Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 738/2015-T
Data da decisão: 2016-06-17  IRC  
Valor do pedido: € 2.160.789,73
Tema: IRC - Dedução de encargos financeiros em SGPS (artº 32º do EBF); justo valor em ativos financeiros (artºs. 18º nº 9 e 45º nº 3 do CIRC); conceito de perda / gasto
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros, Juiz Conselheiro José Baeta de Queiroz como Árbitro-Presidente, Prof. Doutor António Martins e Dr. Luís M. S. Oliveira como Árbitros-Vogais, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

A... – SGPS, S.A., com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., com sede na ..., … (Requerente), formulou pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade do ato de liquidação do IRC n.º 2015 ..., relativo ao ano 2011, no qual lhe foi apurado um prejuízo fiscal corrigido de EUR 1.178.132,40, com as demais consequências legais. Peticiona ainda a condenação da AT no pagamento das despesas da lide.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentou Resposta, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

 

Por despacho do Árbitro-Presidente foram: (a) dispensada a reunião prevista no n.º 1 do artigo 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), (b) dispensada a audição de testemunhas, por se considerar inútil a prova testemunhal, uma vez que os articulados revelam que a discordância das partes assenta na aplicação do direito, inexistindo controvérsia sobre os factos; (c) mandadas notificar as Partes para, querendo, produzirem alegações escritas.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no n.º 1 do artigo 30.º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas [artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e n.º 1 do artigo 6.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT].

 

O processo não enferma de nulidades.

 

A – MATÉRIA DE FACTO

 

Com base nos elementos documentais que constam do processo e na ausência de controvérsia das partes consideram-se provados os seguintes factos:

 

a) Na sequência da Ordem de Serviço OI2014..., a Requerente foi objeto de ação de inspeção tributária externa de âmbito geral, em sede de IRC, ao exercício de 2011, tendo sido notificada, em 14 de janeiro de 2015, do respetivo Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que aqui se dá por reproduzido;

 

b) De acordo com o RIT, os Serviços de Inspeção Tributária efetuaram correções ao prejuízo fiscal de EUR 9.821.291,30 declarado pela Requerente na declaração de rendimentos de substituição Modelo 22 do IRC, relativa ao exercício de 2011; 

 

c) As correções efetuadas pelos Serviços ascendem ao montante total de EUR 8.643.158,90 e decorrem do facto dos serviços terem entendido que:

            (i) a Requerente deveria ter acrescido os encargos financeiros relacionados com a aquisição de participações sociais, não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32º do EBF (redação de 2011), no montante de EUR 4.462.610,50;

            (ii) as perdas de justo valor contabilizadas como gastos do exercício, no montante total de EUR 6.922.268,40, deveriam concorrer para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor e não na sua totalidade (como efetuado pela Requerente), pelo que haveria que acrescer o montante de EUR 3.461.134,20; e

            (iii) as perdas de justo valor deduzidas ao montante da variação patrimonial positiva decorrente do ajustamento de transição, resultante da alteração da mensuração dos instrumentos financeiros detidos para negociação – anteriormente mensurados ao custo de aquisição de acordo com o normativo contabilístico POC e que passaram a ser mensuradas ao justo valor através de resultados, em consequência da aprovação do normativo contabilístico SNC – deveriam concorrer para o apuramento dos ajustamentos de transição em apenas metade do seu valor, implicando uma correção no montante de EUR 719.414,20.

 

d) A Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2015 ..., de 28 de janeiro de 2015, relativa ao exercício de 2011, através da demonstração de liquidação cuja cópia juntou como doc. 1, aqui dado por reproduzido, na qual foi corrigido o prejuízo fiscal por ela apurado na declaração Mod. 22, de EUR 9.821.291,30, para EUR 1.178.132,40.

 

e) Em síntese (EUR):

Prejuízo fiscal declarado:                     - 9.821.291,30

Encargos financeiros não aceites:         4.462.610,50

Justo Valor – perdas não aceites:          3.461.134,20

Variações patrimoniais positivas:              719.414,20

Total de correções:                                8.643.158,90

Resultado fiscal corrigido:                    - 1.178.132,40

 

f) A Requerente não se conformou com as correções e apresentou reclamação graciosa, a qual tramitou na Direção de Finanças de ... sob o n.º ...2015..., tendo sido indeferida por despacho de 03.09.2015, que aqui se tem por reproduzido.

 

g) A Requerente era, no exercício de 2011, detentora de participações em instrumentos de capital (ações) de determinadas sociedades. No caso vertente, as participações que geraram os ajustamentos de justo valor em causa nos autos eram inferiores a 5%. Essas ações estavam cotadas em Bolsa de Valores, sendo o seu preço formado em mercado regulamentado.

 

h) Até 31 de dezembro de 2009, as referidas ações encontravam-se registadas ao custo histórico, nos termos do normativo contabilístico que se encontrava em vigor até essa mesma data: o POC. Depois da aprovação e entrada em vigor do SNC, as ações detidas e cotadas em Bolsa passaram a ser relevadas contabilisticamente pelo justo valor.

 

i) Quando da transição para o SNC, para efeitos da preparação do Balanço de abertura, a Requerente apurou uma variação patrimonial negativa no montante total de EUR 7.242.226,78 e uma variação patrimonial positiva no montante total de EUR 9.824.403,25.

 

j) Tais variações foram refletidas em contas de capital próprio da sociedade, nomeadamente na conta 53, e resultaram da diferença entre o valor de aquisição das ações cotadas em Bolsa que a Requerente detinha e a sua cotação oficial (preço de mercado).

 

k) Da diferença entre a variação patrimonial positiva e a variação patrimonial negativa resultou uma variação patrimonial líquida positiva no montante total de EUR 2.582.176,47.

 

l) A Requerente indicou no quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do exercício de 2011 o montante EUR 516.435,29, ou seja 1/5 daquele valor, conforme quadro seguinte:

m) A AT entendeu que a variação patrimonial negativa seria dedutível para efeitos fiscais em apenas metade do seu valor, pelo que a variação patrimonial positiva acima indicada deveria ser acrescida em EUR 719.414,20.

 

n) Adicionalmente, em face das variações de preço que se foram verificando nas ações detidas pela Requerente a 31 de dezembro de 2011, a mesma, no exercício de 2011, registou como gasto do exercício variações de justo valor no montante total de EUR 6.922.268,40. No que respeita a este gasto, entendeu a AT que 50% do seu montante não deveria concorrer para a formação do lucro tributável.

 

o) Como fundamento destas correções, a AT aplicou o n.º 3 do artigo 45º do Código do IRC (na redação em vigor à data), na medida em que este dispunha que “as perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”.

 

Com interesse para a decisão, não se provaram outros factos.

 

B – MATÉRIA DE DIREITO

 

B-1 – sobre a Correção relativa a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital

 

I – POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

1. A Requerente não aceita a correção relativa a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, no valor de EUR 4.462.610,50, e invoca, em síntese que aqui se faz, procurando sistematizar um enunciado assaz repetitivo e redundante, estendido ao longo de 492 artigos do seu articulado inicial, o seguinte:

 

1.1. Ilegalidade e inconstitucionalidade da ‘norma de incidência fiscal criada pela Circular n.º 7/2004’. Ilegalidade da correção, por se basear na aplicação da Circular.

O legislador não cuidou de regulamentar o regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), de modo a estabelecer na lei um método de determinação do montante dos encargos financeiros não dedutíveis para efeitos fiscais, quando é impossível identificar especificadamente os financiamentos obtidos e os correspondentes encargos financeiros com a aquisição de partes de capital. Não se encontrando tal método devidamente regulamentado na lei, o n.º 2 do artigo 32.º do EBF não pode ser aplicado, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária [artigos 55.º da Lei Geral Tributária (LGT), alínea i) do n.º 1 do artigo 165º e n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)].

A Circular n.º 7/2004, na qual a AT procurou esclarecer um método de afetação dos encargos financeiros à aquisição de partes de capital, com base numa fórmula pela qual os passivos remunerados das SGPS devem ser imputados em primeiro lugar aos empréstimos remunerados concedidos por estas às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição, não tem caráter juridicamente vinculativo para os contribuintes, pois não é lei.

Além de ilegal por falta de habilitação para preencher as lacunas legislativas em matéria de incidência tributária (n.º 2 do artigo 103.º da CRP), a Circular n.º 7/2004 é inconstitucional e ilegal pela abusiva desvirtuação dos princípios subjacentes à tributação pelo rendimento real e ao respeito pela capacidade contributiva (n.º 2 do artigo 104º da CRP e n.º 1 do artigo 4.º da LGT), porquanto preconiza um apuramento ficcionado ou indireto dos encargos financeiros não dedutíveis, em detrimento de um apuramento especificado desses mesmos encargos – assim divergindo do disposto no n,º 2 do artigo do EBF.

 

1.2. Vício de falta de fundamentação

A AT não especifica quais as concretas operações de financiamento obtido afetas à aquisição das participações transmitidas; não especifica quais as concretas participações adquiridas, ou quais as concretas operações de aquisição de participações efetuadas com aqueles financiamentos; omite qualquer referência aos períodos de detenção das participações, omite se existiam ou não relações especiais; omite se os alienantes estavam ou não sediados em território sujeito a um regime fiscal mais favorável; omite se os alienantes das participações estavam ou não sujeitos a um regime especial de tributação.

 

1.3. Vício de falta de prova pela AT dos pressupostos factuais para as correções e desrespeito do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material

Competia à AT provar que a Requerente, no exercício de 2011, incorreu nos alegados encargos financeiros com financiamentos obtidos destinados à aquisição de participações sociais, bem como indagar se estas permaneceram na sua titularidade por período não inferior a um ano.

A correta aplicação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF exige que seja conjugado com o n.º 3 e que se averigue se as partes de capital foram, ou não, adquiridas a sociedades com as quais existiam relações especiais, ou se foram adquiridas a residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação e se permaneceram, em qualquer caso, na titularidade do alienante durante menos de 3 anos.

A AT não respeitou o princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, uma vez que efetuou correções com base em fórmulas matemáticas por si inventadas, baseadas em meras proporções e rateio.

 

1.4. Ilegalidade de aplicação de um método indireto de determinação da matéria coletável

A Circular n.º 7/2004 consagra a aplicação de um método indireto de determinação da matéria coletável, que apenas é admitido subsidiária e excecionalmente nos termos das circunstâncias legalmente previstas nos artigos 87.º e 88.º da LGT, que são as únicas que legitimam a AT a socorrer-se de métodos indiretos de determinação da matéria coletável.

 

1.5. Vício de falta de notificação para o direito de audição prévia relativamente à aplicação de um método indireto

Estando em causa a determinação da matéria coletável por métodos indiretos, a Requerente deveria ter sido notificada, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, para exercer o direito de audição prévia relativamente à aplicação dessa modalidade de avaliação.

 

1.6. Violação dos princípios da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da justiça material

A AT deveria ter computado a correção apenas se e na medida em que os encargos financeiros contabilizados estivessem efetivamente relacionados com a aquisição de participações sociais (detidas por mais de um ano) alienadas em 2011 e geradoras de mais ou menos-valias realizadas nesse mesmo ano e não sujeitas a tributação em 2011.

A tributação deve ser feita obedecendo à efetiva capacidade contributiva revelada pela contabilidade e a contabilidade da Requerente não revela quaisquer encargos financeiros relacionados com a aquisição de partes de capital.

 

1.7. Violação do princípio da especialização dos exercícios

Não tem base legal que a correção dos encargos financeiros seja feita num momento em que ainda não estão verificados os pressupostos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 32.º do EBF, pois só no momento em que se alienam as participações é que se sabe se as ações foram, ou não, detidas por período não inferior a um ano, o que representa uma violação do princípio da especialização dos exercícios.

 

1.8. Inconstitucionalidade material do n.º 2 do artigo 32º do EBF, por violação do princípio da proporcionalidade e da igualdade

O n.º 2 do artigo 32.º do EBF constitui norma excecional, de conteúdo gravoso e desfavorável para o contribuinte, em discriminação negativa das SGPS por comparação com a generalidade dos agentes económicos, em violação do princípio da igualdade. A detenção estável de participações sociais representativas de parte significativa do capital social das sociedades participadas constitui a atividade fundamental das SGPS; logo, os custos aquisitivos das participações devem relevar para a conta de resultados, pois as eventuais contrapartidas serão não só as mais-valias ou os juros recebidos de financiamentos concedidos, mas também os dividendos, estes sim rendimentos que se ajustam e adequam a uma relação de participação de longo prazo.

O n.º 2 do artigo 32.º do EBF penaliza duplamente as SGPS, quer pela desconsideração fiscal dos encargos financeiros, quer pela desconsideração fiscal da menos-valia realizada com a alienação de participações sociais, o que viola o princípio geral da neutralidade fiscal.

O n.º 2 do artigo 32.º do EBF, ao prever a não dedutibilidade de encargos financeiros, a par da não dedutibilidade fiscal das menos-valias, padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proporcionalidade e da igualdade, atenta a restrição injustificada de direitos e a discriminação infundada das SGPS.

 

Ii – POSIÇÃO DA REQUERida

 

2.1. Ilegalidade e inconstitucionalidade da ‘norma de incidência fiscal criada pela Circular n.º 7/2014’. Ilegalidade da correção, por se basear na aplicação da Circular.

Não determinando o n.º 2 do artigo 32.º do EBF qual o método para a alocação dos encargos financeiros, e com vista a interpretar e dar cumprimento à lei – cujo escopo é penalizar os juros relacionados com a aquisição de partes de capital e acautelar um regime de neutralidade dos gastos e rendimentos – impõe-se concluir que qualquer método, seja direto seja indireto, que permita alcançar a finalidade e objetivo da norma tem de ser aceite como bom.

Não há ilegalidade na aplicação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF na fórmula constante da Circular n.º 7/2004, ainda que não seja possível à AT e ao contribuinte proceder a uma afetação específica ou direta, dado que qualquer método (direto ou indireto) é bom, desde que respeitada a ratio legis da norma. Caso contrário, corria-se o risco de dar relevância fiscal aos encargos financeiros ao mesmo tempo que se isentava as mais-valias que advieram da alienação das participações, o que violaria o princípio da neutralidade fiscal e conduziria a uma solução contra legem (só assim não seria se se consagrasse na lei uma solução – que não existe – que estabelecesse que, não podendo os sujeitos passivos demonstrar a afetação direta, não poderiam beneficiar da isenção das mais-valias de partes de capital que viessem a alienar).

Não é a Circular n.º 7/2004 que cria normas de incidência, mas é a própria lei que afasta a dedutibilidade dos encargos financeiros incorridos com financiamentos ligados à aquisição das participações sociais alienadas e que geram, ainda que potencialmente, mais-valias excluídas de tributação, para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício em que são incorridos.

É infundada a alegada violação do princípio da legalidade vertido nos n.ºs 2 e 3 do artigo 103.º da CRP, na medida em que a Circular não alterou nem desvirtuou a estatuição legal do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 42/2014, de 9/01/14, não apreciou a questão da eventual inconstitucionalidade da Circular n.º 7/2004 por não se tratar de norma legal, mas de mera interpretação administrativa, cuja constitucionalidade não é portanto sindicável por aquele Tribunal: “não encontramos fundamento para afirmar o relevo paramétrico do sentido normativo acolhido pela Administração Tributária e vazado na referida circular, em termos de suportar a formação de efeitos vinculativos dos particulares ( …) e, sobretudo, que constituam critério ou padrão normativo da atuação jurisdicional dos Tribunais, quando chamados a apreciar litígios no respetivo campo de atuação (cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 4º edição, 20109, p.226)”.

 

2.2. Sobre o vício de falta de fundamentação

Foi a Requerente que não quis ou não conseguiu proceder a uma afetação direta entre empréstimos contraídos e partes de capital que adquiriu. Tal impossibilidade de afetação direta legitima a afetação indireta com base no princípio da neutralidade fiscal, intrínseco ao benefício fiscal constante do n.º 2 do artigo 32º do EBF. A AT não só podia como devia aplicar esse método de afetação indireta, procedendo à aplicação do método do rateio, nos termos previstos na Circular n.º 7/2004.

A fundamentação constante do Relatório de Inspeção Tributária, que sustenta as correções, é suficiente, clara e congruente, já que, tendo em conta os valores contabilizados na conta de ativos, passivos e gastos e, invocando o n.º 2 do artigo 32.º do EBF, remete para a fórmula que consta da Circular, que nesta está devidamente fundamentada e até exemplificada apresentando, depois, os cálculos matemáticos efetuados no caso em concreto.

Foram plenamente atingidos os objetivos visados com a fundamentação, uma vez que a Requerente demonstra conhecer plenamente a fundamentação do ato, tendo sido plenamente capaz de a ela se opor, quer quanto à fundamentação de direito, quer quanto aos factos que optou por não contrariar (como, aliás, já sucedeu em sede de inspeção e em sede de reclamação graciosa). 

 

2.3. Vício de falta de prova pela AT dos pressupostos factuais para as correções e desrespeito do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material

Estando em causa a aplicação de um benefício fiscal é à Requerente que cabe fazer a prova dos factos necessários à usufruição do benefício (artigos 14.º e 74.º da LGT).

O regime de neutralidade que subjaz à aplicação do benefício implica que as mais-valias não possam ser desconsideradas se não forem, do mesmo modo, desconsiderados os custos associados à sua obtenção (n.º 2 do artigo 32.º do EBF). A Requerente não acresceu ao resultado líquido do exercício os encargos financeiros imputáveis a partes de capital, como lhe era imposto pelo artigo 32.º do EBF, na redação aplicável à data dos factos, e na ausência da prestação de qualquer outra informação pela Requerente sobre esta questão foi promovido um projeto de correção através de um cálculo, que consta do Anexo 1 ao projeto de Relatório, e que teve em consideração, designadamente, os valores contabilizados pela requerente na conta de ativos, passivos e gastos do exercício de 2011, tendo-se apurado o valor de EUR 4.462.610,50, respeitantes a encargos financeiros imputáveis às partes de capital identificadas no mesmo Anexo 1.

A Requerente não exerceu o direito de audição, quando notificada do projeto de Relatório, e não prestou quaisquer esclarecimentos adicionais nem contestou a bondade ou validade dos cálculos realizados, nem facultou à AT quaisquer dados sobre a afetação específica ou direta dos encargos financeiros às participações sociais, mais admitindo não ser capaz de o fazer.

Ainda que, hipoteticamente, se entendesse não estar em causa um ónus de prova da Requerente, seria destituído de sentido a AT ter de provar elementos que terão de decorrer de documentos da Requerente e que, a existirem, esta não menciona ou não viabiliza o seu conhecimento pela AT, o que tonaria a prova impossível ou impraticável. Como ensina Lebre de Freitas, o comportamento da parte não colaborante pode determinar, segundo o n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil, a inversão do ónus da prova, quando a sua atitude impossibilite a prova do facto, a cargo da contraparte, “por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (…), já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos (…)”. Uma prova impossível é uma prova que viola o princípio da proibição da indefesa e que a imputação dessa prova à AT seria inconstitucional, designadamente por violação do artigo 20.º da CRP.

 

2.4. Sobre a ilegalidade de aplicação de um método indireto de determinação da matéria coletável

Estando-se no âmbito de aplicação/controle de um benefício fiscal não faz sentido falar-se na aplicação de um método indireto, tal como se encontra consagrado nos artigos 85.º e 87.º da LGT, uma vez que a aplicação de um método indireto visa a determinação da matéria tributável de qualquer imposto, e, no caso dos encargos financeiros, não está em causa a determinação total da matéria coletável mas apenas e só o cálculo de um determinado custo que se visa expurgar da determinação da matéria coletável tendo em conta o fim da neutralidade entre proveitos e custos visado pelo benefício fiscal.

 

2.5. Sobre o vício de falta de notificação para o direito de audição prévia relativamente à aplicação de um método indireto:

A defesa decorre, implícita, da rejeição pela AT de se estar perante a aplicação de um método indireto, bem como da alegação de que a Requerente não exerceu o direito de audição, quando notificada do projeto de Relatório, do que decorre a aplicação da condição negativa constante da parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT: “quando não haja lugar a relatório de inspeção”.

 

2.6. Sobre a violação dos princípios da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da justiça material:

De novo amparando-se no Acórdão n.º 42/2014, do Tribunal Constitucional, sobre a matéria de não dedutibilidade dos encargos financeiros sub iudicio: “a Constituição não torna imperioso que a tributação do rendimento das empresas acompanhe, sempre, no momento e de acordo com contabilização dos fluxos financeiros positivos e negativos, os ganhos, custos e perdas realizados ou incorridos em cada período de tributação. Sendo o rendimento real conceito normativamente modelado, não viola o princípio constante do n.º 2 do artigo 104.º da Constituição o regime fiscal que, em prol da neutralidade fiscal – não sendo tributado o ganho, o custo que lhe esteja associado também não o deve ser -, estabeleça a indedutibilidade de um custo em função da suscetibilidade da realização de mais-valias isentas de tributação, cuja realização futura se considere provável ou expectável.”

Com amparo no Acórdão da 2.ª Secção do STA, de 13/07/15, proferido no Proc. n.º 0144/14: não faz sentido, face à norma do artigo 32.º do EBF, concedente de um benefício fiscal, invocar violação dos princípios da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da justiça material, para fazer valer a ideia de que os custos com os encargos financeiros devem ser considerados, pese embora a não consideração dos proveitos associados às mais-valias realizadas; segundo a AT, apenas está garantida a neutralidade fiscal caso os encargos financeiros incorridos com essa aquisição de partes de capital não sejam considerados como custos, em função da suscetibilidade da realização de mais-valias isentas de tributação, cuja realização futura se considere provável ou expectável.

As SGPS (como se escreveu na Decisão Arbitral n.º 21/2012) não estão em igualdade de circunstâncias com outras realidades societárias, já que a desconsideração dos encargos financeiros é contrabalançada com a aplicabilidade da exclusão da tributação prevista no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, pelo que não se pode pretender que o princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real lhes seja aplicável tal como o é para as restantes pessoas coletivas que não usufruem da mesma isenção. O motivo que preside à utilização do método de imputação dos encargos financeiros às partes de capital no caso em apreço é o da tributação mais próxima do lucro real possível, respeitando o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, particularmente no quadro de absoluta omissão de quantificação por parte da Requerente dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital por si detidas, bem como numa posterior ausência de prestação de esclarecimentos ou informações, sob qualquer forma, no decurso do procedimento inspetivo.

Não foi deixada à AT outra alternativa que não o cálculo do lucro tributável da Requerente por via do método descrito no Relatório inspetivo, legalmente ancorado no regime especial do artigo 32.º do EBF e constitucionalmente justificado na previsão do n.º 2 do artigo 104.º da CRP.

 

2.7. Sobre a violação do princípio da especialização dos exercícios

A regra do n.º 1 do artigo 18º do CIRC sofre exceções ou ajustamentos, como é o caso do n.º 2 do normativo relativamente a componentes positivas e negativas do lucro tributável que à data em que foram obtidas ou suportadas eram “imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”, circunstância que o legislador entende justificar a sua consideração em período de tributação posterior.

A solução adotada pela Circular n.º 7/2004, na parte respeitante ao exercício em que devem ser feitas as correções fiscais dos encargos financeiros em discussão, reflete a preocupação do legislador em não influenciar o lucro tributável do exercício em que são suportados os encargos financeiros com a aquisição de participações suscetíveis de beneficiar do n.º 2 do artigo 32.º do EBF sem antes conhecer se os mesmos podem ou não concorrer para a formação do lucro tributável da sociedade, determinando que, caso se conclua, “no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo” no exercício fiscal em que foram suportados; assim, os encargos que resultem poder concorrer para a formação do lucro tributável serão, no máximo, reconhecidos no período imediatamente seguinte àquele em que foram suportados, e os que não puderem ser reconhecidos nesse período imediatamente posterior não reúnem os pressupostos para poderem concorrer para a formação do lucro tributável.

 

2.8. Sobre a inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proporcionalidade e da igualdade, do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

Colhendo amparo no Acórdão n.º 42/2014, do Tribunal Constitucional, não se pode encontrar no quadro normativo em análise tratamento discriminatório das SGPS no confronto com outros contribuintes de IRC detentores de participações de capital. O termo de comparação com outras sociedades não pode ignorar que estas não se encontram em posição de partida equivalente, na medida em que os ganhos decorrentes de mais-valias realizadas com a alienação de participações sociais não são suscetíveis de isenção de tributação em IRC, pelo que não se pode considerar ter sido criado regime de tributação particular globalmente desfavorável para as SGPS, com referência a encargos financeiros geneticamente ligados à aquisição de participações sociais.

O argumento da incerteza da realização de mais-valia, e consequentemente da isenção da sua contribuição para a formação do lucro tributável, não comporta, neste campo valorativo, o resultado que a Requerente lhe atribui; essa suscetibilidade – em si mesma portadora de valor e assente numa perspetiva de implícita continuidade da atividade da SGPS – persiste em termos de neutralizar os encargos financeiros em que incorreu, cabendo na sua margem de determinação económica, no âmbito regular da atividade de gestão de participações sociais, a escolha quanto à conveniência e oportunidade da alienação de parte de capital e realização de mais-valias. Intercedem especiais razões de praticabilidade e exequibilidade e entre as várias soluções normativas para o problema da dilação entre encargos financeiros e realização de mais-valia – critério da intenção de dedução, adoção de um princípio de dedutibilidade, adoção de um princípio de não dedutibilidade – o Tribunal Constitucional acompanha a posição de Tiago Caiado Guerreiro, que afasta as duas primeiras, pelo convite à fraude fiscal e por inviabilidade de se proceder a acerto a posteriori, mormente com a apresentação de declarações de substituição relativas a períodos de imposto anteriores, e conclui que a terceira opção parece a mais viável e consiste em os sujeitos passivos a adotarem como regime regra em termos genéricos e, no momento da realização, caso se verifiquem algumas das situações previstas no n.º 3 do artigo 32.º que implicam o afastamento do regime regra, então fazer as devidas correções, permitindo considerar para a formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados”.

Pelas mesmas razões, cumpre afastar, a partir da mera dissociação temporal entre a não dedução (imediata) dos encargos financeiros e isenção (futura) de tributação de mais-valias realizadas a violação do princípio da proporcionalidade, o que decorre, desde logo, da distinta natureza e tipologia de formação dos factos tributários em ponderação, protelando-se sucessivamente e ao longo de período temporal alargado, abrangendo os encargos financeiros vários exercícios e períodos de tributação, enquanto a realização de mais-valias ocorre num único momento e período de tributação, pelo que não se reputa de excessivo e intolerável regime que pondere e faça atuar a indedutibilidade de encargos financeiros ex ante, em cada período de tributação em que são incorridos, por referência à medida que a equilibra, tendo em atenção a preservação da possibilidade de (efetiva e futura) realização de mais-valias, em linha com a orientação interpretativa sufragada pela AT no ponto 6 da Circular n.º 7/2004, inscrevendo no critério normativo aplicado a consideração de que “a desconsideração dos encargos financeiros deve operar de imediato, não dependendo da alienação das participações sociais e da realização de mais-valias, o que implica não considerar, ab initio, os custos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais que possam vir a beneficiar da exclusão de tributação prevista no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, corrigindo-se essa desconsideração inicial se se constatar, a posteriori, que o requisito temporal previsto naquele normativo se não verificou”. A regra nesta matéria é a da não dedutibilidade dos encargos financeiros: não devem as SGPS, ab initio, considerar os custos financeiros incorridos com as aquisições de participações sociais, atenta a possibilidade de estas poderem vir a beneficiar da exclusão da tributação prevista no n.º 2 do artigo 32º do EBF, e se, quando da alienação das partes de capital em causa, as mesmas não revestirem os requisitos para a aplicação do regime especial de isenção das mais-valias, proceder-se-á, então, à correção dos custos não deduzidos em período tributário anterior, conforme o prevê o n.º 6 da Circular 7/2004.

 

III - APRECIAÇÃO

 

Nos termos do disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, não sendo imputados à liquidação impugnada vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

A Requerente não imputa vícios que possam conduzir à declaração de inexistência ou à nulidade, pelo que são semelhantes os efeitos que a procedência dos vícios pode ter a nível da estabilidade e eficácia da tutela dos seus interesses. Assim, segue-se a ordem indicada pela Requerente, como se prevê na parte inicial da alínea b) do artigo 124.º.

 

Ilegalidade e inconstitucionalidade da ‘norma de incidência fiscal criada pela Circular n.º 7/2014’. Ilegalidade da correção, por se basear na aplicação da Circular.

 

Para bom saneamento das questões de direito a resolver, começa-se por excluir a apreciação da questão da eventual inconstitucionalidade da Circular n.º 7/2004, acompanhando o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 42/2014, acima citado e transcrito na parte relevante: a Circular não é norma legal, mas mera interpretação administrativa, cuja constitucionalidade não é sindicável. Não existe “relevo paramétrico do sentido normativo acolhido pela Administração Tributária e vazado na referida circular, em termos de suportar a formação de efeitos vinculativos dos particulares ( …) e, sobretudo, que constituam critério ou padrão normativo da atuação jurisdicional dos Tribunais, quando chamados a apreciar litígios no respetivo campo de atuação”.

 

O que cabe ao Tribunal Arbitral decidir é da legalidade ou ilegalidade do ato praticado pela AT, ao fazer as correções em apreciação.

 

Recordemos que o n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelecia, na redação em vigor no exercício de 2011, o seguinte:

“2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”

 

Vale a pena iniciar esta análise indagadora da boa interpretação deste preceito pela afirmação de que se entende como natural, se não mesmo apodíctica, a desconsideração fiscal dos encargos financeiros suportados pelas SGPS com a aquisição de partes de capital cujas mais-valias estão isentas quando da respetiva alienação. Daí decorre, diga-se a latere, ser absolutamente inconsequente questionar-se uma pretensa ofensa a princípios constitucionais como o vigente para a tributação do rendimento das pessoas coletivas, da tributação (tendencialmente) baseada no rendimento efetivo.

 

Fixada esta ratio, clara, proporcional e razoável, a questão complexa que a redação do preceito de imediato suscita há muito se encontra identificada e escalpelizada abundantemente na jurisprudência e também na doutrina: quando existe impossibilidade objetiva de as SGPS identificarem com rigor, de entre a massa de recursos financeiros – internos e externos – que obtêm e canalizam para finalidades tão diversas como conceder crédito às participadas, adquirirem participações sociais, e outras, para poderem fazer uma afetação real de cada financiamento obtido e de cada valor de encargos financeiros suportados diretamente à aquisição de participações sociais em concreto, como se aplica o preceito?

 

Cautelas básicas, próprias de uma legística material de qualidade, deveriam ter levado o legislador a ter avaliado e antecipado esta dificuldade tão evidente e a ter consagrado na própria lei um método de quantificação, eventualmente recorrendo a rateio por tipologias de afetação – sempre a título subsidiário ao método da afetação real, mais garante da captura da efetiva capacidade contributiva –, o qual permitisse uma aplicação efetiva e segura da lei nas situações de impossibilidade objetiva e comprovada de os sujeitos passivos fazerem uma afetação específica e direta.

 

Que não teriam sido essa avaliação prévia e a adequada densificação do preceito tarefas excessivamente complexas e exigentes demonstra-o a publicação da Circular n.º 7/2004 de 30.03 da DSIRC, onde, reconhecendo “(…) a extrema dificuldade de utilização(…) de um método de afetação direta ou específica (…)”, a AT veio definir um critério, que entendeu válido e o mais próximo da realidade empresarial, estabelecendo que, para determinar quais os encargos financeiros suportados a imputar a cada aquisição de partes sociais, se deveria utilizar uma fórmula deste teor: “(…) os passivos remunerados das SGPS (…) deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.”

 

A falta de previsão do legislador abriu, quer a insegurança jurídica patente em toda a conflitualidade emergente das correções feitas pela AT com base na Circular n.º 7/2004, quer, forçoso é reconhecê-lo, uma verdadeira autoestrada de obstrução fácil à aplicação da lei, através do mero recurso a uma opacidade calculada nos fluxos de financiamentos e respetivas afetações. Na ausência de contratos de financiamento vinculados pelo fim da aquisição de uma certa participação financeira, a identificação de um nexo, juridicamente sustentado, entre encargos financeiros suportados e uma concreta aquisição de partes sociais torna-se tarefa inviabilizável com excessiva facilidade, ainda que não fosse inviável de raiz.

 

Como alega a AT e a Requerente aceita, no caso vertente esta não elaborou qualquer mapa de afetações, apesar de ter sido notificada do projeto de RIT, com as correções atrás especificadas, para exercício do direito de pronúncia. Em casos como este, mostra-se impossível – mas também irrelevante no contexto de um contencioso de mera anulação, pelo que nenhum juízo o Tribunal formula a este respeito – determinar se a impossibilidade de afetação real é autêntica ou é meramente tática.

 

O que importa para a decisão é que a AT determinou os encargos financeiros que entendeu terem sido suportados pela Requerente para adquirir as participações sociais recorrendo ao método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2014.

 

Sobre a ilegalidade destas correções, o Tribunal acompanha vários arestos da Arbitragem Tributária, que não identificam suporte legal para a interpretação veiculada na Circular e feita, in casu, pela AT. Acompanhando, em particular, o argumentário e as referências doutrinárias vertidos no Processo n.º 326/2015-T, dir-se-á que “as normas relativas à liquidação de tributos, designadamente, as que definem a incidência e os benefícios fiscais, estão subordinadas ao princípio da legalidade, estando consequentemente afastada a possibilidade de, por via administrativa, serem criadas normas de que resulte uma efetiva oneração para os contribuintes (…) O ponto 7 da Circular n.º 7/2014 consubstancia uma norma de natureza inovadora sobre a determinação da matéria tributável de IRC e, em última análise, sobre a amplitude de um benefício fiscal, pelo que é inválida por violação do princípio da legalidade.” E, mais adiante, era este o método direto o que deveria ter sido utilizado, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode fazer uso de um método indireto para determinar a matéria tributável da Requerente sem estarem reunidos os requisitos legais de que a lei faz depender a sua utilização, previstos nos artigos 85.º e 87.º da LGT, e não pode usar para a quantificação da matéria tributável critérios não previstos na lei (artigo 90.º da LGT).”

 

Por outras palavras, não se vê que venha juridicamente sustentada, em termos de ser a melhor interpretação da lei, a tese – defendida pela AT – de que “não há ilegalidade na aplicação do n.º 2 do art. 32.º do EBF na fórmula constante da Circular n.º 7/2004, ainda que não seja possível à AT e ao contribuinte proceder a uma afetação específica ou direta, dado que qualquer método (direto ou indireto) é bom, desde que respeitada a ratio legis da norma.”

 

E não é juridicamente sustentável em termos de ser a melhor interpretação da lei porquanto há que dar cumprimento à norma nos seus precisos termos, segundo os quais o aplicador da lei tem que desconsiderar os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais cujas mais-valias, quando realizadas, estão isentas, o que só pode licitamente fazer se puder identificar a relação entre os financiamentos usados e a aquisição das participações sociais (cujas mais-valias, quando realizadas, estão isentas), segregando-os dos usados para outras afetações, como sejam as de fazer financiamentos a participadas.

 

Defende também a AT que, “caso contrário, corria-se o risco de dar relevância fiscal aos encargos financeiros ao mesmo tempo que se isentava as mais-valias que advieram da alienação das participações, o que violaria o princípio da neutralidade fiscal e conduziria a uma solução contra legem (só assim não seria se se consagrasse na lei uma solução – que não existe – que estabelecesse que, não podendo os sujeitos passivos demonstrar a afetação direta, não poderiam beneficiar da isenção das mais-valias de partes de capital que viessem a alienar).” A asserção é pertinente, mas esse risco, bem evidente, devia – e só podia – ter sido prevenido pelo legislador. Não é um risco que uma Circular praeter legem possa vir reparar.

 

A AT refere ainda que “é infundada a alegada violação do princípio da legalidade vertido no artigo 103.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, na medida em que a Circular não alterou nem desvirtuou a estatuição legal do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.” Nisto tem a AT razão, pois a Circular em causa não é, no entender do Tribunal, contra legem. Porém, basta que seja, como abundante jurisprudência o tem decidido, praeter legem, para lhe faltar o incontornável amparo de uma lei habilitante.

 

Claro que o que está a ser sindicado – sublinhe-se – não é a legalidade da Circular n.º 7/2004 em abstrato, mas a legalidade concreta das correções feitas pela AT, na parte em que desconsiderou os encargos financeiros suportados pela Requerente com a aquisição das participações sociais. No entanto, como estas correções se baseiam precisamente na Circular, de que fazem expressa aplicação, a ilegalidade desta, por praeter legem, determina a daquelas, que não foram suportadas noutra interpretação e aplicação da lei que não sejam precisamente o cumprimento – vinculante para os Serviços da AT – da Circular. Assim, o Tribunal considera verificado o vício de violação de lei nas correções por desconsideração fiscal dos encargos financeiros suportados pela Requerente com a aquisição de partes de capital.

 

Como acima se referiu, nos termos do disposto no artigo 124.º do CPPT, não sendo imputados à liquidação impugnada vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos e o corolário da norma é que, se for julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos interesses da Requerente, não será necessário – e será pronúncia inútil – conhecer dos restantes.

 

Assim é com todos os demais vícios invocados – e com as inerentes questões de direito – à exceção de um, de que o Tribunal deve conhecer, porquanto da decisão sobre o mesmo pode decorrer uma diversa decisão a final.

 

Na verdade, ainda que haja vício de violação de lei nas correções feitas pela AT, se fosse à Requerente que coubesse o ónus da prova da não conexão dos encargos financeiros, suportados e levados integralmente a gastos dedutíveis no exercício de 2011, com a aquisição de participações sociais, poderia, em mera tese preliminar, ser desconsiderada a totalidade dos referidos encargos financeiros. A questão em causa, portanto, é a de saber se, como defende a AT, estando em causa a aplicação de um benefício fiscal, é à Requerente que cabe fazer a prova dos factos necessários à sua usufruição (artigos 14.º e 74.º da LGT).

 

Ora, a própria AT dá contradita a esta tese: – é certo que afirma que a Requerente não acresceu ao resultado líquido do exercício os encargos financeiros imputáveis a partes de capital, como lhe era imposto pelo artigo 32.º do EBF, nem exerceu o direito de audição, quando notificada do projeto de Relatório, e não prestou quaisquer esclarecimentos adicionais nem contestou a bondade ou validade dos cálculos realizados, nem facultou à AT quaisquer dados sobre a afetação específica ou direta dos encargos financeiros às participações sociais, mais admitindo não ser capaz de o fazer.

 

Porém, também afirma, a outro passo, que “a seguir-se a tese propugnada pela Requerente corria-se o risco de dar relevância fiscal aos encargos financeiros ao mesmo tempo que se isentava as mais-valias que advieram da alienação das participações, o que violaria o princípio da neutralidade fiscal e conduziria a uma solução contra legem (…) E isso só assim não seria se se consagrasse na lei uma solução, que não existe, que estabelecesse que não podendo os sujeitos passivos demonstrar a afetação direta, não poderiam os mesmos, depois, beneficiar da isenção das mais-valias de partes de capital que viessem a alienar.”

 

E deve reconhecer-se que poderia ser essa a consequência derivada pelo legislador, a qual converteria a prova a cargo dos sujeitos passivos num mero ónus jurídico, em vez de uma obrigação. Mas não consta da lei. Por extensão, não poderia fazer-se derivar de uma interpretação sustentável da lei, potencialmente ainda mais gravosa, que dela extraísse uma norma segundo a qual se um sujeito passivo SGPS não fizesse prova de qual a afetação específica dos financiamentos de cujos encargos financeiros se tratasse, todo o volume de encargos financeiros seria desconsiderado. Uma tal interpretação levaria a atos de correção apodicticamente ilegais.

 

Acresce – e passamos a acompanhar e a louvar-nos no Processo n.º 326/2015-T – que, “embora em matéria de benefícios fiscais existam normas especiais de que se infere que o ónus da prova dos factos necessários para deles usufruir cabe a quem os invoca (artigos 14.º, n.º 2, e 74.º, n.º 1, da LGT), na específica situação em apreço não se está perante a invocação de pressupostos de benefícios fiscais, pois a parte do artigo 32.º, n.º 2, do EBF que prevê a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não estabelece um benefício fiscal, mas sim uma limitação à dedutibilidade de encargos financeiros, negativa para o contribuinte, estabelecida com a finalidade de atenuar o regime fiscalmente favorecido de que usufruem as SGPS em relação às sociedades em geral. Por isso, ao determinar a não dedutibilidade dos encargos financeiros, a Autoridade Tributária e Aduaneira está levar a cabo uma atividade de natureza desfavorável para o contribuinte, pelo que lhe cabe o ónus da prova dos factos que invocar para fundamentar a sua atuação, designadamente, ao optar pela utilização de método indireto de determinação da matéria tributável, de provar que se verificava algum ou alguns dos pressupostos legais da sua aplicação, indicados no artigo 87.º da LGT, como decorre do n.º 3 do artigo 74.º da LGT. Se não se provaram, em concreto, «factos que implicam o recurso a métodos indiretos», não podem ser utilizados métodos indiretos para determinar a matéria tributável, pois estes só podem ser utlizados quando se demonstrar não ser viável a utilização de métodos diretos, como decorre do artigo 85.º, n.º 1, da LGT.”

 

Conclui-se assim que – na parte em que desconsidera os encargos financeiros indiretamente determinados como tendo sido suportados pela Requerente com a aquisição de partes de capital cujas mais-valias estarão isentas quando da respetiva alienação – o ato impugnado padece do vício de violação de lei, por errada aplicação do regime do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

 

B.2 – sobre as correções decorrentes da aplicação do justo valor

 

I - POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

Alega a Requerente que o legislador, por via de regra, impediu que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorressem para a formação do lucro tributável. Porém, admitiu excecionalmente a concorrência desses ajustamentos para a formação do lucro tributável desde que: (i) estivessem em causa instrumentos financeiros de capital próprio; (ii) fossem reconhecidos pelo justo valor através de resultados; (iii) tivessem o preço formado em mercados regulamentados; e (iv) que o sujeito passivo titular desses instrumentos não detivesse, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5%.

No entender da Requerente, o legislador passou a permitir que aqueles ajustamentos concorressem para a formação do lucro tributável do sujeito passivo desde que fosse assegurada a fiabilidade da determinação do justo valor e, bem assim, desde que o sujeito passivo não detivesse uma participação social suficiente para influir nas decisões da sociedade participada.

Contrariamente ao defendido pela AT, o disposto no n.º 3 do artigo 45.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) não deverá ser aplicado às perdas deduzidas ao resultado líquido do período, tão pouco às variações patrimoniais negativas sofridas pela Requerente - ambas as deduções decorrentes da mensuração pelo justo valor das participações sociais à data detidas pela Requerente.

Citando a Decisão Arbitral de 25/11/2013, proferida no Proc. n.º 108/2013-T,  refere-se que antes da republicação do CIRC, que veio harmonizar a tributação do rendimento das pessoas coletivas com o SNC, “(…) as variações patrimoniais relativas aos instrumentos financeiros eram irrelevantes do ponto de vista da formação do lucro tributável de cada período, por efeito da norma do artigo 21.º/1/b) do CIRC. Apenas no momento da realização da mais ou menos-valia é que assumia relevância fiscal a variação patrimonial verificada.”

Deste modo, este contexto fiscal consubstanciava-se: (i) numa tributação única, que só ocorria uma vez ao longo de todo o período de detenção dos instrumentos financeiros; e (ii) numa atuação voluntária do sujeito passivo, uma vez que a transação dos instrumentos financeiros apenas ocorria por efeito da vontade do sujeito passivo; (iii) e a medida da variação patrimonial era fixada em função da concreta transação/transmissão, que desencadeava o seu tratamento e relevância tributária.

Este contexto tributário, que dependia intrinsecamente da vontade do sujeito passivo, poderia permitir comportamentos desviantes dos contribuintes, porquanto lhes permitiria optar pelo momento mais favorável à respetiva tributação. Com a republicação do CIRC, o legislador lançou mão de alterações legislativas que lhe permitiram condicionar a atuação do sujeito passivo, estabelecendo preceitos legais que acabariam por se tornar similares a verdadeiras normas anti-abuso. É o que sucede, efetivamente, com a norma do artigo 18º, n.º 9, do CIRC, mais concretamente com as exceções nele incluídas, onde o legislador estabeleceu a limitação aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor.

Sustenta a Requerente que, da leitura atenta dos três normativos - artigos 23º, n.º 1, 24º, n.º 1 e 45º, n.º 3, todos do CIRC - resulta claro e indubitável que os conceitos de gastos e perdas e variações patrimoniais negativas são conceitos distintos e autónomos, que deverão necessariamente ter um tratamento tributário distinto, e não um tratamento indistinto e uniforme. A AT estaria a sobrepor o artigo 45º, n.º 3 do CIRC, que estabelece uma norma geral, à norma especial constante da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do mesmo diploma, que determina a exceção: “Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha uma participação no capital superior a 5% do respetivo capital social".

Conforme o Preâmbulo do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, “Ainda no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada. Assim, excluem-se os instrumentos de capital próprio que não tenham um preço formado num mercado regulamentado”.

Assim, por força do elemento histórico interpretativo da lei (cfr. artigo 9º do Código Civil (CC), por remissão do artigo 11º n.º 1 da LGT), facilmente se concluiria, segundo a Requerente, que o artigo 45º, n.º 3, do CIRC não podia ter em vista os gastos decorrentes da aplicação do modelo contabilístico do justo valor introduzido pelo SNC cuja contrapartida fosse reconhecida através de resultados, tal como sucedeu no caso concreto.

As alterações legislativas de 2009, entradas em vigor em 01.01.2010, não podem obviamente caber na hipótese legal ou facti species de uma norma de 2006 (o artigo 45º n.º 3 do CIRC) - que por razões óbvias não as pôde ter em consideração, já que à data da sua entrada em vigor ainda eram inexistentes.

Verificadas que sejam as condições objetivas constantes da alínea a) do n.º 9 do artigo 18º do CIRC, como a A… entende ser o caso, não faz sentido aplicar uma norma “anti-abuso” como aquela que estava consignada no artigo 45º, n.º 3, do CIRC.

Suportando-se no Acórdão Arbitral n.º 108-2013-T, refere que “Tal análise deve ter na devida conta a necessária perspetiva sistemática da sua integração, ponderando, igualmente, o contexto histórico da respetiva génese. Efetivamente, cada uma das normas tidas como relevantes para a apreciação da questão decidenda, deverá ser compreendida no correspondente enquadramento concreto, daí se retirando o seu conteúdo significante. (….) Já o n.º 9 do artigo 18.º do CIRC aplicável, obtém diretamente a sua justificação no preâmbulo do DL 159/2009, de 13 de Julho, que o introduziu no referido Código, onde se pode ler:

O sistema estabelecido adequava-se à adoção de mecanismos de condicionamento daquela vontade, no sentido de a conformar a comportamentos economicamente mais desejáveis, que, no caso, passam pela preferência de realização de mais-valias, em detrimento da realização de menos-valias. É neste quadro que se explica o surgimento da norma do anterior artigo 42.º/3 do CIRC, que precede o atual artigo 45.º/3 do mesmo.

Tal norma, quer na sua redação primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se objetiva e subjetivamente (ou seja, face à motivação expressa pelo legislador) por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à almejada consolidação orçamental das contas públicas. A aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, operada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, na parte abrangida, um modelo radicalmente diferente, quer de valorização quer de relevância tributária das variações patrimoniais relativas à detenção daqueles instrumentos.

Deste modo, onde antes tínhamos uma relevância tributária única (one-off), aquando da transação daqueles instrumentos, agora passamos a ter uma relevância tributária continuada. Ou seja, face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a estes passam a relevar diretamente para a formação do lucro tributável (artigos 20.º/1/f) e 23.º/1/i) do CIRC) do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º/9 do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias (artigo 46.º/1/b) do CIRC). Neste quadro, cessam, manifestamente, de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um ato de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objetivamente fixada.

 

A Requerente invoca ainda o Acórdão Arbitral do CAAD, de 18.06.2015, proferido no processo n.º 776/2014-T, segundo o qual “Os árbitros analisaram toda a retórica aduzida pelas partes (nas suas peças escritas e alegações), bem como a argumentação e ponderação da decisão arbitral proferida em caso com contornos similares (o Acórdão 108/2013-T), mas tendo sempre presente as pequenas alterações do caso (“cada caso é um caso”). Depois da maturada ponderação, decidem no sentido da Sentença do Processo 108/2013-T, seguindo doravante, com a devida vénia, o argumentário essencial daquela decisão.”

 

II – POSIÇÃO DA REQURIDA

 

O regime de imputação temporal associado à adoção do justo valor como critério de mensuração não surgiu, no contexto do IRC, com a criação do artigo 18.º, n.º 9, alínea a), pelo que, de modo algum, pode considerar-se esta norma como uma inovação. Por outro lado, a qualificação do normativo do artigo 18.º, n.º 9, aliena a) como uma norma excecional será descabida, pois, para aquele tipo de ativos com cotação em mercado regulamentado, o CIRC não contempla uma regra geral e uma regra especial de imputação temporal para os rendimentos e gastos.

Para a AT, carece também completamente de sentido a tentativa de defender que o artigo 18.º, n.º 9, alínea a) e o art.º 45.º, n.º 3, do CIRC se excluem mutuamente, em razão de não se incluírem no âmbito do artigo 45.º factos que sejam qualificáveis como gastos, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

A dedução em metade da diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas e de outras perdas e variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital abrangidas pelo artigo 45.º, n.º 3, sempre se aplicou tanto aos casos em que aquelas menos-valias, bem como outras perdas e variações patrimoniais negativas, resultavam de operações realizadas em mercados regulamentados (bolsas de valores) como fora desses mercados.

Ou seja, para AT, é verdade que este normativo, à semelhança de outros dispersos pelo CIRC, tem subjacente o propósito de atenuar os efeitos de práticas de erosão na base tributável, que também se inserem, na atualidade, nos objetivos da política fiscal. Mas o legislador, ao ter-lhe dado uma redação abrangente e genérica, optou por não incluir, na sua previsão, qualquer ponderação de circunstâncias particulares das operações concretas que originam as menos-valias, bem como outras perdas e variações patrimoniais negativas.

O artigo 45.º, n.º 3, do CIRC estatui, sem mais, que “A diferença entre as mais-valias e as menos-valias realizadas e a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”. 

Não consentindo tal norma que o intérprete se arrogue o direito de subtrair do seu âmbito quaisquer menos-valias ou outras perdas ou variações patrimoniais negativas, em função do modo e local de realização das operações concretas que lhe tenham dado origem.

Resulta da jurisprudência produzida pelo TC como o acórdão N.º 85/2010, de 03 de Março, quando se pronunciou sobre o art.º 23.º, n.º 7 e o art.º 45.º, n.º 3, do CIRC, que a faculdade de criação de normativos fiscais – como o do art.º 45.º, n.º 3 e outras disposições do CIRC que desconsideram total ou parcialmente a dedução de certos gastos ou perdas – com vista a proteger a base tributável de riscos de erosão, não está vedada ao legislador nem pela Constituição, por não colidirem com o princípio de tributação pelo lucro real plasmado no art.º 104.º, n.º 2, “nem pelos princípios do Direito Europeu, designadamente o da proporcionalidade e da necessidade”.

É inegável que estiveram subjacentes à redação dada ao art.º 45.º, n.º 3, do CIRC considerações e preocupações relacionadas com a prevenção de práticas evasivas, cujo âmbito foi evoluindo no sentido da sua ampliação, por forma a não excluir operações e situações que, envolvendo igualmente partes de capital ou outras componentes do capital próprio, pudessem produzir os mesmos efeitos das inicialmente contempladas

O relevo dado pela Requerente a questões de semântica em redor dos “custos”, “perdas”, “gastos”, resulta numa leitura descontextualizada, do normativo do art.º 45.º, n.º 3, que inevitavelmente conduz a uma interpretação redutora do âmbito da norma. Em primeiro lugar, não é correto pensar-se que a norma tenha surgido apenas no contexto da vigência exclusiva, no plano fiscal, da regra da realização.

Basta, para tanto, atentar nos normativos transitórios criados para a Banca e Empresas Seguradoras, bem como as disposições que estabelecem as regras gerais aplicáveis aos instrumentos financeiros derivados já abriam a possibilidade de a periodização dos rendimentos ou ganhos e dos gastos ou perdas em operações realizadas em bolsas de valores atender ao valor de mercado. Em segundo lugar, a interpretação do âmbito de aplicação de uma norma não fica cristalizada pelo enquadramento legal vigente à data da sua criação. A evolução sucessiva da redação do art.º 45.º, n.º 3 revela, segundo a AT, por um lado, a preocupação do legislador no seu aperfeiçoamento em função da experiência adquirida, procedendo, ao seu alargamento de forma expressa, mediante a inclusão de novas realidades, e, por outro, como foi o caso, a extensão foi também o reflexo de alterações operadas noutros normativos, tanto no plano contabilístico como na legislação fiscal, que determinaram alterações aos conceitos ou às formas de apuramento dos elementos que integram a previsão normativa.

Em terceiro lugar, refere a AT que, tendo em atenção o sistema de tributação em IRC, não obstante as mais e menos valias potenciais ou latentes estarem, de facto, excluídas de tributação, ainda que quando expressas na contabilidade, certo é que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor são fiscalmente relevantes quando respeitem os requisitos prescritos no artigo 18.º, n.º 9, al. a), por força do disposto nos artigos 20.º, n.º 1, alínea f), 23.º, n.º 1, i) e 45.º, n.º 3, todos do CIRC.

O conceito “perdas” ínsito no artigo 45º, n.º 3 do CIRC reveste uma formulação aberta, no âmbito da qual se enquadram todo o tipo de perdas relativas a partes de capital, incluindo as perdas potenciais. Assim, para a AT, o legislador, ao consagrar o conceito amplo de perdas, não pretendeu excluir quaisquer perdas atinentes a partes de capital, que sejam refletidas na contabilidade, não tendo afastado expressamente as perdas potenciais, resultantes da aplicação do justo valor a instrumentos financeiros, quer as registadas em contas de gastos e perdas, quer em contas de capital próprio. Perpassa pelo articulado do Pedido Arbitral a ideia de que no artigo 18.º, n.º 9, do CIRC é definido o tratamento fiscal dos ajustamentos positivos ou negativos decorrentes da aplicação do justo valor a instrumentos de capital próprio com preço formado num mercado regulamentado.

Para AT, tal constitui um erro de análise, porquanto a finalidade deste artigo contém-se, tão-só, na definição dos critérios de imputação temporal das componentes positivas e negativas do lucro tributável, dando concretização ao princípio da especialização dos exercícios, cabendo aos artigos 20.º e seguintes a determinação das regras aplicáveis no apuramento do lucro tributável. Também a AT reputa como totalmente irrelevante a questão semântica – v. g. artigos 80º e seguintes do pedido de pronúncia arbitral, da decisão arbitral proferida no processo n.º 108/2013-T – construída à volta da dicotomia entre o termo “perdas” utilizado no artigo 45.º, n.º 3, e o termo “gastos” usado no artigo 23.º e no artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC. Embora cada um daqueles termos tenha um significado próprio, aquela dicotomia entre “gastos” e “perdas” só pode qualificar-se como uma imprecisão terminológica do legislador sem consequências ao nível da interpretação daqueles preceitos. Aliás, nem poderia ser de outro modo, tendo em consideração o art.º 17.º, n.º 1 do CIRC, já que, no Código de Contas do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), a conta 661, onde são registados os ajustamentos negativos decorrentes da utilização do justo valor, sempre foi denominada Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros, tendo aquela imprecisão sido corrigida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com a substituição, nesses preceitos, de “gastos” por “perdas”.

A AT refere ainda algumas posições doutrinais, tais como a de André A. Vasconcelos ao mencionar que: “Pela leitura deste preceito [n.º 3 do art. 42.º, atual art. 45.º], e dada a extensa abrangência do mesmo, somos levados a concluir que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os ativos financeiros ora em análise [aqueles a que se refere a aliena a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC], apenas relevarão para efeitos fiscais em metade do seu valor.

 

E salienta ainda que a interpretação da AT sobre a questão controvertida foi considerada perfeitamente legal no âmbito da decisão recentemente proferida, em 24 de Setembro de 2015, no processo que correu termos no CAAD sob o n.º 25/2015-T, e que tratou de uma situação coincidente com a que se encontra em apreciação nos presentes autos.

 

III – APRECIAÇÃO (PARTE ENUNCIATIVA)

1 - Normas legais a convocar

 

Para a decisão a tomar são relevantes as seguintes normas do CIRC, adiante citadas na redação em vigor à data dos factos (2011):

Artigo 18º, n.º 9:

 «Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, exceto quando:

a)      Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, quando se trate de instrumentos de capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital igual ou superior a 5% do respetivo capital social

….»

Artigo 23.º

Gastos

“1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

 

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança -reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta;

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Depreciações e amortizações;

h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;

i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

j) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;

l) Menos-valias realizadas;

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

…”

Artigo 45.º, n.º 3:

«A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.»

Artigo 46º

«1-Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afetação permanente a fins alheios à atividade exercida, respeitantes a:

a) Ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis, ativos biológicos não consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclassificado como ativo não corrente detido para venda;

b) Instrumentos financeiros, com exceção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.

…”

 

2. Decisões arbitrais com sentido diverso sobre o tema em causa

 

A questão de saber se os decréscimos de justo valor em instrumentos financeiros que são reconhecidos em resultados do período devem ou não sofrer a limitação constante do artigo 45º, n.º 3, foi já objeto de decisões arbitrais com sentido diverso. O cerne dos argumentos expendidos é em seguida apresentado, de forma relativamente extensa, pela relevância que se lhes atribui para as teses em confronto.

 

2.1. Os processos 108/2013-T e 776/2014-T

Nos Acórdãos referentes aos processos 108/2013-T e 776/2014-T (disponíveis em www.caad.org.pt), observa-se uma decisão favorável à não aplicação da limitação do artigo 45º, n.º 3, do CIRC (ou seja, admitindo a dedutibilidade a 100% das perdas de justo valor em questão) com nos argumentos a seguir sintetizados:

A) “Previamente à adopção do justo valor, as variações patrimoniais relativas aos instrumentos financeiros eram irrelevantes do ponto de vista da formação do lucro tributável de cada período, por efeito da norma do artigo 21.º/1/b) do CIRC. Apenas no momento da realização da mais ou menos-valia é que assumia relevância fiscal a variação patrimonial verificada. Este enquadramento fiscal tinha (como tem na parte em que se mantém) três características bem vincadas, a saber:

• Era uma tributação única, ou seja, que ocorria uma só vez ao longo de todo o período de detenção dos instrumentos financeiros;

• Estava dependente de uma actuação voluntária do sujeito passivo, na medida em que a transacção dos instrumentos geradores da variação patrimonial, condição da relevância tributária daquela, apenas se daria se e quando o sujeito passivo assim o quisesse;

• A valorimetria da variação patrimonial era fixada em função da concreta transacção que desencadeava a sua relevância tributária.

A conjugação destas três características que se vêm de apontar, propiciavam, desde logo, um terreno fértil para manipulações contabilísticas e fiscais, já que o sujeito passivo podia optar por desencadear a relevância tributária no momento e termos em que tal lhe fosse fiscalmente mais proveitoso.

Por outro lado, e atenta a relevância da vontade do sujeito passivo no mecanismo de relevância tributária da variação patrimonial, o sistema estabelecido adequava-se à adopção de mecanismos de condicionamento daquela vontade, no sentido de a conformar a comportamentos economicamente mais desejáveis, que, no caso, passam pela preferência de realização de mais-valias, em detrimento da realização de menos-valias.

 

É neste quadro que se explica o surgimento da norma do anterior artigo 42.º/3 do CIRC, que precede o actual artigo 45.º/3 do mesmo.

Tal norma, quer na sua redacção primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se objectiva e subjectivamente (ou seja, face à motivação expressa pelo legislador) por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à almejada consolidação orçamental das contas públicas.

A aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, operada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, na parte abrangida, um modelo radicalmente diferente, quer de valorização quer de relevância tributária das variações patrimoniais relativas à detenção daqueles instrumentos.

Com efeito, a intenção do legislador aquando do acolhimento do modelo do justo valor, devidamente evidenciada, foi, assumida e expressamente, a de manter “a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados”.

Já relativamente a “instrumentos financeiros” que correspondam a menos “de 5% do capital social”, “cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, (...) nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada”, a intenção legislativa foi a de aceitar “a aplicação do modelo do justo valor”, excluindo o princípio da realização.

Em consonância, o artigo 18.º/9 do CIRC aplicável, veio dispor que, por regra, “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados.”. Trata-se aqui de um afloramento evidente e deliberado do assumido princípio da realização.

Contudo, a mesma norma, na sua alínea a), estabelece a excepção a este regime, nos seguintes termos: “excepto quando: a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social;”.

Ou seja, e igualmente conforme assumido pela entidade legislante, quando os “rendimentos ou gastos (...) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “concorrem para a formação do lucro tributável” “desde que”:

a. Sejam reconhecidos “através de resultados”;

b. Se tratem “de instrumentos do capital próprio”;

c. “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e

d. “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social.”.

Cumpridas estas condições:

a. consideram-se rendimentos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros (artigo 20.º/1/f) do CIRC); e

b. consideram-se gastos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros (artigo 23.º/1/i) d).

Deste modo, onde antes tínhamos uma relevância tributária única (one-off), aquando da transacção daqueles instrumentos, agora passamos a ter uma relevância tributária continuada. Ou seja, face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a estes passam a relevar directamente para a formação do lucro tributável (artigos 20.º/1/f) e 23.º/1/i) do CIRC ) do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º/9 do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias (artigo 46.º/1/b) do CIRC).

Neste quadro, cessam, manifestamente, de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um acto de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objectivamente fixada.

B) Por outro lado, e pelas mesmas razões, carece igualmente de sentido qualquer medida de condicionamento da vontade do sujeito passivo, no sentido de favorecer comportamentos economicamente mais “desejáveis” e, como tal, conformes aos interesses do alargamento da base tributável e consolidação orçamental. A análise do texto normativo revela com clareza que o legislador elegeu, para nele incluir, três tipos de situações que se deverão ter, em função da presunção de boa técnica legislativa, por distintas, a saber:

a. “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital”;

b. “outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”;

c. “outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”.

Vejamos, então, se a situação dos autos se reconduz a alguma das elencadas situações. A situação aludida sob a alínea a) supra, será manifestamente inaplicável, não só porque não houve qualquer realização operada mediante transmissão onerosa, como porque o artigo 46.º/1/b) exclui as situações descritas no artigo 18.º/9/a) do conceito de mais valias realizadas. Deste modo, qualquer dificuldade que no caso exista, apenas se poderá reconduzir a alguma das situações elencadas nas alíneas b) e c) supra.

Deste modo, conclui-se que o artigo 45.º/3 do CIRC aplicável, se reportará a:

a. diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital;

b. outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e

c. outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

sendo que por “perdas” se deve entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, e por “variações patrimoniais negativas” se deverá entender variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, tal como definidas no artigo 24.º.

Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

C) Por outro lado, e estando em causa instrumentos financeiros de valor não objectivamente quantificável, a desconsideração em 50% das variações patrimoniais negativas verificadas, teria também uma função de “compensar” a natural tendência dos operadores económicos para, ao nível fiscal, inflacionarem os prejuízos. Contudo, aqueles aspectos não se verificarão já nas situações abrangidas pelo artigo 18.º/9/a). Aqui, estando-se perante ajustes decorrentes da contabilização do justo valor, determinado por critérios objectivos (com “um preço formado num mercado regulamentado”), não há qualquer dúvida ou intervenção da vontade do sujeito passivo na verificação do ajustamento patrimonial negativo ou positivo. Ou seja, estes ocorrerão ou não, independentemente da actuação e da vontade do sujeito passivo.

É que, recorde-se, esta situação de penalização contingente (aleatória, até) injustificada, só se daria por força da excepcionação ao regime do princípio da realização das situações abrangidas pelo artigo 18.º/9/a) do CIRC aplicável. Ou seja, se relativamente a essas situações se aplicasse o regime geral do corpo do artigo 18.º/9, segundo o qual as mesmas não concorreriam “para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, a apontada incoerência não se verificaria, já que o facto que desencadearia a concorrência para a formação do lucro tributável apenas se daria por vontade do sujeito passivo, pelo que caberia a este optar por realizar a variação patrimonial negativa, com a consequente penalização fiscal, ou diferir esta para um momento em que fosse menos volumosa ou, até positiva, diminuindo ou eliminando a penalização decorrente da operação para si e para o Erário. É a excepção da alínea a), ao retirar as situações aí previstas do âmbito do princípio da realização, que justifica o novo regime de relevância para o lucro tributável, instituído.

Evidência de tudo o que vem de se dizer, apresenta-se no quadro elaborado de seguida, o qual demonstra a irrazoabilidade da aplicação da norma do artigo 45.º/3 às situações abrangidas pelo artigo 18.º/9/a):

Ano

Valor Inv. Financeiro

Variação Patrimonial

Aplicação do artigo 45.º/3 do CIRC

0

Valor de aquisição (V.A.)

0

0

1

V.A.+ 40

+ 40

+40

2

V.A.+ 20

-20

-10

3

V.A

-20

-10

4

V.A.-40

-40

-20

5

V.A.

+40

+40

6

V.A. -20

-20

-10

 

A não aplicação da norma do artigo 45.º/3 do CIRC aos gastos, e concretamente aos “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, com a consideração plena das repercussões patrimoniais verificadas, sejam positivas ou negativas, leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro. Ou seja, em qualquer altura que se escolha para proceder à alienação do instrumento financeiro, as alterações patrimoniais positivas e negativas compensam-se, de modo que, a final, o sujeito passivo apenas tenha acrescentado ou diminuído ao seu lucro tributável a diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda.

Já se se aplicasse a norma do artigo 45.º/3 do CIRC, como pretende a ATA, a partir do momento em que se verifique uma alteração patrimonial negativa, haverá uma discrepância entre a relevância fiscal das variações patrimoniais negativas e positivas, sem qualquer justificação, como se disse, uma vez que aquelas variações ocorrem de forma objectiva e independente da actuação ou vontade do sujeito passivo. Assim, se ao fim do segundo ano o sujeito passivo do exemplo supra procedesse à realização do instrumento financeiro em causa, não obstante ter realizado uma mais-valia de apenas 20 (que seria tributada como tal ao abrigo do princípio da realização), teria, afinal, pago imposto sobre 30 (40-10). Do mesmo modo, se procedesse àquela realização ao fim do terceiro ano, teria pago imposto sobre 20, não obstante não ter tido qualquer acréscimo patrimonial com a operação. E se procedesse à mesma realização ao fim do sexto ano, teria pago imposto como se tivesse tido um acréscimo patrimonial de 30 (80-50), não obstante ter tido uma variação patrimonial efectiva de -20, que, ao abrigo do princípio da realização consagrado no CIRC, seria atendível, ainda que em apenas 50% do respectivo valor (-10)!

Parece claro que tais resultados, meramente aleatórios e sem qualquer justificação substancial que os sustente, não poderão ter sido queridos por um legislador razoável.

Nestes termos, considerando-se que o artigo 18.º/9/a) do CIRC aplicável impõe a concorrência “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, dos “rendimentos ou gastos” que “(...) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”, não se aplicando, nestes casos, o artigo 45.º/3 do referido Código, na medida em que não estão abrangidos pela previsão normativa do mesmo, entende-se que merecerá provimento o pedido”.

 

2.2. O processo 25/2015-T

Na decisão referente ao processo 25/2015-T (disponível em www.caad.org.pt), observa-se uma decisão favorável à aplicação da limitação do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC (ou seja, admitindo a dedutibilidade apenas em 50% das perdas de justo valor) com base nos seguintes argumentos:

A) “Atentas as características da relação entre contabilidade e fiscalidade e algumas críticas ou perplexidades suscitadas pela própria alínea a) do n.º 9 do artigo 18º do CIRC, não consideramos evidentes nem a tese da Requerente, nem as doutas considerações e conclusões da decisão do CAAD no processo 108/2013-T. Ou seja, não temos por inteiramente demonstrado que apesar de o legislador ter previsto, na alínea a) do n.º 9 do artigo 18º do CIRC, que concorrem “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, os “rendimentos ou gastos” que “(...) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”, tenha pretendido, nesse caso, pôr fim ao tratamento desigual das variações positivas e negativas, previsto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC.

É que, independentemente de um juízo de equidade ou racionalidade de política fiscal sobre a manutenção de tal regra, pode encontrar-se justificação para o legislador manter tal desigualdade de tratamento.

Desde logo, não pode desvalorizar-se a manutenção da redacção do preceito, sem qualquer reserva, quando muitas outras normas sofreram alterações, incluindo o aditamento da alínea b) do n.º 1 do artigo 45º do Código do IRC”.

B) “Mas vejamos outras dúvidas que podem explicar a manutenção de tal tratamento, extensivo ao caso da alínea a) do n.º 9, do art. 18º do CIRC. Um dos argumentos ponderosos indicados a favor da não aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 45º do CIRC, é que esta norma foi prevista para situações em que as mais-valias eram apuradas no momento da realização, estando esse momento dependente da actuação voluntária do SP, ao passo que, após adaptação ao SNC, os gastos apurados por aplicação do n.º 9 do artigo 18º do CIRC não estão condicionados à vontade do sujeito passivo já que o valor dos instrumentos financeiros é objectivamente determinado sem a intervenção daquele na formação do preço. A aplicação do n.º 3 do art. 45º do CIRC só faria sentido em casos em que a aferição da variação patrimonial é em função do princípio da realização, em situações dependentes da actuação voluntária do sujeito passivo, destinando-se o limite de 50% de desincentivo aos sujeitos passivos de tomarem certas decisões, colocando-se em posições desvantajosas para beneficiar em termos de formação de lucro tributável e em que o valor dos instrumentos financeiros não se encontrava objectivamente determinado.

Mas esta avaliação da situação é insusceptível de se impor incondicionalmente porque, nomeadamente:

- A certeza e objectividade do valor encontrado no mercado, ainda que regulado, não é de todo imune a manipulações, como é comprovado por episódios de que a imprensa internacional tem feito eco;

- O limite de 5% na detenção de participações previsto para consideração do justo valor, permite aplicação do preceito a avultados investimentos, com consequências imprevisíveis para as receitas fiscais, nomeadamente em período de crise financeira e bolsista;

- Mantém-se situações, mesmo nos casos de aplicação de valores considerados objectivamente determinados no mercado, em que se aplica a solução de tratamento desigual dos resultados negativos e positivos previstos no art. 45º, n.º 3, como seja o das situações de alienação em mercado regulamentado, em que as perdas se reflectem no lucro tributável apenas no momento da realização, como nos casos de participação superior a 5% ou da opção pela não aplicação da NCRF 27 (cf. nota 9).”

C) “Quanto à argumentação baseada na dicotomia “gastos” e “perdas”, parece assentar numa injustificada sobrevalorização da distinção desses conceitos. É que, no processo de adaptação aos novos conceitos do SNC, é possível identificar diversas imprecisões terminológicas. Ana Maria Rodrigues dá conta das tentativas de superação dessas imprecisões e de hesitações quanto às soluções por receio de aumentar a perturbação no ordenamento jurídico. Como exemplo, cita as epígrafes dos artigos 20º e 23º do CIRC. Quanto à primeira, actualmente “rendimentos e ganhos”, considera que deveria ser apenas intitulada “rendimentos”, conceito que envolve réditos e ganhos e quanto à segunda, “gastos e perdas”, observa que gastos é um conceito que, em contabilidade, já inclui as perdas.

Realce-se ainda que, quanto à mensuração do valor de instrumentos financeiros, o legislador, na Reforma do IRC em vigor a partir da Lei n.º 2/2014, substituiu o conceito “gastos”, utilizado anteriormente na alínea i) do n.º 2 do artigo 23º pelo de “perdas” (cf. alínea j) do n.º 2 do art. 23º)”

D) “Em texto escrito logo após publicação dos Decretos-Leis n.ºs 158/2009 e 159/2009, ambos de 13 de Julho, André Vasconcelos, identificou questões colocadas pela aplicação de regras vertidas para o CIRC de concurso para apuramento do lucro tributável de ajustamentos respeitantes a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que tratando-se de instrumentos de capital próprio tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social. Considera que às perdas apuradas com ajustamentos de justo valor não é aplicável o conceito de menos-valias e que a principal questão se coloca no enquadramento no n.º 3 do (então) art. 42º, concluindo, apesar de admitir dúvidas sobre a intenção do legislador, que «na leitura daquele preceito, e dada a extensa abrangência do mesmo, somos levados a concluir que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os activos financeiros ora em análise, apenas relevarão para efeitos fiscal em metade do seu valor».

 

Refira-se ainda, como muito significativa, a interpretação manifestada numa publicação, que corporiza a participação colectiva da consultora E…, SA, subscrita por cinco partners, com comentários e sugestões aquando da preparação da recente Reforma de IRC que conduziu à aprovação da Lei n.º 2/2014. Diz-se… comentando o anteprojecto da proposta apresentada: «Será igualmente eliminada a discriminação que sofrem actualmente as perdas de justo valor em partes de capital, reconhecidas em resultados, que tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social (o anteprojecto de Reforma propõe que este limite de participação seja reduzido para 2%). Com as alterações previstas, estas perdas passam a ser consideradas fiscalmente dedutíveis na totalidade (actualmente são apenas aceites para efeitos fiscais em 50%».

Ou seja, ainda que propondo-se uma alteração legislativa, não transparece a existência de qualquer controvérsia anterior sobre a refutação jurídica da interpretação da Informação Vinculativa divulgada pela AT e supra citada.

Com base no acima exposto, conclui-se que:

-       Poderá, de um ponto de vista de equidade ou de adequação de política fiscal prosseguida, questionar-se se o legislador não deveria logo a partir da redacção do CIRC vigente a partir de 2010 ter revogado os limites à dedutibilidade das perdas ou variações patrimoniais associadas a partes de capital, mas, independentemente da resposta a essa questão (que não se considera evidente até porque haveria que atender à situação de crise financeira e medidas orçamentais restritivas já então existentes), cabe a este tribunal julgar segundo o “direito constituído” ao tempo da situação em apreciação neste processo;

-       Face ao disposto em diversas normas do CIRC em vigor nos exercícios de 2010 e 2011, o tribunal não considera convincentes os argumentos expendidos no sentido da não aplicação do n.º 3 do artigo 45º do mesmo Código aos casos de perdas resultantes dos ajustamentos decorrentes de variações do justo valor de partes de capital;

-       É que a inaplicabilidade do n.º 3 do artigo 45º do Código do IRC defendida pela Requerente redundaria num tratamento mais desfavorável concedido às situações em que, na valorimetria das participações sociais, se aplicasse o método do custo ou, em caso de opção pela IAS39 (cf. §55, b)) os ganhos ou perdas resultantes de alterações no justo valor sejam reconhecidos directamente no capital próprio, pois que as perdas verificadas na sua alienação apenas seriam deduzidas em metade, ao passo que as perdas registadas nas participações sociais mensuradas ao justo valor, só pelo facto de o seu reconhecimento contabilístico ter sido feito de forma parcelar, em função das variações verificadas em cada ano no justo valor, e não apenas num único exercício, não sofreriam qualquer limitação, sendo totalmente deduzidas para efeitos de apuramento no lucro tributável;

-       Parece bem mais curial que o legislador tenha pretendido manter um tratamento uniforme das perdas ou variações patrimoniais associadas às partes de capital, independentemente do nível de participação que aquelas partes representassem no capital e do critério de mensuração adoptado, já que, como referido, permaneciam casos em que à perda de valor, apesar de verificada em instrumentos de capital próprio com preço formado em mercado regulamentado (como sejam as situações em que o sujeito passivo detém mais de 5% do capital ou em que detém menos de 5% mas opta pela contabilização dos ajustamentos resultantes das alterações no justo valor em contas de capital próprio), se continuava a aplicar a limitação em 50% de dedutibilidade das perdas.

Por estas razões, considera-se que a interpretação da AT não se encontra infirmada nos autos e que, antes das alterações introduzidas no Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, o n.º 3 do art. 45.º era aplicável aos ajustamentos decorrentes da mensuração ao justo valor dos instrumentos financeiros com os requisitos definidos na alínea a) do n.º 9 do art. 18.º, pelo que a Requerida deveria considerar, nos exercícios em causa nos autos, que a perda reflectida em resultados na contabilidade apenas poderia ser deduzida para efeitos fiscais em metade do seu valor.”

 

III- APRECIAÇÃO (PARTE CONCLUSIVA)

 

O Tribunal considera que assiste razão à Requerente. Por várias ordens de razões. Por um lado, e quanto ao elemento literal, a interpretação contabilístico-fiscal do termo “perdas” conduz a não aceitar a limitação constante do artigo 45.º, n.º 3, relativamente à situação concreta descrita nos autos. Acresce que não se julga decisivo o sentido das interpretações convocadas pela AT quanto a esta complexa questão. No tocante ao elemento teleológico, a intenção do legislador ao criar a norma não se julga aplicável à situação em apreço, atenta a natureza e substância dos fenómenos em causa. Por fim, a aceitar-se a limitação do artigo 45, n.º 3, tal constituiria uma entorse que se julga claramente excessivo ao princípio segundo qual a tributação deve fundamentalmente assentar no rendimento real, mesmo quando ponderado à luz do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 85/2010, adiante analisado. Vejamos, pois, cada um destes fundamentos.

 

1. Aspetos contabilístico-fiscais a considerar e seu relevo na decisão: sobre o conceito de “perda” e sua aplicação ao caso concreto

Em face do preceito que aqui se discute, é ponto assente para este tribunal que as perdas de justo valor aqui em apreço não seriam enquadráveis na parte do artigo 45º, n.º 3, do CIRC na parte em que se dispõe sobre:

“A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital…,”

mas apenas potencialmente no que concerne a:

outras perdas….. relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”.

A dissecação do conceito de “perda” (e também de “gasto”, como se verá) reveste-se assim de clara importância; embora deva, por razões adiante expressas, ser conjuntamente analisada com elementos teleológicos e sistemáticos.

A adaptação do CIRC ao novo normativo contabilístico surgido com o SNC, operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, veio a originar dificuldades interpretativas, em especial quanto à questão de que aqui nos ocupamos. Que assim é resulta claro do facto de as partes em litígio extraírem dos mesmos preceitos contabilístico-fiscais conclusões opostas. Com efeito, na petição, a Requerente sustenta que, cumpridos os requisitos previstos no n.º 9 do art.º 18.º do Código do IRC, as variações no valor dos instrumentos financeiros serão consideradas rendimentos (al. f) do n.º 1 do art.º 20.º do Código do IRC), ou gastos (al. i) do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC) do período de tributação a que respeitem.

Assim, na perspetiva da Requerente, a qualificação de gastos que o artigo 23º continha para as reduções de justo valor em instrumentos financeiros excluiria do âmbito do art.º 45.º, n.º 3, os factos que sejam qualificáveis como gastos pelo Código do IRC, pois que o dito artigo 45º, n.º 3, apenas se referia a outras perdas. Ora sendo gastos e perdas realidades económicas diferentes, a mera interpretação literal afastaria, no entender da requerente, a tese da AT.

A esta perspetiva contrapõe a AT que os rendimentos/ganhos e gastos/perdas a que se referia o art.º 18.º, n.º 9, alínea a) teriam de ser confrontados com o tratamento que lhes é concedido pelo disposto nos artigos 20.º, 23.º e 45.º do CIRC. Refere a AT como irrelevante a questão semântica que emerge da decisão arbitral proferida no processo n.º 108/2013-T construída, na sua ótica, à volta da dicotomia entre o termo “perdas” utilizado no art.º 45.º, n.º 3, e o termo “gastos” usado no art.º 23.º e no art.º 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC. 

É que, para A AT, o termo gastos utilizado tanto na epígrafe dada ao artigo 23.º, no âmbito das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, como na redação da alínea i) do n.º 1 desse preceito (Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiro), tem necessariamente de ser entendido em sentido amplo, i.e. cobrindo, em substância, os gastos propriamente ditos e as perdas.

Sublinha a AT que, embora cada um daqueles termos tenha um significado próprio, aquela dicotomia entre “gastos” e “perdas” só poderá qualificar-se como uma imprecisão terminológica do legislador sem consequências ao nível da interpretação daqueles preceitos. E, para a AT, nem poderia ser de outro modo, tendo em consideração o art.º 17.º, n.º 1 do CIRC, já que, no Código de Contas do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), a conta 661, onde são registados os ajustamentos negativos decorrentes da utilização do justo valor, sempre foi denominada “Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros”. 

Ora, a decisão apenas com base na apreensão da literalidade dos preceitos não é, assim, tarefa simples. Para mais, não existe no CIRC uma definição concetual (e sim uma enumeração) de gastos ou de perdas. Essa definição existe sim no SNC, em especial na Estrutura Concetual. Aí se refere que (negrito nosso):

69 — Os elementos de rendimentos e de gastos são definidos como se segue:

….

 (b) Gastos são diminuições nos benefícios económicos durante o período contabilístico na forma de exfluxos ou deperecimentos de activos ou na incorrência de passivos que resultem em diminuições do capital próprio, que não sejam as relacionadas com distribuições aos participantes no capital próprio.

76 — A definição de gastos engloba perdas assim como aqueles gastos que resultem do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) da entidade. Os gastos que resultem do decurso das actividades ordinárias da entidade incluem, por exemplo, o custo das vendas, os salários e as depreciações. Tomam geralmente a forma de um exfluxo ou deperecimento de activos tais como dinheiro e seus equivalentes, existências e activos fixos tangíveis.

77 — As perdas representam outros itens que satisfaçam a definição de gastos e podem, ou não, surgir no decurso das actividades ordinárias da entidade. As perdas representam diminuições em benefícios económicos e como tal não são na sua natureza diferentes de outros gastos. Daqui que não sejam vistas como um elemento separado nesta Estrutura Conceptual.

78 — As perdas incluem, por exemplo, as que resultam de desastres como os incêndios e as inundações bem como as que provêm da alienação de activos não correntes. A definição de gastos também inclui perdas não realizadas como, por exemplo, as provenientes dos efeitos do aumento da taxa de câmbio de uma moeda estrangeira respeitante a empréstimos obtidos de uma entidade nessa moeda. Quando as perdas forem reconhecidas na demonstração dos resultados, elas são geralmente mostradas separadamente porque o conhecimento das mesmas é útil para finalidades de tomar decisões económicas. As perdas são muitas vezes relatadas líquidas de rendimentos relacionados.

Esta definição de gastos do SNC, a qual, na ausência de uma definição constante do CIRC e em face do disposto no artigo 17.º do CIRC, será importada para o processo de apuramento do lucro tributável, estabelece que, na verdade, o conceito geral de gasto engloba as perdas. Mas, quando o legislador, na já referida adaptação do CIRC ao SNC, no artigo 23.º, n.º 1, alínea h) refere “Perdas por imparidade”, mostra que importou para o CIRC o conceito da conta “65 - Perdas por imparidade” do SNC, mas que na alínea i) e j) cataloga de “gastos resultantes da aplicação justo valor” as importâncias que na conta 66 do SNC se designam de “Perdas por reduções de justo valor”. Observam-se, assim, imprecisões na transposição para o CIRC de conceitos tipicamente contabilísticos. E daqui resultam questões interpretativas que o tribunal terá, no caso concreto, de analisar.

Uma vez que as reduções de justo valor se designam, no SNC, por perdas, e que o CIRC, no artigo 23.º, nunca se refere a perdas de justo valor e sim a gastos, observar-se-ia, no plano literal, uma desconexão conceitual. E é em larga medida desta desconexão que surgem as interpretações díspares que o preceito suscita para a requerente e para a AT. E, também, os vários graus de importância relativa que as decisões tomadas nos processos 108/2013-T; 776/2014-T, por um lado; e 25/2015-T, por outro, atribuem ao elemento literal na qualificação de gastos ou de perdas, quando se calibra o disposto no artigo 23.º do CIRC com a limitação constante do artigo 45.º, n.º 3, do mesmo código, quanto ao impacto das reduções de justo valor em instrumentos financeiros.

Ora, em face de uma tal amplitude interpretativa, como apreciar a questão, quanto ao relevo do elemento literal? Para este Tribunal, a chave interpretativa, neste plano contabilístico-fiscal, assenta na distinção doutrinal entre gasto e perda, e na sua aplicação ao caso concreto dos autos. Assim, do excerto acima transcrito da Estrutura Concetual do SNC (§§ 69-b e 76 a 78) decorre que o conceito de perda se traduz (tal como o de gasto) numa redução de benefícios económicos. Porém, as perdas distinguem-se, em regra, pela sua natureza não regular, não recorrente. São, por isso, o resultado de fenómenos com um grau de ocasionalidade ou não repetibilidade bem superior “aqueles gastos que resultem do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) da entidade” (§76).

Que assim é, observa-se também na extensa apreciação que surge no Statement of Financial Accounting Concepts No. 6, emitido pelo Financial Accounting Standards Board, onde se desenvolvem os conceitos de gastos (expenses) e perdas (losses). Com efeito aí se definem (§§ 81 e segs, negrito e subl. nossos):

-Expenses are outflows or other using up of assets or incurrences of liabilities (or a combination of both) from delivering or producing goods, rendering services, or carrying out other activities that constitute the entity’s ongoing major or central operations.

- Losses are decreases in equity (net assets) from peripheral or incidental transactions of an entity and from all other transactions and other events and circumstances affecting the entity except those that result from expenses or distributions to owners.

 

Gains and losses result from entities’ peripheral or incidental transactions and from other events and circumstances stemming from the environment that may be largely beyond the control of individual entities and their managements. Thus, gains and losses are not all alike. There are several kinds, even in a single entity, and they may be described or classified in a variety of ways that are not necessarily mutually exclusive.

Gains and losses may also be described or classified as “operating” or “nonoperating,” depending on their relation to an entity’s major ongoing or central operations. For example, losses on writing down inventory from cost to market are usually considered to be operating losses, while major casualty losses are usually considered nonoperating losses.

Distinctions between revenues and gains and between expenses and losses in a particular entity depend to a significant extent on the nature of the entity, its operations, and its other activities. Items that are revenues for one kind of entity may be gains for another, and items that are expenses for one kind of entity may be losses for another. For example, investments in securities that may be sources of revenues and expenses for insurance or investment companies may be sources of gains and losses in manufacturing or merchandising companies. Technological changes may be sources of gains or losses for most kinds of enterprises but may be characteristic of the operations of high-technology or research-oriented enterprises.”

Como se vê, esta importante fonte doutrinária norte-americana sustenta que as perdas têm uma natureza periférica à atividade normal ou regular de uma entidade. E, até, que o mesmo fenómeno pode ser classificado economicamente como gasto nuns casos e perda em outros, tudo dependo do enquadramento económico e substancial dos factos económicos em presença em face da(s) atividade(s) desenvolvida(s) pelas entidades empresariais.

Na doutrina nacional, J. Braz Machado[1] sublinha que “Perdas são custos extintos, que não beneficiam as atividades produtoras de rédito”. O rédito, como é definido pela Estrutura Concetual do SNC, é constituído pelos rendimentos de atividades regulares de uma entidade.

Na literatura internacional, Libby et al[2], definem perdas (losses) como sendo “decreases in assets or increases in liabilities from peripheral transactions”.

Aliás, a distinção ente custos e perdas é antiga na tradição contabilística portuguesa, e era bem vincada no POC. O SNC também distingue entre gastos e perdas. E, o CIRC (na versão em vigor á data dos factos) menciona-se, em vários artigos, o conceito de perdas.

E, para o que aqui importa, o artigo 45.º, n.º 3, é claro. O que se limita é dedutibilidade de “outras perdas” e não a de “outros gastos” ou de “outros gastos e perdas”. Aceitando-se esta distinção entre gastos e perdas, ela terá consequências. E, para o que aqui releva, a conclusão é a seguinte.

 A requerente é uma SGPS. Assim, a sua atividade normal é a aquisição, detenção e venda de participações sociais. A detenção de títulos (ações) de certas entidades, cotados num mercado regulamentado, e nos quais se verificam alterações do preço de mercado (traduzidas contabilisticamente por aumentos ou reduções de justo valor) não constitui um fenómeno periférico, lateral ou fortuito da sua atividade. As ditas alterações (para mais ou para menos) de justo valor nesses instrumentos de capital próprio são factos patrimoniais regulares que emergem da sua atividade tal como definida na lei.

Com efeito, o Decreto-Lei 495/88, de 30 de dezembro, atribui às SGPS o objetivo do exercício da gestão de participações sociais noutras entidades como forma indireta de atividade económica. No artigo 1º, n.º 2, de tal diploma consta uma participação de 10% para que tal se verifique. Todavia, resulta do artigo 1º, n.º 4, e do artigo 3º, n.º 3, do mesmo diploma que se permite a deteção de participações menores no contexto da atividade de gestão de participações. Ou seja, a detenção e gestão de participações menores do que 10% é, também, objetivo consagrado na Lei como atividade regular das SGPS.

Mal se entenderia que assim não fosse. Na verdade, especialmente em sociedades cotadas, uma participação de, por exemplo, 4% - ou de 8% - pode significar, para uma SGPS, um investimento muito mais avultado, e até uma atuação estratégica mais vincada, relativamente a uma outra participação de, por exemplo, 30% numa sociedade não cotada.

As diligências e o grau de profundidade da SGPS na gestão das primeiras, pelos montantes envolvidos e, eventualmente, também pela sua relevância estratégica, pode superar em muito o grau de empenhamento na gestão de uma maior participação percentual de capital mas que seja detida numa pequena sociedade não cotada.

Em suma, o facto de, no caso concreto, se estar perante participações (em que se verificaram reduções de justo valor) menores do que 10% não diminui, no entender do tribunal, a centralidade das tarefas de gestão da A... SGPS e do interesse financeiro da gestão das ditas participações.

Ainda no caso concreto, e confrontando os quadros das páginas 5 e 9 do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), as perdas observadas em participações como, por exemplo, no B... (inferior a 5%, pois que se incluem no lote das que aqui se discutem) com a percentagem de participação de 20% na C..., Lda, é plausível a conclusão de que a relevância financeira da primeira superaria a da segunda.

Também no presente processo, atentando no anexo 1 do RIT, onde constam os valores dos ativos financeiros, e se procedermos ao confronto de tais quantias escrituradas com as perdas de justo valor (embora se esteja a confrontar uma variável stock com uma variável fluxo) se fica ainda assim com a nítida perceção de que as participações inferiores a 5% têm um relevo financeiro na Requerente que está longe de marginal.

Regressemos pois ao elemento literal, um dos temas aqui a dilucidar. Embora, como adiante veremos, a análise da literalidade deva ser complementada, numa visão abrangente e sistemática, com a teleologia do preceito e as implicações da interpretação da AT sobre os princípios gerais da tributação do rendimento societário, as imprecisões literais resultantes da desconexão entre os artigos 18º e 23º do CIRC serão clarificadas se atender ao facto de que a requerente registou factos patrimoniais emergentes da sua atividade normal.

Não se trata pois de fenómenos que o SNC ou a doutrina contabilística nacional e estrangeira qualifiquem, em regra, como perdas. Trata-se, antes, de gastos, o que os afasta da alçada do artigo 45º, n.º 3. Não por qualquer ligação ao que então se dispunha no artigo 23º, n.º 1, alínea i), mas pela análise contabilístico-doutrinal do conceito de perda e do seu cruzamento com a situação concreta dos autos.

É o normativo contabilístico (importado pelo CIRC) que determina que esses ativos financeiros sejam sistematicamente valorizados em função de oscilações do preço de mercado. Ora, numa SGPS, a gestão dos ativos financeiros contabilizados a justo valor faz parte da sua atividade normal, prevista na lei. Se o paradigma contabilístico vem caminhando para a adoção do justo valor num largo espectro de ativos financeiros, não se pode vir depois argumentar que o impacto de tal paradigma, transpondo para resultados os aumentos ou diminuições de valor configura um fenómeno extraordinário face à atividade global de uma SGPS, e por isso gerador de perdas ou ganhos.

Mas há ainda que discutir uma outra questão: o facto de a conta 66 do SNC qualificar de perdas as reduções de justo valor, não leva automaticamente tais reduções de justo valor para alçada do artigo 45, n.º 3, face ao disposto no artigo 17º do CIRC? Não julgamos assim.

Se se defende, como o faz a AT nos autos, que o artigo 23º, ao qualificar de gastos as reduções de justo valor, não as afasta ainda assim do artigo 45º, n.º 3, por que o artigo 23º conteria uma imprecisão terminológica irrelevante para o caso; então também se não pode argumentar que a conta 66 do SNC, epigrafada “perdas” determinaria inexoravelmente a sujeição das reduções de justo valor aqui em questão ao limite do artigo 45º, n.º 3. É que, no entender do tribunal, também o SNC sofre de imprecisões terminológicas.

Um exemplo, só no domínio do justo valor, bastará para o mostrar. Admita-se que uma certa empresa se dedica unicamente à criação e venda de animais. Em face da NCRF n.º 17- Agricultura, caso exista um mercado onde se transacionem esses animais, os incrementos e reduções de valor são reconhecidos em resultados. Ora a conta 66 só parece deixar lugar a que estes fenómenos (sendo reduções) se qualifiquem como perdas. Não cremos que o sejam. São gastos, porque resultam de decréscimos de valor nos ativos que constituem a atividade regular ou central (por hipótese, única) da dita empresa. Que haveria então a fazer? Aquilo que, por exemplo, a Comissão de Normalização Contabilística (CNC) recomenda relativamente à criação de subcontas quando certas realidades económicas não são apreendidas pelas contas existentes no SNC.[3]

 

Enfim, imprecisões terminológicas também se detetam no SNC, pelo que não se deve aceitar, sem mais, que a designação da conta “66- Perdas …” leve tais realidades, automaticamente, para a alçada da limitação prevista no artigo 45º n.º 3. Em suma, o tribunal não crê que o elemento literal dê razão à AT, embora também entenda que ele deva ser complementado com outros elementos interpretativos para se chegar à decisão.

 

2. O sentido das interpretações doutrinais

A AT convoca, entre outras, a posição de André A. Vasconcelos, que refere:

“Pela leitura deste preceito [n.º 3 do art. 42.º, atual art. 45.º], e dada a extensa abrangência do mesmo, somos levados a concluir que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os ativos financeiros ora em análise [aqueles a que se refere a aliena a) do n.º 9 do art.18.º do CIRC], apenas relevarão para efeitos fiscais em metade do seu valor.” [4]

Há que referir, todavia, que no texto do referido autor esse afirma (p. 202 e 203):

"Fica, no entanto, a dúvida de saber se, ao não alterar a redacção citada, o legislador fiscal o fez com base no argumento que esta havia sido introduzida antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 159/2009, tendo como propósito prevenir determinadas situações existentes à data, e que esta nova realidade registo de perdas pelo justo valor — se encontra excluída do alcance daquela norma, ou se, pelo contrário, o legislador fiscal não alterou aquela redacção por entender que a mesma respondia às necessidades de "(...) preservar os interesses e as perspetivas próprias da fiscalidade (...)" relacionadas com esta nova  realidade. Sendo este um caso em que a "manipulação" de resultados fiscais se encontra afastada, conforme atrás defendido, não seria de estranhar que valor tivesse sido intenção do legislador a aceitação fiscal dos resultados contabilísticos decorrentes da aplicação do método do justo valor para estes casos". 

Ora, lendo-se a globalidade o texto, o autor não revela, de facto, uma categórica posição em favor da aplicação do artigo 45º, n.º 3. Toma uma posição, mas subsistem-lhe dúvidas. E, da leitura que o tribunal efetuou das outras posições doutrinais, elas têm um ponto comum: aceitam que as variações de justo valor em questão sejam perdas, não discutindo se podem ser gastos.

E as dúvidas que são manifestadas por A. Vasconcelos têm que ver o facto de a natureza das perdas de justo valor em instrumentos financeiros cotados num mercado regulamentado ser estruturalmente bem diversa (nas suas razões determinantes) do tipo de perdas que presidiu à criação da norma original do artigo 45º, n.º 3. E isso conduz-nos ao próximo ponto dessa decisão: o elemento teleológico, que cremos ser um fator central adicional para se aceitar a tese da requerente.

 

3. O elemento teleológico

Há, sobre este ponto, duas teses em confronto: a que se colhe na decisão relativa aos processos 108/2103-T e 776/2014-T, e a que consta da decisão referente ao processo 25/2015-T, ambas já amplamente citadas.

Na primeira, salienta-se que a norma do anterior artigo 42.º/3 do CIRC, que precede o atual artigo 45.º/3 do mesmo, quer na sua redação primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se, face à motivação expressa pelo legislador, por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à consolidação orçamental das contas públicas.

Onde antes existia uma relevância tributária única, aquando da transação daqueles instrumentos, agora passamos a observar uma relevância tributária continuada. Face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a estes passam a relevar diretamente para a formação do lucro tributável (artigos 20.º/1/f) e 23.º/1/i) do CIRC) do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º/9 do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias (artigo 46.º/1/b) do CIRC). Neste quadro, cessariam de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um ato de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objetivamente fixada.

A segunda decisão não contesta que o disposto no n.º 3 do artigo 45º do CIRC foi previsto para situações em que as mais-valias eram apuradas no momento da realização, estando esse momento dependente da atuação voluntária do contribuinte, ao passo que, após adaptação ao SNC, os gastos apurados por aplicação do n.º 9 do artigo 18º do CIRC não estão condicionados à vontade do sujeito passivo já que o valor dos instrumentos financeiros é objetivamente determinado sem a intervenção daquele na formação do preço. Mas esta avaliação da situação não se imporia incondicionalmente porque, como se afirma nessa segunda decisão arbitral, a certeza e objetividade do valor encontrado no mercado, ainda que regulado, não é de todo imune a manipulações, como é comprovado por episódios de que a imprensa internacional tem feito eco. E o limite de 5% na detenção de participações previsto para consideração do justo valor, permite aplicação do preceito a elevados investimentos, com consequências imprevisíveis para as receitas fiscais, nomeadamente em período de crise financeira e bolsista.

E manter-se-iam situações, mesmo nos casos de aplicação de valores considerados objetivamente determinados no mercado, em que se aplica a solução de tratamento desigual dos resultados negativos e positivos previstos no artigo 45º, n.º 3, como seja o das situações de alienação em mercado regulamentado, em que as perdas se refletem no lucro tributável apenas no momento da realização, como nos casos de participação superior a 5% ou da opção pela não aplicação da NCRF 27.

Ora, no caso em apreço, e para este tribunal, mesmo que se admitam, em tese, as objeções que constam da decisão relativa ao processo 25/2015-T, é de salientar que a requerente detinha participações em sociedades cotadas relativamente ao preço das quais seria mais um price taker e não um price maker. Ou seja, com as percentagens de capital que detinha, dificilmente as variações de justo valor que contabilizou seriam determinadas por uma sua hipotética atuação manipulatória no mercado.

O tribunal entende que a posição de Tomás Tavares[5] defendendo que “ao justo valor negativo nunca subjaz uma motivação de evasão fiscal, por arbitrariedade valorimétrica, pela razão simples de que a tributação do fair value se cinge aos activos transaccionados em mercado organizado, onde a cotação do activo (valorização e desvalorização) se desenraíza, totalmente da vontade fiscal do contribuinte” é a que melhor retrata a realidade dos autos.

O mesmo autor, quando refere que “um hipotético tratamento assimétrico (…) cria, bem vistas as coisas, um regime fiscal mais injusto do que o modelo puro da realização, que é, por isso, flagrantemente inconstitucional, porque esta disparidade louva-se apenas na necessidade de preservação da receita – e não em quaisquer razões legitimadoras de base fiscal, económica ou jurídica” merece ainda a nossa adesão. Neste contexto, a perspetiva da constitucionalidade será por fim abordada.

 

4. A tributação deve assentar, fundamentalmente, no lucro real

O Acórdão 85/2010, de 16 de abril, do Tribunal Constitucional, é abundantemente citado nos autos, em especial pela AT. Vale, por isso, a pena transcrever a parte que aqui interessa (negrito nosso). De salientar que o TC apreciou apenas a primeira parte do artigo 45, n.º 3, e não a segunda parte, onde constam as perdas aqui em causa.

O TC “Decide não julgar inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 42.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na redacção da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, enquanto estabelece que a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor. (Proc. n.º 653/09)

7 - No que toca à questão da 'proibição de tributação por um rendimento presumido' é a própria letra do artigo 104.º, n.º 3, da CRP, que fornece uma resposta segura: 'a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

Como se afirmou no Acórdão 162/2004 «[...] o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, [...].

Por outro lado, a injunção constitucional da tributação segundo o rendimento real não pode deixar de atender, necessariamente, aos princípios da praticabilidade e de operacionalidade do sistema, pelo que não pode deixar de se lhes reconhecer natureza constitucional, sob pena dos arquétipos legalmente construídos não conseguirem realizar, com a aproximação possível, o princípio da universalidade e da igualdade no  pagamento dos impostos.

Um sistema inexequível ou um sistema que não permita o controlo dos rendimentos e da evasão fiscal, na medida aproximada à realidade existente, conduz em linha recta à distorção, na prática, do princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real.

São estas as dificuldades que explicam que a Constituição se tenha limitado a prever que a imposição fiscal deve incidir fundamentalmente sobre o rendimento real, não excluindo com tal disposição o recurso a outras formas fiscais estranhas ao mito do apuramento declarativo-contabilístico do rendimento real.”

Ora, em que sustenta o TC a constitucionalidade da primeira parte da norma do artigo 45º n.º 3 (então artigo 42, n º 3)?

Nos princípios da praticabilidade e de operacionalidade do sistema e de velar para que o sistema fiscal permita o controlo dos rendimentos e da evasão fiscal, na medida aproximada à realidade existente; porque se assim não fosse tal conduziria em linha reta à distorção, na prática, do princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real.

Ora vejamos. Traduz-se a aceitação das reduções de justo valor em 100% numa ofensa à praticabilidade ou à operacionalidade? Para mais, quando tais perdas decorrem da redução de um preço de mercado, lateral à vontade do contribuinte, como no caso em apreço? Julga-se que não.

Mais. Como se referiu no texto do acórdão 148-T-2013, do CAAD, e se mostra bem no quadro constante da decisão do processo 108/2013-T, atrás transcrito, se alguma interpretação restritiva o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC merece é certamente neste particular. O contribuinte que é tributado apenas pelo aumento ou diminuição de justo valor de investimento financeiro numa participada em que possui uma participação inferior a 5% do respetivo capital, com base numa valorização de mercado cujo controlo lhe escapa e que não pode abusivamente influenciar, nem quanto ao montante, nem quanto ao timing, deverá estar sujeito a um regime simétrico de tributação dos aumentos e diminuições de valor.

Se a assimetria introduzida pelo artigo 45.º, n.º 3, do CIRC fosse aplicada ao mero aumento ou diminuição de justo valor de uma participada chegaríamos a resultados flagrantemente inconsistentes, por violação da tributação do lucro real.

Tal pode ser facilmente ilustrado com base no seguinte exemplo: imagine-se um caso em que existe, no ano X, uma aquisição ao justo valor de 100 de uma participação de 1% numa sociedade cotada em bolsa, no ano X+1 verifica-se uma diminuição do respectivo justo valor para 50.

No ano X+2 uma dá-se recuperação e aumento da cotação para o primitivo justo valor de 100. O contribuinte regozijar-se-á com a recuperação da cotação para um valor equivalente ao da aquisição, mas apenas se não lhe imputarem uma perda de 50% de 50 (ou seja, 25) no ano X+1 e um ganho de 50 no ano X+2, pagando efetivamente imposto quando o preço do ativo se ainda mantém no valor de aquisição (100).

Se entre o momento da aquisição de um ativo financeiro - com preço formado independentemente da vontade do contribuinte – e o momento da alienação, existirem variações de justo valor que, globalmente, são nulas, mas existir tributação – por via da eventual indedutibilidade de metade das perdas e da total tributação dos ganhos – chega-se a uma situação na qual, sem qualquer variação patrimonial líquida, existe tributação.  Isto viola frontalmente a regra essencial da tributação do rendimento societário, que consta da lei desde a génese do CIRC, em 1988.

É nossa posição que, persistindo dúvidas sobre o tema dos autos, o advérbio “fundamentalmente”, constante do artigo 104, n.º 3, da CRP, não deve ser levado tão longe que permita tributar, por via da aplicação do justo valor, variações nulas de património líquido, que é onde pode conduzir a interpretação da AT.

E certamente que, em 2003, não eram os aumentos ou diminuições do justo valor que motivaram o legislador à emissão do artigo 45.º, n.º 3, longe que estava ainda a consagração fiscal daquele conceito, apenas operada com a aprovação do Sistema de Normalização Contabilística pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, e com a revisão do CIRC operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, da mesma data.

A referência da AT ao setor bancário e segurador não se afigura de molde a validar, com exemplos setoriais com traços muito próprios, uma extensão à globalidade dos casos, em face do que em 2010 – no SNC e no CIRC - se verificou com a introdução de um novo paradigma geral relativo ao impacto contabilístico-fiscal do justo valor.

O carácter singularmente gravoso do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, tem sido também suscitado por diversa doutrina[6]. Casalta Nabais sublinha que: “Quanto à restrição à dedução de gastos fiscais de efectivos gastos económicos e contabilísticos, esta apresenta-se sobretudo nos arts. 23°, 34° e 45° do Código do IRC, cuja evolução nos dá conta sobretudo da crescente desconsideração fiscal das menos-valias realizadas. Com efeito, estas depois de serem considerados, por via de regra, gastos nos termos da al. 1) do n° 1 do art. 23°, algumas delas são excluídas dos gastos fiscais, segundo os n°s 3, 4 e 5 desse artigo. Destaque merece aqui a exclusão constante do referido n° 5, segundo o qual não são aceites como gastos do período de tributação, os suportados, nomeadamente, com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n° 4 do artigo 63°, não se aplicando assim a tais menos-valias o regime dos preços de transferência contemplado neste artigo.

Todavia, a exclusão da consideração fiscal das menos-valias realizadas, que nos suscita maior crítica, é a estabelecida no n° 3 do art. 45°, em que se prescreve «[a] diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

Pois, embora possamos ver aí uma solução simétrica da do art. 48°, que permite a consideração fiscal por metade do saldo positivo das mais-valias e menos-valias, no caso do reinvestimento da totalidade dos correspondentes activos, o certo é que esta solução, para além de estar dependente da decisão de reinvestimento da empresa, se apresenta como a da concessão de um benefício fiscal à promoção do investimento mediante o autofinanciamento. Mais especificamente, estamos perante um verdadeiro incentivo ou estímulo fiscal ao investimento que tem um indiscutível alcance geral de beneficiação do autofinanciamento das empresas, o qual, obviamente, não tem a mesma lógica da referida desconsideração fiscal de gastos.

Naturalmente que não se põe em causa o poder de o legislador fiscal excluir dos gastos fiscais certos gastos económicos e contabilísticos, como são as menos-valias realizadas com a alienação de partes sociais ou outras variações patrimoniais negativas do capital próprio das sociedades, quando a realização dessas menos-valias é levada a cabo em circunstâncias de tempo, lugar ou modo que, em abstracto, apresentem elevado risco de as empresas adoptarem puras práticas de «gestão de resultados» (earning management). Em tais situações impõe-se mesmo que o legislador prescreva a desconsideração fiscal dessas menos-valias, sob pena de deixar à rédea solta à realização das mesmas com o único ou principal intuito de engendrar puros gastos fiscais, pois decorre dos princípios constitucionais ser incumbência do legislador fiscal prevenir e reprimir o planeamento fiscal abusivo'''.

Mas é óbvio que a norma em referência não apresenta essa configuração. É que a sua formulação tão genérica e abrangente não se reporta a quaisquer situações que, em abstracto, sejam susceptíveis de comportar risco de planeamento fiscal abusivo. Pois essa norma abarca também as situações de desenvolvimento normal da actividade das empresas, segundo um estrito business purpose, baseando-se, portanto, em actos absolutamente normais de gestão, em que estas, todavia, apuram menos-valias realizadas com a alienação de partes sociais ou outras variações patrimoniais negativas do seu capital próprio[7].

O tribunal comunga desta perspetiva, em face da qual a segunda parte da norma em apreço (artigo 45º, n.º 3) contém disposições que vão frontalmente contra a tributação do lucro real, e que não foram sanadas pelo Acórdão do TC que atrás citámos, que as não analisou. Tal Acórdão apenas apreciou a primeira parte da norma e a declarou constitucional com um fundamento essencialmente anti evasivo. Essa hipotética propensão para a evasão poderia dar-se na medida em que a realização de menos-valias estava dependente de atos do contribuinte, o que não quadra com as reduções de justo valor em causa nos autos.

Face a tudo que antecede, tendo em conta a teleologia que descortinamos no preceito, as questões de literalidade e ainda sua inserção na sistemática da tributação societária, o tribunal considera procedente, também neste segmento, o pedido da Requerente.

 

D - DECISÃO

 

Nos termos e pelas razões expostas, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRC apreciado.

 

E – VALOR DO PROCESSO

                                            

Nos termos do n.º 2 do artigo 315 do CPC, n.º 1, alínea a) do artigo 97º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se ao processo o valor de EUR 2.160.789,73.

 

F – CUSTAS

 

De acordo com o n.º 4 do artigo 22º do RJAT, e conforme a Tabela I anexa ao RCPAT, fixam-se as custas em EUR 28.152,00, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 17 de Junho de 2016

 

 

Os Árbitros

 

 

(José Baeta de Queiroz)

 

 

 

(Luís M. S. Oliveira)

 

 

 

(António Martins)

 

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131 n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º n.º 1 alínea e) do RJAT).

 

 

 



[1]J. Braz Machado, Contabilidade Financeira, Lisboa, Ed. Portocontas, 1998, p. 1188

[2]R. Libby, P. Libby and D. Short, Financial Accounting, N. York, McGraw-Hill, 2009, p. 108-109

[3]No sitio eletrónico da CNC (http://www.cnc.min-financas.pt/_siteantigo/0_new_site/FAQs/sitecnc_faqs.htm) consta o seguinte excerto (subl. Nosso): “Pergunta 10:
Em que rubricas do código de contas do SNC deverão ser registadas as diferenças de câmbio?

·  Resposta (em 24FEV2010): - A Portaria n.º 1011/2009, de 9 de Setembro, contempla a existência de duas contas para o registo das diferenças de câmbio:

                692 – Diferenças de câmbio desfavoráveis

                6921 - Relativas a financiamentos obtidos

                …

                6928 - Outros

                786 – Rendimentos e ganhos nos restantes ativos financeiros

                7861 – Diferenças de câmbio favoráveis

                Daqui parece poder indiciar-se que a segunda se reporta às diferenças de câmbio favoráveis associadas a itens relativos às atividades de investimento da entidade e que a primeira respeita às diferenças de câmbio desfavoráveis associadas às atividades de financiamento. Não considerou o legislador a previsão de contas relativas às diferenças de câmbio desfavoráveis associadas às atividades de investimento, nem às diferenças de câmbio favoráveis associadas às atividades de financiamento, nem qualquer conta respeitante às diferenças de câmbio (favoráveis e desfavoráveis) associadas a itens relativos às atividades operacionais.

                Tendo sido detectada a lacuna acima referida e mostrando-se necessário clarificar o modo de a superar, entende a CNC que, para registo daquelas operações, podem ser criadas as seguintes contas:

                Para a atividade de investimento

        6863 – Diferenças de câmbio desfavoráveis Para a atividade operacional

              6887 – Diferenças de câmbio desfavoráveis

              7887 – Diferenças de cambo favoráveis

        Para a atividade de financiamento

              793 – Diferenças de câmbio favoráveis

[4]O justo valor e o Código do IRC”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, 2011, Ano 3, Número 4, inverno, página 202. 

[5] Tomás de Castro Tavares, Justo Valor e tributação das mais-valias de acções de sociedade cotadas: a propósito da interpretação do art. 18.º, N.º 9, Al. a), do CIRC, Estudos em memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, Volume IV, pág. 1143.

[6] O carácter inconstitucional de disposições semelhantes ao artigo 42.º, n.º 3, do CIRC (constantes do artigo 23.º do mesmo Código), em virtude da violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, igualdade fiscal, proporcionalidade, estado de direito democrático, segurança jurídica, propriedade privada e liberdade de gestão fiscal foi sustentado por Canotilho, Gomes, “Cláusulas de Rigor e Direito Constitucional” in Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3971, Novembro-Dezembro de 2011, pp. 70-91.

[7] Nabais, José Casalta, Introdução ao Direito Fiscal da Empresas, Almedina, Coimbra, 2013, pp. 150-151.