Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 763/2015-T
Data da decisão: 2016-06-27  IRC  
Valor do pedido: € 520.087,60
Tema: IRC - Convenções de Dupla Tributação
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Decisão Arbitral

 

Os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (designado pelos outros Árbitros), Prof. Doutor Tomás Castro Tavares e Dr. José Rodrigo de Castro, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 08-03-2016, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A… (doravante designada por “A…” ou “Requerente”), com sede na Avenida …, …-… Lisboa, titular do número de identificação fiscal…, veio requerer, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da portaria n.º 112.º-A/2011, de 22 de Março, a constituição de Tribunal Arbitral Colectivo com vista à declaração da ilegalidade da demonstração de liquidação de retenções na fonte de imposto sobre o rendimento n.º 2013 …, de 18 de Fevereiro de 2013, relativa ao exercício de 2010, bem como das correspondentes liquidações de juros compensatórios com os n.ºs 2013 … a 2013 …, referente ao acto tributário de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("IRC") do exercício de 2010, formalizado pela decisão de indeferimento do Processo de Reclamação Graciosa com o n.º …e pela decisão de indeferimento do Processo de Recurso Hierárquico com o n.º… .

 

 

 

A Requerente imputa ilegalidades à liquidação referida, na parte em que assenta nas correcções efetuadas quanto a retenções na fonte relativas a pagamentos a não residentes no montante global de € 474.790,21 de IRC não retido e € 45.297,39 de juros compensatórios.

A Requerente pretende ainda indemnização por garantia indevida.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

A Requerente designou Árbitro o Prof. Doutor Tomás Castro Tavares, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-01-2016.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Dr. José Rodrigo de Castro.

Os Árbitros designados pelas Partes acordaram em designar o Cons. Jorge Lopes de Sousa como árbitro presidente, que aceitou a designação.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 22-02-2016.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 08-03-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 15-04-2016, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

As Partes não apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente o abrigo da ordem de serviço externa nº OI2012…, da Unidade dos Grandes Contribuintes;

b)      Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária cuja cópia consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

1.4.1.2. Pagamentos a Não Residentes (IRC não retido)

1.4.1.2.1. Rendimentos de serviços de intermediação das entidades B… e C…

O sujeito passivo efetuou pagamentos no montante total de € 150.000,00 a duas entidades (B…e C…) não residentes, sem estabelecimento estável em Portugal, que não foram objeto de retenção na fonte. Não tendo o contribuinte preenchido os requisitos, para que, nos termos previstos nos nºs 2 a 5 do artigo 98º do CIRC, ficasse dispensado de efetuar a retenção na fonte, por força da conjugação do disposto nas alínea g) do nº 1, alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 94.º e da alínea e) do n.º 4 do artigo 87.º, ambos do CIRC, deveria o sujeito passivo, aquando do pagamento destes rendimentos derivados de serviços de intermediação, ter efectuado retenção na fonte sobre os mesmos, à taxa de 15%, no montante de € 22.500,00, pelo que se apurou imposto em falta neste montante, (ver ponto III.1.2.1.).

1.4.1.2.2. Rendimentos derivados da atividade de profissionais de espetáculo e desportistas

1.4.1.2.2.1. Rendimento derivados do espetáculo "D…"

O sujeito passivo efetuou, sete pagamentos no montante total de €70.000,00, à entidade E…, SRL, não residente, sem estabelecimento estável em Portugal, que não foram objeto de retenção na fonte, respeitantes ao espetáculo "D…". Da conjugação do disposto nas alínea f) do n.º 1, alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 94.º e do n.º 4 do artigo 87.º, ambos do CIRC, deveria o sujeito passivo, aquando dos pagamentos destes rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de profissionais de espetáculo, ter efetuado a retenção na fonte, à taxa de 25%, no montante de €17.500,00, pelo que se apurou imposto em falta neste montante (ver ponto III.1.2.2.1).

1.4.1.2.2.2. Direitos de Imagem do atleta F…

O sujeito passivo efetuou pagamentos, no montante de €299.390,00, à entidade G…, não residente, que não foram objeto de retenção na fonte, respeitantes à cessão dos direitos de imagem do jogador F… . Da conjugação do disposto nas alínea f) do n.º 1, alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 94.º e do n.º 4 do artigo 87.º, ambos do CIRC, deveria o sujeito passivo, aquando do pagamento destes rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas, ter efetuado a retenção na fonte, à taxa de 25%, no montante de €74.847,50, pelo que se apurou imposto em falta neste montante (ver ponto III.1.2.2.2).

1.4.1.2.2.3. Direitos de Imagem do atleta H…

O sujeito passivo efetuou, durante o ano de 2010, três pagamentos no montante total de €500.000,00, à entidade I…, não residente, que não foram objeto de retenção na fonte, respeitante à cessão dos direitos de imagem do jogador H… . Da conjugação do disposto nas alínea f) do n.º 1, alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 94.º e do n.º 4 do artigo 87.º, ambos do CIRC, deveria o sujeito passivo, aquando do pagamento destes rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas, ter efetuado a retenção na fonte, à taxa de 25%, no montante de €125.000,00, pelo que se apurou imposto em falta neste montante (ver ponto III.1.2.2.3).

1.4.1.2.2.4. Direitos de Imagem do atleta J…

O sujeito passivo efetuou um pagamento no montante de €430.108,00, à entidade K…, não residente, sem estabelecimento estável em Portugal, que não foi objeto de retenção na fonte, respeitante à cessão dos direitos de imagem do jogador J… . Da conjugação do disposto nas alínea f) do n.º 1, alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 94.º e do n.º 4 do artigo 87.º, ambos do CIRC, deveria o sujeito passivo, aquando do pagamento destes rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas, ter efetuado a retenção na fonte, à taxa de 25%, no montante de €107.527,00, pelo que se apurou imposto em falta neste montante (ver ponto III.1.2.2.4)

1.4.1.2.2.5. Direitos económicos – L…

      A A… efetuou um pagamento, no valor de € 350.000,00, à entidade L…, a título de aquisição de "direitos económicos" relativos aos jogadores M…e N…, não residente, que não foi objeto de retenção na fonte. Da conjugação do disposto nas alínea f) do n.º 1, alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 94.º e do n.º 4 do artigo 87.º, ambos do CIRC, deveria o sujeito passivo, aquando do pagamento destes rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas, ter efetuado a retenção na fonte, à taxa de 25%, no montante de €87.500,00, pelo que se apurou imposto em falta neste montante (ver ponto III.1.2.2.5).

1.4.1.2.3. Rendimentos de capitais - Pagamento efetuado à entidade O…

Em 8 de Junho de 2005, a A… formalizou uma parceria, através de um acordo, com a entidade O…, registada em …, onde cede parcialmente os direitos económicos relativos a direitos desportivos de vários atletas. No acerto de contas, apura-se que a O… obteve um rendimento de €2.715.354,60, que corresponde à diferença entre o montante devido à O…, de €8.117.064,00, e o investimento efetuado de €5.401.709,40. Deste modo, este rendimento configura um rendimento de capitais, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do CIRS. Por força da conjugação do disposto nas alínea c) do n.º 1, alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 94.º e alínea c) do n.º 4 do artigo 87.º, ambos do CIRC, deveria o sujeito passivo aquando do pagamento efetuado em 28 de setembro, no valor de €597.000,00, ter efetuado a retenção na fonte devida, à taxa de 20%, em função dos rendimentos de capitais obtidos, por parte da O…, num total de € 39.915,71, pelo que, não o tendo feito, se apurou imposto em falta neste montante (ver ponto III.1.2.3).

(...)

 

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E AO IMPOSTO ENCONTRADO DIRETAMENTE EM FALTA

III.1. IRC

(...)

III.1.2. Pagamentos a não residentes (IRC não retido)

III.1.2.1. Rendimentos de serviços de intermediação das entidades B… e C…

O sujeito passivo efetuou pagamentos no montante total de € 150.000,00, a título de serviços de intermediação, a duas entidades (B… e C…) não residentes, sem estabelecimento estável em Portugal, que não foram objeto de retenção na fonte (conforme quadro abaixo):

 

Nos termos do n.º 6 da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, consideram-se obtidos em território português, os rendimentos pagos a não residentes sem estabelecimento estável, provenientes de rendimentos da intermediação na celebração de quaisquer contratos. Estas prestações de serviços não foram excluídas pelo n.º 4 do artigo 4.º do CIRC.

Estipula a alínea g) do nº 1 do artigo 94.º do CIRC, que os rendimentos provenientes da intermediação na celebração de quaisquer contratos e de outras prestações de serviços realizadas ou utilizadas em território português, se encontram sujeitos a retenção na fonte.

Às retenções na fonte com caráter definitivo, i.e., as que incidem sobre rendimentos pagos a não residentes sem estabelecimento estável, ou com estabelecimento estável ao qual o rendimento não seja imputável, será de aplicar uma taxa interna de retenção na fonte de 15%, quando os rendimentos em causa derivarem de rendimentos provenientes de comissões por intermediação na celebração de quaisquer contratos e de outras prestações de serviços [cfr. alínea b) do nº 3 e nº 5 do artigo 94.º e alínea e) do nº 4 do artigo 87.º, ambos do CIRC].

A obrigação de efetuar retenção na fonte pode contudo ser dispensada quando "...por força de uma convenção destinada a eliminar dupla tributação (CDT) ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha sede nem direcção efectiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou seja apenas de forma limitada" (cfr. nº 1 do artigo 98.º do CIRC). A dispensa de retenção na fonte pode pois ser total ou parcial.

No entanto, a situação de não sujeição destes rendimentos a imposto português, não só exige que o beneficiário seja residente no Estado com o qual foi celebrada a CDT, de acordo com o nº 1 do artigo 98º do CIRC, mas tendo em vista acionar prévia e adequadamente a respetiva CDT, exige também que o beneficiário dos rendimentos tenha que fazer prova da referida condição de acordo com o nosso direito interno, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, conforme alínea a) nº 2 do artigo 98º do mesmo diploma legal.

Daí que se torne obrigatória para a dispensa de retenção na fonte, a apresentação, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, do formulário aprovado por Despacho n.º 30359/2007, de 29 de novembro, alterado pelo Despacho n.º 4743-A/2008, de 8 de fevereiro, certificado e autenticado pelas autoridades fiscais dos outros Estados, no qual seja confirmada a situação de residência fiscal nestes países, já que, não basta que a convenção sobre dupla tributação a aplicar exista, para que possa ser afastada a dupla tributação, é necessário que a mesma seja ativada pelos beneficiários dos rendimentos.

Neste sentido, foi o sujeito passivo notificado (ponto 1 e 2 da notificação n.º 5, de 2012-11-07), para, relativamente a estes pagamentos (B… e C…), "...indicar se foram efectuadas as retenções na fonte (...) explicitar a razão da dispensa de retenção na fonte (...) e se existir convenção celebrada (...) queiram facultar os formulários aprovados (...) devidamente preenchidos e assinados pelas autoridades competentes".

Em resposta, o sujeito passivo não comprovou ter efetuado a retenção e, relativamente, à entidade C…não apresentou qualquer elemento que comprovasse a dispensa de retenção na fonte. No que diz respeito à entidade B…, o sujeito passivo apresentou um formulário Mod-21 RFI (anexo 104-2 folhas).

Da análise ao formulário apresentado, concluiu-se que, o documento, embora apresente um carimbo de recebimento em 2009-02-05, não tem preenchido o quadro III do formulário Mod-21 RFI, referente à certificação.

Existindo dúvidas quanto à devida certificação do formulário Mod-21 RFI da entidade B…, procedeu-se a um pedido de troca de informação com a Administração Fiscal Brasileira (doravante AFB), nos termos do artigo 26º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal celebrada com a República Federativa do Brasil, para: (i) assegurar que esta entidade era considerada residente no Brasil nos termos da convenção e para efeitos de tributação; (ii) que este se encontrava sujeito a tributação nesse país; (iii) se existe um selo ou carimbo oficial que deve atestar a certificação e, (iv) se o carimbo aposto corresponde a uma certificação.

A AFB, na resposta aos elementos pedidos ao abrigo da convenção, informou que o Formulário RFI está em branco, que não foi recebido por organismo competente, e como tal, não está devidamente certificado, pelo que, se conclui que também no caso da entidade B…também não foi apresentado qualquer elemento que comprovasse a dispensa de retenção na fonte.

Assim, não tendo o sujeito passivo feito a prova prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 98º do CIRC, deveria o sujeito passivo aquando dos pagamentos no total de €150.000,00 ter efetuado retenção na fonte à taxa de 15%, no montante global de €22.500,00, nos períodos mencionados no quadro abaixo, e que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado, até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foi efetuado o pagamento do serviço em causa.

 

Face ao exposto, é de corrigir o imposto em falta, no montante de €22.500,00, sobre o qual acrescerão juros compensatórios, nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 114.º do CIRC e do n.º 1 do artigo 35.º da LGT.

 

III.1.2.2. Rendimentos derivados da atividade de profissionais de espetáculo e desportistas III.1.2.2.1. Rendimentos derivados do espetáculo "D…"

O sujeito passivo efetuou, durante o ano de 2010, sete pagamentos no montante total de €70.000,00, à entidade E…, SRL, não residente, sem estabelecimento estável em Portugal, que não foram objeto de retenção na fonte, respeitantes ao espetáculo "D…", conforme quadro seguinte:

 

Natureza dos rendimentos

Nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, consideram-se obtidos em território português, os rendimentos pagos a entidades não residentes sem estabelecimento estável, provenientes de rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de profissionais de espetáculo.

Na situação em apreço, o pagamento realizado pela A…à entidade E…SRL, decorre do espetáculo ocorrido no estádio do sujeito passivo, em que participam a …"…" e o seu tratador (R…). O espetáculo intitula-se o "D…" e consiste num … … (…) antes do início dos jogos da equipa disputados no seu estádio (anexo 105).

Assim, os rendimentos auferidos pela entidade E…SRL são considerados obtidos em território português, dada a sua conexão direta e indissociável com o exercício da atividade de profissionais de espetáculo, em território português, por força do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC.

Retenção na fonte

Os rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, obtidos por entidades não residentes em território português, encontram-se sujeitos a retenção na fonte, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 94.º do CIRC.

Às retenções na fonte com caráter definitivo, i.e., as que incidem sobre rendimentos pagos a não residentes sem estabelecimento estável, ou com estabelecimento estável ao qual o rendimento não seja imputável, será de aplicar uma taxa interna de retenção na fonte de 25%, quando os rendimentos em causa resultarem de rendimentos derivados do exercício em território português de profissionais de espetáculo [cfr. alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 94.º, e n.º 4 do artigo 87.º ambos do CIRC].

Como já foi referido anteriormente, no decurso da ação inspetiva, foi possível apurar que não foi dado cumprimento à obrigação de efetuar a retenção na fonte, prevista nos artigos 87.º e 94.º do CIRC. A falta de retenção na fonte foi justificada pelo sujeito passivo com base na existência de uma convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital, doravante CDT, com o país de residência da entidade beneficiária dos rendimentos.

Não obstante, a CDT, celebrada entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha, estatui no n.º 2 do artigo 17.º, relativo à tributação do profissional de espetáculos, que "...os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espectáculos (...) nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas actividades dos profissionais de espectáculos...".

Por sua vez, nos Comentários ao n.º 2 do artigo 17.º do Modelo de Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, em matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património, doravante Modelo de Convenção, conclui-se que o Estado onde são exercidas as atividades ou se realiza os espetáculos, fica autorizado a tributar os rendimentos obtidos dessas atividades e atribuídos a uma outra pessoa, independentemente das outras disposições da Convenção que seriam de outro modo aplicáveis.

Ainda sobre esta matéria, e em consonância com o parágrafo anterior, refere-se o vertido nos comentários ao Modelo de Convenção, onde se preconiza que os rendimentos derivados de profissionais de espetáculos exercidos num Estado, independentemente desse rendimento reverter para o profissional de espetáculos ou para outra pessoa, podem ser tributados, sem qualquer limitação, por esse Estado de origem dos rendimentos.

Posto isto, relativamente a estes rendimentos de profissionais de espetáculos, mesmo existindo uma CDT celebrada com o país de residência da entidade não residente beneficiária, neste caso a Espanha, o Estado da fonte dos rendimentos fica habilitado a exercer os seus direitos de tributação sobre as importâncias atribuídas a entidades interpostas entre o profissional de espetáculos e o Clube/SAD pagador dos rendimentos.

Por conseguinte, estando prevista a tributação em território português, da matéria em apreço, nos termos da já mencionada alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, os rendimentos em causa não ficam dispensados da tributação no território nacional e, consequentemente, da retenção na fonte a título definitivo em sede de IRC.

Nestes termos, relativamente aos rendimentos em causa, ficou o sujeito passivo, enquanto substituto tributário, obrigado a fazer a entrega da quantia que deveria ter sido retida (cfr. n.º 5 do artigo 90-A.º do CIRC).

De referir ainda que nos termos do artigo 132.º do CIRC, as transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território nacional por entidades não residentes, não poderão ser efetuadas sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido.

Assim, nos termos dos artigos e diplomas supra mencionados, deveria o sujeito passivo aquando do pagamento ou da colocação à disposição, do rendimento derivado do exercício em território português da atividade de profissional de espetáculos, a entidade não residente, ter efetuado a retenção na fonte à taxa de 25%, que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram colocados à disposição esses rendimentos (cfr. n.º 6 do artigo 94.º do CIRC).

Face ao exposto, apurou-se imposto em falta no montante de €17.500,00196 (€70.000,00 x 25%), a título de retenção na fonte, acrescidos de juros compensatórios pelo atraso de receita devida ao Estado (n.º 2 do artigo 114.º do CIRC e n.º 1 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária).

 

III.1.2.2.2. Direitos de imagem do atleta F…

O sujeito passivo efetuou, durante o ano de 2010, cinco pagamentos no montante total de €299.390,00, à entidade G…, não residente, sem estabelecimento estável em Portugal, que não foram objeto de retenção na fonte, respeitantes à cessão dos direitos de imagem do jogador F…, conforme quadro seguinte:

 

Os pagamentos foram efetuados no âmbito de um "Agreement" de utilização do direito de imagem do atleta F…, celebrado entre a A…e a G… (vide anexo 70). O referido acordo tem a duração de 5 anos, acompanhando o período de vigência do contrato de trabalho desportivo (vide anexo 71).

Natureza dos rendimentos

No que diz respeito à matéria de facto, há a assinalar que, quando um jogador de futebol cede a uma terceira entidade não desportiva os benefícios da utilização do seu direito de imagem e esta, por sua vez, efetua a cedência da exploração desses direitos ao Clube/SAD com quem o jogador celebrou um contrato de trabalho, o objeto do contrato de cedência encontra-se interligado e reconduz-se aos seus direitos inerentes no contrato que celebrou enquanto futebolista, donde deriva a sua imagem. Com efeito, a A…não celebrou contratos de aquisição de direitos de imagem de um jogador sem que, previamente, garanta a sua contratação enquanto futebolista para o seu plantel. Mais, quando cessa/rescinde a relação estabelecida no contrato de trabalho desportivo, também cessa/rescinde o contrato de direitos de imagem, mesmo que estes tenham sido adquiridos a terceiros (não residentes) donde, se pode concluir que a A…na celebração de um contrato de trabalho de aquisição de direitos de imagem relativos a um determinado jogador depende (sempre) da celebração de um contrato de trabalho desportivo com esse jogador.

Destarte, um Clube/SAD, quando adquire os direitos de imagem dos jogadores do seu plantel, fá-lo, enquanto direitos associados aos desportistas que contrata e à imagem, intrinsecamente, derivada da sua atividade de desportista. Estabelece-se, assim, uma conexão, inequívoca, entre a atividade desempenhada pelos jogadores e a potencial exploração dos seus direitos de imagem, uma vez que, a A…só adquire estes direitos de imagem enquanto os jogadores se mantêm ao seu serviço e a praticar uma atividade de desportista - a duração do contrato de cedência de direitos de imagem segue a do contrato de trabalho desportivo.

Por isso, em última instância, o que acaba por se transferir daquela terceira entidade não residente, serão os rendimentos que derivam da imagem que estes atletas detêm, enquanto jogadores que desempenham (ou vão desempenhar) a atividade de profissional de futebolistas em território português.

Por conseguinte, dada a sua conexão direta e indissociável com o exercício da atividade desportiva, os rendimentos auferidos por entidades não residentes (não sujeitas a l RS), pela cedência dos direitos de imagem destes jogadores, configuram, a final, rendimentos derivados do exercício em território português da sua atividade enquanto desportistas, os quais, encontram-se sujeitos a IRC, face à disposição prevista na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC.

Retenção na fonte

Por sua vez, estipula a alínea f) do n.º 1 do artigo 94.º do CIRC, que os rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, obtidos por entidades não residentes em território português se encontram sujeitos a retenção na fonte.

Às retenções na fonte com caráter definitivo, i.e., as que incidem sobre rendimentos pagos a não residentes sem estabelecimento estável, ou com estabelecimento estável ao qual o rendimento não seja imputável, será de aplicar uma taxa interna de retenção na fonte de 25%, quando os rendimentos em causa resultarem de rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas [cfr. alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 94.º, e n.º 4 do artigo 87.º ambos do CIRC].

Como já foi referido anteriormente, no decurso da ação inspetiva, foi possível apurar que não foi dado cumprimento à obrigação de efetuar a retenção na fonte, prevista nos artigos 87.º e 94.º do CIRC. A falta de retenção na fonte foi justificada pelo sujeito passivo com base na existência de uma convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matérias de impostos sobre o rendimento e o capital, doravante CDT, com o país de residência da entidade beneficiária dos rendimentos, tendo apresentado para o efeito o Modelo RFI.

Não obstante, a CDT, celebrada entre a República Portuguesa e a Irlanda, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/94, de 9 de fevereiro, estatui no n.º 2 do artigo 17.º, relativo à tributação dos artistas e desportistas, que "...os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos (...) desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas actividades".

Por sua vez, nos Comentários ao n.º 2 do artigo 17.º do Modelo de Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, em matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património198, doravante Modelo de Convenção, conclui-se que o Estado onde são exercidas as atividades de desportista, fica autorizado a tributar os rendimentos obtidos dessas atividades e atribuídos a uma outra pessoa, independentemente das outras disposições da Convenção que seriam de outro modo aplicáveis.

Ainda sobre esta matéria, e em consonância com o parágrafo anterior, refere-se o vertido nos comentários da Modelo de Convenção, onde se preconiza que os rendimentos derivados da atividade de artista ou desportista exercidos num Estado, independentemente desse rendimento reverter para o artista ou desportista ou para outra pessoa, podem ser tributados, sem qualquer limitação, por esse Estado de origem dos rendimentos.

Posto isto, relativamente a estes rendimentos derivados da atividade de desportista, mesmo existindo uma CDT celebrada com o país de residência da entidade não residente beneficiária, neste caso a Irlanda, o Estado da fonte dos rendimentos fica habilitado a exercer os seus direitos de tributação sobre as importâncias atribuídas a entidades interpostas entre a entidade desportista e o Clube/SAD pagador dos rendimentos.

Por conseguinte, estando prevista a tributação em território português, da matéria em apreço, nos termos da já mencionada alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, os rendimentos em causa não ficam dispensados da tributação no território nacional e, consequentemente, da retenção na fonte a título definitivo em sede de IRC.

Nestes termos, relativamente aos rendimentos em causa, ficou o sujeito passivo, enquanto substituto tributário, obrigado a fazer a entrega da quantia que deveria ter sido retida (cfr. n.º 5 do artigo 98.º do CIRC).

De referir ainda que nos termos do artigo 132.º do CIRC, as transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território nacional por entidades não residentes, não poderão ser efetuadas sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido.

Assim, nos termos dos artigos e diplomas supra mencionados, deveria o sujeito passivo aquando do pagamento ou da colocação à disposição, do rendimento derivado do exercício em território português da atividade de desportista, a entidade não residente, no total de €299.390,00, ter efetuado a retenção na fonte à taxa de 25%, que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram colocados à disposição esses rendimentos (cfr. n.º 6 do artigo 94.º do CIRC).

Face ao exposto, apurou-se imposto em falta no montante global de €74.847,50202 (€299.390,00 x 25%), a título de retenção na fonte, acrescidos de juros compensatórios pelo atraso de receita devida ao Estado (n.º 2 do artigo 114.º do CIRC e n.º 1 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária).

 

III.1.2.2.3. Direitos de imagem do atleta H…

O sujeito passivo efetuou, durante o ano de 2010, três pagamentos no montante total de €500.000,00, à entidade I…, não residente sem estabelecimento estável em Portugal, que não foi objeto de retenção na fonte, respeitante à cessão dos direitos de imagem do jogador H…, conforme quadro seguinte:

Os pagamentos foram efetuados no âmbito de um "Agreement" de utilização do direito de imagem do atleta H…, celebrado entre a A…e a I…(vide anexo 72). O referido acordo tem a duração de 3 anos, acompanhando o período de vigência do contrato de trabalho desportivo (vide anexo 73).

Natureza dos rendimentos

No que diz respeito à matéria de facto, há a assinalar que, quando um jogador de futebol cede a uma terceira entidade não desportiva os benefícios da utilização do seu direito de imagem e esta, por sua vez, efetua a cedência da exploração desses direitos ao Clube/SAD com quem o jogador celebrou um contrato de trabalho, o objeto do contrato de cedência encontra-se interligado e reconduz-se aos seus direitos inerentes no contrato que celebrou enquanto futebolista, donde deriva a sua imagem. Com efeito, a A… não celebrou contratos de aquisição de direitos de imagem de um jogador sem que, previamente, garanta a sua contratação enquanto futebolista para o seu plantei. Mais, quando cessa/rescinde a relação estabelecida no contrato de trabalho desportivo, também cessa/rescinde o contrato de direitos de imagem, mesmo que estes tenham sido adquiridos a terceiros (não residentes) donde, se pode concluir que a A…na celebração de um contrato de trabalho de aquisição de direitos de imagem relativos a um determinado jogador depende (sempre) da celebração de um contrato de trabalho desportivo com esse jogador.

Destarte, um Clube/SAD, quando adquire os direitos de imagem dos jogadores do seu plantei, fá-lo, enquanto direitos associados aos desportistas que contrata e à imagem, intrinsecamente, derivada da sua atividade de desportistas. Estabelece-se, assim, uma conexão, inequívoca, entre a atividade desempenhada pelos jogadores e a potencial exploração dos seu direitos de imagem, uma vez que, a A…só adquire estes direitos de imagem enquanto os jogadores se mantêm ao seu serviço e a praticar uma atividade de desportista - a duração do contrato de cedência de direitos de imagem segue a do contrato de trabalho desportivo.

Por isso, em última instância, o que acaba por se transferir daquela terceira entidade não residente, serão os rendimentos que derivam da imagem que estes atletas detêm, enquanto jogadores que desempenham (ou vão desempenhar) a atividade de profissional de futebolistas em território português.

Por conseguinte, dada a sua conexão direta e indissociável com o exercício da atividade desportiva, os rendimentos auferidos por entidades não residentes (não sujeitas a IRS), pela cedência dos direitos de imagem destes jogadores, configuram, a final, rendimentos derivados do exercício em território português da sua atividade enquanto desportistas, os quais, encontram-se sujeitos a IRC, face à disposição prevista na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC.

Retenção na fonte

Por sua vez, estipula a alínea f) do n.º 1 do artigo 94.º do CIRC, que os rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, obtidos por entidades não residentes em território português se encontram sujeitos a retenção na fonte.

Às retenções na fonte com caráter definitivo, i.e., as que incidem sobre rendimentos pagos a não residentes sem estabelecimento estável, ou com estabelecimento estável ao qual o rendimento não seja imputável, será de aplicar uma taxa interna de retenção na fonte de 25%, quando os rendimentos em causa resultarem de rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas [cfr. alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 94.º, e n.º 4 do artigo 87.º ambos do CIRC].

Como já foi referido anteriormente, no decurso da ação inspetiva, foi possível apurar que não foi dado cumprimento à obrigação de efetuar a retenção na fonte, prevista nos artigos 87.º e 94.º do CIRC. A falta de retenção na fonte foi justificada pelo sujeito passivo com base na existência de uma convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matérias de impostos sobre o rendimento e o capital, doravante COT, com o país de residência da entidade beneficiária dos rendimentos, tendo apresentado para o efeito o Modelo RFI.

Não obstante, a CDT, celebrada entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, de 12 de julho, estatui no n.º 2 do artigo 17.º, relativo à tributação dos artistas e desportistas, que "...os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos (...) desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas actividades".

Por sua vez, nos Comentários ao n.º 2 do artigo 17.º do Modelo de Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, em matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património, doravante Modelo de Convenção, conclui-se que o Estado onde são exercidas as atividades de desportista, fica autorizado a tributar os rendimentos obtidos dessas atividades e atribuídos a uma outra pessoa, independentemente das outras disposições da Convenção que seriam de outro modo aplicáveis.

Ainda sobre esta matéria, e em consonância com o parágrafo anterior, refere-se o vertido nos comentários da Modelo de Convenção, onde se preconiza que os rendimentos derivados da atividade de artista ou desportista exercidos num Estado, independentemente desse rendimento reverter para o artista ou desportista ou para outra pessoa, podem ser tributados, sem qualquer limitação, por esse Estado de origem dos rendimentos.

Posto isto, relativamente a estes rendimentos derivados da atividade de desportista, mesmo existindo uma CDT celebrada com o país de residência da entidade não residente beneficiária, neste caso a Holanda, o Estado da fonte dos rendimentos fica habilitado a exercer os seus direitos de tributação sobre as importâncias atribuídas a entidades interpostas entre a entidade desportista e o Clube/SAD pagador dos rendimentos206.

Por conseguinte, estando prevista a tributação em território português, da matéria em apreço, nos termos da já mencionada alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, os rendimentos em causa não ficam dispensados da tributação no território nacional e, consequentemente, da retenção na fonte a título definitivo em sede de IRC.

Nestes termos, relativamente aos rendimentos em causa, ficou o sujeito passivo, enquanto substituto tributário, obrigado a fazer a entrega da quantia que deveria ter sido retida (cfr. n.º 5 do artigo 98.º do CIRC).

De referir ainda que nos termos do artigo 132.º do CIRC, as transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território nacional por entidades não residentes, não poderão ser efetuadas sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido.

Assim, nos termos dos artigos e diplomas supra mencionados, deveria o sujeito passivo aquando do pagamento ou da colocação à disposição, do rendimento derivado do exercício em território português da atividade de desportista, a entidade não residente, no total de € 500.000,00, ter efetuado a retenção na fonte à taxa de 25%, que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram colocados à disposição esses rendimentos (cfr. n.º 6 do artigo 94.º do CIRC)207.

Face ao exposto, apurou-se imposto em falta no montante global de €125.000,00208 (€500.000,00 x 25%), a título de retenção na fonte, acrescidos de juros compensatórios pelo atraso de receita devida ao Estado (n.º 2 do artigo 114.º do CIRC e n.º 1 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária).

 

III.1.2.2.4. Direitos de imagem do atleta J…

O sujeito passivo efectuou em 2010-09-22, um pagamento (…) no montante de € 430.108,00, à entidade K…, não residente, sem estabelecimento estável em Portugal, que não foi objeto de retenção na fonte, respeitante à cessão dos direitos de imagem do jogadorJ… .

O pagamento foi efetuado no âmbito de um "Agreement" de utilização do direito de imagem do atleta J…, celebrado entre a A…e a K…(vide anexo 74). O referido acordo tem a duração de 4 anos, acompanhando o período de vigência do contrato de trabalho desportivo (vide anexo 75).

Natureza dos rendimentos

No que diz respeito à matéria de facto, há a assinalar que, quando um jogador de futebol cede a uma terceira entidade não desportiva os benefícios da utilização do seu direito de imagem e esta, por sua vez, efetua a cedência da exploração desses direitos ao Clube/SAD com quem o jogador celebrou um contrato de trabalho, o objeto do contrato de cedência encontra-se interligado e reconduz-se aos seus direitos inerentes no contrato que celebrou enquanto futebolista, donde deriva a sua imagem. Com efeito, a A…não celebrou contratos de aquisição de direitos de imagem de um jogador sem que, previamente, garanta a sua contratação enquanto futebolista para o seu plantei. Mais, quando cessa/rescinde a relação estabelecida no contrato de trabalho desportivo, também cessa/rescinde o contrato de direitos de imagem, mesmo que estes tenham sido adquiridos a terceiros (não residentes) donde, se pode concluir que a A…na celebração de um contrato de trabalho de aquisição de direitos de imagem relativos a um determinado jogador depende (sempre) da celebração de um contrato de trabalho desportivo com esse jogador.

Destarte, um Clube/SAD, quando adquire os direitos de imagem dos jogadores do seu plantei, fá-lo, enquanto direitos associados aos desportistas que contrata e à imagem, intrinsecamente, derivada da sua atividade de desportista. Estabelece-se, assim, uma conexão, inequívoca, entre a atividade desempenhada pelos jogadores e a potencial exploração dos seu direitos de imagem, uma vez que, a A…só adquire estes direitos de imagem enquanto os jogadores se mantêm ao seu serviço e a praticar uma atividade de desportista - a duração do contrato de cedência de direitos de imagem segue a do contrato de trabalho desportivo.

Por isso, em última instância, o que acaba por se transferir daquela terceira entidade não residente, serão os rendimentos que derivam da imagem que estes atletas detêm, enquanto jogadores que desempenham (ou vão desempenhar) a atividade de profissional de futebolistas em território português.

Por conseguinte, dada a sua conexão directa e indissociável com o exercício da atividade desportiva, os rendimentos auferidos por entidades não residentes (não sujeitas a IRS), pela cedência dos direitos de imagem destes jogadores, configuram, a final, rendimentos derivados do exercício em território português da sua atividade enquanto desportistas, os quais, encontram-se sujeitos a IRC, face à disposição prevista na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC.

Retenção na fonte

Por sua vez, estipula a alínea f) do n.º 1 do artigo 94.º do CIRC, que os rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, obtidos por entidades não residentes em território português se encontram sujeitos a retenção na fonte.

Às retenções na fonte com caráter definitivo, i.e., as que incidem sobre rendimentos pagos a não residentes sem estabelecimento estável, ou com estabelecimento estável ao qual o rendimento não seja imputável, será de aplicar uma taxa interna de retenção na fonte de 25%, quando os rendimentos em causa resultarem de rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas [cfr. alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 94.º, e n.º 4 do artigo 87.º ambos do CIRC].

Como já foi referido anteriormente, no decurso da ação inspetiva, foi possível apurar que não foi dado cumprimento à obrigação de efetuar a retenção na fonte, prevista nos artigos 87.º e 94.º do CIRC. A falta de retenção na fonte foi justificada pelo sujeito passivo com base na existência de uma convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matérias de impostos sobre o rendimento e o capital, doravante CDT, com o país de residência da entidade beneficiária dos rendimentos, tendo apresentado para o efeito o Modelo RFI.

Não obstante, a CDT, celebrada entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, de 12 de Julho, estatui no n.º 2 do artigo 17.º, relativo à tributação dos artistas e desportistas, que "...os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos (...) desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas actividades".

Por sua vez, nos Comentários ao n.º 2 do artigo 17.º do Modelo de Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, em matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património210, doravante Modelo de Convenção, conclui-se que o Estado onde são exercidas as atividades de desportista, fica autorizado a tributar os rendimentos obtidos dessas atividades e atribuídos a uma outra pessoa, independentemente das outras disposições da Convenção que seriam de outro modo aplicáveis.

Ainda sobre esta matéria, e em consonância com o parágrafo anterior, refere-se o vertido nos comentários da Modelo de Convenção, onde se preconiza que os rendimentos derivados da atividade de artista ou desportista exercidos num Estado, independentemente desse rendimento reverter para o artista ou desportista ou para outra pessoa, podem ser tributados, sem qualquer limitação, por esse Estado de origem dos rendimentos.

Posto isto, relativamente a estes rendimentos derivados da atividade de desportista, mesmo existindo uma CDT celebrada com o país de residência da entidade não residente beneficiária, neste caso a Holanda, o Estado da fonte dos rendimentos fica habilitado a exercer os seus direitos de tributação sobre as importâncias atribuídas a entidades interpostas entre a entidade desportista e o Clube/SAD pagador dos rendimentos212.

Por conseguinte, estando prevista a tributação em território português, da matéria em apreço, nos termos da já mencionada alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, os rendimentos em causa não ficam dispensados da tributação no território nacional e, consequentemente, da retenção na fonte a título definitivo em sede de IRC.

Nestes termos, relativamente aos rendimentos em causa, ficou o sujeito passivo, enquanto substituto tributário, obrigado a fazer a entrega da quantia que deveria ter sido retida (cfr. n.º 5 do artigo 98.º do CIRC).

De referir ainda que nos termos do artigo 132.º do CIRC, as transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território nacional por entidades não residentes, não poderão ser efetuadas sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido.

Assim, nos termos dos artigos e diplomas supra mencionados, deveria o sujeito passivo aquando do pagamento ou da colocação à disposição, do rendimento derivado do exercício em território português da atividade de desportista, a entidade não residente, ter efetuado a retenção na fonte à taxa de 25%, que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram colocados à disposição esses rendimentos (cfr. n.º 6 do artigo 94.º do CIRC).

Face ao exposto, apurou-se imposto em falta no montante global de €107.527,00 (€430.108,00 x 25%), para o período do mês de Setembro de 2010, a título de retenção na fonte, acrescidos de juros compensatórios pelo atraso de receita devida ao Estado (n.º 2 do artigo 114.º do CIRC e n.º 1 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária).

 

III.1.2.2.5. Direitos económicos – L…

A A… efetuou, durante o ano de 2010, um pagamento no montante de €350.000,00, à entidade L…, doravante L…, não residente, sem estabelecimento estável em Portugal, que não foi objeto de retenção na fonte, a título de aquisição de "direitos económicos" e serviços prestados relativos aos jogadores M… e N…, conforme quadro seguinte:

Em anterior procedimento inspetivo ao exercício de 2009, já havia sido notificada a A…, para comprovar, se os jogadores se encontravam "Livres" ou se vieram transferidos de outro Clube para a A… .

Em resposta ao solicitado o sujeito passivo declarou que "a L…era titular da totalidade dos direitos económicos decorrentes do vínculo desportivo que os atletas N…e M…viessem a outorgar e os identificados atletas se encontravam livres de qualquer contrato ou compromisso" (cfr. acordos em anexo 106 -10 fls).

Acrescentou ainda que "os atletas não assinaram um contrato de trabalho desportivo (..) mas um contrato de formação desportiva para vigorar até 30 de Junho de 2011, com promessa de celebração de contrato de trabalho desportivo para vigorar nas épocas desportivas 2011/2012, 2012/2013 e 2013/2014".

Adicionalmente, veio o sujeito passivo a declarar que, "...conforme resulta das cláusulas segundas dos Acordos, o preço estipulado foi a contrapartida da cessão da totalidade dos direitos económicos (...) e pela prestação dos serviços prestados que viabilizaram a celebração dos contratos". Apresentou também o Mod.21-RFI devidamente autenticado pelas entidades fiscais Brasileiras.

De acordo com a resposta obtida por parte da A…, o valor acordado seria referente, simultaneamente, a "direitos económicos" e a serviços prestados, não sendo, no entanto, possível destrinçar qual o valor relativo aos "direitos económicos" e qual o relativo a "serviços prestados ".

Assim, de modo a identificar os montantes em apreço, foi ainda a A…notificada (pontos 3 e 4 da Notificação n.º…, de 2011-11-04 - ato inspetivo de 2009), para prestar os seguintes esclarecimentos: "Relativamente ao negócio associado à transferência dos atletas N… e M…, o qual envolveu a entidade L…, queira discriminar as tarefas efectuadas (juntar todos os elementos de prova da sua realização) e a sua correspondente remuneração".

Em resposta à Notificação a A…limitou-se apenas a reforçar o que havia alegado anteriormente, afirmando que "com referência ao que é pedido, pensa-se que tal já é do conhecimento da Administração pois que em nota adicional aos elementos / esclarecimentos prestados, à notificação nº…, ponto nº 1, foi dito o que se retira do contrato, ou seja que, conforme resulta da cláusula segunda do Acordo, o preço estipulado foi a contrapartida da cessão da totalidade dos direitos económicos (...) e pela prestação dos serviços prestados que viabilizaram a celebração dos contratos".

Deste modo, os elementos apresentados pelo sujeito passivo não permitiram identificar o montante inerente aos serviços prestados, nem foi demonstrado por este em que consistiam esses mesmos serviços.

Posto isto, não é possível à Administração fiscal determinar, sequer a existência de serviços prestados pela entidade L…no âmbito dos acordos celebrados. Consequentemente, a administração fiscal não detém elementos que permitam valorizar os serviços eventualmente prestados, pelo que, caberia à A…, entidade que terá contratado os serviços declarados fazê-lo.

Não tendo a A…nem identificado/comprovado nem valorizado os eventuais serviços prestados, e atendendo ao conteúdo dos acordos celebrados e à substância económica subjacente aos mesmos, a administração fiscal conclui que o valor destas operações emana dos direitos transmitidos e não de quaisquer serviços, eventualmente prestados. De facto, veja-se no considerando n.º 4 dos acordos (vide anexo 106) que "A SEGUNDA CONTRAENTE pretende adquirir, e a PRIMEIRA CONTRAENTE pretende ceder, a totalidade dos direitos económicos" e também na cláusula primeira dos mesmos acordos que "Pelo presente acordo a PRIMEIRA CONTRAENTE cede à SEGUNDA CONTRAENTE, e esta aceita, a totalidade dos direitos económicos decorrentes do vínculo desportivo celebrado com o atleta". Não restam duvidas que este é o negócio principal que une estas duas entidades em acordo.

Logo, quaisquer serviços eventualmente prestados seriam sempre residuais ao objeto dos acordos e como tal, não tendo sido efetuada a comprovação de serviços prestados nem qualquer quantificação dos mesmos, para efeitos da qualificação do rendimento auferido pela entidade L…, considera-se que o montante pago remunera, em substância e subsume-se no preço da cedência dos direitos económicos.

Na sequência, também dos elementos aduzidos pelo sujeito passivo, conclui-se que a aquisição dos direitos acima descritos sucede num contexto em que os jogadores se encontravam "livres", sem contrato de trabalho desportivo em vigor com outra entidade desportiva, aquando da sua contratação pela A… . Veja-se, neste sentido, o considerando n.º 5, constante dos acordos em anexo 106 onde ficou expresso que "A SEGUNDA CONTRAENTE está interessada na referida aquisição na condição de o (...) atleta se encontrar livre de qualquer contrato ou compromisso, podendo, assim, vincular-se desportivamente desde já à A… sem que lhe possa ser exigida qualquer contrapartida financeira por parte de qualquer Clube".

Tendo em conta que os jogadores se encontram "livres", ou seja, sem direitos económicos pendentes de direitos desportivos em vigor, há que analisar qual a origem destes direitos, afim de se aferir a natureza dos rendimentos auferidos, para efeitos da sua sujeição a tributação.

Natureza dos rendimentos

Nesta situação em que um atleta se encontra "livre", não existirá um contrato de transferência entre clubes/SAD e, o Certificado Internacional de transferência do jogador é requisitado através da Federação Portuguesa de Futebol que solicita à outra Federação envolvida ou então à FIFA, conforme está previsto no artigo 9.º do Regulamento relativo ao Estatuto e Transferências de Jogadores.

Relativamente aos direitos desportivos há a considerar que, nos termos da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, os direitos desportivos emergentes da celebração de um contrato de trabalho desportivo celebrado, não são mais do que os direitos de inscrição do jogador numa competição por parte da entidade empregadora desportiva, devidamente reconhecida pela entidade responsável na organização e supervisão do futebol profissional (v.g. Liga Portuguesa de Futebol Profissional no caso da A…).

O n.º 3 do artigo 7.º, dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), dotada de utilidade pública desportiva, nos termos do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril, estabelece que o reconhecimento da qualidade de Clube implica a sua inscrição na Associação da sua área geográfica e, no âmbito da competição profissional, na Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

Ora, é depois desta tramitação que o Clube se pode declarar detentor de direitos desportivos, uma vez que se encontra em vigor, na sua plenitude, um contrato de trabalho desportivo em obediência às exigências legais e regulamentares, podendo utilizar o jogador nas competições em que participa.

Conclui-se então que, a existência de direitos desportivos só ocorre nos termos acima descritos, não sendo possível a outras entidades (v.g. empresas sem capacidade de disputar competições desportivas com uma equipa própria de jogadores) reclamarem a posse de direitos desportivos sobre jogadores. Logo, a entidade L…não era detentora de direitos desportivos.

Por sua vez, não existindo direitos desportivos, pois os jogadores não detinham em vigor um contrato de trabalho desportivo válido com uma entidade desportiva, também não se pode considerar que se constituam direitos económicos relativos a direitos desportivos, vulgo passe, detidos por uma entidade terceira não desportiva, uma vez que, estes pressupõem a existência, como suporte, de um contrato de trabalho desportivo, logicamente, com uma entidade desportiva.

Por conseguinte, encontrando-se um jogador livre de qualquer contrato de trabalho desportivo, a quantia exigida por entidade terceira não desportiva ou mesmo um agente FIFA, aquando da celebração do novo contrato, mais não é do que a contrapartida que o jogador pode vir a exigir pela celebração de um novo contrato - vulgo prémio de assinatura - que foi cedida por este a uma terceira entidade21 .

Assim, a L…, entidade não desportiva que participa na indústria do futebol profissional, quando invoca que é "titular da totalidade dos direitos económicos decorrentes do vínculo desportivo que os atletas (...) viessem a outorgar", mais não deterá do que o direito de exigir, em vez dos jogadores, uma remuneração pela celebração do novo contrato de trabalho desportivo.

Posto isto, encontrando-se os jogadores "livres" de qualquer contrato com uma entidade desportiva, os rendimentos obtidos pela entidade não residente, em contrapartida pela assinatura de contrato de trabalho desportivo do jogador com o seu novo clube, decorrem inequívoca e indissociavelmente da celebração deste novo contrato de trabalho desportivo, celebrado peio jogador na sua qualidade de desportista, donde deriva a sua utilização ao serviço do Clube/SAD residente em território Português.

Assim sendo, trata-se de rendimentos que são pagos para que se possam utilizar os serviços dos jogadores em território nacional, e como tal considerado como rendimentos obtidos em Portugal por um não residente sujeito a IRC, por força da norma de localização constante na alínea d) do nº 3 do artigo 4.º do Código do IRC, uma vez que se trata de rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas.

Retenção na fonte

Estipula a alínea f) do n.º 1 do artigo 94.º do CIRC, que os rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC obtidos por entidades não residentes em território português se encontram sujeitos a retenção na fonte.

Às retenções na fonte com caráter definitivo, i.e., as que incidem sobre rendimentos pagos a não residentes sem estabelecimento estável, ou com estabelecimento estável ao qual o rendimento não seja imputável, será de aplicar uma taxa interna de retenção na fonte de 25%, quando os rendimentos em causa resultarem de rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas (cfr. alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 94.º, e n.º 4 do artigo 87.º, ambos do CIRC).

Como já foi referido anteriormente, no decurso da ação inspetiva, foi possível apurar que não foi dado cumprimento à obrigação de efetuar a retenção na fonte, prevista nos artigos 87.º e 94.º do CIRC com base na existência de uma convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matérias de impostos sobre o rendimento e o capital, doravante CDT, com o país de residência da entidade beneficiária dos rendimentos, tendo apresentado para o efeito o Modelo RFI.

Não obstante, a CDT celebrada entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil destinada a evitar a dupla tributação e a prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, estatuiu no n.º 2 do artigo 17.º, que "...os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos (...) desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas actividades".

Por sua vez, nos Comentários ao n.º 2 do artigo 17.º do Modelo de Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, em matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património, doravante Modelo de Convenção, conclui-se que o Estado onde são exercidas as atividades de desportista, fica autorizado a tributar os rendimentos obtidos dessas atividades e atribuídos a uma outra pessoa, independentemente das outras disposições da Convenção que seriam de outro modo aplicáveis.

Ainda sobre esta matéria, e em consonância com o parágrafo anterior, refere-se o vertido aos comentários da Modelo de Convenção, onde se preconiza que os rendimentos derivados da atividade de artista ou desportista exercidos num Estado, independentemente desse rendimento reverter para o artista ou desportista ou para outra pessoa, podem ser tributados, sem qualquer limitação, por esse Estado de origem dos rendimentos.

Posto isto, relativamente a estes rendimentos derivados da atividade de desportista, mesmo existindo uma CDT celebrada com o país de residência da entidade não residente beneficiária, neste caso o Brasil, o Estado da fonte dos rendimentos fica habilitado a exercer os seus direitos de tributação sobre as importâncias atribuídas a entidades interpostas entre a entidade desportista e o Clube/SAD pagador dos rendimentos.

Por conseguinte, estando prevista a sua tributação em território português, da matéria em apreço, nos termos da já mencionada alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, mesmo com a apresentação do formulário modelo RFI, devidamente preenchido e certificado pelas autoridades fiscais brasileiras, os rendimentos em causa não ficam dispensados da tributação em sede de IRC e, consequentemente, da retenção na fonte a título definitivo.

Nestes termos, relativamente aos rendimentos em causa, ficou o sujeito passivo, enquanto substituto tributário, obrigado a fazer a entrega da quantia que deveria ter sido retida (cfr. n.º 5 do artigo 98.º do CIRC).

De referir ainda que nos termos do artigo 132.º do CIRC, as transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território nacional por entidades não residentes, não poderão ser efetuadas sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido.

Assim, nos termos dos artigos e diplomas supra mencionados, deveria o sujeito passivo aquando do pagamento ou da colocação à disposição, dos rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas, a entidades não residentes, no total de €350.000,00, ter efetuado a retenção na fonte à taxa de 25%, que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram colocados à disposição esses rendimentos (cfr. n.º 6 do artigo 94.º do CIRC).

Face ao exposto, apurou-se imposto em falta, para o período em que foi efetuado o pagamento, no montante total de €87.500,00 (€350.000,00 x 25%), acrescidos de juros compensatórios pelo atraso de receita devida ao Estado (n.º 2 do artigo 106.º do CIRC e n.º 1 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária).

 

III.1.2.3. Rendimentos de capitais - Pagamento efetuado à entidade O…

Descrição das operações

Em 8 de junho de 2005, a A… formalizou uma parceria, através de um acordo "Agreement", com a entidade O… (adiante O…) registada em GIBRALTAR com o nº…, onde cede parcialmente os direitos económicos relativos a direitos desportivos de vários atletas, incluindo 25% do jogador S…(doravante,S…) (anexo 107 - 5 fls).

Consequentemente, a A… apurou no exercício de 2004 (período entre 2004-07-01 e 2005-06-30) a mais-valia correspondente à cedência de 25% dos direitos económicos do jogador S…, tendo considerado para o efeito a quantia de € 1.688.034,19 como valor de realização dos direitos cedidos relativos a este atleta (anexo 108-2 fls).

Posteriormente, em 4/01/2006 o atleta foi vendido ao … por €8.000.000, tendo o sujeito passivo efetuado o pagamento no montante de €2.000.000,00 (2006/01/03) à O… que correspondia aos 25% de direitos económicos que eram detidos por esta entidade, sem efetuar a retenção na fonte devida.

Na inspeção efetuada ao exercício/ano de 2006, foi apurada a retenção na fonte em falta, à taxa de 20%, sobre o rendimento líquido obtido pela\O…, ou seja, sobre € 311.965,81 (= €2.000.000,00 -€1.688.034,19) uma vez que este correspondeu ao rendimento do capital investido pela O… .

Por outro lado, a A… rescindiu contrato com os jogadores T…, U… e V…(época 2006/2007), que haviam sido incluídos na parceria celebrada com a "O…" (vide clause 2 do anexo 1), pelo que, não tendo procedido à sua transferência para outro clube, os direitos económicos detidos, tanto pela A… como pela O…, cessaram com a extinção dos direitos desportivos donde derivavam.

Em 28 de agosto de 2007, a A… alienou o atleta W… ao … e, em 24 de janeiro de 2008, alienou o atleta X…, ao … . Estas operações de alienação, foram efetuadas no exercício de 2007/08, tendo a A…recebido o valor correspondente a 100% dos direitos económicos transacionados para os clubes referenciados, tornando-se devedor junto da O… do correspondente à parte dos direitos económicos que era detida por esta entidade. No entanto, durante os anos de 2007 e 2008, não foi detetado qualquer pagamento, a este respeito, efetuado pela A… à entidade O… .

Durante a ação de inspeção ao exercício de 2009, foi solicitado ao sujeito passivo, explicação para os dois pagamentos efetuados à entidade Y…(adianteY…) no valor de €2.558.532,00 cada um, perfazendo o total de €5.117.064,00. Em resposta, a A… apresentou o "Agreement", datado de 9 de janeiro de 2009, no qual a Y… se apresenta titular de créditos da entidade O…  Da análise documental efetuada ao "Agreement", de 9 de janeiro de 2009, confirma-se a cedência de créditos entre estas entidades, pois, à data da cedência, os direitos económicos já haviam sido transmitidos a uma (outra) entidade desportiva, quer pela A… quer pela O…, na sequência da transferência do jogador, ou então, já haviam sido extintos pela rescisão do contrato com esses jogadores, (anexo 109 - 10 fls). Em 28 de Setembro de 2010, o sujeito passivo efetuou um único pagamento de €597.000,00.

Neste "Agreement" a Y… e a A…, concluem o negócio de associação estabelecido no anexo 107, acertando as contas relativos à participação dos atletas, e apuraram os valores finais de pagamento: "This Agreement sets out the terms for the payment of Y…"s..." e ".. .A… shall pay to Y…the sum of €5.117.064 (...)A… shall further pay to Y…: 5.2.1 In relation to the first promissory note €1.500.000 on 10 December 2009 (...) 5.2.2 In relation to the Secondpromissory note €1.500.000 on 10December2010... ».

No acerto de contas, apura-se que a O… obteve um rendimento de €2.715.354,60220, que corresponde à diferença entre o montante devido à O…, de €8.117.064.00221, e o investimento efetuado (vide anexo 107) de €5.401.709,40222. Deste modo, €2.715.354,60, configura o rendimento do capital investido pela O…, em apreço, que resulta do anexo 109.

Natureza do rendimento

Nos termos do nº 1 do artigo 5º do CIRS, "consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária ....".

De acordo com o nº 2 do artigo 212º do Código Civil, considera-se fruto, as rendas ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação jurídica.

Nestes termos, os rendimentos obtidos pela O…, enquanto fruto ou vantagem económica, resultante do investimento financeiro efetuado na aquisição de percentagens dos direitos económico-desportivos dos jogadores (ex: W… e X…), enquadram-se como rendimentos de capitais.

E, como tal, consideram-se obtidos em Portugal por um não residente sujeito a IRC, por força da norma de localização constante na subalínea 3) da alínea c) do nº 3 do artigo 4.º do Código do IRC, uma vez que se trata de rendimentos de aplicação de capitais, cuja sujeição não se encontra prevista em nenhuma das restantes subalíneas, e o devedor (A…) tem residência em território português.

Entidade sujeita a tributação

Face ao disposto no "Agreement" exibido em anexo 109, constata-se que a entidade Y… assume a posição da O…, originando-se uma cedência de créditos da O… à Y…, relativamente aos créditos detidos sobre a A… .

Quanto à questão da cedência do crédito, há a referir que, conforme resulta do artigo 577.º do Código Civil (CC) e seguintes, a Cessão de Créditos é o contrato pelo qual o credor, dito cedente, transmite, gratuita ou onerosamente, uma parte ou a totalidade do seu crédito, atual ou futuro, a um terceiro, dito cessionário, independentemente do consentimento do devedor.

Estamos perante a transmissão da dívida, resultante do rendimento obtido pela O… com o investimento efetuado na aquisição dos direitos económicos dos jogadores, à Y… . Estamos assim, na presença de um facto permutativo e não de um facto modificativo, na esfera patrimonial da SAD que, com base no documento apresentado, passa a ter a obrigação de pagar à cessionária (Y…) e extingue a dívida à cedente (O…).

Quanto ao rendimento, para efeitos tributários, considera-se obtido na esfera da O…, pois era esta a titular dos direitos económicos do jogador quando estes foram cedidos e, com a transmissão de créditos não é criado um novo facto tributário mas, apenas são transferidos os créditos existentes entre duas entidades distintas.

Deste modo, o facto de a sociedade O… ceder os seus créditos, não releva para sujeição a tributação, pois, o rendimento é gerado na sua esfera pessoal e é este rendimento que se visa tributar.

Por conseguinte, o rendimento que deverá ser sujeito a tributação, é o rendimento obtido pelo fundo (O…) em resultado do seu investimento nos direitos económicos destes jogadores.

Retenção na fonte

A tributação dos rendimentos obtidos pelas entidades não residentes, sem estabelecimento estável, em território português, faz-se pela aplicação de uma taxa de retenção na fonte, em regra, aos pagamentos efetuados ou colocados à disposição. No caso dos rendimentos de capitais sujeitos a IRC pela subalínea 3) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, está prevista a sua tributação a uma taxa de retenção de 20%, a título definitivo.

Esta tributação prevê que a sua incidência ocorra sobre os rendimentos brutos, justificando-se que seja, assim, em regra inferior à taxa (geral) de IRC que incide sobre os rendimentos obtidos pelas entidades residentes, ou não residentes com estabelecimento estável. Este é um princípio que está expresso no próprio preâmbulo (ponto 12) do Código IRC: "Quanto às entidades não residentes, a tributação dos seus rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável, que se fará quase sempre por retenção na fonte a título definitivo, situa-se em valores que têm conta a natureza dos rendimentos e o facto de, em regra, as respectivas taxas incidirem sobre montantes brutos".

Ora, no caso dos rendimentos em apreço, a administração fiscal admite que a taxa possa não incidir sobre os rendimentos brutos, apesar de o Código do IRC abranger esse princípio na tributação para os rendimentos de não residentes sem estabelecimento estável, mas sim sobre os rendimentos obtidos, líquidos do investimento efetuado.

Esta posição assenta no facto da entidade obrigada a efetuar a retenção na fonte deter a informação necessária e suficiente para demonstrar qual o investimento efetuado e o rendimento líquido gerado pela entidade não residente e pelo facto da especificidade da natureza dos rendimentos de capitais, onde se sujeita a tributação, nos termos do artigo 5.º do Código do IRS, "os frutos e demais vantagens económicas".

No entanto, o facto de a administração fiscal optar por aplicar a taxa de retenção, não sobre o rendimento bruto mas, sobre o rendimento líquido, não obsta a que em cada pagamento efetuado procure tributar/reter o proporcional correspondente ao rendimento obtido.

Com efeito, a tributação do rendimento em IRC assenta na ótica económica de obtenção de um crédito, vantagem patrimonial, em detrimento da ótica financeira, pelo que, a tributação não se deve concentrar somente quando o fluxo financeiro obtido traduza a vantagem patrimonial obtida pela entidade não residente, mas sim em cada pagamento que, proporcionalmente, incorpora a vantagem patrimonial obtida com a cedência dos direitos económicos transacionados entre as duas entidades.

Por conseguinte, conclui-se que cada pagamento efetuado contém o devido proporcional do rendimento obtido pelo sujeito passivo. Assim, em 28 de setembro de 2010, a A… efetuou um pagamento, no montante de €597.000,00, que equivale a 7,35%227 do valor total a reembolsar ao fundo e inclui o correspondente proporcional (7,35%) do rendimento obtido pela O… . Deste modo, tendo sido apurado um rendimento (líquido) de € 2.715.354,60, o pagamento incorpora um parcial do rendimento obtido no valor de €199.578,56.

Conforme já foi referido, estes consideram-se rendimentos de capital obtidos em Portugal por um não residente sem estabelecimento estável, sujeito a IRC, por força da norma de localização constante na subalínea 3), alínea c) do nº 3 do artigo 4.º do Código do IRC.

De acordo com a alínea c) do nº 1 do artigo 94.º do CIRC, os rendimentos de aplicação de capitais, tal como são definidos para efeitos de IRS, obtidos por entidades não residentes em território português, encontram-se sujeitos a retenção na fonte.

Às retenções na fonte com caráter definitivo, i.e., as que incidem sobre rendimentos pagos a não residentes sem estabelecimento estável, ou com estabelecimento estável ao qual o rendimento não seja imputável, será de aplicar uma taxa interna de retenção na fonte de 20%. quando os rendimentos em causa resultarem de (outros) rendimentos de capitais não expressamente tributados a taxa diferente [cfr. alínea b) do nº 3 e nº 5 do artigo 94.º, e alínea c) do nº 4 do artigo 87.º ambos do CIRC].

A obrigação de efetuar retenção na fonte, no todo ou em parte, pode ser dispensada nos termos do nº 2 do artigo 98.º do CIRC, i.e., nos casos de existência e acionamento de convenção destinada a eliminar dupla tributação celebrada por Portugal e o país de residência do beneficiário dos rendimentos.

Como não existe convenção celebrada entre Portugal e o país do beneficiário dos rendimentos (Gibraltar), nem o sujeito passivo beneficiava de qualquer isenção total ou parcial, ficou a A…, enquanto substituta tributária, obrigada a fazer a entrega da quantia que deveria ter sido retida (cfr. nº 5 do artigo 98.º do CIRC).

Donde, nos termos do nº 6 do artigo 94º do CIRC, a A… encontrava-se obrigada a reter na fonte na data da colocação à disposição do rendimento, que ocorreu na data do pagamento efetuado.

De referir ainda que nos termos do artigo 132.º do CIRC, a transferência para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território nacional por entidades não residentes, não poderá ser efetuada sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido.

Assim, nos termos dos artigos supra mencionados, deveria o sujeito passivo aquando do pagamento efetuado, ter executado a retenção na fonte devida, à taxa de 20%, em função do rendimento de capitais obtido, por parte da O…, de € 199.578,56. Posto isto, deveria ter sido retido na fonte a quantia de €39.915,71 no mês de setembro de 2010.

Face ao exposto apurou-se imposto em falta no total de € 39.915,71, a título de retenção na fonte, sobre o qual acrescerão juros compensatórios nos termos do nº 2 do artigo 106º do CIRC e do artigo 35º da Lei Geral Tributária.

c)      Em 16-08-2013, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

d)      Em 30-05-2014 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa referida (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), notificado à Requerente pelo Ofício n.º…, de 02-06-2014;

e)      Em 20-06-2012, foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida, que foi notificada à Requerente em 26-06-2012 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

f)        Em 02-07-2014, a Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g)      Por despacho de 21-08-2015, a Senhora Subdirectora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, por delegação do Senhor Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, indeferiu o recurso hierárquico, nos termos que constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, manifestando concordância com o projecto de decisão em que se refere, além do mais, o seguinte:

B) DOS PAGAMENTOS EFECTUADOS A NÃO RESIDENTES

A ora Recorrente efectuou vários pagamentos a não residentes (direitos de imagem e direitos económicos relativos a atletas, rendimentos de capitais e espectáculo, intermediação). Tendo os correlativos rendimentos sido objecto de correcções adicionais pela Inspecção Tributária, vêm as mesmas contestadas.

De seguida e com algum vagar, vamos conhecer das posições da Recorrente e da Recorrida e, após o necessário cotejo, apresentar o nosso Parecer

Da utilização dos direitos de imagem dos desportistas

A ora Recorrente efectuou pagamentos a sociedades não residentes, sem estabelecimento estável em território português - a G… (de direito irlandês), a I… e a K… (ambas de direito holandês). Tais movimentos financeiros terão sido realizados a coberto da utilização de direitos de imagem, respectivamente, dos atletas F…, H… e J… .

A avaliar pelas correcções que vêm refutadas no presente Recurso, as mesmas fundar-se-ão na conexão indissociável ou inequívoca entre o contrato de aquisição de direitos de imagem e o contrato de trabalho desportivo, ambos celebrados com referência a um mesmo atleta. Ou seja, a Inspecção Tributária considerou que os pagamentos efectuados pela sociedade desportiva residente (a Recorrente) a uma entidade não residente pela cedência dos direitos de imagem de um atleta configurariam, a final, rendimentos derivados da actividade desse mesmo desportista em território português. Sujeitando-os a tributação, em face do disposto no artigo 4.º, n.º 3, alínea d), do Código do IRC, a uma taxa liberatória de 25%.

Ao invés, de acordo com o expendido no Recurso que temos entre mãos, cada atleta teria cedido a exploração dos seus direitos de imagem a uma sociedade (não residente), que depois veio a celebrar um agreement com a Recorrente, a qual reconheceu como gasto na sua contabilidade as despesas incorridas com a consequente aquisição. Donde que os pagamentos efectuados não terão correspondido a rendimentos derivados do exercício da actividade desportista dos atletas em causa, excluindo-se a aplicação do disposto na sobredita alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º, do Código do IRC. E resultando indevido o imposto apurado, mais os juros compensatórios que vieram a ser, ilegalmente, fixados.

Destarte, somos levados a fazer a seguinte apreciação:

Temos como ponto de partida a figura contratual da utilização dos direitos de imagem do atleta por uma sociedade desportiva residente, mediante a cedência dos mesmos por uma entidade não residente a troco de uma contrapartida financeira. Não existindo dificuldade alguma em reconhecer aos direitos de imagem uma natureza pessoal, susceptível de patrimonialização e, também, de cessão a terceiros para efeitos de exploração comercial.

Em ordem à definição da relação jurídico-tributária, estabelece Código do IRC, no seu artigo 2.º, que são também sujeitos passivos do Imposto «As entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direcção efective em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS» - n.º 1, alínea c).

Assim, a sujeição dos não residentes a imposto apenas se verifica quanto aos rendimentos por eles obtidos em território português, mesmo que aqui não possuam estabelecimento estável - n.ºs 2 e 3 do artigo 4.º.

Para efeitos ainda da extensão da obrigação de imposto às entidades não residentes (com ou sem estabelecimento estável), postula o mesmo artigo 4º, na alínea d) do seu n.º 3, que são tributados os «rendimentos derivados do exercício em território português da actividade de espectáculos ou desportistas». Ou seja, o legislador atribui competência tributária ao Estado da fonte dos rendimentos, pese embora a residência fiscal do beneficiário em outro Estado.

Todavia, sucede que no relatório de inspecção que fundou a liquidação adicional do imposto sindicada na Reclamação Graciosa, fez-se constar que a entidade Inspecionada, a respeito do contrato de cedência dos direitos de imagem: «não forneceu quaisquer documentos/elementos que permitissem comprovar a racionalidade económica subjacente a um negócio em que "adquire" direitos que já detinha e não procede à sua exploração comercial, no sentido de maximizar os respetivos rendimentos» (fls. 7 e 8).

Mais ali se assinalando que «não foram detetados quaisquer rendimentos associados à exploração destes direitos», tal como teria já sido verificado "nos procedimentos externos de inspeção realizados aos exercícios de 2008 e 2009 (fls. 68 e 69, 75 e 78, 81 e 85)". Ficando por demonstrar assim a indispensabilidade de realizar o contrato de aquisição dos direitos pela sociedade Recorrente, entenda-se bem como "qualquer rendimento concretizável com incremento patrimonial na A…, que justifique os encargos assumidos", e "quando já havia adquirido os direitos de imagem do jogador, aquando da celebração do contrato de trabalho desportivo», por clausulado expresso neste, no mesmo dia (fls. 71,77 e 83).

Para se concluir, «Ora, se a A… assegura os direitos de imagem do jogador através da cláusula acima referida do contrato de trabalho e, como tal, no salário do jogador já se encontrava refletida a remuneração relativa a estes direitos, não se entende qual o fundamento para legitimara assunção do encargo em causa, através de um novo contrato» (fls. 71, 77 e 84).

Ou seja, avultam reservas ou dúvidas que sugerem, de modo fundado, uma dicotomia entre, de um lado, a forma, e do outro, a substância, e que levaram à correcção da matéria tributável.

Tem a palavra a nossa mais qualificada doutrina:

Como nos asseveram PAULO MARQUES e CARLOS COSTA, «A forma constitui um requisito lógico indispensável a existência do negócio jurídico, não havendo este sem aquela, independentemente de estatuição legal". Não obstante esta premissa inicial, também acompanhamos os mesmos Autores quando, de seguida, ressalvam que «A conceptualização e o enquadramento do Direito Fiscal não têm sido unânimes, questionando-se, por isso, a prevalência da substancia económica sobre a forma em Direito Fiscal».

Nesta sede tem assim cabimento a invocação do disposto no n.º 3 do artigo 11.º da LGT: Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substancia económica dos factos tributários». Ou seja, num esforço de reconstituição, prevalece a realidade económica "guardada" pelas formas jurídicas (contratuais) que, devem assim, ser desconsideradas, no todo ou em parte, em caso de uso indevido ou abusivo.

Conforme assinala LIMA GUERREIRO, de modo assaz pertinente, «A interpretação das normas de direito fiscal segundo a substância económica actua como elemento correctivo da tributação em caso de violação do princípio da igualdade, por manifestações idênticas de capacidade contribuída poderem ser tratadas discriminatoriamente pela lei fiscal».

O legislador, no artigo 17.º do Código do IRC, ao enunciar o modo de determinação do lucro tributável, reconduzindo-o à soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo exercício e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade, exige um suporte documental dos ganhos e perdas. Pois um tal resultado só pode repousar sobre uma realidade formalizada e não só realmente pressuposta, mas sempre com fiel aderência à realidade material depois declarada.

Em face do exposto, o princípio da presunção da veracidade e boa-fé das declarações do contribuinte, com assento legal no artigo 59.º, n.º 2, da LGT, radica, necessariamente, num prévio cumprimento dos deveres fiscais impostos por lei. Assim, por exemplo, se um documento se encontra inserido numa escrita organizada, dando a conhecer os elementos necessários ao desempenho da sua função (fiscal), terá de atribuir-se-lhe o crédito de confiança correspondente.

 Como já vimos, sobre a Administração Fiscal impende o ónus de provar a verificação dos pressupostos legais da sua actuação e de investigar a situação tributária do contribuinte, em face do disposto no artigo 58.º, da LGT. In casu, como lhe competia, a Inspecção Tributária recolheu suficientes indícios para concluir pelo incumprimento das obrigações tributárias, maxime, da retenção na fonte do imposto sobre os pagamentos disponibilizados a sociedades não residentes. E, consequentemente, no relatório de inspecção repousam os fundamentos de facto e de direito que subjazem à liquidação adicional de imposto que veio a ser produzida, e de que o sujeito passivo reclamou.

Pelo exame aturado à contabilidade da ora Recorrente, a Inspecção Tributária observou, claramente, o princípio da descoberta da verdade material". Sendo que a partir do momento da recolha dos indícios, e dada a sua solidez, a presunção ex lege da verdade da escrita e das declarações já não poderia aproveitar ao sujeito passivo, passando antes a recair sobre este um ónus probandi.

Mostrando-se pois verificados os pressupostos legais vinculativos da actuação da Administração Fiscal, impendia sobre o contribuinte o dever de apresentar prova bastante e fundada do desacerto das correcções oficiosas à matéria colectável. A par da demonstração da pretensa bondade do que por si havia sido escriturado e declarado.

Desde logo, cumpre recordar que o artigo 74.º n.º 1 da Lei Geral Tributária, a propósito do ónus da prova, dispõe o seguinte: «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».

Nestes termos, o ónus probatório assume uma natureza verdadeiramente substantiva ou material de que resulta que uma decisão final não pode, no entanto e pela impossibilidade legal de manutenção de um non liquet, deixar de desfavorecer a parte que se encontrava onerada com a prova dos necessários e relevantes factos.

Acresce que a produção de prova está associada à alegação. Quem tem de alegar os factos tem também em princípio, o ónus da produção da prova respectiva. Na esteira do que nos diz PAULO MARQUES «o critério que deverá presidir à distribuição do ónus probandi, será o do interesse da própria afirmação».

Por outro lado ainda, «o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos» (in Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10 de Fevereiro de 2009 - Processo n.º 2469/08).

Pelo que, se um dado sujeito passivo invocou uma determinada materialidade das operações como estando subjacente ao por si declarado, alegando factos constitutivos do seu direito, o ónus da prova não poderá deixar de recair sobre ele, que foi quem os invocou, e é quem tem interesse na sua aceitação e maior facilidade na comprovação do declarado. Cabendo-lhe pois contrariar os indícios recolhidos pela Administração Fiscal, sob pena de ter que suportar as desvantagens da incerteza dos factos dos quais não tenha logrado prova.

No caso vertente, pretende a ora Recorrente ver anulado o acto de liquidação adicional de imposto por entender não passíveis de tributação em território português os rendimentos pagos à sociedade não residente e, como tal, carecendo de fundamento as correcções empreendidas. Para obter a almejada anulação da liquidação, impunha-se da sua parte a competente produção de prova, apta a fazer decair os pressupostos em que assentou a liquidação.

Sendo quem alega que os pagamentos efectuados não corresponderiam a rendimentos derivados do exercício da actividade desportista dos atletas em causa, seria também, sem sombra de quaisquer dúvidas, ela mesmo quem, com mais facilidade, poderia (e deveria) documentar e esclarecer a situação tributária. O que, de todo, não fez.

A nossa mais qualificada jurisprudência vai ao encontro deste entendimento. Por exemplo, o Tribunal Central Administrativo Norte, em Acórdão de 12 de Outubro de 2011 (Processo n.º 1550/05) sancionou-o nos seguintes termos:

«No âmbito do dever de indagação oficiosa da Administração Tributária, esta deve socorrer-se de indícios baseados em dados objectivos e externamente sindicáveis para concluir que aí declarações e a contabilidade do sujeito passivo não reflectem a matéria tributária real. Uma vez recolhidos esses indícios, recai sobre o sujeito passivo o ónus de confirmar os dados declarados por si e infirmados pela Administração, deixando de gozar da presunção do declarado».

Assim, o itinerário procedimental a seguir é este, e não outro:

1. Ab initio, por efeito da lei (artigo 75.º da LGT), presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações e elementos do contribuinte;

2. Cessa a presunção de veracidade e boa-fé a partir de indícios em sentido contrário, baseados em dados, objectivos e externamente sindicáveis, recolhidos pela Administração Fiscal;

3. Indiciada a falta de correspondência do declarado com a matéria tributária real, o ónus da prova de molde a firmar o declarado e a infirmar aqueles indícios recai sobre o contribuinte - que é quem tem interesse numa dada situação tributária e maior facilidade na sua comprovação;

4. Não feita a prova pelo contribuinte, este suporta as consequências negativas do incumprimento daquele ónus.

Ora, como já se anteviu pelo relatório de inspecção (fls. 7 e 8), no procedimento tributário sobre análise o contribuinte não deu um contributo para a descoberta da verdade material que pudesse abalar, irrefutavelmente, os pertinentes indícios recolhidos em sede do procedimento de inspecção tributária. Antes se confinando a meras asserções de carácter genérico e abstracto, sempre desprovidas de suporte probatório, maxime, documental.

Pelo que, antes mesmo de efectuada a liquidação adicional (isto é, aquando a prestação de esclarecimentos no decurso da acção inspectiva ou depois no direito de audição ante o projecta de relatório de inspecção), caberia à ora Recorrente ter vindo demonstrar que, apesar da aparência inicial do contrário, a situação tributária real era a que havia sido contabilizada e declarada, não havendo por que ser promovidas aquelas correcções adicionais. A ter prestado os esclarecimentos solicitados e a ter exibido prova suficiente, poderia ter feito soçobrar a putativa pretensão da Administração Fiscal em efectuar uma liquidação adicional. Mas, de todo, não o fez.

Repetimos: não o fez antes mesmo da liquidação adicional, seja no decurso da acção inspectiva, seja no exercício do direito de audição ante o projecto de relatório de inspecção.

Mas também não logrou fazer depois da liquidação adicional, seja na dedução da Reclamação Graciosa contra a mesma, seja no direito de audição ante o projecto de indeferimento da Reclamação Graciosa, ou agora, em sede de Recurso Hierárquico.

Ou seja, no procedimento tributário teve, pelo menos, cinco possibilidades de contrariar, pela produção de prova, as correcções adicionais à matéria colectável.

Não o logrando alcançar, mantém-se imaculada na ordem jurídica a liquidação reclamada. Bem como as correcções adicionais nela contidas. Isto porque os indícios recolhidos, a montante, pela Inspecção Tributária, não vieram a ser destituídos pelo sujeito passivo onerado com a respectiva prova.

Aqui chegados, e sem conceder, não nos furtaremos a enfrentar o tema sob controvérsia e diremos, em seguida, o que sobre ele se nos parece:

Aos nossos olhos a questão material decidenda põe-se do seguinte modo: os rendimentos provenientes da cedência dos direitos de imagem dos desportistas derivaram ou não da actividade exercida pelos mesmos em território português?

O mesmo é dizer, tais rendimentos seriam de tributar em Portugal, por força do disposto no artigo 4.º, n.º 3, alínea d), do Código do IRC?

Desde logo, não podemos deixar de notar que os encargos em causa correspondem a uma parte significativa do total de rendimentos pagos pela Recorrente a cada jogador para o exercício da sua atividade de desportista e para a aquisição dos direitos de imagem que já estava prevista no clausulado do contrato de trabalho desportivo.

Este sobrepeso também foi apontado pela Inspecção Tributária. E, como vimos, notificada do projecto de relatório de inspecção, ainda assim a ora Recorrente (então, entidade inspecionada) não exerceu o seu direito de defesa e audição. Por esta via malbaratando uma derradeira oportunidade de fazer soçobrar a pretensão tributária, antes mesmo da subsequente liquidação adicional geradora de efeitos gravosos sobre a sua situação tributária.

Na verdade, os direitos de imagem brotam da relação laborai desportiva, ainda que possam surgir, consoante os casos, mais ou menos diferenciados da prestação laborai propriamente dita. O contrato mercantil de cessão ou cedência desses direitos surge, por assim dizer, como derivado e complementar do contrato laboral:

·         o primeiramente, o clube ou sociedade desportiva garante a contratação do atleta enquanto futebolista para o seu plantel,

e, apenas quando reunida esta condição prévia,

·         de seguida avança para a celebração do contrato de aquisição dos direitos de imagem do mesmo atleta.

A esta mesma luz bem podemos compreender que a duração de cada um dos contratos de utilização dos direitos de imagem acompanhe, inexoravelmente, o período de vigência do respectivo contrato de trabalho desportivo com o mesmo atleta, conforme assinalado no relatório de inspecção. Existindo uma afectação directa de tais direitos à relação laborai, da qual não se poderão apartar.

Por esta mesma ponderosa razão, no relatório de inspecção se fez sublinhar que: tem última instância, o que acaba por se transferir daquela terceira entidade não residente, serão os rendimentos que derivam da Imagem que estes atletas detêm, enquanto jogadores que desempenham (ou vão desempenhar) a atividade de profissional de futebolistas em território português» (a fls. 112 do relatório).

Esta mesma interpretação segue a par das conclusões do Relatório Síntese sobre o enquadramento fiscal de operações realizadas por entidades ligadas ao sector do futebol profissional", elaborado por um grupo de trabalho da Administração Fiscal, segundo o qual:

«No caso de desportistas, enteie uma ínfima relação desse direito de natureza pessoal com as condições ou qualidades profissionais - também de natureza pessoal - que possui o titular do direito de imagem, de lei modo que aquelas são a causa e o pressuposto deste».

Podemos assim afirmar que a utilização da imagem é inerente ao desempenho do trabalho pelo desportista. E, no caso em apreço, tal surge bem respaldado no contrato de trabalho, ao fazer retribuir pela sociedade desportiva a utilização da imagem do desportista. Dito de outro modo, o contrato laborai inclui, ele mesmo, a cessão da exploração da imagem.

Os dois contratos (trabalho desportivo e cessão dos direitos de imagem), pese embora a exterioridade de independência, o certo é que forniam parte de uma única estrutura negociai, o que se evidencia pela mesma data de celebração e pela mesma vigência temporal.

No caso que ora nos ocupa, temos a interposição de uma entidade não residente entre a entidade desportiva utilizadora dos direitos de imagem (a Recorrente) e o próprio titular destes (o desportista).

Envolvendo várias jurisdições fiscais, poderemos reproduzir a operação, nos seus traços essenciais, pelo seguinte diagrama:

O enquadramento jurídico-fiscal da cedência e utilização dos direitos de imagem dos desportistas, de permeio com a temática do planeamento fiscal internacional e a redução e/ou eliminação de tributação sobre os rendimentos, têm sido objecto de denodadas preocupações, e não menos querelas, no seio da União Europeia e em vários dos seus Estados membros.

Com o propósito de fazer diminuir, substancialmente, os encargos associados à tributação, os direitos de imagem dos jogadores de futebol surgem, bastas vezes, alocados a sociedades - interpostas ou instrumentais (conduit companies), não residentes - que, não desempenhando qualquer actividade comercial relacionada com a exploração dos mesmos, recebem a esse título, por parte dos clubes ou sociedades desportivas, montantes que, na realidade, antes correspondem a remunerações do desportista, mais penalizadas do ponto de vista fiscal. Ou seja, apenas na aparência existe uma verdadeira exploração comercial da imagem do jogador, totalmente alheia à sua actividade laboral.

Nestes casos, os clubes ou sociedades desportivas são beneficiárias dos mecanismos de instrumentalização das sociedades cedentes, uma vez que é prática os desportistas (sobretudo os não residentes) negociarem a sua retribuição global em termos líquidos, isto é, depois de impostos. Donde que, se os clubes conseguem subtrair pagamentos à retenção do imposto, saem favorecidos na medida em que a retribuição a disponibilizar ao desportista não se toma tão elevada.

Por exemplo, na vizinha Espanha - onde o assunto se tem posto com especial acuidade e mediatismo -, por aplicação do regime de transparência fiscal consagrado no artigo 92º da Ley 35/2006, de 28 de Noviembre, são tributados na esfera directa do desportista os montantes pagos pelo clube ou sociedade desportiva à sociedade interposta, a título de exploração dos direitos de imagem.

Entre nas, idêntico resultado prático pode ser alcançado mediante a desconsideração da sociedade interposta, com recurso à clausula geral anti-abuso prevista no artigo 38.º, da LGT, requalificando-se assim os pagamentos como rendimentos da categoria A do IRS, e tratando-os nos exactos termos em que o seriam os pagamentos efectuados directamente ao desportista.

Todavia, ad quem, cabendo-nos, estritamente, o reexame da decisão recorrida, verifica-se que nesta não surge posto em crise o desempenho pela sociedade interposta de uma actividade comercial relacionada com a exploração dos direitos de imagem. Malgrado o benefício económico que, a jusante, back-to-back, possa aproveitar ao desportista que operou a cedência, os montantes pagos pela Recorrente vêm qualificados como rendimentos da entidade cessionária e não, a título individual, do titular cedente.

Na situação vertente, os direitos de imagem foram cedidos pelo seu titular a uma entidade não residente, tendo esta, por sua vez, cedido depois, mediante contraprestação, a exploração dos mesmas à sociedade desportiva residente (a Recorrente) com a qual o atleta celebrara um contrato de trabalho. Logo, «os pagamentos efectuados àquela entidade pelo Clube/SAD podem ser considerados obtidos em território português dada a sua conexão directa e indissociável com o exercício da actividade desportiva do jogador titular do direito, por força do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 4º do CIRC, ou da alínea o) do nº 1 do artigo 18º do C/RS sendo, portanto, passíveis de tributação na fonte».

Por outras palavras, nos vários casos a profusão de sociedades interpostas cede ante a evidência económica dos vários contratos Ou melhor, ante a «substância económica dos factos tributários», para que nos remete o artigo 11.º, n.º 3, da LGT.

Recorde-se também que, de acordo com o Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património (Modelo de Convenção OCDE), os rendimentos obtidos por um residente de um Estado Contratante na qualidade de desportista, proveniente da actividade exercida, pessoalmente, nessa qualidade, no outro Estado Contratante, ainda que atribuídos a uma outra pessoa, podem neste último Estado ser tributados (n.ºs 1 e 2, do artigo 17.º). E sendo que, as Convenções celebradas por Portugal, quer com a Irlanda quer com os Países Baixos, acolhem uma disposição idêntica à do Modelo, ficando assim o Estado da fonte dos rendimentos habilitado a tributar as importâncias atribuídas a uma entidade interposta entre o desportista e o seu empregador.

Aliás, a conexão directa dos rendimentos provenientes da cedência dos direitos de imagem com a actividade profissional exercida22, para a qual propendemos, segue a marcha da interpretação que tem vindo a ser seguida pela Administração Fiscal, e que foi divulgada de modo clarividente através da Circular n.º 17/2011, de 19 de Maio de 2011, do Gabinete do Director-Geral:

«5. Quando os direitos de Imagem de um jogador são detidos por uma entidade não desportiva, não residente em território português, que os cede e um Clube/SAD residente, com o qual o jogador vai celebrar um contrato de trabalho desportivo, os rendimentos obtidos por essa entidade com a cedência desses direitos encontram-se estreitamente relacionados com os direitos inerentes ao contrato de trabalho desportivo celebrado pelo Jogador, porque derivam da imagem deste no exercício da sua actividade profissional e acenas subsistem enquanto durar o contrato de trabalho desportivo Assim, esses rendimentos configuram «rendimentos derivados do exercido em território português de actividade de (...) desportistas» e encontram-se sujeitos a IRC, nos termos da alínea d) do n.º3 do artigo 4.º do Código do IRC.

6. Os rendimentos mencionados no ponto anterior, obtidos por uma entidade, não desportiva, não residente, estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 25% nos termos do nº 4 do artigo 87º, conjugado com o n.º 5 do artigo 94.º, ambos do Código do IRC. Por se considerarem rendimentos derivados da actividade de desportistas, a dispensa prevista no n.º 1 do artigo 98.º do Código do IRC não se aplica, mesmo que exista uma Convenção para evitara Dupla Tributação ÍCDT) entre Portugal e o país de residência da entidade não residente, quando a CDT siga o disposto no n.º 2 do artigo 17º da Convenção Modelo da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico)».

Pelo exposto, não obstante se trate de uma pessoa colectiva não residente, sobre a sociedade cedente impende a obrigação do imposto quando estão em causa rendimentos obtidos em território português, conforme postulado no artigo 4.º, n.º 2 e n.º 3, alínea d), do Código do IRC, num afloramento do princípio da territorialidade ou da fonte.

Concomitantemente, não poderia realizar-se a transferência para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território português por entidade não residente, sem que se mostrasse pago ou assegurado o imposto que fosse devido (artigo 132.º, n.º 1, do Código do IRC), sob pena de responsabilidade tributária e contra-ordenacional".

No sentido de o Estado Português poder acautelar a boa cobrança dos impostos, e sendo o titular dos rendimentos uma entidade não residente, a lei impõe à entidade pagadora que efectue uma retenção na fonte, a título liberatório ou definitivo, no momento do pagamento - artigo 94.º, n.º 1, alínea f), n.º 3, alínea b), e n.º 5, do Código.

A taxa a aplicar, considerado o exercício de 2010 e a natureza dos serviços em causa, ê de 25% - artigo 87º, n.º 4, do Código. Devendo a importância retida ser entregue ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foi deduzida (n.º 6, do artigo 94.º).

Em face de todo o exposto, não são de proceder as alegações da Recorrente, mostrando-se acertadas as correcções empreendidas pela Inspecção Tributária e, por consequência, a liquidação reclamada.

 

Da aquisição de direitos económicos e serviços prestados

A ora Recorrente terá efectuado um pagamento à sociedade L…, de direito brasileiro, pela aquisição de direitos económicos e serviços prestados que viabilizaram a celebração dos contratos, relativos aos atletas M… e N… .

Diversamente, a Inspecção Tributária entendeu que, não se encontrando tais atletas vinculados profissionalmente a qualquer clube desportivo, o montante pago terá antes correspondido a um prémio de assinatura. Tornando-se mister a sujeição a imposto, ancorada na nossa já bem conhecida alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º, à taxa de 25 % (artigo 87.º, n.º 4), e resultando inobservada a obrigação de efectuar a retenção na fonte a título liberatório - artigo 94.º, n.º 5, todos do Código do IRC.

No relatório de inspecção, surge expendido que «os elementos apresentados pelo sujeito passivo não permitiram identificar o montante inerente aos serviços prestados, nem foi demonstrado por este em que consistiam esses mesmos serviços. Posto isto, não é possível a Administração fiscal determinar, sequer a existência de serviços prestados peia entidade L… no âmbito dos acordos celebrados. Consequentemente, a administração fiscal não detém elementos que permitam valorizar os serviços eventualmente prestados, peto que, caberia à A…, entidade que terá contratado os serviços declarados fazê-lo».

Em face desta invocada omissão probatória, «atendendo ao conteúdo dos acordos celebrados e à substancia económica subjacente aos mesmos, a administração fiscal conclui que o valor destas operações emana dos direitos transmitidos e não de quaisquer serviços, eventualmente prestados". Erigindo-se a cedência dos direitos económicos como "o negócio principal que une estas duas entidades em acordo" e levando a que "quaisquer serviços eventualmente prestados seriam sempre residuais ao objeto dos acordos”.

Considerou-se assim que «o montante pago remunera, em substância e subsume-se no preço da cedência dos direitos económicos».

Ademais, num contexto em que «os jogadores se encontram "livres", ou seja, sem direitos económicos pendentes de direitos desportivos em vigor", pois os mesmos "não detinham em vigor um contrato de trabalho desportivo válido com uma entidade desportiva, também não se pode considerar que se constituam direitos económicos relativos a direitos desportivos, vulgo passe, detidos por uma entidade terceira não desportiva, uma vez que, estes pressupõem a existência, como suporte, de um contrato de trabalho desportivo, logicamente, com uma entidade desportiva».

Destarte, foi entendido que «encontrando-se um jogador livre de qualquer contrato de trabalho desportivo, a quantia exigida par entidade terceira não desportiva ou mesmo um agente FIFA, aquando da celebração do novo contrato, méis não é do que a contrapartida que o jogador pode vir a exigir pela celebração de um novo contrato - vulgo prémio de assinatura - que foi cedida por este a uma terceira entidade».

Seguido este itinerário, e de acordo com as diligências empreendidas, a Inspecção Tributária pôde inferir o seguinte:

«Assim, a L…, entidade não desportiva que participa na indústria do futebol profissional, quando invoca que é "titular da totalidade dos direitos económicos decorrentes do vinculo desportivo que os atletas (...) viessem a outorgar", mais não deterá do que o direito de exigir, em vez dos jogadores, uma remuneração pela celebração do novo contrato de trabalho desportivo.

Posto isto, encontrando-se os jogadores "livres" de qualquer contrato com uma entidade desportiva, os rendimentos obtidos pela entidade não residente, em contrapartida pela assinatura de contrato de trabalho desportivo do jogador com o seu novo clube, decorrem inequívoca e indissociavelmente da celebração deste novo contrato de trabalho desportivo, celebrado pelo jogador na sua qualidade de desportista, donde deriva a sua utilização ao serviço do Clube/SAD residente em território Português».

In fine, qualificaram-se os rendimentos como obtidos em território nacional, porque derivados do exercício, aqui, da actividade de desportistas.

Isto é, terão sido pagos para que se pudessem utilizar os serviços dos jogadores em Portugal, nos termos previstos na alínea d), do n.º 3, do artigo 4.º, do Código do IRC.

Em sentido oposto, a Recorrente contesta a posição da Administração Fiscal na presente sede por em seu entender não se afigurar possível a discriminação do montante que terá correspondido aos serviços prestados pela sociedade brasileira em prol da celebração dos contratos, alegando que o acordo contemplara a transacção como um todo. E mais refutando que a correcção adicional empreendida pela Inspecção Tributária pudesse abranger o montante total se a mesma sabia que neste se incluía o valor dos serviços prestados28.

Surge aduzido pela Recorrente que o montante pago não corresponde a um rendimento (prémio de assinatura), mas antes a uma aquisição de activos fixos intangíveis (activo imobilizado incorpóreo), dado que ao preço de compra acrescem todos os acessórios de compra, no caso os gastos suportados com a prestação de serviços». Mais se adiantando que «sen? a celebração do contrato em apreço, a Recorrente ver-se-ia impossibilitada de proceder à inscrição dos jogadores para a sua utilização, pelo que teria registado um activo intangível com o qual não poderia contar para a formação de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora».

Por outro lado, a Recorrente faz notar que a emissão do certificado internacional de transferência (In casu, pela Confederação Brasileira de Futebol) - de que depende a inscrição de um atleta e a sua participação nas competições de futebol profissional - nunca teria lugar sem a prévia aquisição dos direitos desportivos e económicos ao respectivo titular.

Na sua interpretação da lei, «nunca o rendimento em causa poderia ser considerado como um "rendimento da actividade de desportistas", porquanto os jogadores em causa não desenvolvem a actividade como desportistas a título individual ou autónomo». Fazem-no «apenas no contexto colectivo, enquanto activos da Recorrente para a qual contribuem para a obtenção de rendimentos*, em conformidade com o que o legislador quis plasmar na redacção da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º, do Código do IRC.

Para que pudesse usufruir da dispensa de retenção na fonte do imposto, aduz que foi apresentado um formulário de modelo 21-RFI (veja-se o artigo 98.º, n.º 2, do Código do IRC).

Segundo a Recorrente não terão sido assim respeitados e acautelados pela Administração Fiscal os princípios da verdade material, da boa-fé e da imparcialidade (artigos 266.º, n.º 2, da Constituição, e 58.º e 59.º, ambos da LGT), nem atendida a substância económica da operação em apreço. Desde logo, pela subestimação dos elementos probatórios fornecidos pela Recorrente.

Vejamos a quem assiste a razão:

Prima facie, a posição da Recorrente enferma, originariamente, de uma contradição insanável. A um passo, pretende fazer sobressair a impossibilidade de uma desagregação do montante total pago que permitisse individualizar os "serviços prestados" para viabilização dos contratos e assim melhor conhecer a expressão da parte no todo. Para em outro passo, rejeitar que os mesmos "serviços prestados" possam ser objecto de correcção do imposto, como que diluídos no montante total pago, pretendendo antes uma individualização para poder beneficiar da dispensa da obrigação de retenção na fonte.

A inclusione unius ad exclusionem alterius, das duas posições apenas uma poderá fazer o seu caminho:

o Ou bem que subscrevemos a unicidade do montante total pago, e então afastamos a individualização dos "serviços prestados", a respeito da sua quantificação - eis a solução para que propendemos, relegando tais serviços para um plano secundário ou mesmo residual28;

o Ou bem que não, e, neste caso, não compreendemos como é que podemos individualizar no montante total pago os 'serviços prestados para viabilização dos contratos", e conhecer da sua efectiva prestação, quando o sujeito interessado e onerado na prova:

• ele próprio afirma não ser possível a individualização; e,

• não forneceu elementos aptos a poderem sustentar, tão-pouco, a efectividade e natureza dos próprios serviços, declarando, inclusive, que «os atletas não assinaram um contrato de trabalho desportivo (...) mas um contrato de formação desportiva para vigorar até 30 de Junho de 2011, com promessa de celebração de contrato de trabalho desportivo para vigorar nas épocas desportivas 2011/2012, 2012/2013 e 2013/2014» - isto é, após o período de tributação de que aqui tratamos (2010).

Por outro lado, acresce ainda que esta mesma questão da aquisição de direitos económicos e serviços prestados não surgiu, ex novo, em 2010, pois no relatório de Inspecção (a fls. 119) dá-se conta de que «Em anterior procedimento inspetivo ao exercício de 2009, já havia sido notificada a A…, para comprovar, se os jogadores se encontravam "Livres" ou se vieram transferidos de outro Clube para a A…». O que não é de somenos importância.

Aqui chegados, impõe-se a necessidade de aclarar o conceito de direitos económicos, em articulação com os direitos de inscrição nas competições oficiais e o contrato de trabalho desportivo.

Na base existe o chamado direito federativo: o direito a inscrever um atleta na competição oficial. Ou seja, um direito registrai, não podendo a inscrição ser promovida por entidades jurídicas distintas das sociedades desportivas ou clubes de futebol pertencentes às distintas associações que integram a Fédération Internationale de Football Association (FIFA).

E o mesmo se diga da transmissão desse direito, que apenas pode ter lugar entre tais sociedades desportivas ou clubes.

Por sua vez, deste direito federativo é que derivam os direitos económicos.

Pois bem, os direitos económicos são a expectativa de negócio. Aquela importância que um terceiro pode abonar para adquirir os direitos federativos do atleta, entendendo-se compreendidas nela a indemnização por danos ou prejuízos ou cláusula penal que o próprio atleta é chamado a abonar por motivo da resolução do vínculo contratual laborai que o unia a um clube ou sociedade desportiva.

São «o direito à compensação exigido por um Clube/SAD que detém um contrato de trabalho desportivo com um jogador, para que prescinda desse Jogador em favor de outro Clube/SAD, permitindo assim a sua transferência para essa outra entidade desportiva com a qual vai ser celebrado um novo contrato de trabalho desportivo» (Circular n.º 18/2011, de 19 de Maio, do Gabinete do Director-Geral).

Pelo exposto, resulta claro que o que é transmitido por uma sociedade desportiva ou clube é o direito económico derivado da transmissão a uma outra sociedade desportiva ou clube dos direitos federativos do atleta em questão. Sendo imprescindível que o contrato laborai esteja em vigor à data da transferência do dito atleta para uma nova sociedade desportiva ou clube, pois, em caso contrário, o direito económico derivado do direito federativo ter-se-á extinguido, irremediavelmente, junto com o contrato laboral.

Os direitos económicos têm assim uma determinada duração, que é a mesma da permanência em vigor do contrato de trabalho desportivo (direitos desportivos).

A esta mesma luz, uma vez extinta essa relação contratual do atleta sem que tenha ocorrido uma transferência registrai e económica para uma nova sociedade ou clube desportivo, extinguem-se, a montante, os direitos federativos da entidade empregadora. E, a jusante, o adquirente dos direitos económicos derivados dos direitos federativos deixa de deter direito algum.

De volta ao nosso caso concreto, e estando livres os atletas, os rendimentos obtidos pela entidade não residente foram antes qualificados pela Inspecção Tributária como uma contrapartida da assinatura de um futuro contrato de trabalho desportivo com uma sociedade desportiva ou clube residente.

A interpretação veiculada no relatório de inspecção, que veio a ser acolhida na liquidação de imposto reclamada pelo contribuinte estriba-se, fielmente, no teor da já mencionada Circular n.º 18/2011. E que acompanhamos de mão-cheia. Ou seja:

«8. Ato caso de o jogador se encontrar "livre", ou seja, sem contrato de trabalho desportivo em vigor, quando surge uma entidade não desportiva não residente a cobrar uma importância a um Clube/SAD residente que pretende celebrar um contrato de trabalho desportivo com o jogador, estes direitos económicos não têm na sua origem direitos desportivos, uma vez que inexiste contrato de trabalho desportivo. Nestas condições, a celebração de um futuro contrato de trabalho desportivo subsume-se no direito equivalente ao prémio de assinatura que um jogador poderia exigir pela celebração do novo contrato.

9. Assim, os rendimentos obtidos pela entidade não residente, em contrapartida da assinatura de um futuro contrato de trabalho desportivo com um Clube/SAD residente, consideram-se derivados do exercício em território português da actividade de desportistas, sujeitos a IRC, por força da norma de localização constante na alínea d) do n.º 3 do artigo 4º do Código do IRC.

10. Os rendimentos obtidos com a cedência de direitos que se subsumem na figura de prémio de assinatura, por uma entidade não residente em território português, estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 25% nos temos n.º 4 do artigo 87.º, conjugado com o n.º 5 do artigo 94. º ambos do Código do IRC. Por se tratar de rendimentos que se consideram derivados da actividade de desportista, a dispensa prevista no n.º 1 do artigo 98.º do Código do IRC não se aplica, mesmo que exista uma Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT) entre Portugal e o país de residência da entidade não residente, quando a CDT siga o disposto no n.º 2 do artigo 17.º da Convenção Modelo da OCDE».

Em face de todo o exposto, bem andou a autoridade recorrida em não deferir, também nesta parte, o pedido de anulação da liquidação adicional.

Do pagamento efectuado à sociedade O…

A ora Recorrente terá celebrado em 2005 com uma sociedade domiciliada em Gibraltar" – O…- um agreement de cedência parcial dos direitos económicos relativos a direitos desportivos de vários atletas, incluindo 25% do jogador S…(mais conhecido por S…).

Em 28 de Setembro de 2010, a ora Recorrente efectuou um pagamento no valor de €597.000, tendo a mesma justificado como beneficiária a sociedade Y...., domiciliada em Malta, com a celebração de um outro agreement (negócio de associação), em 9 de Janeiro de 2009, em que esta entidade maltesa surge como detentora de créditos que lhe haviam sido cedidos pela sociedade gibraltina.

Ademais, a Recorrente menciona que obteve um formulário de modelo 21 – RFI certificado pelas autoridades maltesas, perorando que estaria assim habilitada como entidade devedora dos rendimentos para se lhe aplicar a dispensa de efectuar as retenções na fonte.

Não obstante, a Inspecção Tributária entendeu que nunca se aplicaria a Convenção entre Portugal e Malta, por o beneficiário efectivo dos rendimentos não ser a sociedade maltesa, mas antes a sociedade gibraltina.

***

In limine, passamos a reproduzir o esquema da operação do seguinte modo:

Já vimos como a legislação interna portuguesa acolhe a regra da competência do Estado da fonte e estabelece a obrigação de a entidade pagadora (residente) efectuar a retenção na fonte, no tocante ao imposto sobre os rendimentos auferidos por entidade não residente em território português.

Sucede que, ocorrendo o primado das normas de fonte hierárquica superior, como as convenções, por força do artigo 8º n.º 1 da Constituição, e dispondo estas em sentido diferente ou contrário, soçobram tanto aquela regra da competência como, a jusante, a obrigação da retenção.

Vejamos então:

1. Dos pressupostos de aplicação da Convenção

Destarte, se existe uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação (ADT) firmada entre o Estado Português e o Estado de residência da entidade beneficiária, que não atribui ao primeiro a competência para tributar os rendimentos, a entidade pagadora está dispensada de efectuar a retenção na fonte do imposto (actual artigo 98.º).

Para que a entidade pagadora possa usufruir da dispensa de retenção a entidade beneficiária dos rendimentos deve, perante aquela, fazer a prova da verificação dos pressupostos que resultem da convenção, através da apresentação de um formulário de modelo 21-RFI certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência (artigo 98.º, n.º 2, do Código do IRC).

Caso a entidade beneficiária (substituído tributário, não residente) não tenha efectuado essa mesma prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, a entidade pagadora (substituto tributário, residente) fica ela mesmo obrigada a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido (n.º 5, do artigo 98.º). Ainda assim, pode esta última afastar a sua responsabilidade tributária (com ressalva da contra-ordenacional), a posteriori, se comprovar, com o referido formulário, devidamente certificado, a verificação dos pressupostos para a dispensa de retenção (n.º 6).

A Inspecção Tributária afastou a dispensa da retenção na fonte do imposto, fazendo impender sobre o substituto (a ora Recorrente), como devedor dos rendimentos, a responsabilidade pela entrega da prestação tributária. Para tal, suportou a correcção oficiosa no facto de a sociedade maltesa não ter sido a efectiva beneficiária ou titular do rendimento disponibilizado, tendo antes agido em nome e por conta de uma outra empresa, domiciliada em Gibraltar. Seria esta quem, efectivamente, teria beneficiado dos pagamentos.

Assim sendo, por o substituído tributário - residente ou domiciliado em Malta - se tratar de um mero intermediário, não estariam reunidos os pressupostos para a aplicação do ADT entre Portugal e esse Estado, celebrado com o intuito de evitar a dupla tributação de um mesmo rendimento. No caso em apreço, não faria sentido evitar a tributação no Estado da fonte (Portugal) pois também não terá havido tributação no Estado da residência (Malta), sob pena de gravoso desvirtuamento da mens legis da própria Convenção.

Não podemos, pois, deixar de acompanhar, por inteiro, o enquadramento fiscal efectuado pela Inspecção Tributária. Na realidade, a Convenção celebrada entre Portugal e Malta, como todas as demais, tem apenas o propósito de eximir de uma dupla ou plúrima tributação um mesmo facto tributário conexionado com duas jurisdições - Estado da fonte versus Estado da residência. E não, evidentemente, o de permitir que esse facto, qual apátrida fiscal, a coberto da incidência ou aplicação da lei interna de ambos os Estados, possa não ser tributado em nenhum destes.

Por tudo o que vimos dizendo, a identidade do beneficiário efectivo não se revela, longe disso, de somenos importância.

Em face dos elementos recolhidos pela Inspecção Tributária, parece configurar-se nos autos em apreço uma típica utilização indevida (ou, porventura, mesmo abusiva) dos tratados e convenções internacionais (treaty shopping): a operação ou negócio poderá ter sido planeada e organizada visando a utilização de um ADT de que, em princípio, o sujeito tributário não beneficiaria dos seus efeitos, com a finalidade de eliminar o pagamento do imposto - neste caso, rendimentos obtidos em território português e pagos a um não residente.

Na pena de ALBERTO XAVIER: «Trata-se, em suma, de evitar a aplicação de certa norma ou conjunto de normas através de atos ou conjuntos de atos que visem impedira ocorrência do fato gerador da obrigação tributaria em certa ordem jurídica (menos favorável) ou produzam a ocorrência desse fato noutra ordem jurídica (mais favorável)".

A estruturação do negado passou pela interposição, entre o beneficiário (Gibraltar) e a fonte do rendimento (Portugal), de uma pessoa colectiva (Malta) que fizesse jus aos requisitos de aplicação da Convenção.

Para a prática do treaty shopping requerem-se, de molde a poder haurir do enquadramento fiscal Internacional mais favorável (elisão fiscal), as seguintes condições:

– o ADT escolhido oferecer o melhor resultado fiscal para o contribuinte;

– o beneficiário efectivo não ser residente de um dos Estados em que o ADT escolhido é aplicável;

– haver a interposição de uma pessoa colectiva (ou estabelecimento estável) no Estado em que o ADT é aplicável e, por conseguinte, surgir como beneficiária desse relação.

Nesta modalidade de treaty shopping, surge interposta uma terceira pessoa (direct conduit company ou empresa-canal), beneficiária de um acordo para evitar a dupla tributação, que serve, afinal, para conduzir ao beneficiário efectivo (beneficial owner) o rendimento livre de imposto, ou com a redução dos valores deste".

Refira-se que, como também sucede no caso que vimos tratando, geralmente o beneficiário surge domiciliado num pais, território ou região sujeita a regime de tributação claramente mais favorável (fax heaven), aonde possa estar respaldado numa maior confidencialidade (pelos serviços fiduciários admitidos no common tow, e pelo sigilo bancário). São por demais conhecidas as dificuldades na averiguação (disclosing) das operações tituladas por sociedades offshore e seus intervenientes -, exponenciadas pela não obrigatoriedade de possuir contabilidade organizada (donnant company").

Assim, a sociedade maltesa deverá ser qualificada, não como beneficiária do rendimento, mas mera conduit company, sendo este tipo de empresas conotadas com esquemas agressivos de planeamento fiscal internacional, visando a redução e/ou a eliminação de tributação sobre os rendimentos através do aproveitamento abusivo das Convenções celebradas entre Estados. Ou seja, terá funcionado, por motivações de ordem fiscal, como um receptáculo dos fundos pagos pela Recorrente, não tributados e depois remetidos para a sociedade offshore - afinal quem, efectivamente, terá sido o beneficiário dos rendimentos.

Nesta sede tem assim cabimento invocar, de novo, o disposto no n.º 3 do artigo 11.º da LGT: «Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários».

Ou seja, repetindo o que já se teve oportunidade de assinalar num esforço de reconstituição, prevalece a realidade económica "guardada" pelo abuso das formas jurídicas (contratuais) que, devem assim, ser desconsideradas.

Somos levados a corroborar tal desconsideração, mais uma vez relevando a identidade e posição do beneficiário efectivo dos rendimentos, como atrás, profusamente, se explanou. Acrescendo que a Convenção, a propósito dos rendimentos de capitais, assinala limites para o imposto liquidado, mas desde que a sociedade maltesa seja o seu beneficiário efectivo.

Importará fazer o cotejo das duas situações - pagamentos efectuados a sociedade de Gibraltar ou de Malta -, e suas consequências fiscais, de modo a podermos avaliar as vantagens financeiras do esquema de planeamento fiscal que terá sido utilizado:

Com o intuito de se aproveitar, de modo abusivo, do desagravamento fiscal previsto na Convenção celebrada por Portugal com Malta, na operação terá sido introduzido um terceiro interveniente, residente em Malta, a quem a Recorrente efectuou o pagamento. Na realidade, a sociedade maltesa (conduit company) terá agido apenas na qualidade de fiduciário da sociedade de Gibraltar (beneficiai owner), não constituindo assim o beneficiário efectivo dos rendimentos pagos pela Recorrente.

Por outro lado, verifica-se que, de acordo com o acervo da Gestão Cadastral, apenas em 12 de Fevereiro de 2012 a ora Recorrente veio pedir o registo da empresa maltesa (substituído tributário, não residente) como contribuinte especial.

Ou seja, já depois de concluído o procedimento de inspecção tributária quanto ao exercício anterior (2009), onde foi levantada semelhante questão. Sendo-lhe depois atribuído o número de identificação fiscal (NIF):… .

Recorde-se que a inscrição para atribuição de número de identificação fiscal a uma entidade não residente que obtenha apenas em território português rendimentos sujeitos a retenção na fonte a título definitivo é obrigatoriamente requerida pela entidade residente que se encontre obrigada a proceder à respectiva retenção na fonte do imposto. Ou seja, o substituto tributário. Conforme o que então dispunha no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 463/79, de 30 de Novembro, com a redacção dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 81/2003, de 23 de Abril.

Pertinente se toma trazer à colação o entendimento expressamente veiculado pela Circular 15/2003, de 9 de Dezembro, da então Direcção-Geral dos Impostos - na esteira do Despacho n.º 21 305/2003 (2ª série), de 14 de Outubro, da Ministra de Estado e das Finanças, publicado no Diário da República, II Série, n.º 256, de 5 de Novembro de 2003" -, segundo o qual o número de identificação fiscal da entidade não residente é imprescindível para efeitos de cumprimento da obrigação fiscal prevista no artigo 119º, n.º 7 do Código do IRS". Nem mais nem menos, as obrigações declarativas a cargo da entidade devedora dos rendimentos postos à disposição daquela entidade não residente.

Na realidade, como vimos, foi efectuado o pagamento sem que a respectiva entidade beneficiária estivesse sequer registada no cadastro da Administração Fiscal portuguesa, não tendo a ora Recorrente solicitado a sua inscrição, ao contrário do que lhe era imposto pela lei.

Ora, se a entidade maltesa não havia sido inscrita pelo substituto tributário, por omissão de um dever legal a cargo deste, a Inspecção Tributária, é bom de ver, não poderia ter actuado de outro modo.

Recorde-se também que a declaração modelo 30, destinada a dar cumprimento à obrigação acessória prevista no artigo 128.º do Código do IRC - e com ela a identificação do beneficiário, do montante do rendimento e da taxa de retenção - é de entrega obrigatória sempre que sejam pagos ou colocados à disposição rendimentos a entidades não residentes, devendo ser apresentada, através de transmissão electrónica de dados, até ao fim do segundo mês seguinte ao do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos.

Pelo que, m casu, se estes tiverem sido pagos em Setembro de 2010, a declaração deveria ter sido entregue até ao fim de Novembro de 2010. Não sem antes de o substituto tributário pedir o registo da entidade não residente, o que apenas veio a fazer em 2012.

Os pagamentos associados a facturas emitidas pela sociedade maltesa apenas poderiam, fiscalmente, aproveitar da Convenção no caso de constituírem rendimentos a tributar nessa sociedade, por ser ela a beneficiária dos rendimentos. A aplicabilidade da Convenção dependeria de que a pessoa residente fosse o beneficiário, isto é, o titular do direito ao rendimento. As convenções não são, pois, aplicáveis em função do domicílio ou residência de meros intermediários ou mandatários.

No caso em apreço, a sociedade maltesa não foi a beneficiária dos rendimentos, uma vez que estes pagamentos eram rendimentos da sociedade localizada em Gibraltar, sendo esta, de facto, a beneficiária dos rendimentos. Assim, não poderia ter sido, em qualquer caso, accionada a convenção com a República de Malta.

Refira-se também que quer o treaty shopping como implicando a requalificação do beneficiário, quer o aproveitamento abusivo de convenção para evitar a dupla tributação através da participação de entidade sujeita a um regime fiscal privilegiado, são esquemas de planeamento fiscal há muito identificados e reputados pela Administração Fiscal, na análise de risco, como abusivos. E que podem ser requalificados, objecto de correcções ou determinar a instauração de procedimento legalmente previsto de aplicação de disposições anti-abuso, conforme previsto no Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de Fevereiro.

Por fim, assinale-se, com ênfase, que no agreement entre a Recorrente e a sociedade maltesa, na cláusula 1.6, consta o seguinte:

«The Parties hereby agree that, in line with new Portuguese tax autority rules, upon, payment by A… to Y… of any monies relating to W…, A…shall incur certain withholding tax liabilities which shall total €487,008. This amount shall be deducted from the sums owed by A… to Y… as set out in the Schedule».

Ou seja, em 9 de Janeiro de 2009 (data do agreement), a Recorrente reconheceu que existia a obrigação de efectuar a retenção na fonte do imposto devido em Portugal pelos pagamentos que viessem a ser efectuados e quis, especificamente, salvaguardar o seu cumprimento, ficando a constar no acordo a responsabilidade da sociedade maltesa nesse domínio. O que denuncia o entendimento de que o facto tributário seria de tributar no Estado da fonte (Portugal) e que a entidade pagadora estaria onerada com a retenção do imposto.

É este, precisamente, o enquadramento jurídico-fiscal que subscrevemos: os rendimentos foram obtidos em território português e existia a obrigação de efectuar a retenção na fonte do imposto, não existindo qualquer Convenção com o território da residência do beneficiário efectivo daqueles rendimentos (Gibraltar).

Pelas razões expostas, andou bem a Inspecção Tributária ao considerar obtido em território português o rendimento controvertido, e sujeitando-o a retenção na fonte do imposto. Não merecendo a decisão recorrida qualquer censura.

2. Da Qualificação dos rendimentos

A Recorrente sustenta que os rendimentos disponibilizados, por não tratados, especificamente, na Convenção, apenas poderiam ser tributados no Estado da residência do beneficiário (Malta), em face do previsto no artigo 21.º, n.º 1, da Convenção. Isto porque a Inspecção Tributária, ao aplicar a taxa de 20%, terá qualificado os rendimentos como "outros rendimentos de capitais" não expressamente tributados a taxa diferente, à luz do artigo 87.º, n.º 4, alínea c), do Código do IRC.

In limine, importa assentar que, em nosso entender, nunca poderá dar-se guarida a uma tal interpretação porque, como vimos de modo exaustivo, nunca seria aplicável a Convenção entre Portugal e Malta, por o beneficiário efectivo dos rendimentos ser antes residente em Gibraltar, inexistindo qualquer acordo com este território. Tem assim lugar a aplicação da legislação interna do Estado da fonte (Portugal).

Não obstante, e sem conceder, assomando-nos do relatório de inspecção, perscrutamos que a norma legal invocada - artigo 87.º, n.º 4, alínea c), do Código - apenas respeita à taxa de imposto, não permitindo nem sugerindo qualquer classificação. Apenas nos é dito na lei que, excepcionalmente, os títulos de dívida e outros rendimentos de capitais não expressamente tributados a taxa diferente (no Código, entenda-se), auferidos por entidades não residentes, são tributados a uma taxa de 20%. Ou seja, na designação de "outros rendimentos* cabem, por exemplo, os juros, os dividendos e as royalties, todos previstos na Convenção e, por isso, subtraídos ao enunciado residual do artigo 21.º da Convenção.

Donde que, ubi lex non distinguit nec interpres distinguem debet.

Não obstante e também sem conceder, diremos que quanto à natureza dos rendimentos cujo imposto deveria ser retido pela ora Recorrente como substituta tributária da sociedade offshore (beneficiária efectiva dos rendimentos), importa trazer à colação, pela sua clarividência, o já mencionado Relatório Síntese sobre o enquadramento fiscal de operações realizadas por entidades ligadas ao sector do futebol profissional, elaborado por um grupo de trabalho da Administração Fiscal53:

«os rendimentos obtidos pela entidade não desportiva não residente cabem na qualificação de rendimentos de capitais quer porque assumem a natureza de juros ou dividendos ou simplesmente porque se subsumem na definição geral contida no n.º 1 do artigo 5.º do CIRS, desde que a fonte do rendimento (situação da sede da entidade devedora) se localiza em território português.

Quando os pagamentos são efectuados a entidades domiciliadas nos países ou territórios constantes da lista da Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro, caem na alçada do artigo 59º do Código do IRC, sendo aplicável a Inversão do ónus da prova sobre a real natureza e normalidade das operações que dão origem aos pagamentos efectuados pelo clube/SAD residente.

Existindo uma CDT celebrada entre Portugal e o país de residência da entidade não desportiva, em regra a competência para a tributação dos rendimentos que entrem na qualificação de juros ou dividendos é atribuída ao país da fonte dos rendimentos (cfr. art.ºs 10.º e 11º do MCOCDE), não podendo o nível de tributação ultrapassar, no entanto, os limites fixados nesses preceitos.

No caso de os rendimentos obtidos pela entidade não desportiva não residente não se subsumirem na qualificação de juros ou de dividendos, poderão ser atraídos para o âmbito da categoria de "Outros rendimentos" (cfr. art. 21.º do MCOCDE), o que significa que, em geral, o direito de tributação será atribuído ao país de residência do beneficiário.

Neste contexto, quando surge uma entidade não desportiva B financiar (total ou parcialmente) operações que têm por objecto a transferência de direitos económico-financeiros associados a direitos desportivos de que apenas podem ser titulares Clubes/SAD's, considera-se que o interesse dessa entidade se materializa num investimento financeiro (aplicação de capitais), cuja remuneração é qualificável como rendimento de captais, à luz da definição constante do n.º 1 do artigo 5.º do C/RS. Mias, no quadro dos "contratos de associação de interesses económicos" celebrados entre um fundo de investimento e uma SAD, quando se reconduzem à figura da associação em participação (Dec-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho), os rendimentos obtidos pelo associado (Fundo de Investimento ou instituição financeira) constituem rendimentos de capitais, nos termos da alínea I) do n.º 2 do artigo 5.º do C/RS, sujeitas e retenção na fonte à taxa de 20%».

Este mesmo enquadramento veio a ser reiterado nas instruções administrativas contidas na Circular n.º 18/2011, de 19 de Maio:

«Os rendimentos mencionados no ponto anterior, obtidos pela entidade não desportiva não residente [quantia auferida com direitos cedidos, liquida do capital investido], encontram-se sujeitos a IRC, como rendimentos de capitais, nos termos da subalínea 3), da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, uma vez que se subsumem na definição geral do n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS [a na alínea f) do n.º 2 do mesmo Código, no caso de associação em participação], encontrando-se sujeitos e retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 21,5% nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 87º do Código do IRC, conjugado com o n.º 6 do artigo 94.º do mesmo Código, sem prejuízo da possibilidade de aplicação da limitação prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT), caso exista».

A Recorrente alega que esta interpretação - ao qualificar os rendimentos de capitais tanto pela definição geral como pela associação em participação, conforme as situações - veio divergir da qualificação apenas como associação em participação que havia sido operada no mencionado Relatório Síntese, bem como na Informação Vinculativa (Proc. n.º 1072/09) relativa ao Z…- Fundo Especial de Investimento em valores Mobiliários Fechado.

Não vamos, nesta sede, debruçarmo-nos sobre a situação tributária especifica de terceiros, ou sobre o enquadramento fiscal que lhes possa dizer respeito, mesmo que existam relações especiais ou próximas com a ora Recorrente.

De qualquer modo, e sem conceder, de todo não vislumbramos qualquer divergência, mas antes uma mesma interpretação operada em planos, esses sim, bem distintos.

Nas instruções administrativas (ex: circular), na esteira do que se passava no Relatório Síntese, trata-se de divulgar orientações genéricas que visam a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias - artigo 68.º-A da LGT - a todos os contribuintes que sejam colocados perante uma determinada situação. Têm pois um efeito abrangente, erga omnes", donde que, no caso da Circular n.º 18/2011, são veiculadas duas qualificações - uma mais geral, e outra especifica -, a ter em consideração conforme as situações práticas que se apresentem.

Já no que tange à Informação Vinculativa - e sendo que a Administração Fiscal, em relação ao objecto do pedido, não poderia, posteriormente, proceder em sentido diverso (artigo 68.º, n º 14, da LGT) -, a informação prestada dizia respeito à situação tributária especifica de um Fundo de Investimento, atinente à matéria especifica dos benefícios fiscais, valendo pois apenas intuitu personae a qualificação feita dos rendimentos, que nunca poderia ser plúrima, sob pena de falta de segurança jurídica e postergação do dever de decisão (artigo 56.º da LGT)

Assim, não estando prevista expressamente uma taxa diferente, nem se aplicando a Convenção, os rendimentos de capitais em apreço são tributados à taxa de 20% - artigo 87.º, n.º 4, alínea c), do Código do IRC. E, tratando-se de uma entidade não residente sem estabelecimento estável em território português, a correlativa retenção na fonte assume um carácter definitivo - artigo 94º, n.ºs 3, alínea b), e 5, do mesmo Código.

Em suma, não podendo ser aplicada a Convenção, mas sim a lei interna portuguesa, falece de razão de direito a posição da Recorrente.

Não se vislumbrando qualquer censura a fazer ao sentido da decisão que vem recorrida.

Dos rendimentos derivados do D…

O sujeito passivo efectuou, sete pagamentos no montante total de €70.000,00, à E…, sociedade não residente, de direito espanhol, sem estabelecimento estável em Portugal.

A Inspecção Tributária entendeu que, tratava-se de rendimentos «obtidos em território português, dada a sua conexão directa a indissociável com o exercido da actividade de profissionais de espectáculo, em território português, por força do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 4º do CIRC». Pelo que, «Da conjugação do disposto nas alínea f) do n.º 1, alínea b) don.º3 e n.º 5 do artigo 94.º e do n.º 4 do artigo 87º, ambos do CIRC, deveria o sujeito passivo, aquando dos pagamentos destes rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de profissionais de espetáculo, ter efetuado e retenção na fonte, é taxa de 25%, no montante de €17.500,00, pelo que se apurou imposto em falta neste montante (a fls. 10 e 109 do relatório de inspecção).

A competência do Estado da fonte dos rendimentos - isto é, aquele onde se realizam os espectáculos - surge estribada no disposto no n.º 2 do artigo 17.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha, quando prevê que «...os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espectáculos (...) nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas actividades dos profissionais de espectáculos...». Isto, «independentemente das outras disposições da Convenção que seriam de outro modo aplicáveis».

Ou seja, concluiu-se que «os rendimentos derivados de profissionais de espectáculos exercidos num Estado, independentemente desse rendimento reverter para o profissional de espetáculos ou para outra pessoa, podem ser tributados, sem qualquer limitação, por esse Estado de origem dos rendimentos» (fls. 110 do relatório).

A ora Recorrente, contestando tal entendimento, alega que os dois profissionais do espectáculo em causa (R… e …) estavam ambos ao serviço da entidade beneficiária dos pagamentos. Pelo que existia coincidência entre quem prestou o espectáculo e quem beneficiou dos pagamentos: a sociedade espanhola.

Mais refuta que os Comentários ao n.º 2 do artigo 17.º do Modelo de Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), em matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património, invocados pela Inspecção Tributária possam assumir um cariz dispositivo, remetendo-os para a doutrina.

* * *

Não nos custa admitir que os ditos Comentários ao n.º 2 do artigo 17.º do Modelo não são letra de lei nem decisão judicial que imponha a sua interpretação, erga omnes. Nem tal vem sugerido no relatório de inspecção.

No que aqui nos pode interessar, o artigo 17.º da Convenção dispõe o seguinte: «Profissionais de espectáculos e desportistas

1 - Não obstante o disposto nos artigos 14.º e 15º, os rendimentos obtidos por um residente de um Estado Contratante na qualidade de profissional de espectáculos, tal como artista de teatro, cinema, rádio ou televisão, ou músico, bem como de desportista, provenientes das suas actividades pessoais exercidas, nessa qualidade, no outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado.

2 - Não obstante o disposto nos artigos 7º, 14º e 15.º, os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espectáculos ou desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas actividades dos profissionais de espectáculos ou dos desportistas».

Ou seja, os artigos 7.º (lucros das empresas), 14º (profissões independentes) e 15.º (profissões dependentes) são postergados, na medida em que autorizam, nalgumas condições, que possa ser o Estado da residência a tributar os rendimentos.

No nosso caso, os rendimentos provêm da actividade exercida, pessoalmente, pelo profissional de espectáculos, nessa qualidade: R…, mormente a importância da… . Mas surgem atribuídos a uma outra pessoa: a sociedade E…, não residente.

Portanto, mostram-se reunidos os dois requisitos previstos no n.º 2 do artigo 17.º. da Constituição.

Assim, resta-nos aplicar o previsto nessa mesma disposição: os rendimentos podem ser tributados em Portugal, porque aqui são exercidas as ditas actividades do profissional.

Os atrás mencionados Comentários servem, como fonte doutrinal. Não obstante, é forçoso assinalar a sua grande valia e fidedignidade, pois emanam - nada mais, nada menos - da OCDE, organização transnacional a que quer Portugal quer Espanha pertencem como Membros, autovinculando-se a diversas obrigações. O Modelo de Convenção tem como razão de ser ou escopo a resolução de maneira uniforme dos problemas que se suscitam mais comummente do domínio da dupla tributação jurídica internacional. E sendo que a Convenção entre Portugal e Espanha, no seu artigo 17.º, conforma-se com aquele Modelo.

Posto isto, não existem quaisquer razões para que a explicitação do teor do artigo 17.º que vem desenvolvida nos Comentários publicados pelo Comité dos Assuntos Fiscais de OCDE e a que, no fundo, os Estados Membros aceitaram submeter-se e fazer cumprir, não possa deixar de ter aplicação ao caso em apreço.

Mostrando-se assim incólume na sua validade, em face da lei, a liquidação reclamada, e com ela reputamos como acertada a decisão recorrida.

 

h)      Em 08-06-2005, a Requerente formalizou uma parceria, através de um acordo "Agreement", com a entidade O… (adiante O…) registada em GIBRALTAR com o nº…, onde cedeu parcialmente os direitos económicos relativos a direitos desportivos de vários atletas, incluindo 25% do jogador S… (doravante “S…”) e 50% do jogador W…(doravante “W…”);

i)        Posteriormente, o atleta S… foi vendido ao ... por €8.000.000, tendo a Requerente efectuado o pagamento no montante de €2.000.000,00 (03-01-2006) à O… que correspondia aos 25% de direitos económicos que eram detidos por esta entidade (Relatório da Inspecção Tributária e documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

j)        Em 26-08-2007, a Requerente procedeu à alienação da totalidade dos direitos desportivos e económicos que detinha sobre o atleta W… ao ..., por um montante de € 18.000.000,00 (dezoito milhões), o qual seria pago através de um plano de pagamentos que se prolongavam até 10-12-2010 (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

k)      Em 20-08-2008, a Requerente foi informada, através de "Notice of Agreement" do facto de que através de um contrato celebrado em 19-08-2008 entre a Y… (anteriormente denominada O…) e a Y… ("Y…"), segundo o qual a primeira efectuou a cedência dos direitos económicos detidos ao abrigo do contrato anteriormente celebrado com a A…, para a esfera da segunda entidade (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

l)        Face a divergências quanto à interpretação a dar ao contrato originário, designadamente quanto ao apuramento do rendimento que deveria ser considerado abrangido pelos "direitos económicos" cedidos no âmbito do referido contrato, no dia 09-01-2009, a A… celebrou um acordo com a Y…("Agreement"), de modo a fixar um entendimento conjunto sobre o mesmo, nos termos que constam do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

m)    A Requerente juntou aos autos um formulário 21-RFI, certificado pela Autoridades Fiscais Maltesas em 16-03-2011, relativo à Y…(documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

n)      A Requerente efectuou uma retenção na fonte no montante total de € 487.008,00, que foi entregue nos cofres do Estado em 21-10-2010, que se refere a pagamento à Y… relativo à transferência de W…(documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, e cláusula 1.6. do “Agreement” referido, aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira no recurso hierárquico página 43/73);

o)      Dá-se como reproduzido o MOD. 21-RFI que constitui o anexo 104 ao Relatório da Inspecção Tributária, que foi apresentado pela Requerente à Autoridade Tributária e Aduaneira;

p)      Foram proferidos os acórdãos arbitrais nos processos 501/2014-T e 108/2015-T juntos ao pedido de pronúncia arbitral pela Requerente como documentos n.ºs 7 e 8, que se dão como reproduzidos;

q)      Em 18-12-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que os pagamentos efectuados pela Requerente à C… se destinassem ao pagamento de uma indemnização fixada por decisão judicial.

A Requerente faz essa alegação nas não apresentou qualquer prova, nem no presente processo nem nos procedimentos de inspecção, de reclamação graciosa e de recurso hierárquico.

 

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

O processo administrativo foi tardiamente apresentado, em três momentos, mas quase todos os elementos que dele constam que são potencialmente relevantes para a decisão já constavam do processo, por terem sido juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão da não retenção na fonte relativa serviços de intermediação da B… e da C…

 

No ano de 2010, a A… efectuou um pagamento de € 90.000,00 à B…, por serviços de intermediação/contratação do Jogador P…, e efectuou 6 pagamentos no montante global de € 60.000,00 à C… por intermediação na transferência do jogador Q… .

Aquelas entidades não são residentes em Portugal e não possuíam estabelecimento estável em Portugal.

O n.º 6 da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, estabelece que se consideram obtidos em território português, os rendimentos pagos a não residentes sem estabelecimento estável, provenientes da intermediação na celebração de quaisquer contratos.

Nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 94.º do CIRC, que os rendimentos provenientes da intermediação na celebração de quaisquer contratos e de outras prestações de serviços realizadas ou utilizadas em território português, se encontram sujeitos a retenção na fonte.

No entanto, o artigo 98.º n.º 1 do CIRC, na redacção vigente em 2010, estabelece que «não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direcção efectiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada».

Nestas situações, «os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis», de acordo com formulários a aprovar por despacho do Ministro das Finanças.

Para este efeito, por despacho do Ministro de Estado e das Finanças de 29-11-2007, publicado no Diário da República, II Série, de 31-12-2007 (alterado pelo Despacho n.º 4743-A/2008, de 8 de Fevereiro, Diário da República, II Série, de 21 de Fevereiro, que foi rectificado pela Rectificação 427-A/2008, de 29 de Fevereiro) foram aprovados os modelos de formulários para comprovação dos pressupostos de que depende a aplicação das convenções sobre dupla tributação internacional, destinados a solicitar a dispensa total ou parcial de retenção na fonte ou o reembolso total ou parcial de imposto que tenha sido retido na fonte, em que se inclui o mod. 21-RFI.

Na sequência de notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a Requerente apresentou o formulário 21-RFI, para ficar dispensada da obrigação de efectuar retenção na fonte quanto à B… e não apresentou qualquer elemento relativo à dispensa de retenção na fonte.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a Requerente não ficou dispensada de efectuar a retenção na fonte sobre os referidos rendimentos da B…, pelo seguinte, em suma:

– embora apresente um carimbo de recebimento em 2009-02-05, não tem preenchido o quadro III do formulário Mod-21 RFI, referente à certificação;.

– existindo dúvidas quanto à devida certificação do formulário Mod-21 RFI da entidade B…, procedeu-se a um pedido de troca de informação com a Administração Fiscal Brasileira que informou que o Formulário RFI está em branco, que não foi recebido por organismo competente, e como tal, não está devidamente certificado.

 

3.1.1. Posições das Partes

 

 A Requerente defende o seguinte, em suma:

– quanto à B…

– agindo em conformidade com o regime fiscal aplicável, a Requerente encetou esforços no sentido de obter junto da B… o aludido formulário 21-RFl;

– tendo recepcionado o referido formulário, e encontrando-se este devidamente preenchido, a Requerente entendeu ter cumprido o requisito necessário por forma a encontrar-se dispensada de efectuar retenção na fonte sobre o montante pago à B…;

– a Requerente agiu, assim, de boa-fé e acreditando ter cumprido as diligências que lhe eram legalmente exigidas de acordo com os meios de que dispunha;

– aos olhos da Requerente, e de acordo com os meios que tem ao seu dispor, a recepção de um formulário carimbado e assinado por uma funcionária da autoridade fiscal brasileira (conforme Anexo 104 ao Relatório de inspecção) foi suficiente para que criasse a convicção de que o mesmo se encontrava devidamente certificado.;

– a Requerente não tem ao seu dispor um mecanismo de troca de informações com as autoridades fiscais de outras jurisdições (como dispõe a AT) para confirmar a legitimidade (ou falta dela) das assinaturas e carimbos apostos nos formulários 21-RFl, pelo que recebendo o referido formulário assinado e carimbado, criou legitimamente a confiança de que tinha na sua posse os elementos necessários para operar a dispensa da obrigação de efectuar retenção na fonte;

– o formulário apresentado suscitou dúvidas para a própria AT, pois, de outro modo, teria certamente promovido a correcção correspondente de modo automático, ao invés de fazer uso do mecanismo de troca de informações;

– não sendo óbvio à própria AT que o formulário em causa poderia não se encontrar validamente certificado, como poderia a Requerente, em face dos meios de que dispunha, perceber que a assinatura e carimbos apostos no formulário não preencheriam os requisitos necessários?

– a AT deve observar o princípio da descoberta da verdade material (artigo 58.º da LGT);

– pese embora a AT tenha dirigido várias questões às autoridades fiscais brasileiras, segundo a informação patente no Relatório de inspecção, aquelas ter-se-iam limitado a informar que o formulário "está em branco, que não foi recebido por organismo competente, e, como tal, não está devidamente certificado”;

– para além de ser prestada informação contraditória (uma vez que o formulário se encontra assinado por uma funcionaria da Autoridade Tributaria brasileira, pelo que terá sido recebido), são ignoradas as questões relativas à residência e sujeição a imposto da B… que, em substância, são o elemento que mais releva in casu para efeitos do apuramento da verdade material;

– não pode a Requerente admitir que a AT, questionando as autoridades fiscais brasileiras acerca de questões concretas relacionadas com a residência e sujeição a imposto da B…, não tenha obtido resposta relativamente a estas questões (as quais seriam efectivamente relevantes para a presente análise) nem tomado diligências para o fazer;

– é de todo desproporcional que sejam exigidos estes requisitos em caso de dúvida suscitada pelas autoridades tributárias, quando estas, tendo acesso aos mecanismos que permitiriam dissipar a mesma, poderiam tê-lo feito;

– sendo este mecanismo apenas facultado à AT, não tendo os sujeitos passivos acesso à mesma facilidade de comunicação com as Administrações Fiscais de outras jurisdições, seria mais fácil à AT, tendo dúvidas relativamente a veracidade da informação atestada pelo formulário 21-RFl, contactar as autoridades fiscais brasileiras e esclarecer tais dúvidas;

– a AT limitou-se a acatar a resposta incompleta e contraditória que, alegadamente, lhe foi dada, baseando-se nesta para promover a correcção em apreço, única e exclusivamente com base em razões formais, independentemente e em detrimento da substância da operação em causa;

– a AT sustentar a correcção em apreço em meras alegações, nunca tendo procedido à junção da troca de correspondência com as autoridades fiscais brasileiras ao procedimento administrativo, elemento probatório cujo teor acrescentaria um valor indubitável à discussão sub judice;

– a Requerente vê-se assim triplamente prejudicada, porquanto (i) a AT promove a correcção em causa com base em informação privilegiada a qual a Requerente não tem acesso; (ii) não disponibiliza tal informação, sendo impossível confirmar a completude e fiabilidade da mesma e (iii) não tomou as diligências necessárias no sentido de aferir a verdade material, que, no caso, sem a confirmação ou não da B… enquanto residente para efeitos fiscais no Brasil para efeitos da aplicação do ADT celebrado entre Portugal e o Brasil;

 

– quanto à C…

– na sequência de um litígio existente entre a Requerente e a C.. em curso na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa (Processo judicial n.º …/04… TVLSB.L1), chegaram as partes a acordo para o pagamento, pela A…, à C…de uma indemnização no montante de € 650.000,00, a qual seria paga em prestações mensais de 10.000,00;

– a A… não apresentou qualquer elemento de prova para dispensar a retenção na fonte, pois, em sua opinião, os referidos pagamentos não se encontram sujeitos a retenção na fonte em Portugal;

– nos termos da regra da extensão da obrigação de imposto prevista no artigo 4.º do Código do IRC, mais concretamente no n.º 3, não se encontra qualquer base legal para sustentar que o pagamento de indemnizações por uma entidade residente em território português a uma entidade não residente se encontram sujeitos a retenção na fonte em Portugal, pelo que, forçosamente, terá de se concluir que os pagamentos em crise não se encontram aqui sujeitos a tributação.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

 

– no que respeita à entidade B..., com domicílio no Brasil, a Requerente apresentou em sede inspectiva um formulário Mod.21 RFI, no qual consta um carimbo de recepção de 05-02-2009, muito anterior ao próprio facto tributário, sem qualquer preenchimento do respectivo Quadro III referente à sua certificação.

– em face da impossibilidade comunicada pelo Brasil de operar a certificação do formulário Mod. 21 RFI, e nos termos do despacho nº 22600/2009, de 07/10, do Ministro de Estado e das Finanças, publicado no DR de 14/10, 2ª série, deveria a Requerente ter providenciado pela recepção de formulário em modelo próprio emitido pelo Estado beneficiário, no caso o Brasil, donde constassem os elementos considerados indispensáveis a accionar a CDT celebrada entre os dois Estados e ao abrigo da qual a Requerente pretende estar dispensada de reter imposto;

– inexistindo, como comprovadamente vem a ser a situação dos presentes autos, um documento susceptível de comprovar a residência fiscal e o enquadramento tributário da B… para efeitos quanto ao período de tributação aqui em causa, o ano de 2010, é forçoso concluir que não estão reunidos os pressupostos necessários para aplicar a referida CDT;

– cabe à Requerente a prova dos pressupostos de que depende o direito à dispensa de retenção na fonte de imposto, por ser ela que os invoca, de harmonia com o nº 1 do art. 74º da LGT;

– não está em causa a utilização pela AT de informação privilegiada obtida ao abrigo de um mecanismo de troca de informações a que a Requerente não tem acesso, mas antes a realidade comprovada, e por demais evidente, de que o formulário 21-RFI não se encontra devidamente certificado para a dispensa de retenção pretendida;

– não está em causa qualquer ónus da AT na descoberta da verdade material ou sequer a troca de informação contraditória com a AF brasileira, mas antes o regime de prova dos requisitos de acesso ao desagravamento fiscal contemplado na ADT com o Brasil, cujo ónus incumbe à Requerente;

– a tese propugnada pela Requerente, e que se afigura inaceitável, dispensaria qualquer substituto tributário de efectuar a prova dos requisitos de acesso às CDT, nos termos legalmente exigíveis, passando a incumbir à AT, em sede inspectiva, verificar a substância das operações em causa;

– no que respeita à entidade C..., com domicílio nas Ilhas Virgens Britânicas, a Requerente não apresentou em sede inspectiva qualquer documento que comprovasse a dispensa de retenção na fonte;

– sendo, quanto a estes rendimentos, de salientar que as Ilhas Virgens Britânicas constam da lista aprovada pela portaria nº 150/2004, de 13/02, não estando, por conseguinte, abrangidas por nenhuma CDT;

– de salientar, quanto a esta correcção, que a Requerente alega pela primeira vez no seu pedido de pronúncia arbitral que o pagamento em causa respeita a uma indemnização, facto que a AT desconhece e que se impugna por não resultar minimamente comprovado.

 

3.1.2. Decisão da questão da não retenção na fonte relativa serviços de intermediação da B…

 

O formulário Mod. 21-RFI consta do anexo 104 ao Relatório da Inspecção Tributária, junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-06-2016.

Constata-se que, como afirma a Autoridade Tributária e Aduaneira, o formulário apresentado não está preenchido no Quadro III, relativo à certificação, tendo sobre esse quadro apenas uma carimbo, com a indicação «Recebido em 05/02/09», uma assinatura e o nome «AA… ».

Este carimbo a assinatura, cuja autoria não está comprovada, não constitui a certificação de residência e de sujeição a imposto sobre o rendimento no Brasil, sendo reconhecido pela Requerente que o formulário apresentava «incorrecções no preenchimento», tendo contactado a B… para as suprir (artigo 296.º da reclamação graciosa).

Não é posto em causa que a Autoridade Tributária e Aduaneira contactou a Administração Fiscal Brasileira, obtendo a resposta de que o formulário "está em branco, que não foi recebido por organismo competente, e, como tal, não está devidamente certificado”.

A Requerente imputa à Autoridade Tributária e Aduaneira não ter observado o princípio da verdade material, invocando o artigo 58.º da LGT (é a única disposição legal invocada pela Requerente quanto a este ponto) que estabelece que «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido».

A Autoridade Tributária e Aduaneira diligenciou, de facto, no sentido de obter das autoridades brasileiras e obteve uma resposta esclarecedora quanto à falta de certificação do formulário apresentado pela Requerente.

Sendo assim, tendo em conta que dos n.ºs 2 e 5 do artigo 98.º do CIRC resulta que, quando não seja efectuada a prova dos pressupostos de que depende não existir obrigação de retenção na fonte, «até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto (...) fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei», afigura-se que não era necessário realizar mais diligências para a Autoridade Tributária e Aduaneira concluir que não se verificava uma situação em que não devesse ser efectuada retenção na fonte.

As diligências que a Autoridade Tributária e Aduaneira deve efectuar, no âmbito do princípio do inquisitório, estão conexionadas com a demonstração dos pressupostos da tributação, pelo que, estando eles confirmados, não se pode entender que haja um défice de realização de diligências.

De resto, apesar de a inspecção em causa ter ocorrido há mais de três anos continua por provar a verificação dos pressupostos substanciais de que depende a dispensa de retenção na fonte.

Pelo exposto, não se demonstra que a liquidação impugnada enferme de qualquer vício, neste ponto.

Assim, improcede o pedido de pronúncia arbitral nesta parte, em que estão em causa os montantes de IRC de € 13.500,00 e juros compensatórios de € 1.408,43.

 

3.1.3. Decisão da questão da não retenção na fonte relativa serviços de intermediação da C…

 

Relativamente aos pagamentos à C… a Requerente não provou o facto que invocou no presente processo de os pagamentos respeitarem a uma indemnização fixada em decisão judicial, sendo certo que lhe seria fácil prová-lo, pois a decisão foi-lhe notificada.

Por outro lado, constata-se que nem na reclamação graciosa nem no recurso hierárquico a Requerente questionou que se tratasse de pagamentos relativos a actividade de intermediação na transferência do jogador Q…, como foi referido no Relatório da Inspecção Tributária.

Para além disso, tendo a C… residência fiscal nas Ilhas Virgens Britânicas, com quem Portugal não havia celebrado qualquer CDT, nem poderia ser apresentado qualquer formulário para efeito de dispensa de retenção na fonte ao abrigo do artigo 98.º do CIRC.

Assim sendo, é sobre a Requerente que recai o ónus da prova dos factos que invoca (artigo 74.º, n.º 1, da LGT), perante a falta de prova de qualquer facto que dê cobertura legal a dispensa de retenção na fonte não se pode considerar demonstrado que a liquidação impugnada enferme de qualquer vício, quanto a este ponto.

 

3.2. Questões dos rendimentos derivados da actividade de profissionais de espectáculo e desportistas

 

3.2.1. Espectáculo “D…”

 

A Requerente efectuou, em 2010, sete pagamentos, no valor total de € 70.000,00, à E…, entidade residente em Espanha, sem estabelecimento estável em Portugal, respeitantes ao espectáculo “D…”, que consiste num … (…) antes do início dos jogos da equipa disputados no seu estádio.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que os rendimentos auferidos pela entidade E… são considerados obtidos em território português, dada a sua conexão directa e indissociável com o exercício da actividade de profissionais de espectáculo, em território português, por força do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, estando sujeitos a retenção na fonte, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 94.º do mesmo Código.

A Requerente não efectuou retenção na fonte sobre estes rendimentos, o que justificou com fundamento com base na existência de uma Convenção entre a República Portuguesa e o Reino da Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento celebrada entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 6/95, de 28 de Janeiro (doravante designada como “CDT Espanha”, enquadrando a situação no seu artigo 7.º, relativo a «Lucros das empresas», que estabelece o seguinte:

 

Artigo 7.º

Lucros das empresas

1 - Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua actividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua actividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável.

2 - Com ressalva do disposto no n.º 3, quando uma empresa de um Estado Contratante exercer a sua actividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado, serão imputados, em cada Estado Contratante, a esse estabelecimento estável os lucros que este obteria se fosse uma empresa distinta e separada que exercesse as mesmas actividades ou actividades similares, nas mesmas condições ou em condições similares, e tratasse com absoluta independência com a empresa de que é estabelecimento estável.

3 - Na determinação do lucro de um estabelecimento estável é permitido deduzir as despesas que tiverem sido feitas para realização dos fins prosseguidos por esse estabelecimento estável, incluindo as despesas de direcção e as despesas gerais de administração efectuadas com o fim referido, quer no Estado em que esse estabelecimento estável estiver situado, quer fora dele.

4 - Nenhum lucro será imputado a um estabelecimento estável pelo facto da simples compra de bens ou de mercadorias, por esse estabelecimento estável, para a empresa.

5 - Para efeitos dos números precedentes, os lucros a imputar ao estabelecimento estável serão calculados, em cada ano, segundo o mesmo método, a não ser que existam motivos válidos e suficientes para proceder de forma diferente.

6 - Quando os lucros compreendam elementos do rendimento especialmente tratados noutros artigos desta Convenção, as respectivas disposições não serão afectadas pelas deste artigo.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a situação se enquadra no artigo 17.º, n.º 2, da CDT Espanha, em que se estabelece o seguinte:

 

Artigo 17.º

Artistas e desportistas

 

1 - Não obstante o disposto nos artigos 14.º e 15.º, os rendimentos obtidos por um residente de um Estado Contratante na qualidade de profissional de espectáculos, tal como artista de teatro, cinema, rádio ou televisão, ou músico, bem como de desportista, provenientes das suas actividades pessoais exercidas nessa qualidade, no outro Estado Contratante, podem ser tributadas nesse outro Estado.

2 - Não obstante o disposto nos artigos 7.º, 14.º e 15.º, os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espectáculos ou desportistas nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas actividades dos profissionais de espectáculos ou dos desportistas.

3 - O disposto nos números 1 e 2 não é aplicável se as actividades exercidas num Estado Contratante forem financiadas principalmente através de fundos públicos do outro Estado Contratante ou de uma das suas subdivisões políticas ou administrativas ou autarquias locais. Neste caso, os rendimentos auferidos dessas actividades só podem ser tributados nesse outro Estado.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira baseou-se ainda nos Comentários ao n.º 2 do artigo 17.º do Modelo de Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, em matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património, doravante Modelo de Convenção, de que concluiu que o Estado onde são exercidas as actividades ou se realiza os espectáculos, fica autorizado a tributar os rendimentos obtidos dessas actividades e atribuídos a uma outra pessoa, independentemente das outras disposições da Convenção que seriam de outro modo aplicáveis.

Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu no Relatório da Inspecção Tributária que «da conjugação do disposto nas alínea f) do n.º 1, alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 94.º e do n.º 4 do artigo 87.º, ambos do CIRC, deveria o sujeito passivo, aquando dos pagamentos destes rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de profissionais de espetáculo, ter efetuado a retenção na fonte, à taxa de 25%, no montante de €17.500,00, pelo que se apurou imposto em falta neste montante».

 

3.2.1.1. Posições das Partes sobre a questão do espectáculo “D…”

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

– os rendimentos aqui em questão não poderão ser qualificados como rendimentos derivados do exercício em território português da actividade de profissionais de espectáculos, e como tal enquadráveis nos termos do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC;

– a prova carreada ao processo pela AT é manifestamente insuficiente para aferir sobre a relação empresarial entre a E… e a A… e que tão pouco esta demonstra no Relatório de inspecção qual o profissional de espectáculo a quem seriam atribuídos tais rendimentos;

– a actividade desenvolvida pela E… consiste, essencialmente, em proporcionar aos seus clientes, mediante uma determinada remuneração, serviços de recreação/entretenimento protagonizados por uma …, como será mais emblemático, o citado “D…”, mas também a sua utilização para outros efeitos, designadamente visitas a casas do clube em todo o território nacional, visitas guiadas ao Estádio … e presença em outros eventos oficiais do clube;

– quem fornece todos os meios necessários à realização do espectáculo e outros serviços, nomeadamente no que se refere aos meios humanos, materiais, suporte operacional e segurança é a E…;

– tanto quanto a Requerente sabe, quer a …, quer o seu tratador (talvez o citado R… o mais conhecido), que a AT pretende enquadrar no conceito de profissionais de espectáculo, não são “únicos”, na medida em que poderá não ser sempre o mesmo tratador ou a mesma águia, que executa os serviços;

– os comentários ao artigo 17.º da Convenção Modelo da OCDE referem que “[0] número 1 aplica-se ao rendimento obtido, directa ou indirectamente, a título individual, por um artista, e, neste caso, é clara para a Requerente a ausência do recebimento a título individual de um rendimento por parte de um artista, uma vez que tanto a … como o seu treinador são passíveis de irem mudando conforme o espectáculo;

– nesta medida os comentários ao artigo 17.º da Convenção Modelo da OCDE concluem que “[e]m regra são aplicáveis outros artigos sempre que não exista uma relação directa entre os rendimentos e um espectáculo público dado por um artista...”, até porque desde logo os serviços prestados não se esgotam no citado “D…” sendo antes uma prestação de serviços continuados de promoção e fomento da imagem do A…;

– seria sempre de reconhecer a impossibilidade de uma … auferir rendimentos, directamente, enquanto artista, pelo que não é possível vislumbrar à Requerente outro enquadramento da situação que não o de nos encontramos perante um serviço prestado por uma entidade residente para efeitos fiscais em Espanha;

– em termos económicos (e mesmo jurídicos), o que está em causa é a prestação de um serviço por uma pessoa colectiva não residente, na medida em que é na esfera daquela que, para todos os efeitos, se irá projectar o benefício económico decorrente do serviço prestado;

– e se é essa a realidade em termos económicos, não há nenhuma razão para que não o seja, também, na qualificação do rendimento para efeitos fiscais: ou seja, se é a sociedade E… quem presta o serviço, então, naturalmente, será também ela a titular do respectivo rendimento, não sendo aplicável o enquadramento dado pela AT à luz do artigo 4.º do Código do IRC.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que «os comentários ao nº 1 do art. 17º da Convenção Modelo da OCDE, ao referirem o rendimento obtido, directa ou indirectamente, a título individual, por um artista, não afastam da sua aplicação o D…, porque o serviço prestado consiste inquestionavelmente num espectáculo, conclui-se que cada espectáculo só pode ser realizado por um artista, sendo indiferente se é o mesmo o artista em todos os espectáculos».

 

3.2.1.2. Decisão da questão do espectáculo “D…”

 

O n.º 2 do artigo 17.º da CDT Espanha estabelece que «não obstante o disposto nos artigos 7.º, 14.º e 15.º, os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espectáculos ou desportistas nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas actividades dos profissionais de espectáculos ou dos desportistas».

Como se depreende do teor expresso do n.º 2, ao fazer referência «rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espectáculos ou desportistas nessa qualidade», tributam-se rendimentos individuais obtidos por profissionais de espectáculos ou desportistas, sendo exclusivamente os frutos dessa actividade profissional que esta norma permite tributar no Estado onde ela é desenvolvida.

Assim, não se permite nesta norma tributar no Estado onde são exercidas a globalidade dos pagamentos relativos a espectáculos, mas apenas rendimentos individuais de profissionais.

Apesar de ser admissível que a actividade de profissional de espectáculos possa ser exercida por uma entidade em que o desportista se encontra integrado e possa ser tributado pelo Estado onde a actividade é exercida, só podem ser tributadas por este as remunerações pagas a tais entidades em nome do indivíduo, como resulta do parágrafo 8 dos comentários ao artigo 17.º.

No caso em apreço, os pagamentos foram feitos pelo «espetáculo ocorrido no estádio do sujeito passivo, em que participam a …"… " e o seu tratador (R…)» (Relatório da Inspecção Tributária).

 A Requerente defende que há meios humanos, materiais, suporte operacional e segurança fornecidos pela E…, o que é perfeitamente crível, pois não se trata de um espectáculo proporcionado apenas pela actividade do tratador e serão certamente necessárias actividades complementares para garantir a obtenção das …, o seu tratamento e manutenção.

Assim, da quantia paga à empresa o «D… », realizado por empresa que detém e mantém as …, só a parte que se pudesse considerar remuneração do trabalho individual do tratador poderia ser objecto de tributação em Portugal ao abrigo do artigo 17.º, n.º 2, da CDT Espanha, não o podendo ser a parte da quantia paga que visa remunerar as despesas globais da estrutura que a empresa tem de dispor para assegurar o espectáculo.

Por isso, não há suporte legal para aplicar o referido n.º 2 do artigo 17.º, sendo de aplicar antes o artigo 7.º, relativo às actividades empresariais.

Consequentemente, a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, quanto a este ponto.

 

3.2.2. Questão dos direitos de imagem dos atletas F…, H… e J…

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou as seguintes correcções, por falta de retenção na fonte, relacionadas com direitos de imagem de jogadores:

– no montante de € 74.847,50, a título de retenção na fonte devida sobre o montante de € 299.390,00 pago pela A… à G…(“G… "), entidade residente para efeitos fiscais na Irlanda, pela cessão dos direitos de imagem do jogador F…;

– no montante de € 125.000,00, relativamente a retenção na fonte devida pelos pagamentos no montante global de € 500.000,00 efectuados à I…, entidade residente para efeitos fiscais na Holanda, no âmbito de um “Agreement” de utilização do direito de imagem do atleta H… (“H…”);

– no montante de € 107.527,00, a titulo de retenção na fonte devida sobre o montante de € 430.108,00 pago pela A… à K..., entidade residente para efeitos fiscais na Holanda, pela cessão dos direitos de imagem do jogador J… .

           

Como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, os pagamentos foram efectuados no âmbito de contratos de cessão utilização de direitos de imagem dos jogadores referidos, com vigências concomitantes com as dos respectivos contratos de trabalho desportivos.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu no Relatório da Inspecção Tributária o seguinte, em suma:

– quando um jogador de futebol cede a uma terceira entidade não desportiva os benefícios da utilização do seu direito de imagem e esta, por sua vez, efectua a cedência da exploração desses direitos ao Clube/SAD com quem o jogador celebrou um contrato de trabalho, o objecto do contrato de cedência encontra-se interligado e reconduz-se aos seus direitos inerentes no contrato que celebrou enquanto futebolista, donde deriva a sua imagem;

– a A… na celebração de um contrato de trabalho de aquisição de direitos de imagem relativos a um determinado jogador depende (sempre) da celebração de um contrato de trabalho desportivo com esse jogador;

– um Clube/SAD, quando adquire os direitos de imagem dos jogadores do seu plantel, fá-lo, enquanto direitos associados aos desportistas que contrata e à imagem, intrinsecamente, derivada da sua actividade de desportista, pelo que se estabelece uma conexão, inequívoca, entre a actividade desempenhada pelos jogadores e a potencial exploração dos seus direitos de imagem;

– por isso, em última instância, o que acaba por se transferir daquela terceira entidade não residente, serão os rendimentos que derivam da imagem que estes atletas detêm, enquanto jogadores que desempenham (ou vão desempenhar) a actividade de profissional de futebolistas em território português.

– por conseguinte, dada a sua conexão directa e indissociável com o exercício da actividade desportiva, os rendimentos auferidos por entidades não residentes (não sujeitas a l RS), pela cedência dos direitos de imagem destes jogadores, configuram, a final, rendimentos derivados do exercício em território português da sua actividade enquanto desportistas, os quais, encontram-se sujeitos a IRC, face à disposição prevista na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC.

 

3.2.2.1. Posições das Partes sobre a questão dos direitos de imagem

 

A Requerente defende, em suma, o seguinte:

– o direito de imagem consubstancia um direito de personalidade, que, para alem de constituir um direito fundamental com protecção ao nível da Constituição da República Portuguesa, encontra igualmente previsão no artigo 79.º do Código Civil, estando protegida a sua utilização abusiva no artigo 483.º do mesmo diploma;

– enquanto direito de personalidade, o direito de imagem assume as características geralmente apontadas aos direitos desta natureza, nomeadamente a sua indisponibilidade e a intransmissibilidade;

– no que respeita á indisponibilidade, esta implica que não seja reconhecida ao sujeito activo de um direito de personalidade a faculdade de renúncia ou de disposição a favor de outrem da capacidade de gozo de tais direitos;

– à face do artigo 10.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, e do artigo 38.º do Contrato de Trabalho Colectivo estabelecido entre o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga de Futebol Profissional, há distinção entre o direito do uso de imagem a título individual e o colectivo, bem como o facto de o último poder ser alvo de regulamentação no âmbito do contrato de trabalho;

– tratando-se de um direito de personalidade, o direito a imagem apenas pode ser cedido (com limitações) pelo próprio titular, cabendo-lhe igualmente o direito de o gerir, nada impedindo que, o jogador consinta que uma entidade terceira proceda à exploração comercial do seu direito de imagem, não implicando este acordo, como vimos, a alienação ou cedência dos direitos por impossibilidade do objecto negocial;

– em face das normas citadas, a cedência da exploração do direito de imagem surge como uma possibilidade e não como uma inevitabilidade em resultado da celebração de um contrato desportivo;

– não se verifica a existência de um nexo de causalidade imediato e inevitável entre a celebração de um contrato de trabalho desportivo e a gestão do direito de imagem do atleta em causa, podendo este, opcionalmente, ceder a exploração comercial dos seus direitos de imagem a terceiros;

– a exploração do direito de imagem de um atleta não e, portanto, indissociável do contrato de trabalho desportivo;

– a actividade desportiva dos profissionais de futebol é exercida pela sua intervenção nas competições de futebol profissional, em que participa a entidade empregadora com a qual celebraram um contrato de trabalho desportivo, sendo remunerados para o efeito de acordo com as cláusulas dos contratos de trabalho, e no qual não foram cedidos os direitos de imagem.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende no presente processo o seguinte, em suma:

– as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira visaram rendimentos que têm uma conexão directa e indissociável com o exercício da actividade desportiva, conexão essa reforçada pelo facto de, no caso dos autos, os acordos de cessão de direitos de imagem terem a mesma duração de vigência dos contratos de trabalho desportivo celebrado com os jogadores;

– a Requerente justificou a falta de retenção na fonte com as CDTs celebradas entre Portugal e a Irlanda (no caso do jogador F…) e entre Portugal e a Holanda (nos casos dos jogadores H… e J…), mas conforme decorre também dos comentários ao n.º 2 do artigo 17.º do Modelo de Convenção da OCDE, aquelas CDTs preconizam que os rendimentos derivados da actividade de desportistas podem ser tributados pelo Estado de origem dos rendimentos, ou seja, o Estado onde são exercidas as actividades de desportista.

 

3.2.2.2. Decisão da questão dos direitos de imagem

 

Esta questão foi colocada nos mesmos termos nos processos arbitrais n.ºs 501/2014-T e 108/2015-T, cujas decisões se seguirão de perto.

A origem ou fonte dos rendimentos obtidos pelas empresas G…, I… e K... está na alienação de direitos de imagem anteriormente adquiridos aos seus titulares e, em última análise, na rentabilização de investimentos que anteriormente fizeram na aquisição desses direitos.

As relações jurídicas estabelecidas entre cada um dos jogadores de futebol e a respectiva entidade que lhe adquiriu o direito de explorar comercialmente a sua imagem esgotou-se com a entrega desse direito, do direito a esse direito, e com o pagamento do preço que as adquirentes certamente terão pago a cada um dos jogadores.

As relações jurídicas comerciais que se estabeleceram entre estas empresas e a Requerente são distintas das relações dessas empresas com os jogadores referidos e nada e confundem com as relações laborais desportivas que se geraram entre cada um dos jogadores e a Requerente com base nos respectivos contratos de trabalho desportivo.

E nem sequer se demonstrou que a G… ou I… ou a K… tivessem tido qualquer intervenção positiva ou negativa relativamente à celebração dos contratos de trabalho desportivo celebrados entre a A… e os jogadores de que detinham o direito à imagem.

Mesmo depois da celebração dos contratos de trabalho desportivo entre a Requerente e cada um dos jogadores em causa, nada impedia que as entidades não residentes que antes lhe tinham adquirido o direito a explorar comercialmente o seu direito de imagem continuassem com essa titularidade, não os cedendo à Requerente, o que não afectaria os referidos contratos de trabalho desportivo.

Por outro lado, nenhum desses jogadores teve ou teria que ter qualquer intervenção nos contratos celebrados entre a A… e cada uma das entidades que lhe cedeu o direito a explorar comercial dos mesmos jogadores.

Assim, cada uma das entidades que cederam à Requerente o direito de explorar comercialmente a imagem dos jogadores comportou-se como um investidor, quer ao adquirir esse direito a cada um dos jogadores quer, depois, a alienar esse direito. Foram investidores que se comportaram como tal ao investir na aquisição prévia de direitos de natureza comercial de jogadores e, tenham ou não feito bons negócios com o anterior e com o futuro titular desse direito, ganhando mais ou ganhando menos, a verdade é que os seus ganhos advieram de um investimento, foram ganhos resultantes de uma actividade empresarial e não de uma actividade desportiva.

As normas que no direito tributário interno e também no direito tributário convencional tipificam a incidência dos rendimentos artísticos e desportivos e as regras de territorialidade que lhe são aplicáveis terão que ser interpretadas no sentido em que só os rendimentos que efectivamente sejam qualificáveis como contrapartida pelo exercício dessas actividades é que serão abrangidos pelo regime tributário específico aí previsto.

Embora o CIRC não defina o conceito de «rendimentos derivados de actividades de desportistas», o teor da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, ao sujeitar a IRC os «rendimentos derivados do exercício em território português da actividade de profissionais de espectáculos ou desportistas», aponta no sentido de se pretender aludir a rendimentos derivados do exercício de uma actividade em território português.

Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, que estabeleceu o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, «todo o praticante desportivo profissional tem direito a utilizar a sua imagem pública ligada à prática desportiva e a opor-se a que outrem a use ilicitamente para exploração comercial ou para outros fins económicos», mas este direito é um direito de personalidade inerente à qualidade de cidadão (artigos 26.º da Constituição da República Portuguesa e 79.º do Código Civil) que nem está necessariamente conexionado com o «exercício em território português» de uma actividade desportiva, que é pressuposto da aplicação daquela norma do CIRC.

Por isso, os rendimentos provenientes da disposição do direito de imagem não são proporcionados pelo próprio exercício da actividade desportiva em território português, mas por um acto jurídico de disposição limitada de um direito de personalidade, que o desportista pode praticar ou não apesar exercer actividade desportiva em território português. Isto é, o exercício da actividade desportiva em território português não proporciona quaisquer rendimentos a título de direitos de imagem, só os podendo obter o desportista se praticar um acto (autónomo em relação ao exercício daquela actividade) de disposição destes direitos, o que revela que os rendimentos correspondentes advêm deste acto de disposição e não do exercício da actividade desportiva.

Da mesma forma, mas ainda mais explicitamente, o teor dos n.ºs 2 dos artigos 17.º das Convenção entre a República Portuguesa e a Irlanda e entre a República Portuguesa e os Países Baixos, para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos Sobre o Rendimento, aprovadas pelas Resoluções da Assembleia da República n.ºs 29/94, de 24 de Junho, e 62/2000 de 12 de Julho, respectivamente, fazem referência aos «rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos (...) desportistas, nessa qualidade», o que não permite enquadrar na sua previsão os rendimentos obtidos por desportistas com a cedência de utilização dos direitos de imagem, pois estes não derivam de qualquer actividade exercida por aqueles na qualidade de desportistas, mas sim da prática de actos jurídicos de disposição de direitos de personalidade, que a todos são reconhecidos, independentemente da sua qualidade, e podem ser praticados por qualquer pessoa. Assim, os rendimentos derivados da cedência de direitos de imagem de desportistas estão fora da possibilidade de tributação no Estado em que são exercidas das actividades que se prevê nos artigos 27.º, n.º 2, daquelas Convenções.

Por outro lado, no caso em apreço os contratos de cedência dos direitos de imagem e os contratos de trabalho desportivo foram celebrados pelos jogadores com entidades diferentes (os primeiros com as referidas empresas não residentes, os segundos com a Requerente), pelo que não é viável um tratamento unitário dos dois contratos que cada um dos jogadores celebrou com se fossem um único contrato de trabalho desportivo, por via da figura da coligação de contratos, assente em relação de dependência, como implicitamente propugna a Autoridade Tributária e Aduaneira na referida Circular n.º 1118/2011 ( [1] ).

Assim, tem de se concluir que os rendimentos auferidos pelas empresas G…, I… e K… não são enquadráveis nos n.ºs 2 dos artigos 17.º das referidas Convenções, o que se reconduz a que devam ser considerados rendimentos empresariais dessas empresas, tributáveis nos respectivos Estados onde estão sedeadas, de harmonia com o disposto nos artigos 7.º das mesmas Convenções, que estabelecem que «os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua actividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a actividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável».

Pelo exposto, as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente aos pagamentos efectuados às empresas G…, I… e K…, referentes à utilização dos direitos de imagem dos jogadores F…, H… e J… enfermam de vício de violação de lei, pelo que se justifica a anulação do acto impugnado, nas partes respectivas.

 

3.2.3. Questão dos direitos económicos – L…

A Requerente efectuou, durante o ano de 2010, um pagamento no montante de €350.000,00, à entidade L…, doravante L…, não residente, sem estabelecimento estável em Portugal, que não foi objecto de retenção na fonte, a título de aquisição de "direitos económicos" e serviços prestados relativos aos jogadores M… e N… .

A Requerente informou a Autoridade Tributária e Aduaneira de que o preço estipulado foi a contrapartida da cessão da totalidade dos direitos económicos e pela prestação dos serviços prestados que viabilizaram a celebração dos contratos.

Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «não tendo a A… nem identificado/comprovado nem valorizado os eventuais serviços prestados, e atendendo ao conteúdo dos acordos celebrados e à substância económica subjacente aos mesmos, a administração fiscal conclui que o valor destas operações emana dos direitos transmitidos e não de quaisquer serviços, eventualmente prestados, pelo que efectuou uma correcção, no montante de € 87.500,00, correspondente à retenção na fonte que entendeu dever ter sido efectuada.

Para tal, a Autoridade Tributária e Aduaneira referiu que no considerando n.º 4 dos acordos celebrados com a L… se refere que "A SEGUNDA CONTRAENTE pretende adquirir, e a PRIMEIRA CONTRAENTE pretende ceder, a totalidade dos direitos económicos" e que na cláusula primeira dos mesmos acordos se refere que "pelo presente acordo a PRIMEIRA CONTRAENTE cede à SEGUNDA CONTRAENTE, e esta aceita, a totalidade dos direitos económicos decorrentes do vínculo desportivo celebrado com o atleta", pelo que concluiu que «não restam duvidas que este é o negócio principal que une estas duas entidades em acordo».

Referiu ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária que «quaisquer serviços eventualmente prestados seriam sempre residuais ao objeto dos acordos e como tal, não tendo sido efetuada a comprovação de serviços prestados nem qualquer quantificação dos mesmos, para efeitos da qualificação do rendimento auferido pela entidade L…, considera-se que o montante pago remunera, em substância e subsume-se no preço da cedência dos direitos económicos» e que «a aquisição dos direitos acima descritos sucede num contexto em que os jogadores se encontravam "livres", sem contrato de trabalho desportivo em vigor com outra entidade desportiva, aquando da sua contratação pela A…», o que entendeu resultar do considerando n.º 5 dos acordos, onde ficou expresso que "A SEGUNDA CONTRAENTE está interessada na referida aquisição na condição de o (...) atleta se encontrar livre de qualquer contrato ou compromisso, podendo, assim, vincular-se desportivamente desde já à A… sem que lhe possa ser exigida qualquer contrapartida financeira por parte de qualquer Clube".

Analisando estes dados a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu o seguinte:

 

Nesta situação em que um atleta se encontra "livre", não existirá um contrato de transferência entre clubes/SAD e, o Certificado Internacional de transferência do jogador é requisitado através da Federação Portuguesa de Futebol que solicita à outra Federação envolvida ou então à FIFA, conforme está previsto no artigo 9.º do Regulamento relativo ao Estatuto e Transferências de Jogadores.

Relativamente aos direitos desportivos há a considerar que, nos termos da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, os direitos desportivos emergentes da celebração de um contrato de trabalho desportivo celebrado, não são mais do que os direitos de inscrição do jogador numa competição por parte da entidade empregadora desportiva, devidamente reconhecida pela entidade responsável na organização e supervisão do futebol profissional (v.g. Liga Portuguesa de Futebol Profissional no caso da A…).

O n.º 3 do artigo 7.º, dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), dotada de utilidade pública desportiva, nos termos do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril, estabelece que o reconhecimento da qualidade de Clube implica a sua inscrição na Associação da sua área geográfica e, no âmbito da competição profissional, na Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

Ora, é depois desta tramitação que o Clube se pode declarar detentor de direitos desportivos, uma vez que se encontra em vigor, na sua plenitude, um contrato de trabalho desportivo em obediência às exigências legais e regulamentares, podendo utilizar o jogador nas competições em que participa.

Conclui-se então que, a existência de direitos desportivos só ocorre nos termos acima descritos, não sendo possível a outras entidades (v.g. empresas sem capacidade de disputar competições desportivas com uma equipa própria de jogadores) reclamarem a posse de direitos desportivos sobre jogadores. Logo, a entidade L… não era detentora de direitos desportivos.

Por sua vez, não existindo direitos desportivos, pois os jogadores não detinham em vigor um contrato de trabalho desportivo válido com uma entidade desportiva, também não se pode considerar que se constituam direitos económicos relativos a direitos desportivos, vulgo passe, detidos por uma entidade terceira não desportiva, uma vez que, estes pressupõem a existência, como suporte, de um contrato de trabalho desportivo, logicamente, com uma entidade desportiva.

Por conseguinte, encontrando-se um jogador livre de qualquer contrato de trabalho desportivo, a quantia exigida por entidade terceira não desportiva ou mesmo um agente FIFA, aquando da celebração do novo contrato, mais não é do que a contrapartida que o jogador pode vir a exigir pela celebração de um novo contrato - vulgo prémio de assinatura - que foi cedida por este a uma terceira entidade21 .

Assim, a L…, entidade não desportiva que participa na indústria do futebol profissional, quando invoca que é "titular da totalidade dos direitos económicos decorrentes do vínculo desportivo que os atletas (...) viessem a outorgar", mais não deterá do que o direito de exigir, em vez dos jogadores, uma remuneração pela celebração do novo contrato de trabalho desportivo.

Posto isto, encontrando-se os jogadores "livres" de qualquer contrato com uma entidade desportiva, os rendimentos obtidos pela entidade não residente, em contrapartida pela assinatura de contrato de trabalho desportivo do jogador com o seu novo clube, decorrem inequívoca e indissociavelmente da celebração deste novo contrato de trabalho desportivo, celebrado peio jogador na sua qualidade de desportista, donde deriva a sua utilização ao serviço do Clube/SAD residente em território Português.

Assim sendo, trata-se de rendimentos que são pagos para que se possam utilizar os serviços dos jogadores em território nacional, e como tal considerado como rendimentos obtidos em Portugal por um não residente sujeito a IRC, por força da norma de localização constante na alínea d) do nº 3 do artigo 4.º do Código do IRC, uma vez que se trata de rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas.

 

Concluiu a Autoridade Tributária e Aduaneira que os pagamentos efectuados à L… estavam sujeitos a retenção na fonte por se tratar de rendimentos derivados da actividade de desportista para efeitos do artigo 17.º, n.º 2, da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2001, de 27 de Abril (doravante designada como “CDT Brasil”, que estabelece que «não obstante o disposto nos artigos 7.º, 14.º e 15.º, os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espectáculos ou desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas actividades dos profissionais de espectáculos ou dos desportistas».

 

3.2.3.1. Posições das Partes sobre a questão dos direitos económicos – L…

 

A Requerente defende, em suma, o seguinte:

– Requerente teve oportunidade de explicar no decurso da acção de inspecção, relativamente ao pagamento em apreço, que o montante pago envolve, em simultâneo, a contrapartida pela cessão dos direitos económicos e pelos serviços prestados pela L… no âmbito da referida transacção, sem que seja possível efectuar a respectiva segregação, porquanto o acordo celebrado abrange a transacção como um todo, pelo que não se justifica a correcção sobre o montante total que foi pago e «mesmo ignorando o facto de a Requerente possuir o respectivo formulário 21-RFI, devidamente preenchido e autenticado (conforme confirmado por aqueles serviços), a retenção na fonte em território português seria efectuada a taxa de 15% e nunca 25%»;

– a cláusula segunda do mesmo acordo estabelece que «como contrapartida desta cessão e pela prestação dos serviços prestados que viabilizaram a celebração do contrato identificado no considerando 1., a SEGUNDA CONTRAENTE paga à PRIMEIRA CONTRAENTE ()»;

– «a AT falha em demonstrar o critério utilizado de alocação do preço entre os serviços prestados. Porque não efectuou a AT a alocação da totalidade do valor à prestação de serviços? Porque é que a AT não optou pela utilização de um método equitativo (metade do valor para cada um dos dois serviços)?»

– relativamente à componente qualificada como prestação de serviços, pese embora o montante em causa não seja determinável, a Requerente encontrava-se dispensada da obrigação de efectuar retenção na fonte, ao abrigo das disposições do ADT celebrado entre Portugal e o Brasil;

– no que respeita à componente referente à aquisição dos direitos económicos dos jogadores em causa, a interpretação que a AT faz da operação em causa não só não possui aderência à realidade como não se encontra devidamente sustentada;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que, encontrando-se os jogadores sem qualquer vinculo profissional a um clube, o rendimento pago reveste a natureza de um “prémio de assinatura”, cedido pelos atletas em causa a uma terceira entidade, que seria exigível pelos próprios jogadores, para efeitos de assinatura do contrato desportivo, motivo pelo qual o rendimento em causa seria, assim, derivado do exercício da actividade de desportista em território português, e dai, sujeito a retenção na fonte no país;

– este enquadramento não resulta da lei, mas sim de uma “ficção” operada pela AT;

– a natureza diversa dos rendimentos que poderão estar em causa numa operação desta natureza é evidenciada na Lei n.º 103/97, de 13 de Setembro, na redacção conferida pela Lei n.º 56/2013, de 14 de Agosto, a qual estabelece o regime fiscal das sociedades desportivas;

– de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do diploma em apreço, sendo os direitos de contratação registados como activos intangíveis, o valor amortizável dos mesmos poderá incluir:

a) “as quantias pagas pela sociedade desportiva às entidades detentoras dos direitos económico-desportivos relativos ao jogador coma contrapartida da transferência";

b) “as importâncias pagas ao próprio jogador pelo facto de celebrar ou renovar o contrato“; e

c) "os montantes pagos pela sociedade desportiva a agentes ou mandatários, relativos a transferências de jogadores”.

 

– distingue-se, assim, entre importâncias pagas pela sociedade desportiva às entidades detentoras dos direitos económico-desportivos e importâncias pagas pela sociedade desportiva ao próprio jogador pela celebração do contrato, este sim com a natureza de prémio de assinatura;

– dada a inexistência de qualquer norma de incidência que determine que, na ausência de direitos económicos e/ou desportivos, a importância auferida por entidades terceiras de um clube que pretenda celebrar um contrato de trabalho desportivo com um atleta se presume derivada da actividade exercida pelo próprio atleta ou que implicitamente constitui um rendimento tributável na esfera desse mesmo atleta (pese embora este não aufira qualquer rendimento);

– a AT viu-se compelida a expressar tal entendimento na Circular n.º 18/2011, de 19 de Maio, que ao estabelecer que “a celebração de um futuro contrato de trabalho desportivo subsume-se no direito equivalente ao prémio de assinatura que um jogador poderia exigir pela celebração do novo contrato”, impõe uma ficção que cria uma nova norma de incidência, pois, conforme se reconhece no texto da própria Circular, encontrando-se o jogador livre não existem, de facto, direitos desportivos;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira não provou que a L… auferiu rendimentos em nome e por conta dos atletas em resultado da sua contratação pela Requerente;

– a única forma de os atletas em apreço terem auferido algum rendimento no âmbito da operação em causa seria através de um eventual acordo prévio com a L…, no qual fosse previsto que esta entregaria o rendimento auferido a cada um dos atletas, que, ainda que existisse, seria prévio à assinatura do contrato de trabalho desportivo com a Requerente, pelo que nunca poderia ser considerado como rendimento obtido em território português por falta de elemento de conexão;

– não estamos perante um prémio de assinatura, mas antes perante um ganho apurado pela L…, em consequência da alienação de um activo intangível, dado que ao preço de compra acrescem todos os acessórios desta, no caso os gastos suportados com a prestação de serviços.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende no presente processo o seguinte, em suma:

 

– não se comprovando a prestação de qualquer serviço mas somente a transmissão de direito, resulta forçoso concluir, por tudo o que supra se transcreveu, que o montante pago remunera a cedência de direitos económicos sendo os rendimentos considerados como obtidos em Portugal porque derivados do exercício em território português da actividade de desportistas;

 – estando livres os atletas, os rendimentos obtidos pela entidade não residente foram qualificados como contrapartida de um futuro contrato de trabalho desportivo com uma sociedade desportiva ou clube residente, de acordo com o entendimento sancionado pela circular nº 18/2011.

 

3.2.3.2. Decisão da questão dos direitos económicos – L…

 

Esta questão foi colocada, nos mesmos precisos termos e com os mesmos argumentos, no processo arbitral n.º 501/2014-T, pelo que se aceita a posição aí adoptada, assim explicitada:

 

«A apreciação da presente situação tributária passa por definir a natureza do rendimento pago pela ora Requerente a uma empresa com sede no Brasil detentora dos direitos económicos referentes a dois jogadores de futebol e, em simultâneo, por determinar se o princípio da territorialidade consagrado no sistema fiscal nacional em conjugação com a Convenção com o Brasil impõe ou recusa a tributação desse rendimento em Portugal.

Vejamos,

A AT sustentou a liquidação impugnada com a invocação da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC que determina que se consideram obtidos em Portugal os rendimentos auferidos pelo exercício em território português da atividade de profissionais de espetáculos ou desportistas, mesmo que o seu beneficiário não tenha residência nem estabelecimento estável em Portugal.

Por sua vez a alínea f) do n.º 1 do artigo 88.º do mesmo Código prevê que “o IRC é objeto de retenção na fonte (…) relativamente aos rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º obtidos por entidades não residentes em território português quando o devedor dos mesmos seja sujeito passivo de IRC (…)”.

Por outro lado a “Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria dos Impostos sobre o Rendimento” determina no seu artigo 17.º, n.º 2, igualmente invocado pela Requerida para sustentar esta parte da liquidação impugnada, que “(…) os rendimentos de atividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espetáculos ou desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas atividades dos profissionais de espetáculos ou dos desportistas”.

A AT invocou também os “comentários ao n.º do artigo 17.º do Modelo de Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico” segundo a qual os rendimentos derivados da atividade desportista, independentemente desse rendimento reverter para o desportista ou para outra pessoa, podem ser tributados, sem qualquer limitação, por esse Estado de origem dos rendimentos.

Anota-se que os preceitos de direito interno e de direito internacional invocados se aplicam aos rendimentos da atividade desportiva, e não a outros rendimentos empresariais em geral, dispondo o artigo 7.º, n.º 1, da Convenção com o Brasil que “os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável”.

Assim, começamos já por observar que é muito relevante a qualificação que se possa atribuir aos pagamentos feitos pela A… à empresa L… já que dessa qualificação depende a sua tributação em Portugal pelo regime específico invocado na liquidação impugnada.

Refira-se por último que a tributação dos rendimentos enquadráveis nos preceitos acima transcritos, caso se conclua nesse sentido, opera por retenção na fonte, à taxa de 25%, conforme resulta do disposto no n.º 4 do artigo 80.º em conjugação com o n.º 6 do artigo 88.º ambos do CIRC.

Ciente da vigência do regime tributário transcrito, a Requerida estrutura a sua análise da operação de transferência dos jogadores em causa no sentido de qualificar os contratos como contratos de trabalho desportivo para, face a tais contratos, qualificar o rendimento pago como contrapartida de uma atividade desportiva exercida em Portugal e consequentemente aqui sujeita a tributação.

Assim, começa por desconsiderar os termos e cláusulas dos contratos celebrados entre a A… e a empresa L… dizendo que não podem ser considerados contratos de transferência de jogadores entre clubes, já que a cedente L… não era um clube desportivo.

O tribunal observa, por seu lado, que não vê fundamentos suficientes para transformar os contratos cujas cópias constam neste processo em contratos de trabalho desportivo.

Desde logo porque, como se verá infra, um contrato de trabalho desportivo, como qualquer contrato de trabalho, implica, além doutras cláusulas essenciais, a intervenção da entidade patronal e do trabalhador, nada disso se tendo aqui verificado.

É certo que nada indica que a cedente L… fosse um clube desportivo. Mas será isso suficiente para transformar os contratos celebrados em contratos de trabalho desportivo?

Vejamos.

A qualificação deste rendimento deverá atender à vertente formal em se baseou o nascimento do direito de o receber e o dever de o pagar e também à sua natureza substantiva, num caso e noutro à luz dos elementos de prova constantes nos autos.

Começando pela vertente formal, entende o tribunal que em face da letra dos contratos celebrados entre A… a dita empresa L… não restam dúvidas que a A… adquiriu e pagou uma determinada quantia por um “bem” de que, chame-se o que se chamar, necessitava para preparar, inscrever e utilizar dois novos atletas na sua equipa desportiva, ou seja adquiriu os “direitos federativos”, os “direitos económicos”, o “passe”, o “atestado liberatório”, o “certificado internacional de transferência”, ou qualquer outra designação que se possa atribuir a esse “bem”.

Decorre dos mesmos contratos que quem se apresentou com detentor do referido “bem” foi a empresa L… que outorgou como cedente uma vez que tinha previamente investido na sua aquisição.

A Requerida sugere que pelo facto dos jogadores estarem “livres” o montante pago à entidade empresarial L… deve ser considerado como contrapartida pela assinatura de contratos de trabalho desportivo entre os atletas e a A… .

A Requerida afirma também que uma das provas de que os jogadores estavam “livres” decorre do facto de não ter existido um contrato de transferência entre clubes – a cedente não era um clube – e que, nesses casos, o Certificado Internacional de transferência do jogador é requisitado através da Federação Portuguesa de Futebol que solicita à outra Federação envolvida ou então à FIFA, conforme previsto no artigo 9.º do Regulamento relativo ao Estatuto e Transferência de Jogadores.

Ora, o que se constata é que Requerida invoca aqui uma norma do “Regulamento do Estatuto da Inscrição e Transferência de Jogadores para Portugal”, referente aos termos em que se pode procede à inscrição dos jogadores estrangeiros, para sustentar a ideia que desenvolveu que os jogadores estavam “livres” e que tal conclusão se pode provar com o facto do Certificado Internacional de transferência do jogador até se poder requisitar através da Federação Portuguesa de Futebol que o solicita à outra Federação envolvida sem que, está subjacente à invocação, fosse necessário pagar qualquer valor a um empresário para o obter.

Porém, esta afirmação não está devidamente sustentada e não se faz acompanhar de qualquer prova, de qualquer referência expressa ou ligação ao caso dos contratos e dos jogadores em causa que pudesse fundamentar a sua tese de que o montante pago foi apenas uma contrapartida pela assinatura de contratos de trabalho desportivo.

A seguir, o relatório de inspeção, com acolhimento na Resposta da AT, invoca também a Lei n.º 28/98, de 26/6, afirmando que “os direitos desportivos emergentes da celebração de um contrato de trabalho desportivo não são mais do que os direitos de inscrição do jogador numa competição por parte da entidade empregadora desportiva, devidamente reconhecida pela entidade responsável na organização e supervisão do futebol profissional (v.g. Liga Portuguesa de Futebol Profissional no caso da A…)”.

Além de não indicar a que preceito ou preceitos da referida lei se pretende referir, também não se estabelece qualquer ligação concreta entre esta lei e o contrato assinado pelo A… e pela empresa L… nem, muito menos, que seja possível demonstrar através de tal invocação que os contratos apresentados não foram válidos nem muito menos que o pagamento feito pela A… constituiu a contrapartida pela assinatura de contratos desportivos por parte dos jogadores em causa.

Não se vê onde se possa chegar e o que se pretende provar com a mera invocação genérica daquela Lei dizendo que os direitos desportivos emergentes de um contrato de trabalho desportivo não são mais do que os direitos de inscrição do jogador numa competição.

Com efeito, no caso em apreço não há contrato de trabalho desportivo para analisar e enquadrar.

O que deve ser qualificado e enquadrado nas normas da tributação são contratos, cujos termos e validade não foram adequadamente postos em causa, que foram celebrados entre uma instituição desportiva nacional e uma empresa não residente através dos quais foram assumidas obrigações recíprocas entre as quais o pagamento de uma dada quantia pela instituição A… e o compromisso da empresa cedente de abrir caminho para que os jogadores pudessem ser inscritos como tais nos organismos nacionais competentes.

Adianta-se que o que está em análise também não é o regime legal da contratação e da inscrição dos jogadores de futebol em Portugal nem o regime jurídico da relação laboral desportiva.

Não obstante, mesmo que se invoquem alguns preceitos do referido regime onde se pode divisar alguma ligação com a situação em apreço, nem aí se encontra apoio para as teses da Requerida.

A lei 28/98, de 26 de Junho, estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho dos praticantes desportivos profissionais, começando por definir “contrato de trabalho desportivo” como aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar atividade desportiva a uma pessoa singular ou coletiva que promova ou participe em atividades desportistas, sob a autoridade e a direção efetiva desta.

Toda esta lei está estruturada no sentido de reconhecer a especificidade do contrato de trabalho desportivo com as suas regras essenciais tipificadas, como sejam, entre outras, a sua duração limitada no tempo (vd. artigo 8.º), a obrigatoriedade da forma escrita sob pena de nulidade (vd. n.º 2 do artigo 5.º), a sua sujeição a registo na federação do desporto nacional (vd. artigo 6.º), os termos da sua retribuição (vd. artigo 14.º) e, ao contrário da lei laboral comum, a possibilidade da entidade empregadora poder ceder o atleta a outra entidade empregadora desportiva (vd. artigo 19.º).

Ora, pergunta-se, o que têm os contratos celebrados entre a A… e a L… a ver com o contrato desportivo de cujo regime legal acaba de se fazer esta breve referência, que a Requerida viu nos contratos celebrados, mormente quando essa “visão” foi desacompanhada de qualquer indagação, por parte da Requerida, sobre os elementos oficiais que pudessem existir nas instituições desportivas nacionais sobre factos que pudessem sustentar que afinal estamos perante contratos de trabalho desportivo?

Quanto aos empresários desportivos, esta lei prevê também a sua existência, definindo-os como intervenientes relevantes da atividade desportiva em sentido económico, estando o empresário desportivo definido como a pessoa singular ou coletiva que, estando devidamente credenciada, exerça a atividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos (vd. alínea d) do artigo 2.º e artigos 22.º e seguintes da Lei 28/98).

A doutrina assinala que este tipo de empresários vem desempenhando um papel cada vez mais relevante e abrangente na atividade desportiva, que extravasa o campo da negociação contratual, dedicando-se a gerir na plenitude a carreira do praticante desportivo, designadamente intervindo, ao nível da negociação de patrocínios, da rentabilização da imagem do jogador, do merchandising, entre outras atividades.

A figura do empresário desportivo, como conhecedor dos meandros e dos contactos do futebol profissional aparece assim cada vez mais associada aos processos negociais cada vez mais exigentes e desgastantes do futebol e do mercado dos jogadores, ele próprio cada vez mais competitivo devido à liberdade de circulação dos praticantes (vd. por exemplo A Profissão do Empresário Desportivo, in Desporto & Direito, Revista Jurídica do Desporto, Jan/Abril 2004, Coimbra Editora; e estudo de André Dinis de Carvalho, in Congresso do Direito Desportivo, 2005, Almedina).

Ora, é certo que como a empresa L… não tem domicílio em Portugal e certamente não estará cá registada não está a mesma sujeita ao regime legal nacional.

 Porém, analisando os contratos celebrados entre a A… e a dita empresa L… não se vê, face à breve caraterização que acaba de ser feita, que esta não possa reivindicar a titularidade de direitos económicos sobre jogadores de futebol e que não os possa alienar a um clube de futebol interessado na sua aquisição.

 Voltando à parte central do tema em análise deve concluir-se que nada permite concluir que os contratos celebrados entre a A… e a empresa L… violaram qualquer disposição legal vigente em Portugal atinente ao regime legal da atividade desportiva, nada permite concluir que as suas cláusulas não correspondam à realidade efetivamente acordada entre os referidos outorgantes, e nada permite concluir que os referidos contratos se devam considerar inseridos na moldura legal do contrato de trabalho desportivo.

Posto isto, não podemos aderir à conclusão da Requerida de que estamos perante um rendimento que deve ser considerado como rendimento obtido em Portugal por um não residente, sujeito a IRC, por força da norma de localização constante na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC com o fundamento que estão em causa rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas.

E a conclusão não poderá ser diferente mesmo que se queira atender menos aos aspetos formais conexos com os contratos e mais à sua vertente material ou substantiva.

Com efeito, sendo certo que pode sempre ver-se no pagamento à empresa L… alguma ligação com a celebração do contrato de trabalho desportivo, com a inscrição em Portugal dos jogadores “adquiridos” e, consequentemente, com a prática da atividade desportiva, a verdade é que com os dados em presença fica-se longe de poder qualificar esse pagamento como contrapartida do exercício da atividade desportiva em Portugal.

Na situação em apreço o que decorre da atuação dos outorgantes nos contratos é que a empresa brasileira se apresenta como detentora dos direitos económicos e desportivos dos jogadores, tendo a A… confiado nessa titularidade e outorgado nesses contratos como adquirente daqueles direitos.

Os elementos constantes no processo não demonstram como é que a empresa acedeu à titularidades dos referidos direitos. Porém, tanto quanto se pode divisar do teor dos contratos, a aquisição desses direitos por parte da empresa L… foi feita no âmbito da sua actividade empresarial e foram esses e só esses os direitos que constituíram o objeto dos contratos e os recebimentos que obteve constituíram a contrapartida da sua alienação à A… .

A versão e elementos dos outros contratos conexos com a transferência dos jogadores, mormente o contrato de formação, a promessa de contratação dos jogadores ou a celebração dos contratos definitivos de trabalho desportivo não foram juntos ao processo.

Porém, será aí que certamente, obedecendo aos requisitos do respetivo regime legal, foram fixadas as contrapartidas que a nova entidade patronal dos jogadores assumiu pagar pela prática da atividade desportiva para que foram contratados.

As normas que no direito tributário interno e também no direito tributário convencional tipificam a incidência dos rendimentos artísticos e desportivos e as regras de territorialidade que lhe são aplicáveis terão que ser interpretadas no sentido em que só os rendimentos que efetivamente sejam qualificáveis como contrapartida pelo exercício dessas atividades é que serão abrangidos pelo regime tributário específico aí previsto.

Se, por exemplo, um artista musical ou um corredor olímpico de um país estrangeiro vierem atuar ou correr em Portugal, a contrapartida dessa atuação estará sujeita a IRC, nos termos supra referidos, quer seja paga ao próprio artista ou atleta quer seja paga na totalidade a um terceiro que é o seu empresário.

Neste caso o pagamento, tal como determinam as referidas normas, estará integralmente sujeito a retenção na fonte em Portugal à taxa de 25%.

Porém, a solução poderá já não ser a mesma, se, por exemplo, a sua vinda ocorrer no âmbito de contrato celebrado com o próprio artista ou atleta e lhes for pago diretamente o preço da sua atuação, ainda que o seu empresário possa debitar à parte alguma contrapartida por alguns serviços que tenha prestado à entidade portuguesa que os contratou ou até para pagar a licença de atuação que porventura tivesse sido acordada entre o empresário e o artista ou o atleta em causa.

Noutra situação, se um grupo musical estrangeiro vier atuar a Portugal, pode dar-se o caso da entidade nacional que o contratou celebrar um contrato com esse grupo pagando-lhe o que for acordado pela sua atuação e celebrar outro contrato com uma empresa também não residente em Portugal para montar o palco e toda a infraestrutura necessária ao espetáculo.

É óbvio que o tratamento tributário destes contratos não poderá ser o mesmo e que só os pagamentos feitos no âmbito dos contratos com os artistas e desportistas poderão ser qualificados rendimento de atividade artística ou desportiva.

O mesmo acontece na situação em apreço. Foram celebrados contratos com dois atletas cujo objeto foi a sua contratação desportiva e paralelamente foram celebrados contratos com a empresa que se apresentou como sua empresária cujo objeto foi a remuneração dos serviços que prestou e o seu investimento prévio na criação de condições para que esse investimento constituísse um “bem” que a A… necessitava de adquirir para que os jogadores pudessem ser transferidos e inscritos nos organismos desportivos nacionais em conformidade com a legislação aplicável.

O pagamento ao empresário não deixará de ter o enquadramento tributário adequado mas não é certamente com base nas normas invocadas pela autoridade Requerida para proceder à correcção inserida na liquidação impugnada.

A invocação da requerente de que era detentora do formulário 21-RFI não é aqui analisada na medida em que a liquidação impugnada não assenta nas normas que preveem a sua emissão.

 

            De harmonia com o exposto, a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, neste ponto.

 

3.3. Questão dos rendimentos de capitais - Pagamento à Y… que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu dever ser tributado como rendimento da O… .

Em 08-06-2005, a A… formalizou uma parceria, através de um acordo "Agreement", com a entidade O… (adiante O…) registada em GIBRALTAR com o nº…, onde cedeu parcialmente os direitos económicos relativos a direitos desportivos de vários atletas.

Em 26-08-2007, a Requerente procedeu à alienação da totalidade dos direitos desportivos e económicos que detinha sobre o atleta W… ao …, por um montante de € 18.000.000,00 (dezoito milhões), o qual seria pago através de um plano de pagamentos que se prolongavam até 10-12-2010.

Em 20-08-2008, a Requerente foi informada, através de "Notice of Agreement" do facto de que através de um contrato celebrado em 19-08-2008 entre a BB…(anteriormente denominada O…), com sede em Gibraltar, e a Y…("Y… "), segundo o qual a primeira efectuou a cedência dos direitos económicos detidos ao abrigo do contrato anteriormente celebrado com a A…, para a esfera da segunda entidade.

Face a divergências quanto à interpretação a dar ao contrato originário, designadamente quanto ao apuramento do rendimento que deveria ser considerado abrangido pelos "direitos económicos" cedidos no âmbito do referido contrato, no dia 09-01-2009, a A… celebrou um acordo com a Y… ("Agreement"), de modo a fixar um entendimento conjunto sobre o mesmo.

Em 28-09-2010, a Requerente efectuou um pagamento no valor de €597.000, relativo àquele acordo, tendo justificado à Autoridade Tributária e Aduaneira o facto de o pagamento ter tido como beneficiária a sociedade Y…, domiciliada em Malta, com a celebração do “Agreement”, em 09-01-2009, em que esta entidade maltesa surge como detentora de créditos que lhe haviam sido cedidos pela sociedade gibraltina.

A Requerente obteve um formulário de modelo 21 – RFI certificado pelas autoridades maltesas, junto com o pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 12, tendo defendido no recurso hierárquico que estaria assim habilitada como entidade devedora dos rendimentos para se lhe aplicar a dispensa de efectuar as retenções na fonte quanto ao pagamento efectuado à Y… .

A AT, por sua vez, face à análise do referido “Agreement”, considerou tratar-se de uma cedência de créditos entre a O… e a Y…, concluindo que "quanto ao rendimento, para efeitos tributários, considera-se obtido na esfera da O…, pois esta era a titular dos direitos económicos do jogador quando estes foram cedidos e, com a transmissão de créditos não é criado um novo facto tributário mas, apenas são transferidos os créditos existentes entre estas duas entidades distintas".

Mais precisamente refere a AT, a páginas 124 do seu Relatório de Inspecção que "os rendimentos obtidos pela O…, enquanto fruto ou vantagem económica, resultante do investimento financeiro efetuado na aquisição de percentagem dos direitos económicos-desportivos dos jogadores (ex: W… e X…), enquadram-se como rendimento de capitais".

Esta conclusão da AT tem por base o que se dispõe no n.º 1 do artigo 5.º do CIRS e no n.º 2 do artigo 212.º do Código Civil.

Por outro lado, entende ainda a AT, relativamente ao "Agreement", que a entidade Y… assume a posição da O…, originando-se uma cedência de créditos desta àquela, relativamente aos créditos detidos sobre a A… .

E mais refere quanto à cedência do crédito, que há a referir, conforme resulta do artigo 577.º do Código Civil e seguintes, que a cessão de créditos é o contrato pelo qual o credor, dito cedente, transmite, gratuita ou onerosamente, uma parte ou a totalidade do seu crédito, actual ou futuro, a um terceiro, dito cessionário, independentemente do consentimento do devedor.

Realça a AT que se está perante a transmissão da dívida, resultante do rendimento obtido pela O… com investimento efectuado na aquisição dos direitos económicos dos jogadores à Y… . Daqui resulta um facto permutativo e não de um facto modificativo, na esfera patrimonial da SAD que, com base no documento apresentado, passa a ter obrigação de pagar à cessionária (Y…) e extingue a dívida à cedente (O…).

E relativamente ao rendimento apurado, para efeitos tributários, considera-se, no conceito da AT, obtido na esfera do O…, pois era esta a titular dos direitos económicos do jogador quando estes foram cedidos e, com a transmissão de créditos não é criado um novo facto tributário, mas apenas são transferidos os créditos existentes entre duas entidades distintas.

Daí concluir que o facto de a sociedade O… ceder os seus créditos, não releva para sujeição a tributação, pois, o rendimento é gerado na sua esfera pessoal e é este rendimento que a AT visa tributar na esfera da O…, em resultado do seu investimento nos direitos económicos destes jogadores e, portanto, sujeito a retenção na fonte.

Porém, a AT conclui que cada pagamento efectuado contém o devido proporcional obtido pelo sujeito passivo, nos termos seguintes:

- Em 28-09-2010, a A… efectuou um pagamento no montante de € 597.000,00, que equivale a 7,35% (597.000,00/8.117.064,00X100) do valor total a reembolsar (€ 8.117.064,00 que é o valor do "Agreement") ao fundo e inclui o correspondente proporcional (7,35%) do rendimento obtido pelo O…;

- Deste modo, tendo sido apurado um rendimento (ilíquido) de € 2.715.354,60, o pagamento incorpora um parcial do rendimento obtido no valor de € 199.578,56 (2.715.354,60 X 7,35%);

- E que, assim, a retenção na fonte a efectuar seria de € 39. 915,71, em consequência da aplicação da taxa de 20% ao rendimento obtido de € 199.578,56, sobre o qual acrescem juros compensatórios, nos termos do n.º 2 do artigo 106.º do CIRC do artigo 35.º da LGT.

 

3.3.1. Posições das Partes sobre a questão dos rendimentos de capitais - Pagamento à Y… que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu dever ser tributado como rendimento da O… .

 

A Requerente discorda do entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira pelas seguintes razões, em suma:

– interpretando a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira, conclui-se que entendeu que se está perante um rendimento da aplicação de capitais, enquadrável na definição genérica que consta do artigo 5.º, n.º 1, do CIRS, de que é beneficiária a O…;

– a única relação que resulta clara do “Agreement” é a de que a Y… passou a assumir a posição da O… no contrato originário assinado entre a O… e a A…;

– desconhecem-se os termos concretos em que foi efectuada a cessão da posição contratual entre a O… e a Y…;

– foi através da celebração do “Agreement” com a Y…, no dia 9 de Janeiro de 2009, que se estabeleceu um acordo quanto à interpretação dos termos do contrato originário, permitindo o apuramento do rendimento que deveria ser considerado abrangido pelos “direitos económicos” cedidos no âmbito do referido contrato;

– não sendo explicitamente demonstrado o contrário, entende a Requerente que foi a Y…, em nome próprio, e assumindo para efeitos legais a contraparte no contrato originário que defendeu os seus interesses, abdicando, exigindo e negociando os termos concretos do acordo, que em última análise permitiram o apuramento do seu rendimento;

– nos termos do Código do IRC, o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação, com excepções, uma das quais relativa aos rendimentos objecto de retenção na fonte a titulo definitivo, auferidos por entidades não residentes, não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, em que o facto gerador do imposto se considera verificado na data em que ocorre a obrigação de efectuar a retenção;

– nestes termos, e decorrente do próprio entendimento da AT, o facto gerador do imposto apenas ocorreu em 2010 aquando do pagamento efectuado, pelo que a relação jurídica tributária constitui-se apenas nesse momento, pelo que a relação jurídica existente nesse momento encontra-se circunscrita à Y…;

– se se entendesse existir um facto tributário em momento anterior à cessão da posição contratual entre a O… e a Y…, que permitisse a consideração da O… como a entidade sujeita a tributação, então nos termos do Código do IRC, a retenção na fonte deveria ter sido exigida nesse mesmo momento, o que não revela, e bem (até porque naquela data, tão-pouco havia sido apurado o rendimento), ser a posição assumida pela AT;

– nestes termos, a Requerente conclui que a entidade sujeita a tributação deverá ser a Y… e não a O…;

– atendendo à existência de Convenção celebrada entre Portugal e o pais do beneficiário dos rendimentos (Malta), e a qualificação do rendimento preconizada pela AT (“outros rendimentos de capitais”), entende a Requerente que deveria ser afastada a obrigação de retenção na fonte, na medida em que ao abrigo do n.º 1 do artigo 21.º da referida Convenção, o direito de tributação será atribuído ao pais de residência do beneficiário (Malta);

– na medida em que a A… obteve o formulário 21-RFl, devidamente certificado pelas autoridades fiscais maltesas, em 16 de Março de 2011 (cfr. Documento n.º 12), encontram-se cumpridos os requisitos de carácter formal para aplicação da referida dispensa de retenção na fonte, pelo que conclui a Requerente que, em face do exposto, não seria devida qualquer retenção na fonte sobre os pagamentos efectuados à Y…;

– embora a Requerente não concorde com a posição sufragada pela AT nesta sede, numa óptica de prudência, optou por efectuar retenção na fonte sobre o rendimento a ser pago e fê-lo por referência à Y…, em Janeiro de 2009, sendo esta a alternativa mais conservadora e menos penalizadora para a AT, prevista na cláusula 1.6. do “Agreement”;

– a taxa de retenção na fonte aplicada, foi de 15%, decorre da qualificação da operação em apreço como um contrato de associação em participação (na esteira da resposta dada pela AT ao pedido de informação vinculativa relativo à situação do Z…) e está de acordo com o disposto da subalínea i) da alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do ADT celebrado entre Portugal e Malta;

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira manteve no presente processo a posição defendida no Relatório da Inspecção Tributária.

 

 

3.3.2. Decisão da questão dos rendimentos de capitais - Pagamento à Y… que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu dever ser tributado como rendimento da O… .

A questão foi colocada nos mesmos termos no processo arbitral n.º 501/2014-T, pelo que se segue de perto a posição aí adoptada.

Está em causa saber se os rendimentos pagos à Y…, entidade residente em Malta, devem ser enquadrados no regime tributário decorrente de se estar perante uma entidade com residência num Estado com quem Portugal celebrou uma convenção para evitar a dupla tributação, como defende a Requerente, ou se, ao contrário esses rendimentos devem ter o tratamento tributário decorrente do seu titular originário ser a O…, uma entidade residente em Gibraltar com quem Portugal não tem qualquer convenção sobre dupla tributação.

«Quanto à natureza do rendimento Requerente e Requerida convergem na opinião de que se trata de rendimento de capitais, sendo as divergências mais acentuadas entre Requerente e Requerida relacionadas com a definição do facto tributário e sobre quem deve ser fiscalmente considerado como beneficiário dos rendimentos.

Isto, porque não foi posto em causa, nem pela Requerente nem pela Requerida, que o beneficiário efetivo dos rendimentos foi a entidade denominada Y…, apresentada como uma entidade residente em Malta.

Assim, considere-se que o beneficiário dos rendimentos, para efeitos fiscais, foi a O… ou a Y…, a verdade é que estamos em presença de um rendimento que foi obtido com a compra e venda de direitos económicos sobre jogadores de futebol.

O rendimento tem na sua génese a associação da A… com uma entidade não residente denominada O…, em que esta começa por adquirir uma parte dos direitos económicos de alguns jogadores que integravam os quadros da A…, na perspetiva da futura alienação dos direitos desses jogadores e da partilha dos custos e dos ganhos obtidos com essa alienação.

Sendo que não é decisivo qualificar o tipo de contrato celebrado entre as duas entidades em causa, a verdade é que ele se integra no conceito de associação em participação consistente numa associação de uma pessoa a uma atividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda (vd. artigo 21.º do DL 231/81, de 28 de Julho).

Ora foi esta parceria concretizada em subsequentes alienações dos direitos económicos de alguns jogadores, no caso do jogador W…, que a Y…(ou a O… na tese da AT) obteve o rendimento cuja tributação ora se encontra em análise.

Como vimos supra, estando em causa um rendimento cuja competência para a sua qualificação cai na esfera do direito interno, vejamos quais as normas que deverão ser convocadas para esse efeito.

 O conceito de rendimentos de capitais encontra-se formulado no n.º 1 do artigo 5.º do CIRS segundo o qual se devem considerar “rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniárias ou em espécie, procedentes, direta ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação (…)”.

O artigo 5.º em análise desenvolve e densifica o conceito fornecido pelo seu n.º 1, indicando as várias espécies de rendimentos de capitais e fixando algumas regras específicas de cada uma delas.

Aceitando que o rendimento em causa se pode considerar enquadrado na alínea l) do n.º 1 deste artigo, por ter origem em contrato que pode qualificar-se como de associação em participação, convoca-se a subalínea 2) da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º do CIRS que determina que estes rendimentos ficam sujeitos a tributação no momento em que forem colocados à disposição do seu titular.

Quem deve, pois, ser considerado o titular desses rendimentos no momento em que, segundo os dados disponíveis, foram colocados à sua disposição, isto é, na falta de indicação de outra data, nas datas do respetivo pagamento?

Apesar de defender que o beneficiário do rendimento foi a O… e que o enquadramento tributário da situação deve ser feito em função dessa posição, a verdade é que a Requerida não apresenta qualquer prova que contrarie o facto dos pagamentos terem sido feitos à Y…, que foi o efetivo beneficiário dos mesmos.

A lei interna elegendo assim como facto tributário a colocação à disposição de rendimentos obtidos de uma determinada fonte prescinde, em regra, da espécie contratual que deu origem aos rendimentos e dos termos em que os mesmos afluíram à esfera jurídica do beneficiário.

Pode mesmo dizer-se que estas são questões irrelevantes face a uma ampla formalização do conceito de rendimentos de capitais na medida em que, independentemente da sua natureza ou denominação, estes podem ter origem, direta ou indirectamente, em quaisquer elementos patrimoniais como bens, direitos ou situações jurídicas de natureza mobiliária e tanto pode ter origem em atos ou contratos originários como na sua modificação, transmissão ou cessação.

Mais uma vez estamos perante um conceito suficientemente amplo e indeterminado para que o intérprete e aplicador não tenha, digamos, preocupações com a denominação dos rendimentos, com a estrutura e clausulado dos contratos onde têm a sua fonte, nem com a questão de saber como é que tais rendimentos afluíram à esfera patrimonial do seu beneficiário.

No caso em apreço, o contrato celebrado em 8 de Junho de 2005 previa já que a outorgante originária O… pudesse ceder a sua posição contratual ao ter sido consignado nesse contrato “que a O… tem o direito de executar ou de ceder os seus direitos resultantes do presente contrato através da sociedade sua subsidiária e totalmente detida pela O… denominada “CC…”, com sede em Dublin, Irlanda (cláusula 13).

Por outro lado, o contrato datado de 9 de Janeiro de 2009, foi celebrado entre A… e “Y…” (Y…), “uma sociedade organizada, matriculada e com existência legal ao abrigo das leis de MALTA” e com domicílio em Malta.

Em face das cláusulas deste segundo contrato a outorgante Y… apresenta-se aí como titular dos direitos relativos ao jogador W… (que foi um dos jogadores cujos direitos tinham sido cedidos pelo A… à O… através do contrato de 8 de Junho de 2005 acima transcrito), direitos esses que, segundo este contrato de 9 de Janeiro de 2009, lhe foram cedidos através de um outro contrato celebrado em 19 de Agosto de 2008 com “BB…” em que se tinha entretanto transformado a anterior “O…” (vd. “Antecedentes” consignados no contrato de 9 de Janeiro de 2009).

Ora, embora o processo não forneça o contrato nem as condições em que essa cedência se operou, a verdade é que também não fornece elementos para afastar que se tenha tratado de uma normal e legitima cedência de posição contratual.

Segundo a Requerida a retenção deve ser efectuada como se a beneficiária do rendimento fosse a outorgante inicial do contrato, residente em Gibraltar, dado que foi levada a cabo uma deslocalização intencional do credor de um território não abrangido por um tratado contra a dupla tributação económica para um Estado em que esse tratado existe e que esta deslocalização foi apenas para aproveitar os benefícios da convenção com Malta.

Para decidir se a tributação pode ser efetuada nos termos requeridos pela Requerida haverá que indagar se o direito interno nacional ou o direito convencional comportam alguma norma ou mecanismo que permita desconsiderar os efeitos tributários dos contratos em presença, se uma tal norma foi invocada e utilizada para sustentar a sua tributação como se parte das suas cláusulas não existissem.

A doutrina fiscalista trata do problema da elisão fiscal internacional apresentando as situações em que pode haver o aproveitamento abusivo dos tratados sobre dupla tributação para obter uma vantagem fiscal e analisando as normas internas e convencionais que poderão aplicar-se para o evitar ou para combater as situações evasivas.

Vejamos,

A essência da figura da elisão fiscal, diz Alberto Xavier (Ibidem, pagina 475 e seguintes), reside precisamente na faculdade de eleição da ordem tributária, pela via indireta, de localizar certo facto ou factos num dado ordenamento ou territórios, exercendo uma influência voluntária no elemento de conexão da norma de conflitos, em termos tais, que o facto jurídico em que este elemento se traduz arraste a aplicação do ordenamento mais favorável”.

E, continua o mesmo autor, a questão que se coloca, por outras palavras, é a de saber se as partes poderão manejar os elementos de conexão como alavancas de comando, se poderão determinar a seu arbítrio a lei aplicável?

Em regra, o direito tributário não cura do valor ou desvalor jurídico dos atos e dos contratos na esfera jurídica dos seus intervenientes, mas tão somente da relevância das suas cláusulas para efeitos estritamente fiscais.

Ora, acontece frequentemente que nos “comportamentos elisivos não ocorre a figura da simulação, pois as partes pretendem exatamente aquilo que ostensivamente realizaram, não existindo qualquer divergência entre a vontade real e a declarada.

Só que o resultado que realmente pretendem redunda numa economia de imposto obtida por atos ou conjunto de atos, em si mesmo válidos, mas reputados ardilosos, engenhosos, oblíquos, indiretos ou abusivos”.

A prevenção e luta contra a evasão tem que fazer-se através de normas especiais antielisivas em que a conduta que se pretende evitar é tipificada de modo expresso, quer nas leis internas, como existem diversas no ordenamento fiscal nacional, quer nos tratados internacionais, havendo ordenamentos tributários, como é o caso português, que preveem uma norma antiabuso de natureza geral (vd. artigo 38.º da LGT).

A questão que aqui se coloca é a de saber se, na ausência de uma norma específica interna para evitar as situações em apreço, se “pode admitir-se que os tratados contra a dupla tributação contenham, ainda que implicitamente, uma cláusula geral que autorize os Estados contratantes a desconsiderar operações cuja finalidade preponderante consista na obtenção de benefícios dos tratados?” (Ibidem, pagina 482).

Este autor conclui que não pode admitir-se, ao menos na atual fase da evolução do direito internacional público, a existência de uma cláusula geral antielisiva implícita nos tratados contra a dupla tributação”, e que a solução passa pelo aperfeiçoamento e utilização das cláusulas antievasivas específicas.

Sendo assim, na ausência de qualquer norma interna ou convencional que permita desconsiderar os contratos apresentados pela Requerente e nos quais a própria Requerida se baseou para proceder à liquidação impugnada, na ausência de qualquer outra prova que permita concluir que os referidos contratos não são válidos, perante a constatação que a entidade beneficiária do rendimento tinha a sua residência em Malta, não poderá proceder a posição da Requerida no sentido de pretender que os efeitos desses contratos são válidos para determinar a existência de rendimentos e para os quantificar e já não o são quanto à indicação da entidade beneficiária desses mesmo rendimento.

 

Assim, por estas razões, invocadas no acórdão proferido no processo arbitral n.º 501/2014-T, conclui-se que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, neste ponto.

 

4. Decisão final

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)    Julgar parcialmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto à questão da não retenção na fonte relativa serviços de intermediação da B…, em que estão em causa os montantes de IRC de € 13.500,00 e juros compensatórios de € 1.408,43;

B)    Julgar parcialmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto à questão da não retenção na fonte relativa serviços de intermediação da C…, em que estão em causa os montantes de IRC de € 9.000,00 e juros compensatórios de € 767,00;

C)    Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às restantes questões e anular a liquidação n.º 2013 … nas partes correspondentes a € 451.990,21 de IRC e a € 43.121,96 de juros compensatórios;

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º e 306.º do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 520.087,60.

 

Lisboa, 27-06-2016

 

O árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo,

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

                                                (Tomás Castro Tavares)

                       

 

 

                       

(José Rodrigo de Castro)

 



[1]              Sobre a coligação de contratos, pode ver-se ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, 10.ª edição, páginas 281-285.

                Fazendo aplicação desta figura jurídica a uma situação em que foram celebrados concomitantemente um contrato de trabalho e um contrato de cessão de direitos de imagem, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2007, processo n.º 06S4107.