Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 780/2015-T
Data da decisão: 2016-06-20  IRC  
Valor do pedido: € 17.865,00
Tema: IRC - Tributações autónomas; pagamento especial por conta (PEC); dedutibilidade
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Decisão Arbitral

 

 

I. RELATÓRIO

 

I.1

  1. Em 23 de Dezembro de 2015 a contribuinte A…, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede na …– Edifício…, …, Sala …, …-… … requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 04 de Janeiro de 2016.

3.      A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

4.      A AT apresentou a sua resposta em 11 de Abril de 2016.

5.      Por despacho de 15.04.2016, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.

6.      Em 02 de Maio de 2016 a Requerente apresentou alegações.

7.      A Requerida apresentou as suas alegações em 16 de Maio de 2016.

8.      Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa n.º …/15 e, bem assim, a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC n.º 2014…, relativa ao exercício de 2013, na parcela correspondente aos pagamento especiais por conta efetuados e disponíveis para dedução às tributações autónomas, no montante de €17.865,00, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à requerente desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios.

 

I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

1.      De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, quando a liquidação daquele imposto deva ser efetuada pelo sujeito passivo na declaração periódica de rendimentos, a mesma tem por base a matéria coletável que conste da referida declaração.

2.      Adicionalmente, dispõe o n.º 2 do mesmo artigo que, “ao montante apurado nos termos do número anterior, são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a)  a correspondente ao crédito de imposto por dupla tributação internacional;

b)  a relativa a benefícios fiscais;

c)   a relativa ao pagamento especial por conta;

d)  a relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.”

3.      Assim, conforme decorre da norma supra citada, os pagamentos especiais por conta efetuados constituem uma das deduções à coleta de IRC.

4.      A este respeito, alega a AT que a referida norma não legitima que essa dedução seja efetuada contra o valor das tributações autónomas apuradas no período.

5.      A Requerente não concordar com a não dedução do PEC ao valor das tributações autónomas.

6.      As tributações autónomas que incidem sobre os encargos dedutíveis em IRC integram o regime e são devidas a título deste imposto e, como tal, estão abrangidas pela alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC, na redação em vigor à data (i.e. não são dedutíveis em sede de IRC, enquanto parte integrante deste imposto).

7.      Neste contexto, a Requerente retira a conclusão de que as tributações autónomas são parte integrante da coleta de IRC.

8.      A conclusão de que as tributações autónomas são IRC, não pode levar a outra consequência que não seja a de que as tributações autónomas são parte integrante e indissociável da coleta de IRC.

9.      Assim, o valor dos pagamentos especiais por conta que deixou de ser deduzido por insuficiência de coleta de IRC (dito normal) poderia, afinal, ter sido deduzido até à concorrência do valor das tributações autónomas pagas pela Requerente (uma vez que este montante deveria ter sido considerado como parte integrante da coleta de IRC).

10.  Assim, à coleta de IRC apurada pela Requerente no exercício de 2013, a título de tributações autónomas, no montante de € 55.253,46, poderia ter sido deduzido o valor dos pagamentos especiais por conta efetuados naquele exercício, no montante de € 17.865,00.

11.  A Requerente não pode aceitar que a AT venha agora argumentar que é necessária a menção expressa às tributações autónomas no artigo 90.º do Código do IRC, para que estas estejam incluídas no âmbito de dedução dos pagamentos especiais por contas.

12.  Caso se admitisse que, para efeitos do artigo 90.º do Código do IRC, as tributações autónomas não são IRC, não haveria nenhuma norma no referido Código que definisse a forma de liquidação das tributações autónomas.

13.  No próprio Código do IRC existem diversas normas que também possuem a natureza de “norma anti-abuso”, nomeadamente o regime da subcapitalização que se encontrava previsto no artigo 67.º daquele normativo à data dos factos, que previa uma limitação aos encargos suportados com o endividamento excessivo.

14.  Na mesma medida, o legislador aceita os encargos suportados com o endividamento e penaliza os encargos que decorram do endividamento na parte excessiva.

15.  O facto de se tratar de uma norma anti-abuso não invalida que a coleta adicional de IRC que daí advenha (no exemplo em apreço, dos encargos que decorram da parte excessiva do endividamento) deixe de ser considerada “coleta de IRC”, e, consequentemente, deixe de poder ser deduzida aos pagamentos especiais por conta.

16.  Neste sentido, a Requerente entende que, apesar da sua natureza de norma anti-abuso, sendo as tributações autónomas parte integrante do IRC e da sua coleta e os pagamentos especiais por conta um adiantamento do IRC, nada impede que a estas sejam deduzidos os pagamentos especiais por conta.

17.  Por todo o exposto, a Requerente considera que a dedução dos pagamentos especiais por conta à coleta de IRC (onde, como já se viu, se inclui as tributações autónomas) não compromete os objetivos de combate à evasão fiscal que estão no espírito da criação das tributações autónomas, contrariamente ao entendimento da AT na sua decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentado pela Requerente.

18.  A Requerente requer também que, mediante deferimento do presente pedido, lhe sejam pagos, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, ambos da LGT, os respetivos juros indemnizatórios por pagamento da prestação tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

I.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

1.      A figura das tributações autónomas tem sido instrumentalizada para a prossecução de objetivos diversos, que abarcam desde o originário propósito de evitar práticas de evasão e de fraude –, através de despesas confidenciais ou não documentadas, ou de pagamentos a entidades localizadas em jurisdições com regimes fiscais privilegiados, à substituição da tributação das vantagens acessórias sob a forma de despesas de representação ou de atribuição de viaturas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, na esfera dos respetivos beneficiários –, até à finalidade de prevenir o fenómeno designado por “lavagem de dividendos” (cfr. n.º 11 do art.º 88.º CIRC) ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos (cfr . n.º 13 do mesmo preceito).

2.      O carácter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspetos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC.

  1. Na realidade, a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspetos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, por força de obedecerem a regras diferentes.
  2. E isso, pois, num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria coletável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias coletáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC.
  3. Não há uma liquidação única de IRC mas, antes dois apuramentos.
  4. Há, pois, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efetuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respetivas matérias coletáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.
  5. Sempre que se detete incompatibilidade entre os objetivos inerentes à estrutura geral do IRC e os objetivos que presidem às tributações autónomas, à partida, as regras gerais que integram a disciplina deste imposto não lhe são aplicáveis.
  6. Resulta como evidente que a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspetos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, por força de obedecerem a regras diferentes, pois, num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria coletável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código, i. e., tendo como base o lucro e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias coletáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC.
  7. A liquidação das tributações autónomas é efetuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto: (1) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria coletável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e (2) no outro caso, são apuradas diversas coletas consoante a diversidade dos fatos que originam a tributação autónoma.
  8. O montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efetuadas à parte da coleta do IRC com a qual exista uma correspondência direta, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto.
  9. Na realidade, faça-se notar que o traço comum a todas as realidades refletidas nas deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria coletável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os fatos geradores das tributações autónomas.
  10. A natureza jurídica do PEC, revelada pela sua configuração como «instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição a se», bem como pela função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante do IRC apurado sobre a matéria coletável determinada com base no lucro (capítulo III do Código).
  11. Por mero dever de patrocínio, mesmo que fosse configurável a procedência do pedido quanto ao pagamento de juros, o que não é - já que improcedendo o pedido principal, terá forçosamente que improceder o pedido de juros -, na situação em apreço nos autos, o seu cômputo sempre teria como termo inicial a data em que ocorreu a notificação da decisão que indeferiu o pedido de revisão oficiosa.
  12.  Sempre se terá que chamar à colação, dissipando-se definitivamente a questão controvertida, o teor do artigo 133.º, o qual aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, com os efeitos previstos no artigo 135.º, ambos constantes da Lei do Orçamento de Estado para 2016, publicado a 30.03.2016, com entrada em vigor no dia seguinte, nos quais se preconiza, com carácter interpretativo, que «A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.»

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo é o próprio.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão essencial a apreciar é a seguinte:

 

Tem, ou não, a Requerente o direito de proceder à dedução, também à coleta de IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, dos pagamentos especiais por conta (PEC)?

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

  1. Em 21 de Maio de 2014 a ora requerente procedeu à apresentação da declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2013, tendo nesse momento procedido à autoliquidação de tributações autónomas desse mesmo ano de 2013, no montante de € 55.253,46.
  2. Em 12 de Março de 2015 a requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida autoliquidação respeitante ao exercício de 2013.
  3. A AT indeferiu a reclamação graciosa e notificou a contribuinte do indeferimento no dia 25.09.2015.
  4. No exercício de 2013 a requerente pagou €17.685,00 a título de pagamento especial por conta.
  5. A Requerida não permitiu que a contribuinte deduzisse o montante do pagamento especial por conta ao valor das tributações autónomas apuradas.

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 5 são dados como assentes pela análise do processo administrativo, pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 10 do pedido de constituição do Tribunal) e pela posição assumida pelas partes.

 

V. O Direito

 

O signatário participou previamente neste centro de arbitragem como membro do coletivo no processo n.º 535/2015-T, o qual analisou esta questão jurídica. Não tendo razões para alterar a minha interpretação jurídica, de forma antecipada, refiro que julgo inadmissível a dedução do Pagamento Especial por Conta (PEC) às tributações autónomas pelas razões que passo a expor e as quais constam do acórdão proferido no citado processo.

 

“Notas preliminares

As taxas de tributação autónoma incidem sobre determinados encargos suportados por sujeitos passivos de IRC, que pela sua natureza podem apresentar uma conexão mais ambígua na realização dos rendimentos sujeitos a tributação ou na manutenção da fonte produtora. Cada vez mais se procura, pelo mecanismo da tributação autónoma, dissuadir alguns excessos na ocorrência deste tipo de encargos.

Ao contrário do que sucede com a filosofia inerente às restantes disposições do Código de IRC não se tributa rendimento mas sim despesas ou gastos.

Com as tributações autónomas pretende-se de algum modo penalizar os sujeitos passivos pela realização de alguns tipos de encargos ou despesas, em determinadas condições, ainda que tais sujeitos passivos tenham obtido prejuízo fiscal e, portanto, nesse exercício não pagassem IRC.

A incidência de tributação autónoma não se circunscreve às sociedades e demais sujeitos passivos de IRC, com finalidade lucrativa, sendo também tal tributação extensiva às associações, fundações, IPSS e outras entidades que não exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola e ainda a todas as entidades que tenham rendimentos isentos ou não sujeitos a IRC.

Relativamente às tributações autónomas, adiante-se que estas são apuradas de forma autónoma e distinta do apuramento processado nos termos do artigo 90º do CIRC (redação em vigor em 2013[1]).

Desenvolvendo melhor a questão da natureza das tributações autónomas e o seu grau de conexão com o IRC, há que recuar ao ano de 1990 para encontrarmos a primeira intervenção do legislador no sentido de sujeitar determinadas despesas a tributação autónoma, ocorrida com a publicação do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, cujo artigo 4.º previa que «as despesas confidenciais ou não documentadas efetuadas no âmbito do exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respetivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.» Esta norma foi objeto de diversas alterações posteriores que, sucessivamente procederam ao aumento da taxa de tributação nela prevista.

Com este tipo de tributação teve-se em vista, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social.

Saldanha Sanches (Cfr. Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 407), a propósito da tributação autónoma prevista no artigo 81.º, n.º 3, do CIRC (redação de 2005, correspondente, no essencial, ao artigo 88.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 7, na redação de 2013), escreveu o seguinte: «Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de interseção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida da taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal. Se na declaração do sujeito passivo não há lucro, o custo pode ser objeto de uma valoração negativa: por exemplo, temos uma taxa de 15% aplicada quando o sujeito passivo teve prejuízos nos dois últimos exercícios e foi comprada uma viatura ligeira de passageiros por mais de € 40 000 (artigo 81.º, n.º 4). Com esta previsão, o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio demasiado dispendiosas quando existem prejuízos. Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objeto de tributação (sublinhado da nossa autoria).

Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso (tributações autónomas) tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (Cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC).

Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.

Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso).

Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.

Neste caso estamos perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, em que o facto gerador do tributo surge isolado no tempo, originando, para o contribuinte, uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Ou seja, as taxas de tributação autónoma aqui em análise não se referem a um período de tempo, mas a um momento: o da operação isolada sujeita à taxa, sem prejuízo de o apuramento do montante devido pelos agentes económicos sujeitos à referida “taxa” ser efetuado periodicamente, num determinado momento, conjuntamente com outras operações similares, sem que a liquidação conjunta influa no seu resultado.

Por esta razão, Sérgio Vasques (Cfr. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 293, nota 470) chama a atenção para a circunstância de os impostos sobre o rendimento contemplarem elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC.

As tributações autónomas, de acordo com a sua regulamentação inicial, constituíram como que um sucedâneo do regime da não dedutibilidade anteriormente previsto no CIRC.

Com efeito, na sua génese estava a não aceitação fiscal de uma percentagem de certas despesas, constituindo as tributações autónomas uma forma alternativa e mais eficaz de correção dos custos sempre que se trate de áreas mais propícias à evasão fiscal (ajudas de custo, despesas de representação, despesas com viaturas, etc.).

Assim, não seria razoável (antes até contrário ao motivo que levou o legislador a tributar autonomamente aquelas despesas) que, através da sua dedução ao lucro tributável a título de gastos, fosse eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas.

A jurisprudência arbitral tem decidido no sentido de que as tributações autónomas pertencem, por regra, sistematicamente, ao IRC, e não ao IVA, ao IRS, ou a um qualquer outro imposto do sistema fiscal português. É o caso, entre outros, dos processos arbitrais proferidos no âmbito do CAAD, n.ºs 166/2014-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 282/2013-T, 6/2014-T e 36/2014-T, 697/2014-T.

Também os Tribunais superiores têm entendido que “as tributações autónomas, embora formalmente inseridas no Código do IRC, sempre tiveram um tratamento próprio, uma vez que não incidem sobre o rendimento, cuja formação se vai dando ao longo do ano, mas antes sobre certas despesas avulsas que representam factos tributários autónomos sujeitos a taxas diferentes das de IRC”(…) “Pese embora tratar-se de uma forma de tributação prevista no CIRC, nada tem a ver com a tributação do rendimento, mas sim com a tributação de certas despesas, que o legislador entendeu, pelas razões atrás apontadas fazê-lo de forma autónoma.” (Acórdão do STA de 21/03/2012, proc. 830/11 e, no mesmo sentido, Ac. do STA de 06/07/2011, proc. n.º 0281/11,  Ac. do STA de 17.04.2013, proc. n.º 166/13, Ac. do STA de 21.01.2015, proc. n.º 04710/14 e Ac. do TCAS de 16.10.2014, proc. n.º 06754/13).

O Tribunal Constitucional no Ac. n.º 617/2012 de 31/01/2013 defendeu que na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto é instantâneo, pois “esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.”

E no acórdão n.º 310/12, de 20 de junho, ponderou o Tribunal Constitucional que “ (...) contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.”

A generalidade da Doutrina não se afasta do entendimento dos tribunais superiores. Assim e tal como ensina o Prof. RUI MORAIS, “está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas com constituindo factos tributários. É difícil descortinar a natureza desta forma de tributação e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento.” (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 202-203). E também CASALTA NABAIS considera que se “trata de uma tributação sobre a despesa e não sobre o rendimento” (CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 6.ª Ed., p. 614). Na mesma linha a Professora Ana Paula Dourado assevera que “é consensual que a tributação autónoma atinge a despesa do sujeito passivo-contribuinte e não o seu rendimento.” Direito Fiscal, 2015, Almedina, pág. 237

Não se afigura, deste modo, questionável, que o mecanismo de tributação autónoma do conjunto das realidades previstas no artigo 88.º do CIRC vise, primacialmente, acautelar os equilíbrios gerais do próprio sistema fiscal, os equilíbrios específicos do IRC e a receita do próprio imposto. Isto é, vise impedir que através da relevação significativa de encargos como os previstos no artigo 88.º, se não introduzam entorses afetadoras do sistema e a expetativa sobre o que deverá ser a receita “normal” do imposto. No caso, como é igualmente consabido, do que se trata é de desincentivar a realização / relevação dessas despesas, desde logo porque, pela sua natureza e fins, elas podem ser mais facilmente objeto de desvio para consumos que, na essência, são privados ou correspondem a encargos que não deixam de ter, também, como finalidade específica e última, o evitamento do imposto. Estas são realidades que, tal como já se deixou anteriormente assinalado, apresentam alguma medida de censurabilidade já que, não violando diretamente a lei, geram desequilíbrios sensíveis e importantes sobre a ideia geral de justiça, sobre o dever fundamental de contribuir na proporção dos seus haveres, da igualdade, do sacrifício, da proporcionalidade da medida do imposto em face das manifestações possíveis de riqueza, da tributação do rendimento real e da justiça.

Funcionando de um modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC – que tributa os rendimentos – as tributações autónomas, reafirma-se, tributam certas despesas ou encargos específicos – e constituem uma realidade instrumental, acessória desse imposto, na justa medida em que é em função dele que foram instituídas e são, por isso, passíveis de lhes ser reconhecida uma instrumentalidade ou acessoriedade de fins, radicada na salvaguarda dos fins do próprio imposto onde se manifestam.

Tem-se assim como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos “outros impostos” de que nos dá conta a parte final da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC (redação em vigor em 2013).

Revelações dessa ligação de funcionalidade, e no quadro da intenção do legislador no seu todo, sobressaem, por exemplo da disciplina do artigo 12.º do CIRC a propósito das entidades sujeitas ao regime da transparência fiscal, ao não as tributar em IRC, “salvo quanto às tributações autónomas”, relação essa que igualmente se manifesta face ao n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, no sentido em que as taxas de tributação autónoma têm em consideração o facto do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.

Analisada ainda sob outro prisma, haverá que considerar as tributações autónomas no contexto de normas anti-abuso específicas e a sua similitude com o regime previsto sob o n.º 1 do artigo 65.º do CIRC, (“não são dedutíveis para efeitos do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizada e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”). Visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.

Em conclusão, as tributações autónomas, que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC, integram o regime e são devidas a título deste imposto, não constituindo as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.

Este entendimento foi legal e recentemente clarificado pelo artigo 3º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que aditou o artigo 23.º A) ao CIRC (ao mesmo tempo que o seu artigo 13.º revogou o artigo 45.º) com a seguinte redação:

Artigo 23.º A)- Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

“1. Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

a)      o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros”.

 

Não subsistindo dúvidas quanto ao carácter interpretativo do preceito transcrito, de acordo com as regras de hermenêutica jurídica, na prática, tal norma, vem expressar o que o legislador sempre entendeu e continua a entender, ou seja que os encargos decorrentes com o custo associado às tributações autónomas, não relevam para efeitos de apuramento do lucro tributável.”

 

Acresce que, recentemente a Lei n.º 7-A/2016 de 30.03 trouxe uma nova redação ao art. 88º, n.º 21 do CIRC:

21-A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.

 

De acordo com o art. 88.º, n.º 21 do CIRC é evidente que às tributações autónomas não são efetuadas quaisquer deduções.

No art. 135.º do mesmo diploma, o legislador decidiu conferir carácter interpretativo à norma citada. Como referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela deve considerar-se lei interpretativa aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência pelos seus próprios meios poderia ter chegado. Cfr. C.C. Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1987, pág. 62.

A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, retroagindo os seus efeitos à entrada em vigor da antiga lei, como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada, ressalvando-se os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença transitada, por transação ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza (art. 13.º, n.º 1 do Código Civil). De acordo com o n.º 1 do artigo 13.º do Código Civil, a lei interpretativa considera-se integrada na lei interpretada. Assim, citando os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela: «Isto quer dizer que retroage os seus efeitos até à entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada». In CC anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1987, pág. 62

Como refere o Prof. Baptista Machado “(…) a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e a situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA [lei antiga] com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas.In Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1996, pág. 246. Mais prossegue o Prof. Batista Machado afirmando: “Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.In Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1996, pág. 24

No caso em apreço a solução, que resultava de uma interpretação restritiva do art. 88.º, e 93.º do CIRC era controvertida como revela a decisão do CAAD proferida no processo n.º 113/2015-T. Para além disso, a solução pugnada pelo legislador foi ao encontro da única decisão judicial conhecida até à data em questão, que analisou a dedutibilidade, ou não, do PEC ao valor das tributações autónomas.

A lei interpretativa distingue-se da lei inovadora por visar resolver uma questão duvidosa ou controversa na lei interpretada e por a resolver num sentido que seria possível a qualquer intérprete. Porquanto, tratando-se de uma questão controvertida e tendo a Lei n.º 7-A/2016 de 30.03 adotado a interpretação seguida pela única decisão judicial proferida, afigura-se que a lei interpretativa não é inovadora.

Mais, “(…) não há, no que concerne a dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta, preocupação de protecção de confiança, pois, os pagamentos especiais estão conexionados com o volume de negócios, não dependendo de qualquer específico comportamento que o sujeito passivo fosse levado a adoptar por lhe ser criada a expectativa de obter como contrapartida uma vantagem fiscal.” Proc. N.º 673/2015-T do CAAD, 28.04.2016

A não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta não pode constituir qualquer violação de uma eventual expetativa da contribuinte porque o seu valor não está dependente de um comportamento específico da contribuinte, que a possa ter condicionado, mas sim do volume de negócios. Acresce que, mesmo que existissem tais expetativas não seriam legítimas porque nunca antes tinha sido admitida a dedução dos pagamentos especiais por conta ao valor das tributações autónomas.

Advoga ainda a requerente, em sede de alegações, que a eventual aplicação da lei interpretativa constitui uma violação da proibição de aplicação retroativa das leis fiscais (art. 103.º, n.º 3 da CRP).

O disposto no art. 103.º, n.º 3 da CRP não impede que o legislador aprove normas interpretativas, desde que sejam verdadeiramente interpretativas. A norma a aplicar é a interpretada e não a interpretativa. (Neste sentido Cfr. Diogo Leite Campos, Mônica Leite de Campos, Direito Tributário, 2ª Ed., Almedina, pág. 220 e António Lima Guerreiro, LGT Anotada, Editora Rei dos Livros, 2001, pág. 90). Esta alegação não pode deixar de improceder uma vez que a lei é interpretativa, não sendo inovadora.

Deste modo, não está em causa a aplicação de uma lei nova a fatos já consumados. Neste sentido Cfr. proc. do CAAD n.º 673/2015-T, 28.04.2016.

Citando o Prof. Ferrer Correia (Parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XIV, tomo IV, citado no Acórdão do STA de 4 de Fevereiro de 1998, proc nº 21731, in Apêndice ao Diário da República, 8 de Novembro de 2001.) “Na ausência de outros elementos que permitam dar valor interpretativo a uma norma, o critério fundamental a utilizar para tal fim é ‘que o princípio contido na nova lei possa considerar-se ínsito na lei anterior. Ora esse requisito deve julgar-se satisfeito sempre que possa dizer-se que os tribunais decidiriam normalmente, no domínio da legislação anterior, de acordo com tal princípio”.

Tal como já se referiu, a norma interpretativa foi de encontro à única decisão judicial proferida até à data da sua publicação (Proc. n.º 113/2015-T).

 A mera interpretação operada pela norma interpretativa já resultava da interpretação, baseada entre outros elementos no elemento racional e no fim visado pela norma atenta a sua natureza e finalidade.

Destarte, concluo que o carácter interpretativo do art. 88.º, n.º 21, imposto pelo art. 135.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30.03 não é contrário à norma prevista no art. 103.º, n.º 3 da CRP.

           

“O pagamento especial por conta (PEC)

Este regime está previsto nos artigos 106.º, do CIRC e 33.º, da LGT.

O PEC é uma entrega antecipada por conta de um facto que está em formação, ou seja, pressupõe um facto tributário de obrigação única por oposição aos factos tributários periódicos.

O PEC foi criado com o propósito de garantir uma coleta mínima de imposto, sendo até esta a sua primeira designação na discussão do OE para 1998. Esta exigência de coleta mínima surgiu pela constatação de que a grande maioria das empresas não apresentava lucro tributável e/ou que este era na maioria dos casos insignificante.

            Tal como a tributação autónoma, o PEC funciona como uma presunção de rendimento e como forma de combate à evasão fiscal, obrigando algumas empresas a pagar pelo menos algum imposto.

O PEC é também utilizado como um “mecanismo de anestesia fiscal”, fazendo reduzir o período de tempo entre o facto tributário e o pagamento do imposto. Apesar do regime da tributação autónoma ter como fundamento a tributação de um rendimento presumido, este difere do regime do PEC, na medida em que o pagamento da tributação autónoma é definitivo e não está sujeito a posteriores acertos.

O regime do PEC apresenta muitas outras especificidades que seria agora despropositado referir; apenas se salienta a possibilidade de o valor suportado poder ser deduzido à coleta, tornando-o muito menos pesado para as empresas do que a tributação autónoma.

 Acresce ainda que as empresas podem, em certas circunstâncias, obter o reembolso do PEC suportado, se não conseguirem deduzir todo o valor, funcionando assim como uma forma de ilidir a presunção de rendimento que resulta deste instituto.

A incidência do PEC baseia-se no volume de negócios relativos ao período de tributação anterior, nos termos do citado artigo 106.º, n.º 2, do CIRC e os pagamentos efetuam-se durante o período de constituição do facto tributário. (Neste sentido Cfr. António Lima Guerreiro, LGT Anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 167).

Apesar de não ser óbvia a sua relação com a capacidade contributiva, o critério do volume de negócios está mais próximo de uma noção de rendimento do que as despesas sujeitas a tributação autónoma.

Desde a criação do PEC, foram sendo levantados problemas de constitucionalidade[2], por se afastar, designadamente, do princípio da capacidade contributiva. O certo é que, apesar do aceso debate, o instituto do PEC perdura.

Do exposto resulta evidente que o pagamento do PEC em 2013, não é dedutível ao montante das tributações autónomas apurado na declaração apresentada pela Requerente relativa ao mesmo período.”

 

            Em conclusão, na esteira das decisões proferidas anteriormente no CAAD (proc. n.º 113/2015-T e proc. n.º 673/2015-T) decido pela não dedução do PEC ao montante das tributações autónomas por ser contrária ao disposto nos arts. 88.º, 93.º, 106.º do CIRC e 33.º da LGT.

Quanto ao pedido formulado subsidiariamente, tendo em conta o atrás exposto, deve o mesmo também improceder porque a base legal das tributações autónomas resulta do disposto no art. 88.º do CIRC, não sendo admitida qualquer dedução.”

 

Juros indemnizatórios

A apreciação da condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios fica prejudicada pela solução atrás alcançada.

Mantendo-se o ato tributário sindicado, em consequência, o pedido de juros indemnizatórios deverá também ser julgado improcedente.

 

III.      DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a)                  Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º …/15 e da consequente autoliquidação de IRC n.º 2014…, relativa ao exercício de 2013;

b)                 Manter integralmente o ato tributário objeto deste processo;

c)                  Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo, nos termos infra.

 

Fixa-se o valor do processo em €17.865,00 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 20 de Junho de 2016  

 

O Tribunal Arbitral

 

 (André Festas da Silva)

 

 



[1] Será ao CIRC em vigor no período em causa nos autos (2013) que se referirão as referências neste texto àquele diploma quando se omitirem quaisquer outras especificidades.

[2] Cfr. sobre esta matéria, José João Avillez Ogando, A Constitucionalidade do Regime do PEC, Suplemento da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62, III, Dezembro de 2012.