DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1 A…– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, contribuinte n.º…, com sede na Rua…, …, …, …-… Lisboa, na qualidade de sociedade gestora e em representação do B…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, contribuinte n.º…, requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante RJAT).
1.2. É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
1.3 O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou a ora signatária para formar o Tribunal Arbitral Singular, notificando as partes, e o Tribunal foi constituído a 23 de Maio de 2016.
1.4 O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o indeferimento das reclamações graciosas apresentadas pela Requerente relativas às liquidações de IMT número … e …, reclamações e liquidações que estão melhor identificados no pedido da Requerente e nos documentos a ele juntos, para os quais aqui se remete.
A Requerente invoca a ilegalidade das liquidações com base na sua inconstitucionalidade que, entende, conduz à respetiva nulidade, que pretende seja declarada pelo Tribunal, ou à sua anulabilidade, pelo que subsidiariamente pede sejam as liquidações anuladas.
A Requerente fundamenta o seu pedido alegando que o artigo 236.º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) previsto pela Lei n.º 83 – C/2013, de 31 de Dezembro - na medida em que determina a aplicação do atual Regime Tributário dos FIIAH aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014 - consubstancia um novo regime de caducidade das isenções previstas no n.º 7, alínea a) e n.º 8 do artigo 8.º (Regime Tributário ) do Regime Tributário dos FIIAH e revela uma violação flagrante e inequívoca do princípio da não retroatividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º, número 3, da Constituição da República Portuguesa, o que, no seu entender, conduz à sua inconstitucionalidade.
Entende a Requerente que as liquidações em crise estão, em consequência, feridas de vício que tem como consequência a nulidade, ao abrigo da alínea d) do n. º. 2 do artigo 133.2 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) porque ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental.
Sendo que, entende também, sempre serão as liquidações anuláveis, por ilegais, com o mesmo fundamento.
A Requerente alega ainda a falta de fundamentação suficiente dos atos tributários, sustentando que as liquidações em crise não incluem, de forma clara e suficiente a necessária fundamentação de facto e de direito, de tal forma que, afirma, não logrou compreender os motivos que originaram tais liquidações, o que os torna ilegais e conduz, entende, à sua anulabilidade.
Mais peticiona a Requerente a condenação da Requerida ao reembolso das quantias pagas por força das liquidações em crise, acrescidas dos juros indemnizatórios sobre todas as quantias pagas vencidos contados até à data do reembolso.
1.5 A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA respondeu, defendendo-se por impugnação, sustentando que no ordenamento jurídico-administrativo português o regime regra de invalidade dos atos é, por razões de segurança jurídica, a mera anulabilidade, incluindo para os praticados com fundamento em deliberações ilegais ou inconstitucionais, tendo o Supremo Tribunal Administrativo vindo a pronunciar-se nesse mesmo sentido.
Refere a Requerida que a declaração de nulidade aparece reservada aqueles atos que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental, contendendo com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mas não aqueles que contendem com o princípio da legalidade, como é, diz, o caso nos autos.
Os atos em apreço, sendo, sem que em tal se conceda, violadores do princípio da legalidade tributária, seriam, assim, anuláveis, mas não nulos.
Acrescenta que a lei em questão não é ferida de retroatividade, não tendo estabelecido nenhum novo requisito para aplicação da isenção prevista no regime fiscal dos FIAH, mas apenas tendo concedido um prazo para cumprimento de um requisito já subjacente ao próprio regime, prazo esse que apenas se inicia após a entrada em vigor da lei nova.
Não se trata, pois, de alterar os pressupostos, condições de atribuição ou de reconhecimento de um benefício fiscal, mas tão só e apenas, regular o período de tempo para efeitos de comprovação do cumprimento de um requisito previamente estabelecido. Pelo que a Requerida entende que a norma em apreço não é inconstitucional e conclui que devem ser julgados improcedentes os pedidos.
1.6. Notificadas da intenção do Tribunal em dispensar a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como alegações, as partes não vieram opor-se.
2. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.9 do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.
O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:
1) O Fundo era proprietário da fração autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “Z”, do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de … sob o artigo… .
2) O Fundo era proprietário da fração autónoma, destinada a habitação, designada pelas letras “AC”, do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de … sob o artigo… .
3) Ambas as frações foram adquiridas pelo Fundo beneficiando da isenção de IMT constante do número 7, alínea a), do artigo 7.º do Regime Tributário dos FIIAH, isenções que foram reconhecidas a requerimento, nos termos do artigo 10.º do Código do IMT.
4) Por meio dos ofícios enviados …, datado de 5.06.2015, e …, datado de 25.06.2015, a Requerente foi notificada para proceder à liquidação e pagamento do IMT relativo às identificadas frações, em cuja aquisição havia beneficiado de isenção, pelo facto de lhes ter dado destino diferente àquele que havia determinado a concessão da isenção;
5) Foi emitida a 25.06.2015 a liquidação de IMT número …, no valor de 3.183,84€, relativa à alienação da fração designada pelas letras “AC” do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de … sob o artigo …., da qual consta que deu destino diferente do arrendamento para habitação, caducando o benefício fiscal;
6) Foi emitida a 07.07.2015, a declaração para liquidação de IMT número …, no valor de 1.435,93€, relativa à alienação da fração designada pela letra “Z” do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de … sob o artigo…, da qual consta que deu destino diferente do arrendamento para habitação, caducando o benefício fiscal;
7) A Requerente procedeu ao pagamento daqueles valores;
8) A Requerente deduziu reclamações graciosas contra ambas as liquidações, que foram indeferidas por despachos proferidos a 07.12.2015.
Factos não provados
Não se constataram outros factos, com relevo para a apreciação do mérito da causa, os quais não se tenham provado.
Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pela Requerente, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida.
4. QUESTÃO DECIDENDA: DA LEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES DE IMT EM CRISE
A questão submetida à apreciação do Tribunal Arbitral é a de aferir da legalidade das liquidações de IMT sub judice e de decidir acerca das consequências da sua eventual ilegalidade.
Ao Tribunal caberá ainda decidir da eventual falta ou insuficiência de fundamentação dos atos lesivos de forma que deva conduzir à sua anulação.
Cumpre então apreciar o mérito do pedido de decisão arbitral das liquidações de IMT sub judice.
Vejamos:
O artigo 102.º (norma inserida no Capitulo X, sob a epígrafe “Benefícios Fiscais”) da Lei n.º 64-A/2008 de 31 Dezembro aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (de ora adiante "FIIAH").
Segundo o n.º 7 do seu artigo 8° do FIIAH, ficam isentas de IMT:
"a) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1."
O artigo 235.º da 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2014 veio introduzir mais 3 números no referido artigo 8.º:
"14 — Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo. 15 — Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto. 16 — Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.".
No artigo 236.º consta a seguinte disposição transitória: “O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014. 2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”
É contra esta norma transitória que a Requerente se insurge, considerando-a inconstitucional, por violação do o princípio da não retroatividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º, número 3, da CRP, na medida em que, no seu entender, consubstancia um novo regime de caducidade das isenções.
Apreciando, resulta dos factos provados que as frações em causa foram adquiridas pelo Fundo beneficiando de isenção de IMT ao abrigo da alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH.
Tal norma obriga a que o imóvel seja destinado ao arrendamento para habitação permanente para que possa beneficiar de tal isenção.
Isto é, a obrigatoriedade de destinar o imóvel ao arrendamento habitacional não é requisito das alterações introduzidas pelos artigos artigo 235.º e 236.º da 83-C/2013, de 31 de Dezembro, antes um requisito do regime fiscal dos FIIAH.
É a natural decorrência das motivações que levaram à criação de um regime especial temporário aplicável a estes Fundos, ligadas à crise económica e à consequente dificuldade acrescida dos indivíduos e das famílias no pagamento das prestações dos contratos de mútuo celebrados para aquisição de habitação própria permanente, pretendendo, portanto, o regime acudir a situações de dificuldade e incentivar o arrendamento para habitação própria permanente.
O Orçamento de Estado para 2014 vem, é certo, estabelecer um novas regras para a isenção: caso a afetação a arrendamento para habitação permanente não ocorra no período de 3 anos após a entrada do imóvel no Fundo e, ainda caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido aquele prazo, o adquirente tem que requerer a liquidação do IMT que não foi liquidado.
Não foi esta, porém, a razão que deu origem às liquidações em crise, o que se retira claramente da análise dos documentos juntos.
As liquidações de IMT efetuadas no que aos imóveis acima descritos se refere não tiveram por base a sua manutenção no fundo por um período igual ou superior a 3 anos sem que tivesse havido afetação a arrendamento para habitação permanente.
As liquidações em apreço, aliás conforme decorre das notas de liquidação juntas ao processo, basearam-se no facto de ter sido dado aos imóveis "destino diferente daquele em que assentou o benefício", “caducando a isenção”.
O facto de a alienação do imóvel fazer caducar a isenção não é, como ao diante se deixará explanado, um facto novo, resultante do aditamento efetuado pelo Orçamento de Estado para 2014.
Nova será, quando muito, a obrigatoriedade de o adquirente requerer a liquidação dos impostos que não foram liquidados antes da alienação.
Disposição que é meramente procedimental e que se limita a concretizar o que já resulta do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Parece-nos, portanto, evidente que a questão sub judice não se prende com a eventual inconstitucionalidade, por violação da proibição da retroatividade da lei fiscal, dos números aditados ao artigo 8.º pelos Orçamento de Estado de 2014.
De facto, a alienação das frações em questão pelo Fundo sempre determina a caducidade da isenção, porque lhe foi por ela dado destino diferente daquele que havia determinado a concessão do benefício.
Para cumprimento da alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º não basta uma intenção declarada na aquisição do imóvel, mas uma efetiva afetação ao arrendamento para habitação permanente.
Não é, pois, verdade, que, como afirma a Requerente, não estivessem já legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, os factos ou circunstâncias de que dependia a respetiva caducidade, ao menos no que respeita às circunstâncias que efetivamente ocorreram: a alienação do imóvel.
Na verdade, a concessão de um benefício dependia já – e depende sempre – da efetiva verificação dos respetivos pressupostos, nos termos do artigo 12º do EBF (artigo 11.º, na redação do EBF que se encontrava em vigor previamente à republicação do mesmo pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26/06).
O facto de o Fundo ter procedido à alienação do prédio que, ao adquirir, declarou iria afetar a fim que lhe permitia fosse reconhecida – como foi – a isenção de IMT - sempre determinaria, ainda que o aditado número 16 não o previsse expressamente, a caducidade de tal isenção, por efeito do disposto no artigo 12.º e no n.º 3 do artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (antigo 12.º, n.º 3, na redação do EBF que se encontrava em vigor previamente à republicação do mesmo pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26/06), segundo o qual “Quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à direta realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei.”
A Requerente não alegou nem, por maioria de razão, demonstrou ter obtido a autorização lá prevista, ou qualquer outra circunstância que obstasse a que as concedidas isenções ficassem sem efeito em consequência da alienação.
É por esse motivo que entendemos que não coloca no caso em apreço a questão da alegada inconstitucionalidade das disposições aditadas, na medida em que, na parte correspondente à alienação do imóvel, o n.º 16 do artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH se limita a reiterar o que já resultava do disposto no Estatuto dos Benefícios Fiscais.
O que, aliás, bem se compreende, atendendo ao ratio da concessão dos benefícios fiscais.
A ratio para atribuição do benefício fiscal em sede de IMT (e, bem assim, do IS, que não está em causa nestes autos) aos FIIAH é, claramente, a sua afetação a arrendamento para habitação permanente— "As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento..." .
Pelo que a consequência de lhe ser dado diverso destino é a de que a isenção não poderia ter sido concedida, havendo que repor a legalidade, liquidando-se os impostos que, não fosse a declaração de intenção efetuada aquando da aquisição, haveriam de ter sido liquidados.
Concluindo, a alienação do prédio sempre determinaria a caducidade da isenção por aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 14.º do EBF, não estando, portanto, em causa, na situação sub judice, qualquer aplicação retroativa de norma que venha a introduzir novo regime de caducidade das isenções, tampouco existe lesão de expectativas do Requerente ou agravamento da sua posição fiscal, pelo que entendemos que as liquidações de IMT em crise são legais.
Fica, pois, prejudicada a análise da questão suscitada pela Requerente quanto à alegada retroatividade do regime previsto pelo artigo 236º da Lei do Orçamento de Estado para 2014 na medida em que, como supra ficou demonstrado, os condicionalismos que originaram as liquidações de imposto em crise em nada se relacionam com os aditamentos originados pelo referido artigo, tão só com a alienação do imóvel e consequente afetação a fim diferentes daquele para que foram concedidas as isenções de IMT.
Do alegado vício de falta de fundamentação das liquidações:
A Requerente alega ainda a falta de fundamentação suficiente dos atos tributários, sustentando que as liquidações em crise não incluem, de forma clara e suficiente, a necessária fundamentação de facto e de direito, de tal forma que, afirma, não logrou compreender os motivos que originaram tais liquidações, o que os torna ilegais e conduz, entende, à sua anulabilidade.
Analisando:
A exigência de fundamentação dos atos administrativos (conceito em que se inserem os atos tributários, à face do preceituado no art.º. 120.º do CPA) é formulada no art.º. 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece que “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegido”.
No n.º 4 do mesmo artigo, garante-se aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer atos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
Da conjugação destas duas normas resulta que o direito de impugnação contenciosa de atos lesivos, constitucionalmente reconhecido, não fica satisfeito com a mera possibilidade de os interessados os poderem impugnar judicialmente, antes se exigindo que seja proporcionada àqueles a possibilidade de os impugnarem com completo conhecimento das razões que os motivaram, isto é, trata-se de um direito à impugnação contenciosa com a máxima eficácia.
Em matéria tributária, o dever de fundamentação dos atos decisórios de procedimentos tributários e dos atos tributários é concretizado no art.º. 77.º da LGT.
Nos termos deste último artigo, ”a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária” e a “fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
O ato estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familias - possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efetivo controle da legalidade do ato, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
O mesmo é dizer, essencial é que o discurso contextual, expresso e externado pelo autor do ato dê a conhecer ao seu destinatário, pressuposto este como um destinatário normal ou razoável colocado perante as circunstâncias concretas, a motivação funcional do ato, os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro, permitindo àquele optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do ato ou a sua impugnação.
Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspetos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do ato.
A fundamentação cumpre como é sabido uma função justificativa da legitimidade e racionalidade da Administração pelo que não pode considerar-se a fundamentação como um mero elemento formal do ato administrativo de que possa prescindir-se quando a sua ausência ou insuficiência não provoquem a falta de defesa do administrado.
Acontece que, no caso sub judice, quer o teor dos ofícios a que se alude em 4) da matéria de facto provada, quer o das liquidações em crise, a que se alude em 5) e 6) daquela matéria, embora sumárias, são, entendemos, de molde a permitir que quer a Requerida quer o julgador estejam em condições de compreender as razões de facto e de direito que a ela presidiram, além de conterem todos os elementos que permitem sindicar as operações de apuramento da matéria coletável e do tributo.
E tanto assim é que se nos afigura evidente, das reclamações graciosas apresentadas e do pedido de constituição do tribunal arbitral, que o contribuinte entendeu plenamente o conteúdo dos atos tributários lesivos aqui em crise, bem como as razões, de facto e de direito, que a eles presidiram.
O que sucede, como bem refere, é que, muito embora os compreenda, com eles não se conforma.
Do que resulta que só depois da vasta argumentação acerca dos vícios materiais que, no seu entender, conduzem à ilegalidade dos atos, é que a Requerida vem, a final, alegar que não os compreendeu.
Ora, não pode a Requerida contrariar o entendimento que levou às liquidações impugnadas e uno flatu pretender que não entendeu os respetivos fundamentos.
Improcede, por estas razões, o vício de falta de fundamentação alegado pela Requerente.
Tendo decidido pela legalidade das liquidações em crise, fica prejudicado, bem assim, o conhecimento das consequências de uma eventual ilegalidade, bem como o pedido de condenação em juros indemnizatórios.
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6. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar totalmente improcedentes os pedidos da Requerente.
* * *
Fixa-se o valor do processo em 4.619,77€ (quatro mil novecentos e dezanove euros e setenta e sete cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
O montante das custas é fixado em 612,00€ (seiscentos e doze euros), ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 08 de Julho de 2016
O Árbitro
(Eva Dias Costa)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.