Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 33/2016-T
Data da decisão: 2016-06-09  IMI  
Valor do pedido: € 10.087,74
Tema: IMI – Isenção; artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do EBF; Imóvel de Interesse Público
Versão em PDF


 

 

Decisão Arbitral

 

 

RELATÓRIO

 

A -PARTES

 

A…, com domicílio na …, …, …-… … portador do número de identificação fiscal …, Cabeça de casal de Herança de B…, com número de identificação fiscal …, doravante designada de Requerente ou sujeito passivo.

AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (que sucedeu à Direcção-Geral dos Impostos, por meio do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro) doravante designada por Requerida ou AT.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD, e o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, no dia 07-04-2016, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, e automaticamente notificado a Autoridade Tributária e Aduaneira no dia 07-04-2016, conforme consta da respetiva ata.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou o Árbitro Paulo Ferreira Alves, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

Em 21-03-2016 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular fica regularmente constituído em 07-04-2016.

Ambas as partes concordam com a realização da dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (art.ºs 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

B – PEDIDO  

 

1.             O ora Requerente, pretende a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis, nº 2010 … de 2010 e nº 2011 ... de 2011, que fixou um imposto global a pagar de € 10.087,74 (dez mil e oitenta e sete euros e setenta e quatro cêntimos).

 

C – CAUSA DE PEDIR

 

2.             A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis, já descritos no ponto 1 deste Acórdão, síntese, o seguinte:

3.             Alega a Requerente liquidações são ilegais porque os imóveis beneficiam de uma isenção em sede de IMI, prevista na alínea n) do n.° 1 do artigo 44.° do Estatuto de Benefícios Fiscais (EBF).

4.             Sustenta a Requerida que os referidos prédios urbanos visados por estas liquidações tributárias pertencem à aludida herança e situam-se numa freguesia abrangida pela denominada "Zona Histórica do …", designadamente na Freguesia da ….

5.             Mais refere que a "Zona Histórica do …", é formada por uma parte da circunscrição territorial referente às antigas Freguesias de …, …, …, …, … e …, foi individualmente classificada, com a publicação do Decreto n.° …/97, de … de … de 1997, como imóvel de interesse público e não como um conjunto de imóveis de interesse público.

6.             Do ponto de vista do reconhecimento público, os imóveis integrados naquela zona, são verdadeiras partes do imóvel mais amplo que é a mesma e são dela indissociáveis.

7.             Alega a Requerente que a "Zona Histórica do …" é um imóvel individualmente classificado como de interesse público nos termos daquele Decreto-Lei n.° 67/97, que o colocou a par de outros imóveis individualmente classificados no mesmo diploma como sendo de interesse público

8.             E, na classificação da "Zona Histórica do …" constante do sítio eletrónico da Direção-Geral do Património Cultural, a mencionada classificação não é atribuída a um conjunto de imóveis, mas antes a um imóvel de interesse público.

9.             Defende a Requerente que a aplicação da referida isenção, não decorre exclusivamente da classificação individual da "Zona Histórica do …" como imóvel de interesse público, na medida em que, factual, e aliás do conhecimento comum, que uma parte desta "Zona Histórica do …" está classificada pela UNESCO como património mundial.

10.         Mais sustenta a Requerida que resulta da Lei n.° 107/2001, de 8 de Setembro que a parte da "Zona Histórica do …" classificada como património mundial, por estar incluída na "Lista do Património Mundial", integra, para todos os efeitos e na respetiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional.

11.         E, seguindo este raciocínio linear e os restantes preceitos que integram a referida Lei de Bases, verificamos que, pelo disposto no n.° 3 do mesmo artigo 15.°, também os bens imóveis classificados coma de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adotar-se-á a designação "monumento nacional".

12.         E uma vez que os imóveis visados pelas liquidações de IMI em crise, se encontram na zona classificada como património mundial, pois situam-se na freguesia da …, são eles próprios parte integrante de um monumento nacional.

13.         Salienta a Requerente que o legislador, ao referir-se à classificação de "monumento nacional", para efeitos da atribuição da isenção de IMI na alínea n) do n.° 1 do artigo 44.° do EBF), optou por não a fazer preceder do advérbio "individualmente".

14.         Mais defende a Requerente, que a própria titular pública das receitas do IMI — a Autarquia do … — reconhece essa isenção, como se retira da informação constante do documento "Delimitação da Área de Reabilitação Urbana do Centro Histórico do … em Instrumento Próprio" (Cfr. página 163), publicado pela Sociedade de Reabilitação Urbana do …, ao referir que a parte do Centro Histórico do … que está classificada como Património Mundial beneficia da isenção de IMI também atribuída aos imóveis individualmente classificados como de interesse público.

15.         Sustenta a Requerente o erro nos pressupostos de direito de que enfermam os atos contestados que foram cometidos pela AT erros flagrantes nos pressupostos de direito dos catos tributários impugnados.

16.         Termina a Requerente alegando que em face do enquadramento factual exposto e sem se olvidar o espírito do legislador que subjaz ao mencionado preceito legal, a que acresce a jurisprudência dos Tribunais Arbitrais que já se pronunciaram sobre esta matéria, resulta, sem margem para dúvidas, que os respetivos pressupostos de direito dos atos tributários contestados enfermem de erros.

 

D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

17.         A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

18.         O objeto do presente pedido centra-se no facto dos prédios cumprirem ou não, os requisitos da alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, e diplomas legais que pretendem fazer prova do cumprimento desses requisitos.

19.         Alega a Requerida que alteração legislativa introduzida na alínea n) do n.º 1 do Art.º 44.º do EBF, resultou uma mudança no regime de isenções que os prédios classificados vinham usufruindo.

20.         E com a alteração efetuada pela Lei n.º 53-A/06, de 29 de Dezembro-OE para o ano de 2007, e em vigor a partir de 01.01.2007, foi alterada a redação da alínea n) do n.º 1 do anterior artigo 40º, atual artigo 44º do EBF, passando a ser exigida como condição de reconhecimento da referida isenção a classificação individual como imóveis de interesse público ou de interesse municipal.

21.         Ou seja, a partir daquela data, só seria mantida ou reconhecida a referida isenção se cada imóvel de per si estivesse individualmente classificado como imóvel de interesse público ou de interesse municipal e existisse uma certidão comprovativa dessa classificação individual passada pelo IGESPAR.

22.         Começando pela classificação do “Centro Histórico do …” como “monumento nacional”, classificação dada pela UNESCO e que estaria supostamente fora do requisito da classificação ter de ser individualizada.

23.         Tendo ocorrido a classificação de um conjunto de prédios, importa aferir se, na sequência de tal facto poderiam estar automaticamente classificados cada um dos prédios abrangidos no conjunto, beneficiando, por isso, da isenção de IMI supra referida.

24.         Mais defende a Requerida que face à legislação do património vigente - Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro- Lei do Património Cultural- LPC- e Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro que estabelece o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, que o "Centro Histórico do …" integra, por via da sua inclusão na lista de património mundial, a lista de bens classificados como de interesse nacional, mas na sua respetiva categoria, que é a de conjunto.

25.         A realidade incluída na lista de património mundial, e que por esse motivo integra a lista dos bens classificados como de interesse nacional, designados por “monumento nacional” foi o conjunto, tal como esta categoria é definida pelo direito internacional, formado pelo "Centro Histórico do …", e não um edifício específico e individualizado.

26.         Alega a Requerida que partindo de tal pressuposto, e na sequência da inclusão do "Centro Histórico do …", na lista do património mundial, foi o conjunto formado pela "Zona Histórica do …", com uma delimitação mais ampla que a do "Centro Histórico do …", classificado como imóvel de interesse público, por via do Decreto 67/97, (alínea b) do artigo 1.º e Anexos II e IV) e também nesta se de não se optou por identificar qualquer edifício integrante do conjunto compossuidor de interesse público individualizado.

27.         Defende a Requerida que uma vez analisada a legislação aplicável, concluímos que tal não resulta quer da legislação do património (LPC e Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23.10), quer da legislação fiscal (Código do IMI e EBF). Antes pelo contrário, estipula expressamente o n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, que: “Na área abrangida pela delimitação de um conjunto ou de um sítio podem coexistir bens imóveis individualmente classificados.”

28.         Sustenta a Requerida que por interpretação “a contrario”, concluir-se-á que, na área abrangida pela delimitação de um conjunto poderão coexistir prédios que não estão classificados individualmente.

29.         No que diz respeito à classificação do prédio como de interesse público, a alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, confere isenção aos prédios classificados como monumentos nacionais, bem como aqueles que sejam individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal.

30.         Defende a Requerida para o caso concreto, a declaração do IGESPAR é essencial neste procedimento de isenção. Portanto, tudo começa e acaba nessa certidão.

31.         Ora o Requerente não juntou qualquer certidão do IGESPAR, como é legalmente exigível.

32.         O imóvel faz parte integrante do conjunto denominado “Zona Histórica do …”, classificada como Imóvel de Interesse Público (I.I.P.), mas não é o imóvel/ prédio da Requerente que está individualmente classificado.

33.         Mais alega a Requerida, que por integrar o conjunto do "Centro Histórico do …", classificado como monumento nacional por força da sua inclusão na lista do património mundial, ou mesmo o conjunto da "Zona histórica do …", que foi classificado como de interesse público, o prédio do Requerente não merece, de per si, a classificação individualizada de monumento nacional ou de imóvel de interesse público. E, nessa medida, não cumpre o requisito conducente ao benefício da isenção prevista na alínea n.º do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.

34.         Termina a Requerida alegando que o legislador fiscal, no Código do IMI parece corroborar pois, nos termos do disposto no n.º 12 do artigo 112.º, os municípios, mediante deliberação da assembleia municipal, poderão fixar uma redução até 50% da taxa que vigorar no ano a que respeita o imposto a aplicar aos classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação em vigor, desde que estes prédios não se encontrem abrangidos pela alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.

 

E-          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

35.         Antes de entrar na apreciação destas questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, efetuou-se com base na prova documental, e tendo em conta os factos alegados.

36.         Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

37.         A Requerente foi notificada dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis:

a)     nº 2010 …, emitido em 30-11-2013, referente ao ano 2010, que definiu um imposto a liquidar no valor de 5.043,87€, para pagamento em Janeiro de 2014.

b)     nº 2011 … de 2011, emitido em 30-11-2013, referente ao ano 2010, que definiu um imposto a liquidar no valor de 5.043,87€, para pagamento em Janeiro de 2014.

38.         A Requerente é proprietária do imóvel sitio na rua, prédio inscrito na freguesia extinta da … sob o art.º … - A,B,C,D,E,F,G,H,I,J, atual art.º … - A,B,C,D,E,F,G,H,I,J, da União de freguesias de …, …, …, …, …, … e ….

39.         A "Zona Histórica do …", é formada por uma parte da circunscrição territorial referente às antigas Freguesias de …, …, …, …, … e ….

40.         A "Zona Histórica do …", que foi inscrita na Lista do Património Mundial da UNESCO, conforme declarado pelo Aviso nº …/2010, publicado no Diário da República, II Série de … de … de 2010, emitido ao abrigo do nº 3 do art. 72º do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de Outubro.

41.         O prédios urbanos visados por estas liquidações tributárias situam-se numa freguesia abrangida pela denominada "Zona Histórica do …", designadamente na Freguesia da ….

42.         A Requerente apresentou reclamação graciosa de ambos os atos nos termos do artigo 68.º do CPPT, à qual foi atribuído o número …2014….

43.         A Requerente for notificada do indeferimento expresso da reclamação graciosa pelo oficio n.º …/…-… de 11-11-2014.

44.         A Requerente apresentou recurso hierárquico nos termos do artigo 66.º do CPPT, à qual foi atribuído o número …2014….

45.         A Requerente for notificada do indeferimento expresso da reclamação graciosa pelos ofícios n.º …/…-… de 22.10.2015, e n.º …/…-… de 26.11.2015.

 

          F-          FACTOS NÃO PROVADOS

 

46.         Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos os objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

 

          G-          QUESTÕES DECIDENDAS

 

47.         Atenta as posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimendas a seguinte, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:

a.       A alegada pela Requerente:

(i)     Declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis, nº 2010 … de 2010 e nº 2011 … de 2011, que fixou um imposto global a pagar de € 10.087,74 (dez mil e oitenta e sete euros e setenta e quatro cêntimos). mil e oitenta e sete euros e setenta e quatro cêntimos).

(ii)   Pagamento de juros indemnizatórios.

b.      Quanto a validade da cumulação de pedidos.

 

H                    Cumulação de Pedidos

 

48.         O presente pedido de pronúncia arbitral, peticiona a anulação da declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis, nº 2010 … de 2010 e nº 2011 … de 2011.

49.         De acordo com a factualidade já descrita, ambos os atos tributários incidem sobre os mesmos imóveis e o mesmo edifício, assentando nos mesmos fundamentos de direito.

50.         A averiguação da legalidade liquidações, ora impugnadas, resulta da interpretação e aplicação das mesmas regras e princípios de Direito e da análise dos mesmos fundamentos de facto.

51.         Nos termos da moldura legal prevista nos artigos 3.° do RJAT e 104.° do Código do Procedimento e do Processo Tributário, o presente processo arbitral a cumulação de pedidos relativos a diferentes atos é valida e legalmente permitida.

 

I             MATÉRIA DE DIREITO

 

52.         Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente tribunal arbitral consiste em apreciar a legalidade dos atos de liquidação de imposto Municipal sobre Imóveis.

53.         A questão sub judice consiste em determinar se o imóvel em apreço reúne os requisitos legalmente previstos para beneficiar da isenção prevista na alínea n) do n.° 1 do artigo 44.° do EBF.

54.         A moldura legal em vigor aplicável a atribuição da isenção em sede de IMI aqui em apreço, obriga a apreciação de um vasto conjunto de diplomas legais, a seguir enumerados.

55.         Estabelece o artigo 44.° n.° 1 alínea n) EBF o seguinte " 1 - Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: n) Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável.",.

56.         Esta disposição remete, nomeadamente, para a Lei n.° 107/2001, de 8 de Setembro, Lei de Bases para a Proteção e Valorização do Património Cultural, que consagra as bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural.

57.         O presente diploma canoniza os requisitos necessários para a classificação de bens imóveis, com interesse nacional, interesse público ou interesse municipal e especificamente nas categorias de Monumento, Conjunto e Sítio.

58.         Diz-nos o seu artigo 15.º, as categorias de bens, consagrando:

" 1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no título VII.

2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.

3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adotar-se-á a designação «monumento nacional» e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação «tesouro nacional».

4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.

5 - Um bem considera-se de interesse público quando a respectiva protecção e valorização represente ainda um valor cultural de importância nacional, mas para o qual o regime de protecção inerente à classificação como de interesse nacional se mostre desproporcionado.

6 - Consideram-se de interesse municipal os bens cuja protecção e valorização, no todo ou em parte, representem um valor cultural de significado predominante para um determinado município.

7 - Os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional.

8 - A existência das categorias e designações referidas neste artigo não prejudica a eventual relevância de outras, designadamente quando previstas no direito internacional."(negrito nosso).

59.         Adicionalmente, o Decreto n.º 45/93, no seu artigo 1º, estabeleceu a classificação dos imoveis como:

"São classificados os seguintes imóveis:

a) Como monumentos nacionais, os constantes do anexo I ao presente diploma, do qual faz parte integrante;

b) Como imóveis de interesse público, os constantes do anexo II ao presente diploma, do qual faz parte integrante;

c) Como valores concelhios, os constantes da anexo III ao presente diploma, do qual faz parte integrante."

60.         Esta formulação vem a ser reiterada no art. 2º do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de Outubro, " 1 - Um bem imóvel é classificado nas categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional."

61.         Mais refere o Decreto-Lei 309/2009, de 23 de Outubro, no seu art. 3º, nº 1 que "um bem imóvel pode ser qualificado como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal", e acrescentando o nº 3 que "a designação «monumento nacional» é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos conjuntos ou sítios".

62.         Os referidos diplomas, remetem para o âmbito do Direito Internacional, e nessa esfera, relevamos a Convenção para a Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural, aprovada pelo Decreto n.º 49/79, de 6 de Junho, qual apresenta as seguintes definições de património cultural e natural

63.         Consagra no seu artigo 1.º

" Para fins da presente Convenção serão considerados como património cultural: Os monumentos. – Obras arquitectónicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos de estruturas de carácter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos com valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

Os conjuntos. – Grupos de construções isoladas ou reunidos que, em virtude da sua arquitectura, unidade ou integração na paisagem têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

Os locais de interesse. – Obras do homem, ou obras conjugadas do homem e da natureza, e as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.".

64.         E a Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitetónico da Europa, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 5/91, a qual relevamos a definição do património arquitetónico, consagrada no seu artigo 1.º: "Para os fins da presente Convenção, a expressão «património arquitectónico» é considerada como integrando os seguintes bens imóveis:

1) Os monumentos: todas as construções particularmente notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico, incluindo as instalações ou os elementos decorativos que fazem parte integrante de tais construções;

2) Os conjuntos arquitectónicos: agrupamentos homogéneos de construções urbanas ou rurais, notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico, e suficientemente coerentes para serem objecto de uma delimitação topográfica;

3) Os sítios: obras combinadas do homem e da natureza, parcialmente construídas e constituindo espaços suficientemente característicos e homogéneos para serem objecto de uma delimitação topográfica, notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico.".

65.         A análise da legislação transcrita e relevante para o presente caso, resulta da alínea n) do n.° 1 do artigo 44.° do EBF, o legislador procedeu consagração duas situações distintas.

66.         Em primeiro lugar, estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais. Em segundo lugar, estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal.

67.         Trata-se de uma distinção entre monumentos nacionais e prédios individualmente que resulta claramente da letra da lei.

68.         A "Zona Histórica do …", que foi inscrita na Lista do Património Mundial da UNESCO, conforme declarado pelo Aviso nº …/2010, publicado no Diário da República, II Série de … de … de 2010, emitido ao abrigo do nº 3 do art. 72º do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de Outubro, é atribuída a classificação de interesse nacional e consequente designação de "monumento nacional".

69.         A consagração na Lista do Património Mundial da UNESCO, significou naturalmente a classificação "Zona Histórica do …" imóveis de interesse público, que constava originariamente do Decreto 67/97.

70.         Conforme consta do artigo 15º da Lei 107/2001 e do art. 3º do Decreto-Lei 309/2009, os imóveis em questão são hoje de interesse nacional, por pertencerem a Lista do Património Mundial da UNESCO, sendo consequentemente classificados como monumentos nacionais.

71.         Tratando-se a "Zona Histórica do …", de conjunto ou sítio, consequentemente os imóveis que compõem o conjunto ou sítio são abrangidos por essa classificação.

72.         Consequentemente, a "Zona Histórica do …", tal como a própria denominação refere, é uma "Zona", zona esta limitada e é lhe aplicada regras diferentes aos imóveis aí localizados.

73.         Portanto, todos os imóveis localizados na "Zona Histórica do …" é lhes automaticamente atribuída a classificação de interesse nacional e consequente designação de "monumento nacional".

74.         No caso concreto do "Zona Histórica do …." é relevante o facto do património protegido ser visto como um todo, enquanto conjunto.

75.         Analisando a legislação transcrita, não pode deixar de se considerar que o imóvel do autor faz parte de um conjunto.

76.         Neste mesmo sentido já se pronunciaram os processos n.º 325/2014 T e Processo n.º 76/2015-T do CAAD.

77.         Diz-nos o processo n.º 325/2014:

"8. Hoje, em face da Lei 107/2001, os prédios em questão são de de interesse nacional, e não de interesse meramente público ou municipal, sendo consequentemente classificados como monumentos nacionais.

9. Efectivamente, e conforme consta do artigo 15º da Lei 107/2001 e do art. 3º do Decreto-Lei 309/2009, um bem classificado como de interesse nacional é designado como "monumento nacional", independentemente de se tratar de um único edifício, conjunto ou sítio, sendo claro que os imóveis que compõem o conjunto ou sítio são abrangidos por essa classificação.

10. O facto de poderem coexistir prédios individualmente classificados, em caso de delimitação de um conjunto ou de um sítio, nos termos do art. 56º do Decreto-Lei 309/2009 apenas tem relevo provisório para delimitar a zona de protecção desse imóvel até à publicação da classificação do conjunto ou do sítio (cfr. nº2).

 11. Por esse motivo se compreende que o artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais distinga entre "prédio classificado como monumento nacional" e "prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal", só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, não já à dos prédios de interesse nacional.

 12. É um facto que há autores como José Casalta Nabais ou Nuno Sá Gomes, que defenderam uma interpretação restritiva das isenções aos imóveis classificados no intuito de excluir dos benefícios atribuídos em sede de IMI ou IMT todas as situações em que não tenha ocorrido um procedimento ou acto de classificação individual como monumento nacional, imóvel de interesse público ou municipal[1].

 13. O intuito de seguir a posição expressa por estes ilustres autores determinou a alteração ao art. 6º g) do Código do IMT pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, levando a que a isenção tenha deixado de abranger "as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro" para passar apenas a contemplar apenas "as aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável".

14. Sucede, porém, que o legislador não alterou simultaneamente os benefícios fiscais em sede de IMI no mesmo sentido, apesar de ter procedido à modificação da redacção do próprio art. 44º do EBF, continuando a sua alínea n) a exigir a classificação individual para atribuição da isenção apenas no caso dos imóveis de interesse público ou municipal, mas não fazendo exigência semelhante para os monumentos nacionais.

15. Antes pelo contrário, a norma do n.º 5 do art. 44.º, na redacção que lhe foi atribuída pela Lei 3-B/2010, de 28 de Abril, dispõe expressamente que "a isenção a que se refere a alínea n) do nº. 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal (…)". Resulta, pois, em termos muitos claros que a intenção do legislador foi dispensar a classificação individualizada para efeitos de isenção de IMI aos monumentos nacionais, apenas a exigindo em relação a imóveis de interesse público ou de interesse municipal.

16. Ora, estando os prédios em questão integrados na Zona Histórica do ..., legalmente qualificada como monumento nacional, é manifesto que beneficiam da referida isenção, sendo assim ilegais as liquidações de IMI impugnadas, e devendo ser restituído o imposto que foi pago."

78.         No mesmo sentido o Processo n.º 76/2015-T:

"4.12 O facto de poderem coexistir prédios individualmente classificados, em caso de delimitação de um conjunto ou de um sítio, nos termos do art. 56º do Decreto-Lei 309/2009 apenas tem relevo provisório para delimitar a zona de protecção desse imóvel até à publicação da classificação do conjunto ou do sítio.

4.13. Por esse motivo se compreende que o artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais distinga entre "prédio classificado como monumento nacional" e "prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal", só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, não já à dos prédios de interesse nacional.

4.14. Entendemos que não colhe também o argumento de que alguns autores defendem uma interpretação restritiva das isenções aos imóveis classificados no intuito de excluir dos benefícios atribuídos em sede de IMI ou IMT todas as situações em que não tenha ocorrido um procedimento ou acto de classificação individual como monumento nacional, imóvel de interesse público ou municipal.

4.15. A verdade é que foi nesse sentido alterado o artigo 6º g) do Código do IMT pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, levando a que a isenção tenha deixado de abranger "as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro" para passar apenas a contemplar apenas "as aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável".

4.16. Sucede, porém, que o legislador não alterou no mesmo sentido os benefícios fiscais em sede de IMI, apesar de ter procedido à modificação da redacção do próprio art. 44º do EBF, continuando a sua alínea n) a exigir a classificação individual para atribuição da isenção apenas no caso dos imóveis de interesse público ou municipal, mas não fazendo tal exigência para os monumentos nacionais.

4.17. Antes pelo contrário, a norma do nº5 do artigo 44º, na redacção que lhe foi atribuída pela Lei 3-B/2010, de 28 de Abril, dispõe expressamente que "a isenção a que se refere a alínea n) do nº. 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal (…)". Entendemos assim ser claro que a intenção do legislador foi dispensar a classificação individualizada para efeitos de isenção de IMI aos monumentos nacionais, apenas a exigindo em relação a imóveis de interesse público ou de interesse municipal.

4.18. Ora, estando os prédios em questão integrados no Centro Histórico do ..., legalmente qualificado como monumento nacional, é manifesto que beneficiam da referida isenção, sendo assim ilegais as liquidações de IMI aqui impugnadas, e devendo ser restituído aos Requerentes o imposto que foi pago."

79.         Ora, estando os imoveis em questão integrados na "Zona Histórica do …", legalmente qualificada como monumento nacional, é manifesto que beneficiam da referida isenção, sendo assim ilegais as liquidações de IMI impugnadas, e devendo ser restituído o imposto que foi pago.

 

J - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

80.         Peticiona, ainda, a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.

81.         Perante o exposto, a liquidação do IMI, na parte abrangida pela anulação, que se decretará, resultam de erros de facto e de direito imputáveis exclusivamente à administração fiscal, na medida em que a Requerente cumpriu o seu dever de declaração e foram por aquela cometidos e não poderia a mesma desconhecer entendimentos diferentes.

82.         Na verdade, estando demonstrado que a Requerente pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido, por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem a Requerente direito aos juros indemnizatórios devidos, juros esses a serem contados desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT.

83.         Dá-se provimento ao pedido da Requerente.

 

            L – DECISÃO

 

Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide-se:

1.      Julgar procedentes o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributário de liquidação em sede de Imposto de Selo, nº 2010 … de 2010 e nº 2011 … de 2011, que fixou um imposto global a pagar de € 10.087,74 (dez mil e oitenta e sete euros e setenta e quatro cêntimos), por vício de violação de lei quanto a norma constante no artigo 44.º, n.º 1, n) alínea do Estatutos dos Benefícios Fiscais, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação.

2.      Condenar a Requerida, a restituir à Requerente essa quantia indevidamente liquidada e paga acrescida de juros.

Fixa-se o valor do processo em € 10.087,74 do valor da liquidação atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor das liquidações de imposto impugnadas, e em conformidade fixa-se as custas, no respetivo montante em 918,00€ (novecentos e dezoito euros), a cargo da Requerida de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

 

Notifique.

Lisboa, 09 de Junho de 2016

 

O Árbitro

 

Paulo Ferreira Alves