Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 35/2016-T
Data da decisão: 2016-06-15  Selo  
Valor do pedido: € 44.000,00
Tema: IS - verba 28; prédio urbano; terreno para construção
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            O árbitro Nuno Cunha Rodrigues, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 30.03.2016, decide nos termos que seguem:

 

            I. RELATÓRIO      

  1. A…, S.A., contribuinte n.º…, com sede social na Rua…, n.º…, … andar, sala…, no Porto, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária tendo em vista a declaração da ilegalidade do acto de liquidação de imposto do selo, no montante de 44.000€ (quarenta e quatro mil euros), relativo ao prédio urbano, da espécie "terreno para construção", inscrito na matriz predial respectiva da freguesia de … sob o artigo U-… .
  2. A liquidação referida foi efectuada com base no disposto no artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), conjugado com a Verba 28 da respectiva Tabela Geral e disposições transitórias consagradas no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, reportam-se ao ano de 2012.
  3. Como fundamento do pedido, a Requerente alega, em síntese, que o prédio em causa, não obstante ter um valor patrimonial superior a 1.000.000€ (um milhão de euros), é um “terreno para construção e a verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo refere-se a prédios com “afectação habitacional – 1%”.
  4. Por seu lado, a Requerida - Administração Tributária e Aduaneira (AT) - em resposta ao alegado, contestou a pretensão da Requerente, apresentando defesa por impugnação, pronunciando-se pela improcedência do pedido, ou seja, pela manutenção do questionado actos de liquidação.
  5. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 26 de janeiro de 2016, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida (AT) em 12 de fevereiro seguinte.
  6. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 30 de março de 2016.
  7. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  8. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 14 de abril de 2016.
  9. Regularmente constituído, o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
  10. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).
  11. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais que integram o presente processo, que se julga suficiente, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT bem como a produção de prova testemunhal.
  12. Não foram proferidas alegações orais por desnecessárias. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas quaisquer outras questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

II. Matéria de facto:

 

  1. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, destacam-se os seguintes elementos factuais, que se dão por inteiramente provados em face dos documentos que integram o presente processo:

1.1.     A Requerente é proprietária do prédio urbano, da espécie "terreno para construção", situado na Avenida … e …, n.º…, em Vila do Conde, inscrito na matriz predial respectiva da Freguesia de …, sob o artigo U-… .

1.2.     O referido prédio, classificado na matriz como "terreno para construção", tem a área total de 32.138 metros quadrados, e o valor patrimonial tributário, em 2012, de 8.800.000 €, tendo sido adquirido pela Requerente em 2009;

1.3.     Dos elementos juntos ao presente processo, designadamente da cópia da respetiva caderneta predial e certidão do registo predial, extrai-se, que, à data a que se reporta a liquidação impugnada, o terreno não tinha qualquer edifício ou construção erigida sobre o seu solo.

1.4.     Na determinação do valor patrimonial do terreno em causa foram considerados, entre outros elementos relevantes, um coeficiente de afectação correspondente à utilização habitacional do prédio a construir, em conformidade com o disposto no artigo 45.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).

1.5.     Atendendo ao valor patrimonial tributário definitivamente apurado e ao coeficiente de afectação considerado na avaliação do terreno, entendeu a Administração Tributária e Aduaneira (AT) estarem verificados os pressupostos de incidência do imposto do selo previsto na Verba 28 da respectiva Tabela, operando a correspondente liquidação relativa ao ano de 2012.

1.6.     Nestes termos, foi a Requerente oportunamente notificada da liquidação n.º 2012…, de 08-11-2012, efectuada com base no artigo 6.º, n.º 1, alínea f), subalínea i), da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, tendo sido apurada importância de 44.000€, cujo pagamento foi efectuado pela Requerente em 26 de novembro de 2012.

1.7.     Dessa liquidação de imposto de selo foi apresentada reclamação graciosa e, posteriormente, deduzido recurso hierárquico da decisão de indeferimento da mesma.

1.8.     O recurso hierárquico foi objecto de decisão de indeferimento.

1.9.     Não existem factos relevantes para a decisão de mérito que não se tenham provado.

 

III. Do mérito do pedido:

 

  1. Considerando a matéria fatual acima exposta, importa antes de mais, uma análise dos pressupostos da incidência do imposto do selo sobre prédios urbanos com afectação habitacional, com recurso às normas fiscais relevantes para a definição dos respectivos conceitos legais.
  1. Para tal, socorremo-nos de abundante, constante e uniforme jurisprudência dos tribunais arbitrais, nomeadamente, e inter alia, das decisões 14/2015-T, 28/2015-T, 54/2015-T, 57/2015-T, 61/2015-T, 78/2015-T, 80/2015-T, 84/2015-T, 86/2015-T, 87/2015-T, 94/2015-T, 111/2015-T, 117/2015-T, 125/2015-T, 130/2015-T, 134/2015-T, 135/2015-T, 143/2015-T, 154/2015-T, 155/2015-T, 156/2015-T, 172/2015-T, 184/2015-T, 185/2015-T, 186/2015-T, 224/2015-T, 229/2015-T, 232/2015-T, 235/2015-T, 266/2015-T, 288/2015-T, 290/2015-T, 367/2015-T e 652/2015-T, este último que acompanhamos de perto na presente decisão.
  2. Assinale-se ainda o seguinte conjunto de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, que seguimos no caso sub judice: procs. 1870/13, 1871/13, 46/14, 48/14, 55/14, 270/14, 197/14, 271/14, 274/14, 317/14, 467/14, 396/14, 425/14, 676/14, 707/14, 739/14, 740/14, 796/14 e 1338/15.

Vejamos:

  1. Em consequência da aprovação da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, foi aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo a Verba 28, a qual veio sujeitar, a este tributo, os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000.
  2. A base tributável é constituída pelo valor patrimonial tributário considerado para efeitos do IMI, sendo aquele tributo anualmente liquidado pela AT relativamente a cada prédio urbano (Código do Imposto de Selo (CIS), cfr. artigo 23.º, n.º 7), à taxa de:

- 1%, por prédio urbano com afectação habitacional;

- 7,5%, por prédio, quando os sujeitos passivos, não sendo pessoas singulares, sejam residentes em país, território ou região sujeitos a regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

  1. Relativamente aos anos de 2012 e de 2013, é aplicável o regime transitório previsto no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, com as seguintes especificidades;

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5%;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8%;

iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5%.

2 - Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba nº 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.

  1. No âmbito da relação jurídica tributária em causa, são sujeitos passivos, e titulares do interesse económico (devedores do imposto), os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos prédios em 31 de dezembro do ano a que o tributo respeita - relativamente a 2012, de acordo com o regime transitório referido no ponto anterior, esta data foi antecipada para 31 de outubro - conforme decorre do artigo 8.º do CIMI, por remissão expressa dos artigos 3.º, n.º 3, alínea u), e 2.º, n.º 4, do CIS.
  2. Por outro lado, e no tocante à data da constituição da obrigação tributária, conexão fiscal, liquidação e pagamento do imposto do selo em causa, são aplicáveis as correspondentes regras do CIMI, também por remissão expressa dos artigos 5.º, n.º1, alínea u), 4.º, n.º 6, 23.º, n.º 7, 44.º, n.º 5, 46.º, n.º 5 e 49.º, n.º 3, do CIS. Em geral, por remissão do artigo 67.º, n.º 2, do mesmo Código, são de aplicação supletiva às matérias não especialmente reguladas, as disposições do CIMI.
  3. Referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos, importa ter-se presente que o conceito relevante consta do artigo 2.º do CIMI, conforme, aliás, prevê o n.º 6 do artigo 1.º do CIS.
  4. Apelando a elementos de natureza física, patrimonial e económica, aquele preceito do CIMI define como prédio "toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico..."
  5. Para efeitos de IMI, os prédios são classificados como rústicos, urbanos ou mistos, sendo esta classificação particularmente relevante quer para efeitos de aplicação das regras de determinação do respectivo valor patrimonial tributário, quer para efeitos de aplicação das taxas de tributação.
  6. Assim, o CIMI estabelece, no artigo 3.º, uma definição positiva de prédio rústico, definindo prédio urbano e misto, nos seus artigos. 4.º e 5.º em termos meramente residuais: são assim classificados todas aquelas realidades que, integrando o conceito fiscal de prédio, não sejam de classificar como prédios rústicos.
  7. De acordo com aquele preceito, são prédios rústicos os que, situados fora de um aglomerado urbano, preencham um dos seguintes requisitos:

- Não sejam de classificar como terrenos para construção;

- Estejam afetos, ou tenham como utilização normal, a produção de rendimentos agrícolas, tal como considerados para efeitos de IRS;

- Não tendo afetação agrícola, não se encontrem construídos ou disponham, apenas, de edifícios ou construções meramente acessórias, sem autonomia económica e de reduzido valor.

  1. São ainda assim classificados, os prédios situados dentro de um aglomerado urbano que, por força de disposição legal, não possam ter utilização geradora de rendimentos (caso de espaços verdes, jardins, etc.) ou só possam ser utilizados em actividades agrícolas e tenham efectivamente, essa concreta afectação.
  2. Um prédio que não reúna os requisitos acima referidos é, consequentemente, classificado como urbano.
  3. Pode, pois, concluir-se que, para efeitos de IMI e, no caso, de imposto do selo, um terreno para construção é um prédio urbano, porquanto reúne os requisitos integrantes do conceito de prédio - realidade física, patrimonialidade e valor económico - e, qualquer que seja a afetação ou uso que esteja a ter, no caso de terrenos expectantes, é expressamente excluído do conceito de prédio rústico.
  4. Referindo-se aos prédios urbanos, o n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, distingue diversas espécies, dividindo-os em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros, de acordo com os seguintes critérios:

- "habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços": os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins (cfr. artigo 6.º, n.º 2 do CIMI).

- "terrenos para construção", os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, na redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12).

- "Outros", são como tal considerados os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem sejam classificados como prédio rústicos, de acordo com o respetivo conceito legal, e ainda os edifícios e construções licenciados, ou na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os acima referidos (cfr. artigo 6.º, n.º 4 do CIMI).

  1. Na definição do âmbito de incidência prevista na Verba 28 da TGIS, o legislador considera, como elemento relevante de capacidade contributiva, os prédios de elevado valor que, no segmento relativo a sujeitos passivos residentes em território português, sejam detidos para efeitos habitacionais.
  2. No entanto, fazendo incidir a tributação sobre prédios urbanos "com afetação habitacional", o legislador não estabelece, no Código do Imposto do Selo, qualquer conceito específico que para o efeito deva ser considerado, antes remetendo a aplicação do regime de tributação dos prédios a que se refere aquela Verba 28 para as normas do CIMI.
  3. Será, pois, na economia deste Código que terá de ser encontrado o sentido daquela expressão, entendimento que, de resto, é partilhado pela Requerente e pela Requerida, embora com diferentes conclusões.
  4. No que concerne à definição das diferentes espécies de prédios urbanos, o referido Código, conforme acima se referiu, estabelece clara distinção entre prédios "habitacionais" e "terrenos para construção".
  5. Os primeiros são classificados em função da respectiva licença autárquica, ou, não existindo esta, em decorrência do uso normal.
  6. Os segundos são definidos em função da sua potencialidade legal.
  7. Considerada a legislação relativa à construção e edificação urbana, designadamente no que respeita aos diversos tipos de licenciamento, a classificação de um prédio como "habitacional", para efeitos tributários, não apresenta qualquer particularidade: são habitacionais os que, nos termos legais, assim forem classificados.
  8. Na ausência de licenciamento, releva para a classificação o destino normal do prédio. Também aqui a lei fiscal não oferece qualquer conceito específico. Resulta, porém, quer do conhecimento geral, quer da legislação aplicável às edificações urbanas, que o destino a habitação pressupõe a existência de um mínimo de condições que preservem a intimidade pessoal e a privacidade familiar (cfr. artigo 65.º da CRP).
  9. O licenciamento, pela entidade competente, ou o uso normal de um prédio, cujo destino seja a habitação referem-se, como não podia deixar de ser, a prédios edificados que reúnam as caraterísticas exigíveis para como tal serem classificados.
  10. Um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida - não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal.
  11. Referindo-se, pois, a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com "afectação habitacional", sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
  12. A expressão "com afectação habitacional" inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, que, como se afirma na resposta da Requerida, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar "outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI." (cfr. artigo 20.º da resposta da Requerida). Tal interpretação não tem apoio legal, face aos princípios contidos nos artigos 9.º do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária.
  13. Com efeito, se o legislador pretendesse abarcar no âmbito de incidência do imposto outras realidades que não as que resultam da classificação regida pelo artigo 6.º do CIMI, tê-lo-ia dito expressamente. Mas não o fez, antes remetendo, em bloco, para os conceitos e procedimentos previstos no referido Código.
  14. Por outro lado, não pode também ser acolhido o entendimento da Requerida no sentido de que o conceito de "afectação habitacional" decorre da norma do artigo 45.º do CIMI.
  15. Refere-se este artigo às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção estabelecendo que este é o que resulta do valor da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área considera-se uma percentagem, variável entre 15% e 45%, do valor das edificações autorizadas ou previstas.
  16. Segundo a Requerida, na fixação do valor das edificações autorizadas ou previstas no terreno a avaliar são utilizados os coeficientes aplicáveis na determinação do valor patrimonial tributário, designadamente o coeficiente de afectação previsto no artigo 1.º daquele Código.
  17. Concluindo daí que a consideração de um tal coeficiente, dependente do tipo de utilização prevista para o prédio a edificar no terreno, será determinante para efeitos de aplicação da Verba 28 da TGIS (cfr. artigo 18.º da resposta da Requerida).
  18. Suporta-se esta conclusão no pressuposto de que a expressão "prédios com afectação habitacional" apela a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI.
  19. Não é possível, porém, acompanhar tal conclusão.
  20. Por um lado, porque nada na lei permite concluir que o legislador do imposto do selo tenha pretendido alargar, para efeitos da incidência deste tributo, as espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, como já acima se referiu; por outro lado, porque a aplicação de um coeficiente de afetação se reporta a um dos elementos a considerar na avaliação no terreno, ou seja, na determinação do valor das edificações autorizados ou previstas.
  21. Independentemente de, na determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas para um terreno para construção, se dever ou não considerar um coeficiente de afetação, admite-se, por ser óbvio e do conhecimento geral, que o valor de um terreno é determinantemente influenciado pelo tipo e características dessas edificações. Porém, é matéria que extravasa a questão sobre que incide o presente pedido de pronúncia arbitral.
  22. Nas condições referidas, a circunstância de, para um determinado terreno para construção, estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado.
  23. Nestes termos, resultando do artigo 6.º do CIMI uma clara distinção entre, por um lado, prédios urbanos "habitacionais" e, por outro lado, "terrenos para construção", não podem estes últimos ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como "prédios com afectação habitacional".
  24. Aliás, neste sentido se tem orientado a constante e uniforme jurisprudência, anteriormente referida na presente decisão.
  25. É certo que o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, alterou a redacção do n.º1 da Verba 28 da TGIS, passando esta a prever que tributação em causa incide, à taxa de 1% "Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação".
  26. Trata-se, porém, de norma inovadora, aplicável a partir da data de entrada em vigor da referida Lei - 1 de janeiro de 2014 - não abrangendo, portanto, a situação que constitui objecto do presente processo, em que está em causa um facto tributário ocorrido em momento anterior ao início da sua vigência.
  27. Só assim não seria se aquela alteração tivesse natureza interpretativa, aplicando-se, então aos factos passados. Mas, se o legislador pretendesse conferir tal natureza à norma alterada não deixaria de o fazer constar do respectivo texto.
  28. Ora, não só o legislador o não fez, como não se extrai do texto da norma qualquer referência ao seu carácter interpretativo. Pelo contrário, a utilização, no texto da nova redacção, da disjuntiva "ou" exprime, neste contexto, um sentido de alternativa.
  29. Por outro lado, desconhece-se qualquer controvérsia gerada pela anterior solução de direito, pois que a interpretação possível da norma em causa, na sua anterior redacção, tem vindo pacifica e invariavelmente a ser afirmada pela jurisprudência acima referida.
  30. Ora, como refere Baptista Machado (in "Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador", Almedina, Coimbra, 2014, p. 267), “para que a lei nova possa ser interpretativa, de sua natureza, é preciso que haja matéria para interpretação. Se a regra de direito era certa na legislação anterior, ou se a prática jurisprudencial que lhe havia de há muito sido atribuído um determinado sentido, que se mantinha constante e pacífico, a lei nova que venha resolver o respectivo problema jurídico, em termos diferentes, deve ser considerada uma lei inovadora”.
  31. Assim, considerando a literalidade da lei nova, bem como a constante e pacífica jurisprudência conhecida, não podemos deixar de concluir que não se está perante uma lei interpretativa, mas perante lei inovadora, aplicável apenas para o futuro.
  32. Nestes termos, não pode deixar de se concluir pela ilegalidade da liquidação de imposto do selo que constitui objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, concluindo-se também que, na sua origem, se encontra erro imputável à Administração Tributária.

 

Decisão:

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, no que concerne à ilegalidade da liquidação impugnada, determinando-se, em consequência, a sua anulação e restituição à Requerente da importância indevidamente paga, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais.

 

Valor do processo:

Fixa-se em € 44.000, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n,º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas:

Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, integralmente a cargo da Requerida (AT).

 

Notifique-se

 

Lisboa, 15 de junho de 2016,

 

O árbitro,

 

Nuno Cunha Rodrigues