Processo n.º 19/2012 - T
RELATÓRIO
1. PARTES
…, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua … (Requerente), requereu nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10,º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com intervenção de juiz singular com vista à apreciação de litígio em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA ou Requerida).
2. PEDIDO DE PRONUNCIA ARBITRAL
Constitui objecto da presente pronúncia arbitral o pedido de anulação do acto de segunda avaliação da fracção … do prédio urbano sito na freguesia de …, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …, no valor de € 105.490,00.
O mesmo pedido havia sido formulado perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de … em processo de impugnação judicial, o qual corria termos naquele tribunal sob o n.º …, pendente de decisão, há mais de dois anos, antes de ser submetido à apreciação deste Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 20/2011, de 20 de Janeiro.
3. CAUSA DE PEDIR
Para fundamentar o indicado pedido de anulação, alega, em suma, a Requerente, que a aplicação do coeficiente de localização máximo de 2,4 na determinação do valor patrimonial tributário impugnado é ilegal, quer em virtude da ilegalidade do zonamento aprovado pela Portaria n.º 982/2004, de 4 de Agosto, que determinou o apuramento daquele coeficiente, quer em resultado da sua ineficácia.
Constituem, concretamente, no entender da Requerente, ilegalidades assacáveis ao zonamento (i), a absoluta falta de fundamentação, por não dar a conhecer os elementos que conduziram à fixação do coeficiente máximo de 2,4 à zona de implantação do prédio; (ii) o erro manifesto sobre a grandeza do coeficiente aplicável àquela área de implementação, revelado pela substituição do mesmo para um coeficiente de 1,9, em 2006, em resultado da actualização pelo n.º 2 da Portaria n.º 1022/2006, de 20 de Setembro, e (iii) a violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Mais entende a Requerente que, ainda que se não considerasse o zonamento ilegal, por aquelas razões, sempre o mesmo havia de ser declarado ineficaz por falta de publicação em Diário da República
4. RESPOSTA DA REQUERIDA
Notificada do pedido de pronúncia arbitral, veio a AT, em resposta, pugnar pela manutenção do acto de segunda avaliação impugnado, sustentando para o efeito, brevitates causae:
- não ser o tribunal arbitral competente para conhecer do pedido formulado pela Requerente, por não ser a AT mas o Município de …, o sujeito activo da relação jurídico tributária, não se encontrando este submetido à jurisdição arbitral, por falta de vinculação;
- não possuir legitimidade processual passiva, por não ser parte na relação jurídico-tributária controvertida nos autos;
- que o acto de segunda avaliação não padece de qualquer ilegalidade na medida em que, por um lado, na definição das zonas para o concelho de …, foram consideradas as características de cada zona (como a delimitação por vias, os alvarás de loteamento aprovados, a localização das zonas no concelho, a qualidade de construção, as acessibilidades, a procura turística e a existência de serviços de primeira necessidade), em por outro, os fundamentos da proposta de alteração do zonamento radicam na alteração da oferta imobiliária;
- que as normas jurídicas que enformam o acto de avaliação não violam o princípio da igualdade;
- que ao estarem disponíveis para consulta por qualquer interessado no portal das finanças, se mostra assegurada a publicidade necessária a garantir o conhecimento do zonamento e respectivos coeficientes de localização, não enfermando por isso de ineficácia.
5. SANEAMENTO DO PROCESSO
Por decisão arbitral interlocutória de 13 de Maio de 2012, decidiu o Tribunal, com vista ao saneamento do processo e definição da ulterior tramitação processual, considerar improcedentes as excepções de incompetência do tribunal arbitral e ilegitimidade passiva invocadas pela autoridade Requerida.
Mais decidiu o Tribunal, na referida decisão interlocutória, indeferir as diligências probatórias de prova testemunhal e pericial e a apensação do processo judicial tributário, requeridas pela demandante, por considerar que os autos já fornecem todos os elementos para a uma decisão conscienciosa do mérito da causa, revelando-se, por tal, despicienda a produção de qualquer prova adicional.
6. ALEGAÇÕES ORAIS
Não havendo outra prova a produzir em audiência, foram apresentadas pelas partes as suas alegações orais, nos termos do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, nas quais ambas reafirmaram as posições expressas nas peças processuais apresentadas.
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7. FUNDAMENTAÇÃO
O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. As partes gozam de capacidade judiciária e são legítimas. O processo não enferma de nulidades que o invalidem.
Não existindo, por conseguinte, qualquer razão que obste ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.
7.1.Matéria de facto
Com base nos documentos juntos aos autos pelas partes, são os seguintes os factos considerados como provados, com relevo para a boa decisão do pleito:
A) Em 5 de Abril de 2004, foi emitida pelo Perito Local, … o Relatório do Zonamento do Concelho de … para efeitos de proposta de zonamento e determinação dos valores do Coeficiente de Localização da área abrangida pelas freguesias daquele Concelho, entre as quais a de …;
B) No referido Relatório considerou-se, para efeitos de fundamentação do zonamento proposto, que “as zonas foram definidas considerando valores de marcado o mais possível homogéneos, considerando o desenvolvimento actual e o previsto, contemplando, também, as indicações dos Planos Municipais e os Alvarás de loteamento aprovados”;
C) Mais se refere ainda que “as zonas foram limitadas considerando o seguinte: Delimitação por vias (vias rápidas, estradas nacionais e municipais, ruas e caminhos) e na sua inexistência pelos limites de Alvarás de Loteamento; Alvarás de Loteamento aprovado; Localização das zonas no Concelho, por exemplo a proximidade de mar e os acessos; características das zonas, no que se refere a qualidade de construção, acessibilidades, procura turística, existência de Campos de Golfe, etc.;
D) A proposta de zonamento foi analisada e discutida na reunião da Comissão Nacional de Avaliações de Prédios Urbanos (CNAU) de … de Julho de 2004;
E) Em resultado daquela reunião foi determinada, como integrante do Município de …, uma zona homógenea correspondente à freguesia de …, a que foi atribuído o coeficiente de localização de 2,40;
F) O zonamento e coeficiente de localização propostos foram aprovados pela Portaria n.º 982/2004, de 4 de Agosto, e publicados no sítio www.e-financas.gov.pt.
G) Em 20 de Abril de 2004 foi apresentada declaração modelo 1 do IMI para actualização do valor patrimonial do prédio urbano melhor descrito no introito, em razão da sua primeira transmissão na vigência do CIMI;
H) Em 25 de Janeiro de 2006, foram aprovadas, pela CNAPU, alterações ao zonamento na freguesia de …, constantes da proposta apresentada pela perita local de …;
I) Tais alterações viriam a ser aprovadas pela Portaria 1022/2006, de 20 de Setembro, para serem aplicadas aos prédios urbanos cujas declarações modelo 1 fossem entregues a partir dessa data;
J) Em 11 de Janeiro de 2007 foi atribuído ao prédio em causa, em resultado de avaliação, o valor de € 105.490,00;
K) Notificada da avaliação veio a Requerente requerer segunda avaliação, nos termos do artigo 76.º do CIMI;
L) Em 4 de Agosto de 2008, foi a Requerente notificada de que, em resultado da segunda avaliação, havia sido mantido o valor patrimonial do prédio em € 105.490,00;
M) Em 31 de Outubro de 2008 foi apresentada, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de … uma impugnação judicial contra o acto de fixação do valor patrimonial resultante da segunda avaliação;
N) A referida impugnação correu termos junto do referido sob o n.º …, não tendo sido proferida decisão à data da apresentação do pedido arbitral.
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
7.2.Apreciando
Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se o acto de segunda avaliação enferma dos vícios que lhe imputa a Requerente designadamente os de ilegalidade por falta de fundamentação, erro e violação do princípio da igualdade, e, bem assim, o vício de ineficácia.
Como ponto de partida para a correcta decisão do litígio em apreço, cumpre salientar que, se é verdade que, tal como a AT Requerida sistematicamente denuncia na sua resposta, o acto que aqui está a ser sindicado é o acto de segunda avaliação e não o zonamento e a definição dos coeficientes de localização, tal não significa necessariamente que a validade daqueles actos e da Portaria que lhes confere normatividade não possa ser objecto de análise no âmbito da apreciação da legalidade do acto de avaliação que os acolhe.
O que, na verdade importa aferir, com vista à verificação daquela sindicabilidade, é se tais actos ou regulamentos normativos, produzidos no decurso do procedimento, e pressupostos da avaliação, são susceptíveis de impugnação contenciosa autónoma – caso em que a questão da sua legalidade forma “caso julgado” no procedimento, se não for posta em causa pelas vias e no prazo legalmente prescrito -, ou não o são, caso em que, sendo directamente lesivos dos interesses do sujeito passivo, devem ser apreciados no âmbito da verificação da legalidade do acto definitivo que os incorpora, ao abrigo do princípio da impugnação unitária.
Neste contexto, é forçoso reconhecer que, embora as normas administrativas possam ser objecto de impugnação contenciosa autónoma, ao abrigo do processo previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no caso da Portaria que, nos termos do n.º 3 do artigo 62.º do CIMI, aprova as propostas de zonamento apresentadas pela CNAPU, só a sua aplicação no acto concreto de fixação do valor patrimonial constitui um acto lesivo dos direitos do administrado, susceptível, por isso, de inquinar aquela avaliação.
Se assim é, como julgamos, não nos parece, no entanto, que, em concreto, o zonamento aprovado pela Portaria n.º 982/2004, de 4 de Agosto, enferme dos vícios que lhe são apontados pela Requerente.
Principiando pelo imputado vício de falta de fundamentação. Entende a Requerente que a proposta de zonamento aprovada pela referida Portaria não contém qualquer fundamento para a atribuição do mesmo coeficiente máximo de localização aos prédios situados em toda a zona que se entende desde as praias até ao extremo norte do perímetro urbanizado da freguesia de …, quando é do senso comum que, numa freguesia como aquela, o valor de mercado dos prédios varia consideravelmente em função da sua distância em relação à orla costeira.
Não tem razão, porém, a Requerente.
Esta mesma questão já foi julgada pelo Supremo Tribunal Administrativo por Acórdão de 7 de Março de 2012 (processo n.º 01100/11), o qual subscrevemos na íntegra por com ele concordarmos, e que, pela sua actualidade e adequação, citamos na parte relevante:
“Como se sabe, o regulamento é uma decisão de um órgão da administração pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas, pelo que se diferencia do acto administrativo, desde logo, por ser geral e abstracto, enquanto que o acto administrativo produz efeitos jurídicos num caso concreto (Sobre a matéria, vide FREITAS DO AMARAL, in “Direito Administrativo”, III, 1989, pág. 36 e seg., ESTEVES DE OLIVEIRA, in “Direito Administrativo” (Lições), 1979, pág. 144 e seg., MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in “Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 2ª Edição, pág. 248.). Ora, as disposições da Portaria n.º 982/2004 e das que se lhe seguiram para aprovação do zonamento e coeficientes de localização correspondentes a cada zona de valor homogéneo para os tipos de afectação à habitação, comércio, indústria e serviços, nos termos e para os efeitos do artigo 42.º do CIMI, têm as características de generalidade e abstracção que caracterizam os actos normativos, já que se dirigem a um número indeterminado e indeterminável de pessoas, estabelecendo coeficientes para cidadãos/munícipes não individualizadas a priori, aplicáveis a todo o território nacional e a todos os que vejam o seu património imobiliário urbano avaliado para efeitos tributários, não se divisando nelas qualquer acto administrativo que, como tal, esteja sujeito ao dever de fundamentação consagrado no artigo 268.º, n.º 3 da CRP e plasmado na LGT e no CPA.
É certo que a delimitação geográfica que aí é feita, por municípios e zonamentos, parece aproximar-se da natureza individual, por interferir mais directamente com a esfera patrimonial dos proprietários, como a Recorrente, que vêem os seus prédios urbanos nela incluídos, mas esse será um aspecto meramente instrumental da ordem normativa que o diploma introduz, a ela adstrito e dela indissociável, sem possibilidade de ser autonomizado como acto administrativo encarado “a se”.
As citadas Portaria constituem, pois, regulamentos, sujeitos, enquanto forma de actividade administrativa, ao princípio da legalidade, quer na sua dimensão de preferência de lei, quer na sua dimensão de reserva de lei. Da sua sujeição à preferência de lei decorre que, tal como sucede com todas as condutas administrativas que contrariem o bloco de legalidade a que estão sujeitos, possam ser ilegais e, como tal, susceptíveis de impugnação contenciosa nos tribunais administrativos, os quais podem declarar a sua ilegalidade com força obrigatória geral (art.º 204.º da CRP, e arts. 72.º e 76.º do CPTA). E da sujeição à reserva de lei decorre que os regulamentos têm necessariamente de ser habilitados por lei, mas o grau de densidade normativa da lei habilitante pode variar entre a vinculação total do conteúdo regulamentar e o pólo oposto de atribuição de uma quase total liberdade de conformação regulamentar, limitando-se, neste último caso, a identificar a competência, em sentido subjectivo e em sentido objectivo, para a sua emissão (Sobre a matéria, vide, MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO DE MATOS, ob. citada, pág. 251.)
Não estão, porém, sujeitos ao dever de fundamentação ou de explicitação das razões por que se regulamentou dessa forma e não de forma diferente. Ao contrário dos actos administrativos, os actos normativos não têm de facultar aos cidadãos os elementos necessários à percepção da motivação que determinou o conteúdo concreto da norma, nem proporcionar-lhes a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade emissora, bastando-lhe a explicitação expressa da lei que visa regulamentar ou da lei que defina a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão (art.º 112.º, n.º 7, da CRP), por forma a que os interessados possam controlar a conformação regulamentar com a lei habilitante.
Os actos regulamentares, praticados no exercício da actividade administrativa genericamente regulada pelos artigos 114.º a 119.º do CPA, e, no caso concreto, em execução do dever imposto à Administração pelo n.º 1 do artigo 13.º do Dec.Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, e dos nºs 1 e 3 do artigo 62.º do CIMI, não estão, pois, sujeitos ao dever de fundamentação nos termos definidos pelo artigo 77.º da LGT e pelo artigo 124.º do CPA, não lhes sendo igualmente aplicável o mecanismo previsto no artigo 37°. do CPPT, de passagem de certidão donde constem esses fundamentos, sem prejuízo do direito de os interessados acederem aos documentos administrativos preparatórios que suportam o acto regulamentar, mais concretamente, do direito de acesso ao teor das propostas formuladas pela CNAPU que foram objecto de aprovação por acto ministerial, em conformidade com a Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, que regula o Acesso aos Documentos Administrativos.
Em conclusão, o vício de falta de fundamentação arguido pela Impugnante localiza-se no regulamento e não no acto tributário de avaliação que fixou o valor patrimonial das suas fracções, e não podendo um regulamento padecer deste tipo de vício improcede fatalmente o pedido de que, por via dessa ilegalidade, se anule aquele acto tributário”
Se assim é, como julgamos, não só deve improceder o alegado vício de falta de fundamentação, como todos os demais vícios imputados em concreto á proposta de zonamento pela Requerente, como pressuponentes da ilegalidade da avaliação sindicada.
Com efeito, entende a Requerente que, para além da totalmente infundamentada, a proposta de zonamento enferma ainda de manifesto erro ao fixar um coeficiente de localização excessivo para a zona de implantação do prédio, e de ilegalidade, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, por incluir na mesma zona homogénea áreas de implementação totalmente díspares.
Ora, se, como vimos acima, as disposições da Portaria n.º 982/2004 têm as características de um acto normativo, que não está sujeito ao dever de fundamentação, não podendo como tal o administrado aceder aos elementos necessários à percepção da motivação que determinou o conteúdo concreto da norma, não pode aquele também, por maioria de razão pretender sindicar o processo volitivo daquela decisão com base em fundamentos que desconhece e não tem de conhecer.
Conformando-se a proposta de zonamento após a aprovação por portaria do Ministro das Finanças como um acto revestido das características de regulamento, de natureza geral e abstracta, os critérios que subjazem à opção legal de criação de uma determinada zona homogénea para efeitos de fixação do coeficiente de localização não podem ser degradados como o pretende a Requerente, em erros sindicáveis na sua aplicação ao caso concreto.
De igual modo, não pode aquela opção legal, se escudada normativamente nos critérios legais definidos de forma geral e abstracta na norma habilitante, ser susceptível de ser sindicada por violação do princípio da legalidade. A assim não ser teria de se admitir, por absurdo, que o zonamento devesse criar tantas zonas homogéneas quantos os factores objectivos de distinção do valor de mercado, variando, por exemplo, de rua para rua, e, dentro destas, em função da quantidade de luz solar e sombra. Não é esse o manifestamente o objectivo do processo de avaliação criado pelo 287/2003, de 12 de Novembro.
Note-se que não se nega que, em concreto, a definição normativa do zonamento possa conduzir a situações de tratar por igual, imóveis com diferente valor comercial. Esse é, porém, um efeito normal e possível da definição geral e abstracta dos elementos delimitadores das relações jurídicas de direito público, toleradas pelo ordenamento jurídico, na medida em que não excedam os limites impostos por normas de valor superior.
Mas ainda que assim não fosse, e se entendesse, ao abrigo de uma qualquer construção legal que repudiamos, serem as propostas de zonamento susceptíveis de padecer dos vícios que lhe são imputados pelo Requerente, ainda assim nos pareceriam as mesmas concretamente inatacáveis.
E isto porque, como decorre do disposto no artigo 42.º e 62.º do CIMI, os peritos locais e membros da CNAPU gozam, na definição das zonas homogéneas e coeficientes de localização de ampla margem de discricionariedade. Desde que ponderados os critérios previstos no n.º 3 do referido artigo 42.º, que constituem a baliza da respectiva vinculação, as entidades competentes para a avaliação estão por lei habilitadas a estipular as zonas homogéneas que entenderem mais adequadas de acordo com os conhecimentos técnicos que a sua reconhecida razão de ciência determinar.
A escolha da forma de articular os referidos critérios na definição do zonamento, no procedimento de determinação dos coeficientes de localização, é uma actividade que se insere na sua margem de livre apreciação, também por vezes apelidada pela doutrina e jurisprudência de “discricionariedade técnica”, inserida no âmbito da chamada justiça administrativa, no domínio da qual a Administração age e decide sobre a aptidão e as qualidades pessoais, actividade esta, em princípio, insindicável pelo tribunal, salvo com referência a aspectos vinculados ou a erro manifesto, bem como com a adopção de critérios ostensivamente desajustados ou por desvio de poder.
Ora, no caso vertente, como resulta do relatório do zonamento do Concelho de … junto ao processo administrativo a que se refere o art.º 111.º do CPPT, é a própria perita local que, ao definir os critérios pelos quais se guiou na definição das zonas, vem expressamente indicar que balizou a sua actividade “considerando valores de mercado o mais possível homogéneos, considerando o desenvolvimento actual e o previsto” e, bem assim, que “as zonas foram limitadas considerando o seguinte: delimitação por vias (…); Alvarás de loteamento aprovado; localização das zonas no Concelho, por exemplo, a proximidade de mar e os acessos; características das zonas, no que se refere à qualidade de construção, acessibilidades, procura turística, existência de campos de golfe, etc.”;
Indicando expressamente os critérios que adoptou, nos quais se incluem, mas não esgotam, os previstos no n.º 3 do artigo 42.º do CIMI, é forçoso reconhecer, mesmo sem conhecer o âmbito da validação levada a cabo pelo CNAPU, que a amplitude da homogeneidade reputada como “possível” pela perita, no âmbito do Concelho de … globalmente considerado, não é susceptível de ser posta em causa, sob pena de se pôr em causa todo o sistema de avaliação do património imobiliário.
E tal conclusão não surge afectada, segundo julgamos, pelo facto de o zonamento aprovado com base naquele relatório ter sido alterado após escassos 18 meses de vigência. Isto desde logo porque, como foi aliás expressamente reconhecido pela Requerente, a AT não justifica aquela alteração com base em qualquer erro no zonamento inicial, mas, ao invés, em motivos relacionados com alterações no mercado imobiliário e de ordem urbanística, os quais, no quadro das competências e margem de discricionariedade conferida aos peritos pela lei, constituem objectivamente motivos legalmente atendíveis para a revisão do zonamento inicialmente determinado.
Depois porque, mesmo que assim não fosse, não se nos afigura que a circunstância de se vir a admitir, com a avaliação dos resultados e efeitos das propostas iniciais, revelada pela prática, que o zonamento deva ser aperfeiçoado no sentido de conferir ainda maior diferenciação dentro de zonas consideradas como homogéneas, ao abrigo do critério mais lato anteriormente adoptado, permita a conclusão de que o zonamento anteriormente efectuado, com base naquele critério, se encontrava inapelavelmente ferido de erro. Ou pelo menos, que tal erro possa ser contenciosamente sindicável.
De resto, foi o próprio legislador que, prevendo essa possibilidade, veio a determinar, desde o início, que os coeficientes sejam objecto de avaliação periódica, com vista ao seu aperfeiçoamento, produzindo eventuais actualizações efeitos meramente prospectivos, se não fundadas em erro.
Sendo certo que a Portaria 1022/2006, de 20 de Setembro, que aprovou a alteração ao zonamento no Concelho de …, indica expressamente que aquela alteração apenas se aplicaria aos prédios urbanos, cujas declarações Mod. 1, de IMI, fossem entregues a partir de 21 de Setembro do ano da entrada em vigor.
Pelo que, também por esta razão se nos afigura não deverem proceder os vícios imputados ao zonamento e á fixação do coeficiente de localização.
Sustenta por fim a Requerente que, mesmo que não fosse ilegal, naqueles termos, o zonamento sempre seria ineficaz por falta de publicação no Diário República.
Não tem razão, porém, a Requerente.
Com efeito, na linha do que vem sendo sistemática e unanimente julgado pelo Supremo Tribunal Administrativo, afigura-se a este Tribunal arbitral que a disponibilização dos zonamentos aprovados e dos coeficientes de localização no portal das finanças não contraria qualquer princípio constitucional ou legal, na medida em que a lei apenas estabelece a necessidade das propostas da CNAPU a respeito de zonamento e respectivos coeficientes de localização serem aprovadas por Portaria do Ministro das Finanças, e não a sua publicação em jornal oficial, sendo certo que se publicitou o local em que podem ser consultados, desta forma se garantido o seu conhecimento aos interessados e público em geral.
Como lapidarmente o resume o STA no já citado Acórdão de 7 de Março de 2012, em entendimento que integralmente subscrevemos (sublinhado nosso):
“As referidas Portarias (Portaria n° 982/2004, de 4 de Agosto, e Portaria n° 1022/2006, de 20 de Setembro) contém o acto de aprovação do zonamento e dos coeficientes de localização aplicáveis, estando, assim, cumprida a exigência legal de que as propostas da CNAPU a este respeito sejam aprovados por Portaria do Ministro das Finanças.
Essas Portarias foram publicadas no Diário da República, como tinham de o ser por força do princípio da publicidade dos actos regulamentares do Governo constante do artigo 119.º da Constituição da República Portuguesa. Na verdade, a alínea h) do nº 1 desse preceito determina a publicação obrigatória no Diário da República dos «decretos regulamentares e demais decretos e regulamentos do Governo, bem como os decretos dos Ministros da República para as regiões autónomas e os decretos regulamentares regionais» e o nº 2 estabelece que a falta de publicidade desses actos implica a sua ineficácia jurídica.
O que não impede a própria Portaria de estabelecer que os dados e valores que brotam desse acto de aprovação sejam publicitados em local distinto onde possam ser livremente consultados, garantido, assim, o seu conhecimento aos interessados e ao público em geral. Ou seja, que remeta a publicitação dos concretos dados e valores que dela resultam para o site das finanças para nele serem consultados por qualquer interessado e que obrigue à sua disponibilização em todos os serviço de finanças.
E na falta de norma ou princípio constitucional que exija ou imponha que esses dados e valores concretos que resultam do acto normativo de aprovação da proposta da CNAPU constem de um diploma com força de lei e que sejam publicados em Diário da República, não se podem considerar violados os princípios constitucionais invocados pela Recorrente.
Pelo que também por esta razão deverá improceder o pedido de anulação do acto de avaliação impugnado.
7.3.Decisão
Termos em que se decide julgar improcedente o pedido de anulação de acto de segunda avaliação sindicado, com as demais consequências.
Fixa-se o valor da acção em € 105.490,00 (cento e cinco mil, quatrocentos e noventa euros).
Custas do processo arbitral no montante de € 3.060 (três mil e sessenta euros) a cargo da Requerente, de acordo com o disposto no artigos 12º nº 2 e 22.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e artigo 4º nº 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de Outubro de 2012
Benjamim Silva Rodrigues
(Árbitro Presidente)
Joaquim Silvério Dias Mateus
José Manuel Pedroso de Melo