financeira relativamente aos veículos em questão pelos períodos de tempo constantes dos contratos e (ii) saber quais os locatários respetivos, que serão os sujeitos passivos do CIUC. Nestes casos, existindo contratos de locação financeira vigentes nas datas em que ocorreram os factos geradores, serão os respetivos locatários, e não a locadora, os responsáveis pelo pagamento do imposto.

 

Perguntar-se-á ainda: e quanto à comunicação prevista no artigo 19.º do CIUC? O seu incumprimento contende com a conclusão constante do parágrafo anterior quanto ao responsável pelo pagamento do imposto? A resposta é, em nosso entender, negativa. Efetivamente, a consequência que decorre do incumprimento dessa obrigação acessória é aquela a que assistimos: a AT emite as notas de liquidação em nome do proprietário do veículo, por desconhecer que foi celebrado o contrato de locação financeira. Contudo, isso não impede esse mesmo proprietário / locador de fazer prova da celebração do contrato e do prazo pelo qual o mesmo foi celebrado e, assim, obstar ao pagamento do imposto. E o certo é que, no presente processo, a Requerente juntou prova documental que comprova a existência de contratos de locação financeira que estavam em vigor na data em que ocorreram os factos tributários relativos às viaturas em causa.

 

A este propósito, a AT vem dizer que, em função do incumprimento do artigo 19.º do CIUC, “não foi a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente” e que, “consequentemente, deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral”. Entende este tribunal que não lhe assiste razão. Por um lado, o presente pedido de pronúncia arbitral não diz respeito apenas às liquidações em que estava em causa a celebração de contratos de locação financeira cujo prazo compreende as datas em que ocorreram os factos geradores do imposto liquidado. Portanto, ainda que a AT tivesse razão, essa razão seria sempre parcial, não podendo aplicar-se a todos os casos a que se refere o pedido de pronúncia arbitral. Em segundo lugar, a lógica da AT não leva em linha de conta que houve um processo administrativo prévio ao presente processo arbitral no âmbito do qual a AT poderia ter anulado as liquidações em questão. Importa ainda não esquecer que a falta da Requerente é passível de responsabilidade contra-ordenacional à luz do artigo 117.º, conjugado com o artigo 26.º n.º 4, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias, punível com coima de € 300,00 a € 7.500,00 por cada um dos contratos de locação financeira. Essa é a forma encontrada pelo legislador para penalizar quem incumpre com o dever informativo para com a AT.

 

Portanto, quanto ao IUC referente às viaturas de matrícula …, … e …, considera este Tribunal provada a existência e vigência de um contrato de locação financeira à data em que ocorreu o facto gerador do imposto, pelo que a responsabilidade pelo pagamento do mesmo é do locatário e não do locador. Estão em causa um total de € 32,33 a título de impostos e juros no caso do primeiro veículo; de € 143,19 no segundo caso, e de € 252,51 no terceiro caso.

 

3)      Quanto ao terceiro conjunto de situações suscitado pela Requerente, engloba os casos de duas viaturas que terão sido adquiridas ao importador antes da data em que ocorreu o respetivo facto gerador.

 

Verifica-se, efetivamente, que, quanto ao veículo de matrícula …, a informação constante da Conservatória de Registo Automóvel atesta que a Requerente se tornou proprietária da mesma em 31.12.2014, tendo o facto gerador ocorrido a 05.11.2014, ou seja, antes da aquisição pela Requerente. Quanto ao veículo de matrícula …, a informação constante da Conservatória de Registo Automóvel atesta que a Requerente se tornou sua proprietária em 14.01.2015, sendo que a liquidação é de 2014, pelo que o respetivo facto gerador ocorreu também antes de a Requerente se tornar proprietária do mesmo.

 

Significa isto, portanto, que a Requerente tem razão quanto a não ser sujeito passivo do IUC em causa e que, portanto os totais de € 670,37 no caso do veículo de matrícula … e de 620,53 no caso do veículo de matrícula … não são devidos.

 

4)      Quanto ao último conjunto de situações, a Requerente invoca que as viaturas se encontravam cedidas em locação financeira a clientes da Requerente, mas que, previamente à data de vencimento do IUC, e na sequência do incumprimento das obrigações contratuais por parte dos seus clientes, a Requerente se viu obrigada a pôr termo aos contratos de locação financeira em causa, as quais foram resolvidas antecipadamente sem que, contudo, os clientes tivessem procedido à restituição dos bens conforme estavam obrigados. Consequentemente, a Requerente recorreu ao mecanismo previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, o qual pressupõe o cancelamento prévio do registo da locação financeira.

 

A Requerente entende, porém, que apesar de ter sido dada publicidade ao cancelamento do registo da locação financeira, tal não torna a Requerente o sujeito passivo do imposto porquanto, na prática, continuou sem poder usufruir das viaturas em questão após o cancelamento do registo da locação financeira.

 

Quanto a este ponto, não assiste razão à Requerente. De facto, ao proceder ao registo do cancelamento da locação financeira, a Requerente cancela também o motivo pelo qual o IUC não era da sua responsabilidade, voltando, portanto, a ser sujeito passivo do imposto. O facto de não ter o veículo consigo é imputável ao respetivo cliente/ex-locatário, sendo dele que a Requerente poderá exigir, nomeadamente, os encargos que liquidou por conta de um veículo do qual não pôde usufruir no período a que os mesmos respeitam. As vicissitudes dessa relação não são, no entanto, imputáveis à AT.

 

Por outro lado, constatou-se que, em todos esses casos, os contratos de locação financeira já teriam, de acordo com os respetivos prazos de vigência, terminado na data da ocorrência do facto gerador, pelo que o imposto já seria novamente da responsabilidade da Requerente. Convidada a pronunciar-se sobre estas situações, a Requerente enviou uma tabela com a informação sobre o que aconteceu às viaturas em causa depois de o contrato entrar em dívida, não tendo, no entanto, logrado provar qualquer facto do qual decorra a sua não sujeição a IUC por referência a essas mesmas viaturas. Aliás, em grande parte das situações, acaba mesmo por reconhecer ser a proprietária das mesmas.

 

Assim, quanto a estas situações, não assiste razão à Requerente.

 

VII. DECISÃO

Em conformidade com que fica exposto supra, decide-se:

(i)                 Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às seguintes situações, que totalizam o montante de € 1718,93:

- viatura de matrícula …, imposto no valor de € 660,45, juros no montante de € 9,92, total de € 670,37;

- viatura de matrícula …, imposto no valor de € 612,67, juros no montante de € 7,86, total de € 620,53;

- viatura de matrícula …, imposto no valor de € 32,00, juros no montante de € 0,33, total de € 32,33;

- viatura de matrícula …, imposto no valor de 141,47, juros no montante de € 1,71, total de € 143,19;

- viatura de matrícula …, imposto no valor de  € 249,48, juros no montante de € 3,03, total de € 252,51.

 

Valor: em conformidade com o disposto nos artigos artigo 97.º - A, n.º 1, alínea a), do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 11.975,69.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00, a pagar pela Requerente e pela Requerida na proporção, respetivamente, de 85,65% e de 14,35%, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 05 de julho de 2016

A Árbitro,

Raquel Franco

 



[1] Cfr. F. Rodrigues Pardal, “O uso de presunções no direito tributário”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 325-327, página 20 e ss..

[2] Cfr. o artigo 3.º do Regulamento do Imposto sobre Veículos, anexo ao indicado DL 599/72, de 30 de Dezembro.

[3] Cfr. Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª ed., 2012, Encontro da Escrita Editora, p. 651.

[4] Cfr. Jorge Lopes de Sousa (2011), Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado. Volume I. 6.ª Edição. Áreas Editora: Lisboa, pp. 589 e ss..

[5] Cfr. Ob. Cit., pp. 590 e ss..

[6] Cf. entre outros, os seguintes Acórdãos do STJ: de 31.05.1966, Proc. N.º 060727 (Relator: Conselheiro Lopes Cardoso); de 05.05.2005 (Relator: Conselheiro Araújo Barros) e de 14.11.2013, in Proc. N.º 74/07.3TCGMR.G1.S1 (Relator: Conselheiro Serra Baptista).

[7] Cfr. a Resposta da Requerida, arts. 128.º e ss.