Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 670/2015-T
Data da decisão: 2016-07-11  IRC  
Valor do pedido: € 148.406,33
Tema: IRC – Competência do Tribunal Arbitral; pedido de revisão oficiosa; dedução das tributações autónomas ao pagamento especial por conta
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Requerente: A…, S.A.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

           

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros José Baeta de Queiroz (árbitro presidente), José Ramos Alexandre e Luísa Anacoreta, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

No dia 14 de julho de 2015, a contribuinte A…, S.A., com o NIPC … (doravante "Requerente"), com sede social na…, … …-… Coimbra, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT", que atualmente vigora com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida").

Em tal pedido, a Requerente solicita a pronúncia arbitral sobre (i) a legalidade do indeferimento de um pedido de revisão oficiosa relativo à autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2011 e, bem assim, (ii) a ilegalidade no que respeita a um montante de € 148.406 relativo a IRC autoliquidado respeitante a esse exercício.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 13 de novembro de 2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação de tal encargo no prazo aplicável.

Em 30 de Dezembro de 2015, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo arguido qualquer impedimento.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 15 de Janeiro de 2016, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do decreto-lei nº 10/20111, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo art.º 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

O ato objeto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral é o indeferimento do pedido de revisão oficiosa contra o ato de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2011, na medida correspondente à não dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efetuado em sede de IRC.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que suscitou a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral.

Em 14 de Março de 2016, realizou-se uma reunião do tribunal Arbitral com a presença de todos os árbitros e de representantes da Requerente e da Requerida.

Na reunião supra referida, as partes acordaram na realização de alegações escritas, com a Requerente a pronunciar-se sobre a matéria de exceção em sede de alegações.

Foi fixado o dia 15 de Julho de 2016 como prazo limite para a prolação da Decisão Arbitral.

A Requerente apresentou alegações escritas em 23 de Março de 2016.

A Requerida apresentou alegações escritas em 12 de Abril de 2016.

 

II- SANEAMENTO

 

·         O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

·         As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artº.s 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artº. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), designadamente no que concerne à legitimidade da Requerente (que não é questionada), ela advém de ser titular de um interesse legalmente protegido já que a sua esfera jurídica pode ser diretamente afetada pelo que se decidir no presente processo, situação em que a legitimidade é assegurada pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

·         O processo não enferma de nulidades mas a AT vem defender-se, primeiramente por exceção, e depois por impugnação.

As exceções dilatórias obstam a que o tribunal possa conhecer do mérito da causa e tendo a sua apreciação caráter oficioso e prioritário, importa, desde já, apreciar a exceção dilatória de incompetência do tribunal invocada pela Requerida AT.

A AT alega, nesta matéria, o seguinte:

1.      O pedido de pronúncia arbitral sub judice tem por objeto imediato a decisão de indeferimento da revisão oficiosa e por objeto mediato o ato de autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, relativo ao exercício de 2011.

2.      Ora, atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03, verifica-se a exceção de incompetência material do presente Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido supra.

3.      Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT determina-se que competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

4.      Dispõe-se no artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011 que a vinculação da AT à jurisdição referida tem por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, «com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» (sublinhado nosso).

5.      Da factualidade resulta que, na situação sub judice atenta, sempre se impunha a precedência obrigatória de reclamação graciosa nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT. Isso, ainda que, sem prejuízo de, como se concluiu na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa sub judice, ser ainda, abstratamente, possível suscitar a ilegalidade dos atos de autoliquidação nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 78.º da LGT.

6.      O artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, «(…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação (…) que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT.», aí não se referindo a revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT.

7.      Ou seja, da redação conferida ao citado preceito legal constata-se que o legislador optou por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, tenham sido precedidas, obrigatoriamente, da reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do CPPT.

8.      Aliás, se assim não fosse, bastaria que o legislador houvesse reduzido a exclusão prevista no artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 à expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa», nada mais distinguindo.

9.      O que não sucedeu, existindo a referência expressa de prévio recurso à via administrativa nos termos, in casu, do artigo 131.º do CPPT, ou seja, mediante apresentação de reclamação graciosa necessária, independentemente dos seus fundamentos.

10.  Mas se, hipoteticamente, sem justificação, se pretende incluir na autorização concedida o procedimento administrativo de revisão oficiosa, tal formulação afigura-se manifestamente ilegal por duas ordens de razão. 

11.  Em primeiro lugar, decorre tal interpretação do elemento literal ínsito na norma legal em questão, conforme supra se aludiu, sendo que, para o efeito, se estabelece no artigo 11.º, n.º 1 da LGT que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

12.  Dos elementos interpretativos referidos, não se alcança outra solução interpretativa para a situação sub judice de que a AT apenas se vinculou, nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade de ato de autoliquidação tiver sido precedido de recurso à via administrativa de reclamação graciosa.

13.  E quando se refere ao recurso à via administrativa de reclamação graciosa, quer-se apenas referir ao meios previstos nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, atentos ao elemento literal e, por conseguinte, inelutável, do artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011.

14.  Pelo que, daqui resulta que a letra da lei não pode ser afastada, sendo a principal referência e ponto de partida do intérprete.

15.  Efetivamente, atenta a natureza voluntária e convencional da arbitragem (aqui entendida no seu sentido lato, uma vez que a competência material dos tribunais da arbitragem resulta de regulamentação de natureza pública efetuada no RJAT), nos termos supra explanados, o intérprete não pode ampliar o objeto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT à jurisdição arbitral. Neste sentido, veja-se o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 51/2012-T.

16.  Em suma, atento o exposto, conclui-se que por força do estatuído no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, e isso, independentemente desta ser obrigatória nos termos do citado preceito ou de o contribuinte ter optado (sibi imputet) pela revisão oficiosa.

17.  Em segundo lugar, o entendimento supra pugnado, de que os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.

18.  Atenta a natureza voluntária e convencional da tutela arbitral, aqui entendida no seu sentido lato, uma vez que a competência material dos tribunais da arbitragem resulta de regulamentação de natureza pública efetuada no RJAT, o intérprete não pode amplificar o objeto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT àquela jurisdição.

19.  Isto porque, ao fixar-se nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1 do RJAT e no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, o legislador está a dispor sobre interesses gerais, delimitando previamente a defesa do interesse público na vertente da indisponibilidade dos créditos tributários.

20.  Efetivamente, a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, na qual vigora o princípio da irrevogabilidade das decisões, pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adotar o comportamento potencialmente adequado a procurar efetivá-la.

21.  Pelo que, salvo melhor opinião, é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, a interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigo 124.º, n.º 4, alínea h) da Lei n.º 3-B/2010 e artigo 25.º e 27.º do RJAT, que impõe uma restrição dos recursos da decisão arbitral].

22.  Em suma, deve pois entender-se que face aos citados princípios constitucionais e legais, a interpretação do disposto na Portaria n.º 112-A/2011 deve configurar-se literalmente, pois não é despiciendo que o legislador na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, ao ter completado a expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa» com a menção «nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», tenha delimitado intencionalmente a vinculação da AT a tais situações, face às razões expostas.

23.  A isto acresce ainda que a improcedência da exceção dilatória de incompetência material ora invocada, o que não se concede, sempre consubstanciaria uma violação ao princípio da igualdade da partes e dos meios de reação, porquanto permitiria que alguns contribuintes, num sentimento de desprezo ante o teor do artigo 131.º do CPPT, gozassem não de um prazo de dois anos – previsto, precisamente, para a reclamação graciosa necessária -, mas antes de um prazo máximo de quatro anos para impugnar os atos de liquidação.

24.  Assim, na sequência e em consequência de todo o exposto, conclui-se que o Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice, nos termos do artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a) ambos da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, nºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, o qual obsta ao conhecimento do pedido e a absolvição da instância da AT nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT

25.  Sob pena de, se assim não se entender, tal interpretação ser não só ilegal, mas manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.

 

A Requerente, por seu turno, em Alegações oportunamente produzidas, invoca a não verificação de qualquer exceção de conformidade, em resumo, com a seguinte fundamentação:

 

1.      Em primeiro lugar, afirma que a jurisprudência arbitral esmagadoramente maioritária tem sempre entendido não proceder esta exceção invocada pela AT;

2.      Em segundo lugar sublinha a ideia chave cuja correta apreensão pode ter importância no que se discute: não há uma convenção de arbitragem entre os contribuintes de um lado, e a AT do outro.

3.      Quer no que respeita à concreta Portaria e norma aqui em causa, quer no que respeita ao Decreto-Lei que a legitima, está-se perante normas legais aprovadas e emitidas unilateralmente por um órgão de direito público.

4.      Não é, pois, correto dizer-se, para o ponto de vista que aqui releva (o jurídico), que a arbitragem tributária tem “natureza voluntária e convencional”, ainda que depois se acrescente “em sentido lato”.

5.      A arbitragem tributária é apenas o que aparenta ser: um regime legal de resolução alternativa de conflitos no campo dos impostos, paralelo ao processo judicial tributário. E como regime legal que é está sujeito às mesmíssimas regras interpretativas a que estão sujeitas todas as leis e normas jurídicas em geral.

6.      Nem foi a AT que aderiu genérica e abstratamente à arbitragem tributária, preenchendo-se assim a condição suspensiva de que se fez depender a sua efetiva entrada em funcionamento: a Portaria que consubstanciou o preenchimento dessa condição é da responsabilidade dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da Justiça, órgãos que não se confundem com a AT (cfr. artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).

7.      Em sede de interpretação de normas jurídicas o legislador impede o intérprete de pura e simplesmente cingir-se à letra da lei e antes impõe que tenha em conta na reconstituição do pensamento legislativo (artigo 9.º do Código Civil):

8.      E mais, impõe a lei que o intérprete faça uso da presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.

9.      Faz sentido que o processo matriz, o judicial tributário, possa ser usado para discutir a legalidade de atos de liquidação e autoliquidação na sequência de indeferimentos de pedidos de revisão oficiosa, e o processo arbitral tributário, que tem por objetivo constituir opção ou alternativa ao processo matriz, não possa ser usado quando em sede de autoliquidações o procedimento administrativo prévio tenha sido de um tipo (pedido de revisão oficiosa) e não de outro (reclamação graciosa)?

10.  Do ponto de vista da unidade do sistema jurídico, da coerência e da presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (presunção de que o legislador tem reta intenção e é justo, por oposição a arbitrário), esta exclusão não faz qualquer sentido, não se apoia em qualquer fundamento racional, antes constituirá, a vingar, uma solução arbitrária ou,  se quiser, caprichosa.

11.  É incompatível com os objetivos supra referidos o entendimento de que em reação a um indeferimento de pedido de revisão oficiosa se possa recorrer aos tribunais administrativos e fiscais para que apreciem o ato de (auto)liquidação controvertido mas já não à arbitragem tributária. Especialmente (coerência do sistema) num contexto em que perante um acto administrativo de indeferimento de uma reclamação graciosa que discuta essa mesmíssima (auto)liquidação as duas vias estão reconhecidamente abertas.

12.  Acresce que em sede de Lei de autorização legislativa em matéria de arbitragem tributária se prescreve que o processo arbitral tributário “deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial” (cfr. o artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), desiderato que ficará parcialmente amputado se se der à alínea a) do artigo 2.º da Portaria (delegada) n.º 112A/2011, de 22 de Março, o sentido que a AT (que para ela olha como uma ilha isolada de tudo o resto) pretende.

13.  É de referir que acresce ainda que o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que fez uso da referida autorização legislativa, não distinguiu (cfr. o seu artigo 2.º e 10.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b)), em consonância com o espírito e a letra da lei de autorização legislativa, entre reação a atos administrativos de indeferimento em sede de procedimento de reclamação graciosa e em sede de procedimento de revisão oficiosa.

14.  Ambos podem desencadear o recurso à arbitragem, o que está alinhado com a prescrição de que a arbitragem seja um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial. E do ponto de vista da materialidade subjacente faz todo o sentido que assim seja: o que realmente se discute é a legalidade de um ato de (auto)liquidação que não deixa de ser o que é independentemente do procedimento administrativo (de apreciação do mesmo) prévio a que tenha sido sujeito.

15.  Donde que, perante este inequívoco apontar de toda a legislação relevante e de grau hierárquico (ou valor jurídico constitucional) superior ao da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, seja de concluir, fazendo prevalecer sobre a forma e a aparência, a materialidade subjacente e a inequívoca intenção do legislador (Assembleia da República e Governo) em sede de arbitragem tributária, no sentido de que o que a alínea a) do artigo 2.º da Portaria em referência pretende salvaguardar é que no caso de autoliquidações (liquidações em que por definição a AT não interveio, ao menos formalmente) seja dada à AT a oportunidade de apreciar as invocadas ilegalidades antes do recurso ao tribunal.

16.  Com efeito, também o processo judicial tributário prescreve como condição da impugnabilidade subsequente a existência de precedente reclamação graciosa contra os atos de autoliquidação.

17.  Quer isto significar que sendo usado o procedimento de revisão oficiosa fica prejudicada a impugnação judicial da autoliquidação? Se se usasse também aqui raciocínio como o da AT na interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112 A/2011, de 22 de Março, a resposta teria de ser afirmativa: ficaria prejudicada.

18.  Mas assim não é. E assim não é conforme o entendido esmagadoramente pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”): mesmo que o ato de autoliquidação tenha sido precedido de procedimento de revisão oficiosa, nem por isso fica prejudicada a sua impugnabilidade subsequente, sem que o teor da redação do artigo 131.º do CPPT, com expressa referência também apenas à (necessidade de) reclamação graciosa prévia, a tanto se oponha.

19.  E, nota-se, está em causa uma redação no artigo 131.º (n.º 1) do CPPT bem mais forte que a utilizada na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 2 de Março: “[e]m caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa (…)”. Em contraste, da leitura da norma em análise da Portaria o elemento que resulta central é a necessidade de recurso prévio à via administrativa, e não a reclamação graciosa.

20.  O facto de o CPPT só prever a reclamação graciosa prévia explicar-se-á pelo facto de se ver a si mesmo em sede de procedimento tributário e de processo judicial tributário como auto-suficiente e completo, donde referir-se ao procedimento de reclamação graciosa e não mencionar o procedimento de revisão oficiosa, previsto que está este último num outro diploma (cfr. artigo 78.º da Lei Geral Tributária – doravante “LGT”).

21.  Mas o aplicador da lei tem de ver e olhar a toda a lei, e a LGT também é lei, donde a jurisprudência esmagadora diga que : … não obstante o teor literal do artigo 131.º do CPPT, o ato de autoliquidação também pode ser discutido em sede de processo judicial tributário quando tenha sido precedido de pedido de revisão oficiosa (por oposição a reclamação graciosa), que é um outro procedimento administrativo, previsto noutro diploma (a LGT), que permite igualmente satisfazer a condição da apreciação prévia da pretensão pela AT.

22.  A arbitragem tributária, designadamente a norma constante da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, seguiu, sem surpresa, o modelo de redação do CPPT, referindo-se apenas (por mera remissão para o CPPT) à reclamação graciosa.

23.  Ora, também esta norma do regime da arbitragem tributária não vive isolada. E aqui, para além da LGT e do procedimento de revisão oficiosa aí previsto, há que atender ainda ao Decreto-Lei e à Lei de autorização legislativa que precederam e enquadram a Portaria em análise.

24.  E também o resultado interpretativo não pode ser outro que não aquele a que chegou a jurisprudência a propósito da norma idêntica constante do artigo 131.º do CPPT (no que aqui releva, idêntica no sentido da previsão como condição da impugnabilidade subsequente, apenas da reclamação graciosa e mais nada): não obstante o teor da redação da norma da Portaria em análise, também o indeferimento de pedido de revisão oficiosa há-de permitir fazer uso do meio paralelo ao da impugnação judicial que é a arbitragem tributária.

25.  Dito de outro modo, não é possível, atentos todos os dados legais relevantes para esta questão, a que acresce a presunção legal de que o legislador consagrou a solução mais acertada, ler a alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, como pretendendo (como tendo por finalidade) afastar as autoliquidações precedidas de pedido de revisão oficiosa, do processo (paralelo ao processo judicial tributário) da arbitragem tributária.

Cumpre decidir

A AT tem vindo a levantar repetidas vezes a questão de que, na sua interpretação do art.º 2º do RJAT, o Tribunal Arbitral que funciona no CAAD não é competente para decidir nas situações em que o interessado sindique em sede arbitral a legalidade de uma autoliquidação (que é o que agora nos interessa) sem que antes tenha apresentado a reclamação graciosa referida no art.º 68º do CPPT, em face do que dispõe o art.º 131º do mesmo Código. Para tal socorre-se da sua leitura conjugada do art.º 2º e 4º do RJAT e alínea a) do art.º 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

Vejamos

 

O Tribunal Arbitral do CAAD tem competência (para o enquadramento do caso que aqui nos interessa-nos termos do art.º 2º, nº 1 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a diversa alterações entretanto introduzidas), para a apreciação das pretensões apresentadas que se reportem à apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

Porém a regra da competência acabada de enunciar está delimitada pelo art.º 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, (também para o que aqui nos interessa), que não incluiu nessa competência as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. A AT, considera, pois, que a via administrativa a que se referem os art.º 131º a 133º do CPPT é a unicamente a reclamação graciosa prevista no art.º 68º do mesmo CPPT, pelo que qualquer outro meio procedimental não servirá para preencher a condição prévia a que se refere o art.º 2º da citada Portaria 112-A/2011.

Esta posição já mereceu apreciação em diversas decisões tomadas no CAAD, nem sempre no mesmo sentido, mas, atualmente, parece estar a consolidar-se determinada orientação jurisprudencial que assenta numa interpretação mais abrangente daqueles normativos legais. Os arestos em sede arbitral seguem agora unanimemente as teses que mereceram vencimento, nomeadamente no Procº 117/2013-T (ver também os Procº 203/2015-T; 843-2015-T e 943/2015).

O que, primeiramente, está em causa é a competência ou não do tribunal arbitral para a apreciação imediata da legalidade do indeferimento de um pedido de revisão oficiosa apresentado nos termos do art.º 78º da LGT e, mediatamente, a legalidade da autoliquidação que lhe está subjacente, sendo certo que, no caso, concreto, se encontra provado nos autos que a Requerente não apresentou qualquer reclamação graciosa prévia à interposição do pedido arbitral. Porém, vem igualmente provado que a Requerente interpôs, antes, um pedido de revisão de conformidade com o que está previsto no art.º 78º da LGT e é da decisão tomada nesse recurso que solicita a respetiva declaração de ilegalidade.

“A revisão do ato tributário no âmbito da LGT, constitui um meio administrativo de correção de erros de atos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses atos, a deduzir nos prazos normais respetivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração (Ac do STA, de 12/07/2006 Pº 402/2006).

Seguindo as teses daquele Acórdão 117/2013-T, acompanhamos o entendimento de que “o ato de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa do ato tributário constitui um ato administrativo, à face da definição fornecida pelo art.º 120.º do CPA [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no art. 2.º, alínea d), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um ato em matéria tributária pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário.

Assim, aquele ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um «ato administrativo em matéria tributária».”

Nesse caso, a conclusão inevitável é admitir que o processo judicial tributário comporta a apreciação da legalidade dos atos administrativos em matéria tributária, nos termos que estão definidos no art.º 97º do CPPT, ou seja, “o processo judicial compreende:  … e) a impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação”. Porém, os atos administrativos em matéria tributária que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação não podem ser apreciados no processo de impugnação judicial, antes seguirão a via da ação administrativa especial prevista no art.º 46º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), salvo lei especial, como é óbvio.

É pacífico hoje em dia o entendimento (vide, entre muitos, o Acórdão do STA nº 194/2009, de 25/06/2009, nº 638/08, de 20-5-2003; nº 870/03, de 8-10-2003; nº 2012/03, de 15-10-2003; nº 1588/03, de 24-3-2004; nº 357/08, de 6-11-2008) de que o meio processual adequado para sindicar as decisões proferidas em sede de pedido de revisão formulado ao abrigo do citado art.º 78º da LGT, tendo em conta a definição de que se trata de um ato administrativo em matéria tributária, é a impugnação judicial ou a ação administrativa especial. Será a impugnação judicial se, conforme define a referida alínea do art.º 97º do CPPT, estiver em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação. Nos outros casos, a via adequada é a ação administrativa especial.

Porque tal jurisprudência merece a nossa concordância seguiremos de perto o argumentário utilizado na interpretação que julgamos mais adequada da lei.

O art.º 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não inclui no seu teor literal a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de atos de indeferimento originados em pedidos de revisão oficiosa de atos tributários, “ pois, na redação introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais».

Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do art.º 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de atos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, “deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objeto um ato de um dos tipos indicados naquele art.º 2.º do RJAT”.

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Portanto, a melhor leitura da alínea a) do n.º 1 do art.º. 2.º do RJAT é a de que se se permite ao tribunal arbitral apreciar a eventual ilegalidade da própria liquidação, essa competência abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do ato tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir. Na verdade, a via arbitral, na questão da apreciação de legalidade de atos tributários, terá o mesmo âmbito que está estabelecido para a via judicial, pelo que, sendo os tribunais competentes para a apreciação da legalidade de uma decisão de um pedido de revisão também o tribunal arbitral o será, por força do disposto no artº. 2º do RJAT, quando o pedido envolva a apreciação da legalidade do ato tributário.

Por outro lado, como fica demonstrado, a decisão proferida após pedido de revisão oficiosa é um ato administrativo em matéria tributária compreendido no citado artº. 2º do RJAT quando esteja em causa a apreciação da legalidade do ato tributário.

Mas será que esta definição é suficiente para afastar a restrição à regra geral da vinculação da AT constante na Portaria nº 110/A que não permite a apreciação de pedido que não seja precedido de reclamação graciosa?

Na sua resposta a AT admite a jurisprudência pacífica dos tribunais judiciais e do próprio CAAD que consideram que a revisão oficiosa prevista no art.º.78º da LGT é um ato administrativo em matéria tributária. Porém, a competência dos tribunais arbitrais não abrange as pretensões relativas a autoliquidação, sem que previamente o interessado tenha recorrido à via administrativa a qual, nos termos do art.º. 131º do CPPT, é interpretada como sendo unicamente a reclamação graciosa em sentido estrito. A permitir-se a equiparação ou inclusão da revisão oficiosa estaríamos perante uma interpretação constitucionalmente vedada, tendo em conta os “princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT”.

Em sentido diverso, também quanto a esta questão, acompanhamos as teses do Acórdão de 117/2013-T. A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação.

“… a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto». A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de atos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de atos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o ato, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de atos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os atos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos atos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Ora, casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação, é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adotadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa.

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de atos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

Neste contexto, e tendo presente a definição do STA no Ac nº 402/2006, de 12/7/2006, de que “A revisão do acto tributário tanto antes da vigência do CPT, como durante a sua vigência, como depois da LGT, constitui um meio administrativo de correção de erros de atos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses atos, a deduzir nos prazos normais respetivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração” e  que “ … o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação), não pode haver qualquer razão que possa justificar a impossibilidade de aceder à via arbitral a um contribuinte que tenha optado pela revisão do ato tributário em vez da reclamação graciosa.

Assegurando a revisão do ato tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de atos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adotada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas a adjetivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa”.

Com base nesta leitura da lei, não está em causa a suscitada inconstitucionalidade com base em errada interpretação literal que a AT fez daquela norma, pelo que o seu conhecimento fica prejudicado.

Do mesmo modo não há violação do princípio da igualdade das partes e dos meios de reação porque é a própria lei a conferir a todos os contribuintes a possibilidade de usarem um ou outro meio, em alternativa, para solicitarem a apreciação judicial ou arbitral da legalidade do ato tributário.

Nesta conformidade improcede a invocada exceção de incompetência do tribunal arbitral, pelo que decidir.

 

Resolvida que está a matéria de exceção, segue-se para a questão relacionada com a impugnação do ato tributário relativa à utilização de pagamentos especiais por conta para dedução a liquidações de IRC por tributação autónoma.

 

 

 

III - MATÉRIA DE FACTO

 

III .I - FACTOS PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

a)      Em 23 de novembro de 2012, a Requerente entregou declaração de rendimentos modelo 22, referente ao ano de 2011.

b)      Da referida declaração resultou o apuramento de um prejuízo fiscal relativo ao exercício de 2011 de € 3.780.104,97, devidamente inscrito no campo 301.

c)      Na referida declaração, foi inscrito no campo 359, destinado a retenções na fonte, o valor de € 32.417,25 e, no campo 365, destinado às tributações autónomas, o valor de € 150.828,19.

d)     Não havendo outros valores inscritos no Quadro 10 da dita declaração, resultou no campo 367 o valor de € 118 410,94 de IRC a pagar, correspondente ao valor das tributações autónomas, deduzido das retenções na fonte.

e)      Subsistem em 31 de dezembro de 2011 o montante de € 148 406,33 de pagamento especial por conta a deduzir à coleta de IRC, valor este que tem em conta pedido idêntico relativo ao exercício de 2010, de dedução de pagamento especial por conta a retenções na fonte efetuadas neste ano.

f)       A declaração modelo 22 do IRC e respetiva articulação com a programação do sistema informático da AT impede que se deduza à coleta relacionada com as taxas de tributação autónoma em IRC, inscrita no campo 365 do quadro 10 da declaração, os pagamentos especiais por conta ainda por deduzir à coleta de IRC, a começar pelos mais antigos.

g)      Em 11 de Fevereiro de 2015, a requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra o aludido ato de autoliquidação de IRC de 2011, pugnando pela aceitação da dedução do montante suportado a título de pagamento especial por conta em sede de IRC do montante de coleta apurado em sede de tributações autónomas.

h)      Sobre a dita revisão oficiosa recaiu projeto de indeferimento, proferido pelo Diretor de Serviços de IRC em 29 de Junho de 2015 negando o direito da Requerente a poder deduzir o montante do pagamento especial por conta à coleta produzida pelas tributações autónomas.

i)        Em 2 de Julho de 2015, a Requerente foi notificada para, querendo, no prazo de 15 dias exercer o respetivo direito de audição, de acordo com o disposto no artigo 60º, nº 1, al. b) da LGT.

j)        A requerente não exerceu direito de audição.

k)      Em 12 de Agosto de 2015 a Requerente foi notificada que, por despacho de 31 de Julho de 2015, foi indeferido o pedido de revisão oficiosa.

 

III.II - FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para considerar na decisão sobre o pedido arbitral.

III.III - MOTIVAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

A factualidade provada teve por base a análise crítica do processo administrativo e dos demais documentos juntos aos autos, cujas autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes, bem como as posições consensuais destas.

     

IV - MATÉRIA DE DIREITO

 

O pedido da Requerente

Pretende a Requerente que o Tribunal declare “quer a ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, quer a ilegalidade parcial do ato de autoliquidação e que sejam consequentemente anulados –, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, mais concretamente no que concerne à parte do referido ato de autoliquidação que reflete a não dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta em sede de IRC efetuado, quer em 2011, quer nos exercícios de 2009 e 2010, o que originou um montante de imposto indevidamente liquidado no valor de € 148.406,33 relativamente ao exercício de 2011”.

Adicionalmente a requerente, por no seu entendimento ter pago imposto em montante superior ao legalmente devido, declarada que seja a ilegalidade da (auto)liquidação na parte peticionada, pretende que lhe seja feito o reembolso daquelas importâncias acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

Para tanto invoca em seu favor os seguintes fundamentos:

1.      A questão que se pretende ver esclarecida é se tem ou não a impugnante o direito de proceder à dedução, também à coleta de IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, dos referidos pagamentos especiais por conta.

2.      Ora, tendo em conta a esmagadora jurisprudência arbitral que hoje qualifica as tributações autónomas como IRC, a requerente absolutamente nada vê na lei que afaste o abate destes pagamentos especiais por conta também à parte da coleta de IRC produzida pelas tributações autónomas.

3.      Mas no ano de apresentação da declaração Modelo 22 aqui em causa o sistema informático da AT ainda não pensava assim.

4.      E em sede de pedido de revisão oficiosa a AT continuou a não pensar assim, contrariando parecer seu anterior sobre este assunto.

5.      A jurisprudência tem entendido, de modo praticamente unânime, que a coleta de IRC prevista no (em vigor até 2013) artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, compreende, sem necessidade de qualquer especificação adicional, a coleta das tributações autónomas em IRC, pelo que a coleta do IRC prevista no artigo 90.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), do CIRC, na redação em vigor em 2013 abrange também a coleta das tributações autónomas em IRC.

6.      Isto é, nas diversas decisões proferidas em sede de tribunal arbitral citadas pela Requerente, decidiu-se que os créditos fiscais que tenham sido reconhecidos em de SIFIDE podem ser deduzidos à coleta produzida pelas tributações autónomas que a oneraram nesse exercício fiscal, na parte em que não podem ser deduzidos à restante coleta do IRC.

7.      Como ponto adicional é de referir que ao contrário do que já se viu afirmado pela AT não há razão para concluir que o raciocínio e racional da decisão no processo n.º 769/2014-T só se aplicaria ao SIFIDE, e não também necessariamente a outros montantes dedutíveis à coleta do IRC.

8.      Com efeito, se é um facto que o próprio regime do SIFIDE a propósito da previsão do benefício fiscal de dedução à coleta do IRC menciona “o montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC”, é de perguntar se haverá diferença para o que aqui se discute pelo facto de a previsão normativa de dedução do PEC à coleta do IRC (cfr. o artigo 90.º, n.º 2, do CIRC) não se expressar desse mesmo modo. E a resposta é negativa.

9.      Com efeito, mesmo que a previsão de dedução à coleta do IRC se expresse em termos de “dedução à coleta do IRC”, por oposição a “dedução ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC”, o resultado prático final é o mesmo, porquanto o montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC outro não é senão o IRC.

10.  Donde, sendo entendido pelos tribunais que a tributação autónoma é IRC (e é porque o que se lhe aplica é o artigo 90.º do CIRC, dirigido exclusivamente ao IRC e a nenhum outro imposto), seja indiferente se a norma de benefício se refere ao que se apura em aplicação do artigo 90.º do CIRC (e portanto indireta, mas necessariamente, ao IRC), como é o caso do SIFIDE, ou diretamente ao IRC, como é o caso do PEC.

11.  Donde que a negação da dedução do PEC à coleta em IRC das tributações autónomas viole a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC (anteriormente a 2010, artigo 83.º; e desde 2014 passou a ser a alínea d) do referido n.º 2 do artigo 90.º do CIRC).

12.  Bem ou mal, tem sido sistematicamente decidido pelos tribunais tributários, no caso na modalidade de tribunais arbitrais, que as tributações autónomas são IRC, daí se retirando como consequência que se lhes aplicam normas dirigidas ao IRC como a referente à não consideração da coleta do IRC para o cômputo do lucro tributável em IRC (artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, em vigor até 2013).

13.  Na verdade a jurisprudência arbitral fundamentou a sua conclusão com a ideia – começando-se por fazer, provisoriamente, uma generalização por aproximação –, que se segue, na qual aliás se apoiou e apoia também a DSIRC: as tributações autónomas respeitantes, pelo menos, a encargos com viaturas, ajudas de custo e despesas de representação (as maioritariamente aqui em causa, são um substituto (ou complemento) da indedutibilidade dos custos em IRC, donde a natureza de IRC da coleta produzida por estas tributações autónomas.

14.  E é com base nesta conclusão, assim fundamentada, que a jurisprudência concluiu que por ser coleta de IRC a coleta produzida por estas tributações autónomas estava, por isso mesmo, sujeita ao regime previsto para a coleta do IRC na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC (na redação em vigor até 2013): indedutibilidade desta coleta na operação de cômputo do lucro tributável.

15.  Pela mesmíssima razão, pede a requerente que, coerentemente, se conclua que a coleta de IRC constituída por estas tributações autónomas esteja disponível, a par da restante coleta do IRC, na operação das deduções à coleta previstas no artigo 90.º do CIRC, entre as quais se encontra a dedução do PEC.

16.  Ainda assim, da jurisprudência citada pela requerente, em nenhum caso está expressamente tratada a questão da dedução do pagamento especial por conta na coleta das tributações autónomas.

 

Por impugnação, respondeu sumariamente a AT o seguinte ao pedido da Requerente:

1.      A integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspetos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, por força de obedecerem a regras diferentes.

2.      E isso, pois, num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria coletável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias coletáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC.

3.      Ou seja, ao contrário do que é afirmado no ponto 9 da declaração de voto de vencido anexa à Decisão Arbitral proferida no processo n.º 697/2014-T, não há uma liquidação única de IRC, mas, antes dois apuramentos;

4.      Isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efetuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respetivas matérias coletáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.

5.      Fica ao cuidado do intérprete e do aplicador da lei a tarefa de, perante a necessidade de, para determinados efeitos – nomeadamente das deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC ou do cálculo dos pagamentos por conta –, identificar a parte relevante de coleta do IRC, extraindo dos normativos aplicáveis um sentido útil, literalmente possível, que permita uma solução coerente e conforme com a natureza e funções atribuídas a cada componente do imposto.

6.      Atenta a natureza dos pagamentos por conta do imposto devido a final, de acordo com a definição do artº 33.º da LGT, estes são «as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efetuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário», constituindo uma «(…) forma de aproximação do momento da cobrança ao do da perceção do rendimento de modo a colmatar as situações em que essa aproximação não pode efetivar-se através das retenções na fonte”.

7.      Em boa lógica, só faz sentido concluir que a base de cálculo dos pagamentos por conta corresponda ao montante da coleta do IRC resultante da matéria coletável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo.

8.      A delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, “montante apurado nos termos do número anterior”, e no n.º 1 do art.º 105.º do CIRC, “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º”, deve ser feita de forma coerente, sendo-lhe consequentemente atribuído, em ambos os preceitos, um sentido unívoco.

9.      O que equivale a dizer que corresponde ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art.º 87.º à matéria coletável determinada com base no lucro e nas taxas do art.º 87.º do Código.

10.  A interpretação da expressão “montante apurado nos termos do número anterior” é a única consistente com a natureza das deduções referidas nas alíneas nas alíneas do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC, relativas a:

- créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica;

- benefícios fiscais;

- pagamento especial por conta;

- e retenções na fonte;

11.  Na realidade, faça-se notar que o traço comum a todas as realidades refletidas nas deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria coletável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.

12.  Por simples decorrência das considerações precedentes que conduziram à conclusão de que as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC são efetuadas ao “montante apurado nos termos do número anterior”, entendido como o montante do IRC apurado com base na matéria coletável determinada de acordo com as regras constantes do capítulo III e das taxas do art.º 87.º do mesmo Código e descendo ao caso concreto, é possível estender tal conclusão à dedução relativa aos pagamentos especiais por conta.

13.  Basta, para tanto, invocar o disposto o disposto no n.º 7 do mesmo preceito, segundo o qual «Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo».

14.  De todo o modo, é também possível alcançar a mesma conclusão se se atentar na natureza do pagamento especial por conta (PEC), definido como sendo um adiantamento entregue ao Estado por conta do imposto devido a final, que pode ser efetuado em duas prestações (art.º 106.º, n.º 1, CIRC) e cujo cálculo toma como ponto de partida o volume de negócios do sujeito passivo relativo ao período de tributação anterior (n.º 2).

15.  Embora o PEC se distinga, em matéria de regras de cálculo, dos pagamentos por conta – pois estes têm como base de cálculo o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, relativo ao período de tributação imediatamente anterior (n.º 5 do art.º 105.º CIRC) –, é de salientar que estes regimes têm em comum a natureza de pagamento adiantado do IRC;

16.  Isso, tanto mais que se pode afirmar que, em certas circunstâncias, até se auto-excluem, porquanto, ao montante resultante do cálculo do PEC, são deduzidos os pagamentos por conta efetuados no período de tributação anterior.

17.  A instituição do PEC, pelo Decreto-Lei n.º 44/98, de 03.03, que aditou o art.º 83.º-A ao Código do IRC, se inscreveu num conjunto de medidas de política fiscal dirigidas contra a evasão e a fraude fiscais, cuja motivação é explicada no Preâmbulo deste diploma, nos termos seguintes: «(…) As estatísticas mostram que os rendimentos das pessoas coletivas sujeitos a tributação em IRC são frequentemente, e sem qualquer razão plausível, objeto de uma coleta muito inferior à real. As práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou de empolamento de custos são manifestamente geradoras de graves distorções dos princípios da equidade e da justiça tributárias e da própria eficiência económica e lesivas da estabilidade das receitas fiscais. Delas resulta uma injusta repartição da carga tributária, tanto mais sentida quanto muitos sujeitos passivos de IRC, durante anos sucessivos, em nada ou quase nada contribuíram para o Orçamento do Estado, continuando, contudo, a usufruir, por vezes de modo privilegiado, dos direitos económicos e sociais previstos na Constituição. Neste contexto, o presente diploma estabelece um pagamento especial por conta, através de um novo mecanismo, sobre os rendimentos dos anos de 1998 e seguintes, para as pessoas coletivas sujeitas a IRC. A fórmula de cálculo usada para o seu apuramento e o mecanismo utilizado permitem aproximar o momento da produção dos rendimentos do momento da sua tributação.»

18.  Deste modo, e em jeito de conclusão, temos que a natureza jurídica do PEC, revelada pela sua configuração como «instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição a se» (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 494/2009, de 29/09/2009), bem como pela função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante do IRC apurado sobre a matéria coletável determinada com base no lucro (capítulo III do Código).

19.  Sendo, por isso, manifestamente destituída de qualquer base a pretensão da ora Requerente de dedução do montante suportado em sede de pagamento especial por conta à coleta produzida pelas tributações autónomas no ano de 2011.

 

Em resposta à AT, a Requerente alegou:

 

  1. São incontáveis as decisões arbitrais que afirmaram e reafirmaram que as tributações autónomas são IRC e, mais ainda, que por isso se lhes aplica não só o artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do IRC (na versão em vigor em 2012/13), mas também o artigo 90.º, entre outras normas dirigidas à liquidação do IRC.
  2. Aplica-se, pois, igualmente, à coleta das tributações autónomas aqui em causa, a norma dirigida à coleta do IRC constante da alínea c) (atual d)) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, por não se vislumbrar obstáculo a tanto na “sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis”.
  3. Quanto em especial ao PEC, se ele é IRC, se o PEC é adiantamento por conta do IRC, se está previsto o seu abate à coleta do IRC, e se a tributação autónoma é IRC, como é, o resultado da interpretação declarativa da lei, solidamente ancorada em abundantíssima e uníssona jurisprudência, é de que o PEC é dedutível à coleta do IRC gerada pela tributação autónoma. Contrariamente ao entendimento fixado na decisão arbitral proferida no processo (Tribunal singular) n.º 113/2015-T.
  4. Nada na letra da lei, absolutamente nada, o impede. E não há aqui eventual lacuna exposta pelo espírito do PEC, qual seja o do seu espírito anti abuso.
  5. Com efeito, a pressão do PEC para evitar a evasão fiscal declarativa cede perante e na medida em que haja coleta de IRC apurada. Isso é de lei: artigo 90.º, n.º 2, alínea c) – desde 2014, alínea d) – do CIRC. Assim sendo, por aqui (objetivo anti evasão fiscal do PEC) não se sai do ponto de partida da interpretação declarativa: sendo a tributação autónoma em IRC coleta de IRC, e comungando do objetivo, finalidade, espírito do IRC de assegurar a tributação do rendimento real (tributação substitutiva), conforme entendimento esmagador da jurisprudência, nada há que se oponha à aplicação a esta coleta da dedução do PEC.
  6. Também o carácter anti abuso da tributação autónoma não é motivo “no plano do espírito” para afastar a aplicação da interpretação declarativa que determina a dedução do PEC à coleta da tributação autónoma.
  7. Nem por isso, isto é, nem pelo facto do carácter anti abuso destas disposições fiscais, a coleta adicional de IRC imputável às mesmas deixa de ser o que é – coleta de IRC – para efeitos, também, de interação com o PEC. O PEC é, pois, hoje deduzido à coleta de IRC resultante da aplicação de normas anti abuso do próprio Código do IRC e, por isso, a coleta resultante do “combate a abusos” fiscais.
  8. Donde que também com recurso ao invocado espírito ou finalidade das tributações autónomas não se veja como, nem por que razão, haveria a coleta resultante das mesmas de ficar afastada das dedutibilidades previstas na lei para o IRC de que é parte integrante.
  9. A propósito de alguns pontos específicos da douta Resposta da AT é de acrescentar ainda o seguinte, conforme melhor desenvolvido supra:

i)     É irrelevante que a tributação autónoma em IRC e o IRC diretamente sobre o lucro se apurem de diferentes modos; aqui está em causa momento a jusante, em que as respetivas coletas primárias já estão apuradas; a este propósito veja-se ainda atrás, por exemplo, os acórdãos arbitrais nos processos n.ºs 769/2014-T e 219/2015-T, ou a declaração de voto de vencido do árbitro Professora Leonor Fernandes Ferreira, no processo n.º 697/2014-T: depois de aplicadas as respetivas taxas às respetivas matérias coletáveis (coleta primária), estas duas coletas do IRC convergem, designadamente para efeitos de aplicação dos artigos 89.º e ss do CIRC.

ii) É irrelevante o que tem sido ou deixado de ser a vivência prática. Não é pelo facto de a vivência ser esta ou aquela que a lei perde a sua autonomia e natureza de comando, para passar a ser uma realidade comandada, no caso por hábitos, refletidos ou irrefletidos. Acresce que, e muito embora não seja isso que aqui se discute, do ponto de vista conceptual e de texto legal, nada, sendo a tributação autónoma IRC, se opõe a que também esta grandeza (que constitui parcela cada vez maior do IRC) seja paga faseada e antecipadamente em prestações (pagamento por conta), ou que entre nos cálculos (enquanto IRC suportado) do artigo 92.º do CIRC.

iii) Neste caso concreto não está em causa a utilização de crédito de imposto por dupla tributação internacional pelo que é irrelevante o que a AT argumenta a esse respeito. Mas sempre se dirá que se as tributações autónomas são tidas pela AT e pela jurisprudência como IRC, designadamente por serem ainda tributação sobre o rendimento/lucro, na qualidade de substituto da proibição de dedução de certas despesas ao lucro tributável, é no mínimo apressado excluir esta parte da coleta do IRC da dedução à coleta por dupla tributação internacional, havendo maneiras de calcular eventuais conversões necessárias para o efeito.

iv) É irrelevante, uma vez que não está aqui em causa qualquer crédito fiscal ao investimento, mas de toda a forma sempre se dirá que como a AT bem sabe (basta ler, por exemplo, os regimes do CFEI, SIFIDE, RFAI, etc.), e ao contrário do que parece querer afirmar, não há apuramento separado de lucro imputável ao investimento que beneficiou de um incentivo fiscal sob a forma de crédito fiscal em IRC. Se o investimento correr mal mas a empresa gerar coleta de IRC sobre o rendimento por via de outros projetos, absolutamente nada impede a dedução a esta coleta do crédito fiscal obtido por via do investimento que não gera lucros.

v) Ou seja, não existe nenhuma indexação da utilização do crédito fiscal à rendibilidade do investimento: coleta de IRC de qualquer outra proveniência pode ser usada para abater o crédito de imposto. Sendo que na coleta de IRC se inclui a da tributação autónoma em IRC, conforme jurisprudência esmagadoramente dominante (nenhuma dúvida interpretativa subiste a este respeito) dos tribunais, e conforme entendimento da própria AT. Mais ainda, essa mesma jurisprudência afirma e reafirma que a tributação autónoma em IRC é também tributação sobre o rendimento/lucro: função de substituir coleta que seria gerada pela tributação sobre o rendimento/lucro, não fora a dedução de certas despesas.

vi) No caso concreto não está em causa uma sociedade fiscalmente transparente, pelo que são irrelevantes as considerações da AT em torno desse tema. Mas sempre se dirá que a regra de adaptação prevista no n.º 5 do artigo 90.º do CIRC só se aplica, conforme resulta do seu texto e da sua lógica, na medida em que se esteja perante a situação de imputação da matéria coletável das sociedades transparentes a terceiro (o sócio ou membro) ao abrigo do artigo 6.º do CIRC. Na medida em que se esteja perante IRC (no caso, o das tributações autónomas) em que não há tal imputação aos sócios, não há qualquer dissociação nem consequentemente se aplica a regra de adaptação que expressamente a pressupõe.

vii) Ou seja: ao IRC fora da transparência fiscal, como é o caso, sempre, das tributações autónomas (artigo 12.º do CIRC), não se aplica, por definição, a regra de adaptação pensada e prevista para o IRC (o sobre o lucro) travado, por substituído pela tributação de terceiro, pela transparência fiscal. Pretender o contrário é ilógico e desligado por completo do propósito e do pressuposto no n.º 5 do artigo 90.º do CIRC.

viii) Para que invoca a AT o n.º 7 (atual n.º 9) do artigo 90.º do CIRC (na numeração em 2011), se ninguém aqui pede que os créditos por PEC sejam usados para além das forças da coleta da tributação autónoma em IRC?

xi) No mais e como se analisou acima a propósito da decisão arbitral proferida no processo n.º 113/2015-T, o facto de o PEC ser pagamento por conta de IRC em nada obstaculiza o acerto de contas com a coleta de IRC gerada pela tributação autónoma. Pelo contrário, o facto de o PEC ser pagamento por conta de IRC, permite-o.

 

Da dedução do pagamento especial por conta ao valor liquidado de tributações autónomas

 

Recordando, ao que importa responder é: “é dedutível à coleta de tributações autónomas de IRC o valor de IRC adiantado a título de pagamento especial por conta?”

A questão é pertinente e nasce da já reconhecida linha condutora, que este tribunal arbitral segue também, de que o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, o IRC, inclui as tributações autónomas. Ora, se este imposto inclui as tributações autónomas, e se o pagamento especial por conta é IRC, que razão impede que este seja usado para abater ao montante de IRC liquidado autonomamente?

É consentâneo entre a AT, a Requerente e a jurisprudência arbitral, nomeadamente o Acórdão do CAAD 535/2015, que a liquidação de IRC resultante do artigo 90º inclui inequivocamente as tributações autónomas, desde logo porque se assim não fosse “não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei»”.

Nesta linha segue a AT defendendo que, ainda que se inclua no âmbito do artigo 90º a liquidação das tributações autónomas, deve-se considerar que tal liquidação corresponde a dois cálculos, sendo um deles o que decorre da aplicação da taxa normal de IRC ao rendimento gerado ao longo do exercício e que apenas à parte da coleta de IRC relativa a este cálculo é dedutível o pagamento especial por conta.

Por outro lado, a requerente defende que, ainda que existam dois cálculos de IRC, as duas coletas resultantes convergem para um só montante, e que não se encontra na lei qualquer impedimento de dedução do pagamento especial por conta a esse montante apurado.

E na verdade, não se encontra na lei tal impedimento. Mas, também se não encontra disposição que o preveja. Por esta razão se considera pertinente uma análise mais profunda à ratio legis de cada figura, a da tributação autónoma e a do pagamento especial por conta.

Conforme refere o Acórdão 113/2015 do CAAD, “(…) o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no artigo 83º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes. Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.”

Na linha deste raciocínio entende-se que, ainda que quer o pagamento especial por conta, quer as tributações autónomas, prossigam o mesmo objetivo de evasão fiscal, eles visam prevenir dois comportamentos distintos dos contribuintes: pelo primeiro previne-se a não declaração de rendimentos continuados que se presume que existam pois só assim se percebe a continuidade da atividade; já as segundas encontram justificação como medidas dissuasoras e compensatórias da transferência de rendimentos da esfera pessoal ou da consideração de despesas sem causa empresarial. E assim se entende que se defenda que, coexistindo ambos os comportamentos, tenham que coexistir também as duas figuras de combate à evasão: uma empresa que não declara rendimentos suporta pagamento especial por conta; uma empresa que sobrecarrega as despesas por forma a minimizar IRS (ou a diminuir/aumentar o seu lucro/prejuízo fiscal) suporta tributação autónoma; uma empresa que pratica ambos os comportamentos suporta pagamento especial por conta e tributação autónoma.

Daqui decorre que, olhar para o pagamento especial por conta como um mero adiantamento de IRC e que, por essa razão, pode ser abatido a qualquer IRC a pagar, seja o “normal” IRC decorrente do exercício de atividade, seja o “especial” IRC decorrente de tributação autónoma, parece ser inconsistente com o que justifica a própria sua existência.

E assim crê-se que, talvez por esta razão, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, tenha atribuído carácter interpretativo ao novo nº 21 do artigo 88º do Código do IRC, que dispõe:

“21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”

Não obstante o raciocínio já expresso, entende-se ainda relevante toda a argumentação proferida no já referido Acórdão do CAAD 535/2015 relativa à aceitação da atribuição de natureza interpretativa ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março. Na verdade, desse Acórdão resultam argumentos que poderiam levar a conclusões diferentes das que se aqui defendem, sendo lícito concluir que até à publicação da Lei n.º 7-A/2016 as dúvidas que se pusessem sobre a dedutibilidade do pagamento especial por conta às tributações autónomas tinham total cabimento dada a inexistência de resposta cabal na legislação em vigor até essa data.

Assim, a clarificação que se veio a concretizar com o disposto no recente nº 21 do artigo 88º do Código, veio permitir responder a uma questão totalmente pertinente, e a clarificação inequívoca da aceitabilidade do carácter interpretativo dessa norma, conforme suficientemente explanado no referido Acórdão, explanação essa com a qual o presente tribunal concorda, é de total importância.

 

V - DECISÃO

·         Considerando os elementos de facto e de direito coligidos e expostos, este tribunal arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral. Em consequência absolve-se a AT do pedido.

·         Atenta a decisão proferida fica prejudicada a apreciação dos pedidos de restituição do imposto pago e de juros indemnizatórios reclamados.

·         Condena-se a Requerente no pagamento das custas, que se apuram no local próprio.

 

 

 

VI - VALOR DO PROCESSO e CUSTAS

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €148 406,33.

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do R.J.A.T., fixa-se o montante das custas em € 3 060,00 (três mil e sessenta euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 11-07-2016

 

Os Árbitros

 

José Baeta de Queiroz (vencido, conforme voto adiante)

(Presidente)

 

 

José Ramos Alexandre

 

 

 

Luísa Anacoreta

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Voto de vencido:

 

Acompanho a decisão quanto à competência do Tribunal, mas não quanto à questão de fundo.

Concluiria ao invés, considerando procedente o pedido de pronúncia arbitral.

Sendo as tributações autónomas devidas a título de IRC, não se excluem do artigo 90º do CIRC, o qual nos diz quais as deduções a fazer à matéria colectável (resultante, também, das tributações autónomas), entre elas incluindo o pagamento especial por conta.

Quanto ao nº 21º do artigo 88º do CIRC acrescentado pela Lei do Orçamento de 2016 e declarado norma interpretativa pelo seu artigo 135º, não creio que tenha, verdadeiramente, natureza interpretativa.

Os fundamentos da discordância aqui brevemente resumidos podem ver-se, com mais desenvolvimento, no acórdão proferido em 28 de Junho de 2015 no processo 775/2015-T, do CAAD, que subscrevi.

      

 

 

José Baeta de Queiroz

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.