Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 592/2015-T
Data da decisão: 2016-07-08  IRS  
Valor do pedido: € 2.875,00
Tema: IRS – Competência do Tribunal Arbitral; revisão do ato tributário; deficiência fiscalmente relevante e atestado médico de incapacidade multiuso
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DECISÃO ARBITRAL

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.A…, contribuinte n.º…, residente na Rua…, n.º…, …-… …, doravante designado por Requerente, apresentou em 11/09/2015, pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita a anulação do acto de indeferimento do pedido de revisão do acto tributário de liquidação do IRS de 2011.

 

1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 05/11/2015 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos

 

1.3.No dia 24/11/2015 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 25/11/2015 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter o processo administrativo (PA).

 

1.5.Em 06/01/2016 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual invoca a incompetência material do tribunal, sustenta que o pedido deve ser julgado improcedente e juntou aos autos o PA.

 

1.6.Por despacho de 12/01/2016 foi o Requerente convidado a pronunciar-se quanto à excepção dilatória invocada pela Requerida e a indicar os factos do seu pedido de pronúncia arbitral sobre os quais pretendia produzir prova para que se averiguasse da sua pertinência.

 

1.7.O Requerente em 26/01/2016 pronunciou-se quanto à excepção dilatória e indicou a matéria de facto sobre a qual pretendia produzir prova.

 

 

1.8.O tribunal em 19/04/2016 indeferiu o pedido de produção de prova testemunhal do Requerente, atenta a sua inutilidade e decidiu  dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, concedeu prazo para que as partes, querendo, apresentassem as alegações finais escritas e designou prazo para proferir  a decisão arbitral.

 

1.9.O Requerente apresentou as suas alegações finais escritas no dia 16/05/2016, pugnando pela improcedência da excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral invocada pela Requerida e solicitando a anulação do acto de indeferimento do pedido de revisão.

 

1.10.        A Requerida juntou aos autos em 27/05/2016 as suas alegações finais, pugnando pela procedência da excepção dilatória e pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

1.11.        O tribunal, por despacho datado de 23/05/2016 e com os fundamentos nele descritos decidiu prorrogar por dois meses o prazo para proferir decisão arbitral.

 

 

2.      OBJECTO DOS AUTOS

 

O Requerente alega, em resumo, a seguinte matéria de facto: i) que lhe foi diagnosticado em 24/06/2011 um adenocarcinoma da próstata em estado avançado e com uma gravidade de grau 8 (4+4) na escala de Gleason, tendo iniciado bloqueio hormonal total; ii) que iniciou radioterapia externa tridimensional em Março de 2012; iii) que entre Agosto de 2012 e Outubro de 2012 foi, por diversas vezes, internado de urgência e que durante todo o ano de 2012 esteve algaliado e iv) que só obteve conhecimento que a patologia de que padecia podia ter relevância fiscal em meados de 2013.

Assim, em 01/06/2012 submeteu, por via electrónica, a declaração de rendimentos Modelo 3, respeitante ao ano de 2011, sem o comprovativo de incapacidade fiscalmente relevante que só veio a obter em 21 de Novembro de 2013.

Quanto à matéria de direito, começa por alegar que utilizou o meio adequado para defender a sua pretensão, porquanto, a revisão do acto tributário não constitui um meio excepcional de reacção às consequências do acto de liquidação, mas um meio impugnatório complementar aos administrativos e contenciosos.

Acrescenta que a AT incorreu em erro de facto e de direito quando, estando preenchidos os pressupostos para a aplicação da dedução constante do art. 87.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), a mesma não foi utilizada, indeferindo o pedido de revisão oficiosa do acto. Alega que se esse erro de facto e de direito se podia ter corrigido em reclamação graciosa ou impugnação judicial como a AT admite, também, por maioria de razão, o poderá ser em sede de pedido de revisão do acto tributário, visto que o mesmo pedido constitui um mecanismo complementar de anulação do acto tributário.

Neste âmbito, observa o Requerente que, se os serviços da AT chegaram a reconhecer no projecto de indeferimento e na decisão em crise que os pressupostos para a aplicação do regime vertido no art. 87.º do CIRS para o ano de 2011 estão preenchidos, mas não o aplicam porque entendem que não estamos perante uma reclamação graciosa, violam-se os princípios da igualdade e da justiça material, previstos no art. 5.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT) e no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Em segunda linha, alega o Requerente que a revisão do acto seria admissível com fundamento em injustiça grave ou notória, porquanto, a própria AT assim o admitiu no PA e, em segundo lugar, o erro não é imputável a comportamento negligente do Requerente, visto que o seu estado de saúde era bastante precário durante a totalidade do ano de 2012.

            Em terceiro lugar, o Requerente advoga que o pedido de revisão do acto tributário devia ser convolado em reclamação graciosa, porquanto, o atestado médico de incapacidade multiuso deve ser considerado um documento cuja obtenção só foi possível em 21/11/2013 e, consequentemente, ser corrigida a declaração de IRS do ano de 2011, considerando-se a dedução à colecta e 90 % do rendimento, conforme o art. 87.º do CIRS e o art. 98.º, n.º 2 da Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro dispõem.

Alega ainda o Requerente que, no que diz respeito à liquidação de IRS do ano de 2011, a posição da AT de que não seria possível aplicar a dedução à colecta constante do art. 87.º do CIRS, correspondente a quatro vezes o valor do SMN, mas considerar apenas o rendimento do Requerente em 90%, nos termos do art. 98.º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro consubstancia um erro nos pressupostos de direito. Refere ainda que o valor da sobretaxa deve ser recalculado, visto que, o art. 98.º, n.º 2 e 3 da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro determina, no caso concreto, a não consideração de € 2500 do seu rendimento bruto da categoria A, o que implica uma redução de igual valor do rendimento colectável de IRS que resulte do englobamento, nos termos do art. 22.º e a diminuição do valor a pagar a título de sobretaxa extraordinária.

Finaliza, solicitando o pagamento de juros indemnizatórios, visto que a demora na decisão do pedido de revisão do acto tributário e o seu indeferimento são claramente imputáveis à AT.

Por seu turno, a Requerida sustenta que o presente pedido de pronúncia arbitral tem por objecto o indeferimento do pedido de revisão oficiosa relativamente à liquidação de IRS do ano de 2011, onde não se encontra reflectida uma incapacidade permanente global de 60%. Invoca a excepção dilatória de inidoneidade do meio processual utilizado, visto que, no seu juízo, não foi apreciada a legalidade de qualquer acto tributário, porquanto a AT considerou que não se encontravam verificados os pressupostos processuais necessários à sua apreciação. Consequentemente, afirma que o que se discute na presente acção é se o pedido de revisão oficiosa devia ter sido admitido e se existia, ou não, o dever de convolação em reclamação graciosa. Termina no domínio de tal excepção dilatória afirmando que, se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa que não conheça a legalidade da liquidação não cabe no âmbito das matérias susceptíveis de impugnação judicial, também não pode ser apreciado no domínio arbitral, pelo que, o tribunal deve declarar-se materialmente incompetente.

            Subsidiariamente refere que não há qualquer erro imputável aos serviços, porquanto o atestado médico de incapacidade multiuso não é, para efeitos fiscais de direito à isenção, um documento superveniente, mas um documento constitutivo da isenção conferida pelo art. 16.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF). Nesta linha, sustenta que não se vislumbra como poderia a não indicação do grau de incapacidade na declaração de rendimentos ser imputável aos serviços da AT como uma falha, porquanto, a situação jurídica de deficiente, para efeitos de IRS, apenas surge quando se verifica o elemento constitutivo do seu processo de formação, que é o acto de avaliação que o atestado médico certifica e cujo conteúdo se desconhece até à sua obtenção pelo sujeito passivo.

            Por outro lado, sustenta que a possibilidade de requerer a revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória só é admissível quando o erro não seja imputável ao comportamento negligente do contribuinte e, no caso concreto, a seu ver, o sujeito passivo não fez prova que a obtenção tardia do atestado médico não se ficou a dever a culpa sua. Tal conclusão da Requerida alicerça-se também no facto do Requerente confessar que só em meados de 2013 é que teve conhecimento que podia obter benefícios fiscais em função da patologia de que padecia.

            Finalmente, quanto à convolação do pedido de revisão oficiosa em reclamação graciosa afirma que não basta alegar a superveniência do documento é também necessário comprovar a sua efectividade. Isto é, para tal finalidade há a necessidade de comprovar a diligência do interessado em obter o documento de que carecia, para fazer prova da situação alegada, o que, repete-se, a Requerida entende que não se verifica nestes autos.

 

3.      QUESTÃO PRÉVIA E SANEAMENTO

A Requerida invoca uma excepção dilatória, a incompetência material deste tribunal, porquanto, a seu ver, o pedido de revisão não aprecia a legalidade do acto de liquidação de IRS do ano de 2011.

Terá a requerida razão?

A este respeito sustenta JORGE LOPES DE SOUSA[1]: «…no que concerne aos actos proferidos em processo de revisão oficiosa ou de recurso hierárquico interposto de decisão de reclamação graciosa, a impugnação judicial só será o meio processual adequado quando o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade de um acto de liquidação. Se no acto praticado em processo desses tipos não se chegou a apreciar a legalidade do acto de liquidação, por haver qualquer obstáculo a tal conhecimento (como a intempestividade ou a ilegitimidade do requerente ou recorrente), o meio de impugnação adequado será a acção administrativa especial, como decorre do preceituado no n.º 2 deste art. 97.º, pois se tratará de um acto que não aprecia a legalidade de um acto de liquidação. Embora não seja usual a determinação do meio judicial adequado através do conteúdo do acto e não da sua natureza ou do procedimento administrativo ou tributário em que ele foi proferido, é claro que a alínea d) do n.º 1 e o n.º 2 deste art. 97.º fazem depender a opção pela impugnação ou pela acção administrativa especial (recurso contencioso) do conteúdo do acto e não de qualquer outro factor».

Ora, se é verdade que tais palavras respeitam à impugnação judicial, é legítimo perguntar se assim também o será a propósito do processo arbitral tributário? A esta questão respondemos inequivocamente que sim, visto que o legislador, na Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril autorizou o Governo a instituir a arbitragem no domínio dos impostos, sendo certo que o art. 124.º, n.º 2 de tal diploma referia que: «O processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial…».

Consequentemente há que verificar se na decisão de indeferimento do pedido de revisão, a AT apreciou a legalidade do acto de liquidação ou não.

Ora, no teor da decisão de indeferimento recortam-se os seguintes excertos: «Tendo a liquidação do IRS do ano de 2011, sido realizada em 2012-06-18 e notificada por carta simples de 2012-07-30, e não tendo havido até essa data qualquer alteração aos elementos inscritos na declaração de rendimentos, não é legítimo invocar erro de facto e de direito sobre a mesma, tendo por base um pressuposto que só posteriormente veio a ser invocado, e dessa forma fosse possível derrogar o requisito…»; e «…tendo o diagnóstico sido realizado em Junho de 2011, somente em 21 de Novembro de 2013 é que foi emitido o atestado de incapacidade, sem que se encontre comprovada a data em que o mesmo foi solicitado, não existindo limitações legais, como se referiu, para que a sua atribuição esteja condicionada a limitações de deslocação do interessado, pelo que é de manter a decisão de improceder o pedido ao abrigo do n.º 4 do art. 78.º da LGT».

Deste modo, dúvidas não existem de que a legalidade da liquidação de IRS do Requerente foi apreciada na decisão de indeferimento do pedido de revisão e, se assim o é, improcede a excepção dilatória de incompetência material.

Por tal somatório de razões, o processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. Factos que se consideram provados

4.1.1. No dia 24/06/2011 foi diagnosticado ao Requerente um adenocarcinoma extenso da próstata.

4.1.2. Tal carcinoma tinha a gravidade de 8 (4+4) na Escala de Gleason.

4.1.3. O Requerente iniciou bloqueio androgénico completo em Julho de 2011.

4.1.4. Complementarmente submeteu-se a radioterapia externa tridimensional no período compreendido entre 06/03/2012 a 07/05/2012.

4.1.5. De tal tratamento resultaram os seguintes efeitos secundários: i) diarreia; ii) dor abdominal; iii) febre e iv) desidratação.

4.1.6. O Requerente teve episódio de hematúria com coágulos, acompanhada de dor hipogástrica e lombar relatado em 07/05/2012 e em 04/09/2012.

4.1.7. Submeteu-se a exames clínicos, consultas e internamentos de urgência no período compreendido entre Julho a Novembro de 2012.

4.1.8. No ano 2012 o Requerente foi por diversas vezes algaliado.

4.1.9. Em 21/11/2013 foi emitido Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, no qual consta uma incapacidade de 60% e que está instalada desde 2011.

4.1.10. No dia 01/06/2012, o Requerente submeteu, electronicamente, a declaração de rendimentos Modelo 3, respeitante ao ano de 2011, sem a indicação da deficiência.

4.1.11. De tal declaração resultou uma colecta líquida de IRS, antes de retenções na fonte de € 17 451,41 e uma sobretaxa extraordinária no valor de € 1 224,36.

4.1.12. Consequentemente a liquidação n.º 2012… de 18/06/2012 apurou um valor a pagar de € 724,77.

4.1.13. O valor liquidado foi pago durante o prazo de pagamento voluntário.

4.1.14. O Requerente, em 19/12/2013 efectuou um pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS do ano de 2011 junto do Serviço de Finanças de…, peticionando que na declaração de rendimentos Modelo 3, referente ao período de 2011 fosse considerado o grau de incapacidade de 60%.

4.1.15. Por ofício datado de 27/04/2015 o Requerente foi notificado do projecto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

4.1.16. O Requerente em 15/05/2015 exerceu o direito de audição.

4.1.17. Por despacho da Chefe de Divisão da Direcção de Serviços de IRS, datado de 27/05/2015, foi definitivamente indeferido o pedido de revisão formulado pelo Requerente.

4.2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

            A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

 

5. MATÉRIA DE DIREITO

           

A primeira questão que o tribunal deve conhecer consiste em determinar se a Requerida devia ter revisto o acto com o fundamento em erro imputável aos serviços ou em injustiça grave ou notória.

Para tanto é necessário identificar, desde logo, a norma aplicável, isto é, o art. 78.º da LGT, o qual dispõe o seguinte:

«1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2. Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.

3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente se se tratar de erro material ou direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6. A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de 4 anos.

7. Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização».

O instituto da revisão constitui uma concretização do dever de revogar actos ilegais e, como tal, a AT deve proceder dessa forma nas hipóteses em que ocorram erros nas liquidações que se corporizem na arrecadação de tributos em valor superior ao legalmente previsto. Os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade que enformam a actividade da AT impõem essa correcção oficiosa.

Assim, se por um lado é admissível a revisão do acto por iniciativa do contribuinte no prazo da impugnação administrativa, por outro, a AT, por impulso do contribuinte, também pode promover a denominada «revisão oficiosa».

Neste sentido afirma a jurisprudência[2] que: «Decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que a revisão oficiosa de actos tributários a que alude a parte final do n.º 1, do art. 78.º da LGT “por iniciativa de administração tributária” pode realizar-se a pedido do contribuinte (art. 78.º, n.º 7 da LGT), sendo o indeferimento, expresso ou tácito, desse pedido de revisão susceptível de impugnação contenciosa, nos termos do art. 95.º, n.º 1 e 2, al. d) da LGT e art. 97.º, n.º 1, al. d) do CPPT, quando estiver em causa a apreciação da legalidade do acto de liquidação e não prejudicando essa possibilidade a circunstância do pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado muito depois  de esgotados os prazos de impugnação administrativa, mas dentro dos 4 anos para a revisão do acto de liquidação  “por iniciativa de administração tributária”».

Sucede que tal pedido de revisão tem de se alicerçar em «erro imputável aos serviços» e ser apresentado no prazo de 4 anos. Ora, esse erro engloba o lapso, o erro material ou de facto, como também o erro de direito.

Em abono da última conclusão refere igualmente a jurisprudência[3] que: «…tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do art. 266º da Constituição como o artigo 55.º da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro,…».

Assim, a «revisão oficiosa» exige que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: i) o pedido seja formulado no prazo de 4 anos contados a partir do acto cuja revisão se solicita ou a todo o tempo quando o tributo não se encontre pago; ii) tenha origem em «erro imputável aos serviços» e iii) proceda da iniciativa do contribuinte ou se realize oficiosamente pela AT. 

Por outro lado, o n.º 4 do art. 78.º da LGT prevê uma possibilidade de revisão excepcional da matéria tributável no prazo de 3 anos posteriores àquele em que foi praticado o acto tributário, sempre na condição de que o seu fundamento se encontre em injustiça grave ou notória e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. Isto é, exige-se não só a ocorrência de uma injustiça flagrante no apuramento da matéria tributável, como também que esse erro não tenha origem em comportamento do contribuinte susceptível de censura jurídica.

O conceito de injustiça grave ou notória deve ser interpretado a partir do grau de desvio em relação à realidade, embora sempre na condição da natureza inequívoca da injustiça, visto que é neste sentido que devemos interpretar o art. 78.º, n.º 4 e 5 da LGT.

Deste modo, esta revisão excepcional depende dos seguintes requisitos: i) a formulação do pedido no prazo de 3 anos desde a prática do acto cuja revisão se pretende; ii) a injustiça seja grave ou notória e iii) o erro não tenha origem no comportamento negligente do contribuinte.

No caso concreto, o Requerente advoga, no seu pedido de pronúncia, que o pedido de revisão se alicerça no art. 78.º, n.º 1 da LGT e no n.º 4 de tal artigo, visto que há erro imputável à AT e, em segundo lugar, o pedido foi tempestivamente apresentado.

Acontece que, se por um lado, a AT efectuou a liquidação de IRS do ano de 2011 com base nos elementos declarados em Junho de 2012, por outro, a incapacidade de 60% do Requerente foi reconhecida em 2013, mas com a menção expressa que a mesma está instalada desde o ano de 2011. Assim, se tal incapacidade tivesse constado em 2012 na declaração de IRS teria sido considerada a deficiência na liquidação.

Ora, como se disse, o erro a que a lei alude no art. 78.º, n.º 1 e n.º 4 da LGT pode ser de facto ou direito. Acontece que, se o fundamento da revisão for a verificação do erro, o n.º 1 exige, em cumulação, que o mesmo seja imputável à AT e, no n.º 4 do mesmo normativo, que tal erro que justifica a injustiça não seja devido a conduta negligente do contribuinte.

Assim, se em tese é possível conceber a revisão com fundamento no art. 78.º, n.º 1 da LGT, visto que ainda não tinham decorrido 4 anos desde a data do acto cuja revisão se solicita, também é legítimo admitir erro na definição da situação tributária do IRS do Requerente relativamente ao ano de 2011, após a obtenção do certificado no qual consta uma incapacidade de € 60%, uma vez que a liquidação não considerou o benefício fiscal. Tal circunstância provocaria a existência de um erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto não foi observado o art. 87.º do CIRS que determina a dedução à colecta de um montante. Sucede que a deficiência não era conhecida pela AT à data da liquidação no ano de 2012, consequentemente, não se preenchem todos os requisitos necessários à revisão com o fundamento supra descrito. A referida conclusão, em tese, apenas podia ser diferente se o documento que atesta a deficiência se considerasse supervenientemente obtido, contudo, antes de tal análise é necessário conhecer se procede o pedido do Requerente por injustiça grave ou notória.

Na verdade, o erro sobre os pressupostos de facto que justifica a ilegalidade da liquidação também é possível de ser reconhecido com recurso ao art. 78.º, n.º 4  da LGT e porque não decorreram os 3 anos  contados a partir do acto cuja revisão se solicita. Todavia, tal artigo estabelece um pressuposto adicional, que o erro não seja imputável a conduta negligente do contribuinte, competindo-lhe efectuar essa prova.

No caso concreto, o Requerente alegou e conseguiu provar que ao longo do ano de 2012 submeteu-se a radioterapia, da qual resultaram como efeitos secundários diarreia, dor abdominal, febre e desidratação. Durante esse ano, para além de se submeter a diversos exames clínicos, consultas, internamentos de urgência, ainda foi, por diversas vezes, algaliado. Ademais, foram clinicamente relatados dois episódios de hematúria com coágulos, acompanhados de dor gástrica e lombar. Em resumo, o agravamento em 2012 do seu estado de saúde clínico e físico justifica que não lhe seja possível imputar qualquer responsabilidade pela sua não obtenção no referido ano, não sendo assim possível formular um juízo de censura jurídica. Ou, dito de outro modo, não há negligência por parte do Requerente.

Deste modo, verificando-se os requisitos de que depende a revisão prevista no art.º 78.º, n.º 4 da LGT deve ser considerada na liquidação de IRS supra identificada a incapacidade do Requerente e, como tal, ser aplicado o art. 87.º do CIRS na redacção em vigor à data do facto tributário.

O Requerente formula ainda um pedido de juros indemnizatórios, por isso há que apurar se tem direito aos mesmos.

O art. 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) a existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) a determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: «É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Sucede que, na presente hipótese, a actividade de cognição do tribunal respeita a uma decisão de indeferimento de pedido de revisão de acto tributário e o art. 43.º, n.º 1 da LGT determina que só são devidos juros indemnizatórios pela cobrança indevida quando o contribuinte impugne ou reclame. Contudo, a «revisão oficiosa» constitui um instituto distinto da reclamação administrativa e da impugnação judicial.

A este respeito dispõe o art. 43.º, n.º 3 da LGT que: «São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (…) c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Assim, pedida a «revisão oficiosa» do acto tributário pelo contribuinte, se a AT exceder o prazo de um ano para proceder a tal revisão e se a decidir favoravelmente, só são devidos juros indemnizatórios após o decurso de um ano. E se se o contribuinte tiver necessidade de recorrer à via judicial? À questão responde a jurisprudência afirmando: «…se o contribuinte se vir obrigado a recorrer ao tribunal para obter uma decisão, porque a Administração, dentro ou fora daquele prazo, não reviu o acto, este contribuinte não é tratado diferentemente daquele que obteve a mesma decisão favorável pela via administrativa depois de decorrido um ano. À semelhança do interessado cujo pedido de revisão teve desfecho favorável ditado pela Administração decorrido mais de um ano, também aquele a quem só foi dada razão no tribunal passado esse tempo são devidos os mesmos juros»[4]. Isto é, o art. 43.º, n.º 3, al. c) da LGT aplica-se a uma realidade distinta do reembolso ao contribuinte em resultado de «erro imputável aos serviços», ou seja, a demora da AT na conclusão do procedimento de «revisão oficiosa».

Revertendo tal interpretação para o caso concreto, se o pedido de revisão foi formulado no dia 19/12/2013, apenas são devidos juros indemnizatórios a partir do dia 20/12/2014, o que se determina.

 

 

6. DECISÃO

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita, decide julgar-se procedente o pedido, condenando-se a Requerida a reconhecer, para efeitos de IRS, a deficiência do Requerente no ano de 2011 e ao pagamento de juros indemnizatórios desde o dia 20/12/2014, com todas as legais consequências.

 

7. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 2875, nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

8. CUSTAS

Custas a suportar integralmente pela Requerida, no montante de € 612, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 8 de Julho de 2016

 

 

 

 

O árbitro,

 

 

(Francisco Nicolau Domingos)

 



[1] Código de Procedimento e de Processo Tributário – volume II, Anotado e Comentado, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, pág. 54.

[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0886/14, de 19/11/2014, relatado pela Conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA.

[3] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0886/14, de 19/11/2014, relatado pela Conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA.

[4] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0918/06, de 12/12/2006, relatado pelo Conselheiro BAETA DE QUEIROZ.