Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 761/2015-T
Data da decisão: 2016-06-21  IRC  
Valor do pedido: € 55.678,70
Tema: IRC – Derrama Estadual; SIFIDE
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Decisão Arbitral

 

 

1.      Relatório

 

1.1 A…, Ld.ª, doravante designada por «Requerente», NIPC ..., com sede na …, no …, requereu a constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

1.2 O pedido de pronúncia arbitral, apresentado 18 de dezembro de 2015, tem por objeto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida no processo n.º ...2015..., referente à autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) n.º 2014 ..., do exercício de 2012, no âmbito da qual não foi aceite a dedução à derrama estadual de benefícios fiscais do ano de 2010, concedidos no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) e SIFIDE II, no montante de 55 678,70€. 

 

1.3 Requer ainda a condenação da Requerida à restituição do referido montante, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), desde 01-09-2013, dia subsequente ao termo do prazo para o reembolso oficioso do imposto, até à data do efetivo e integral pagamento.

 

1.4 A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.5 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 04 de janeiro de 2016.

 

1.6         O Signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 Em 17 de fevereiro de 2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 03 de março de 2016.

 

1.9 A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 03 de março de 2016, para, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT e no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10 Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do CPPT, tendo optado, contudo, por não o fazer.

 

1.11 Em 07 de abril de 2016, a Requerida apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação e pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

1.12 Na mesma data juntou cópia do referido PA.

 

1.13     Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da que a Requerente juntou ao pedido de pronúncia, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos no n.º 2 dos artigos 19.º e 29.º do RJAT, por despacho de 09 de abril de 2016, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, de forma sucessiva para a Requerida.

 

1.14     Em 11 de abril de 2016, foram as Partes notificadas desse despacho, tendo a Requerente, em 19 de abril de 2016, apresentado as suas alegações e formulado as respetivas conclusões.

 

1.15     O que a Requerida também fez, em 02 de maio de 2016.

 

1.16     Foi ainda designada a data de 21 de junho de 2016 para a prolação da respetiva decisão arbitral final.

 

2.      Saneamento

2.1 As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

2.2 O processo não enferma de nulidades.

 

2.3 Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

3. Posição das Partes

   3.1 Da Requerente

 

Para a Requerente a autoliquidação é ilegal, na parte em que não aceitou a dedução à derrama estadual apurada pela sociedade “B... SGPS, SA”, no montante de 55 678,70€, de benefícios fiscais do ano de 2010, concedidos às sociedades “A..., Ld.ª” e “C...–…, SA” no âmbito do SIFIDE e SIFIDE II, por vício de violação de lei nos respetivos pressupostos de direito, uma vez que:

A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas nos termos do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (REGTS), previsto nos artigos 69.º e ss. do CIRC, o qual é caraterizado como um regime, opcional e especial de tributação, de grande complexidade, uma vez que juridicamente existem várias sociedades, mas fisicamente há apenas um sujeito passivo (aglutinador da situação tributária individual das sociedades que compõem o perímetro fiscal), sendo uma única sociedade (a dominante), a responsável pela liquidação e pagamento do IRC devido.

No que respeita à determinação do lucro tributável do Grupo, a sociedade dominante deve calcular a soma algébrica dos lucros tributáveis e prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao Grupo, cfr. previsto no artigo 70.º do CIRC. 

Assim, o Grupo é o único sujeito passivo para efeitos de IRC, no âmbito do RETGS ou, a contrario sensu, as sociedades que compõem o Grupo e que se encontram sujeitas ao RETGS, não são sujeitos passivos de IRC.

Cada sociedade apura um lucro tributável na sua declaração individual, contribuindo deste modo para a matéria coletável do Grupo.

Contudo nas declarações periódicas individuais não existe um verdadeiro apuramento de coleta, mas antes e apenas, um apuramento de lucro tributável de prejuízo fiscal individual.

A aplicação do RETGS importa o apuramento de uma única matéria coletável, de uma única coleta, de uma única derrama estadual, pelo sujeito passivo obrigado à liquidação, ou seja, pela sociedade dominante em representação do Grupo.

Devendo na liquidação do imposto, conforme a regra expressa do n.º 6 do artigo 90.º do CIRC, considerar-se que as deduções do n.º 2 daquele artigo, entre elas a relativa a benefícios fiscais, são efetuadas ao montante da coleta apurado pelo Grupo, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, correspondendo deste modo à coleta total do Grupo, composta pelo IRC e pela derrama estadual do Grupo.

Que é o sujeito passivo “GRUPO”, personificado na sociedade dominante, quem se encontra obrigado à liquidação, i.é aos procedimentos subsequentes à determinação da matéria coletável, devendo cada uma das sociedades que integram o perímetro do RETGS proceder à entrega das declarações individuais, cfr. alínea b), n.º 6, artigo 120.º do CIRC, mas apenas para efeitos declarativos.

Os benefícios de dedução à coleta gerados no âmbito do Grupo, como os do SIFIDE, são dedutíveis à coleta do mesmo grupo, que compreende o IRC e a derrama estadual. 

A sobretaxa do IRC, denominada derrama estadual, surgiu com vista à consolidação orçamental, tendo sido introduzida em 2010 no quadro do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC).

É assente pelas Partes, em consonância com a Doutrina e Jurisprudência que, no que respeita à sua natureza jurídico-fiscal, a derrama estadual é classificada como imposto acessório e não autónomo ou diferenciado do IRC ou, dito de outro modo, integra a coleta total de IRC. Dentro desta tipologia, a derrama estadual consubstancia-se num adicionamento ou sobretaxa.

A coleta total do IRC compreende a derrama estadual.

No âmbito da aplicação do RETGS é assente pelas Partes que o sujeito passivo do IRC é o Grupo, em respeito pela unidade e capacidade contributiva subjacente a este regime especial de tributação.

Para efeitos de liquidação do IRC, nos termos dos artigos 89.º e 90.º do CIRC, quando se aplique o RETGS, a coleta a ter em conta corresponde à coleta total do Grupo, que compreende a soma algébrica das derramas estaduais calculadas nos termos da regra do artigo 87.º-A do mesmo código.

O apuramento da derrama estadual, considerando o lucro tributável das sociedades do RETGS, configura uma mera regra de cálculo, não devendo ser confundida com as regras de liquidação e de pagamento do imposto, em particular, no caso de aplicação deste regime especial de tributação.

O benefício fiscal SIFIDE é deduzido, nos termos das regras do artigo 90.º do CIRC, à coleta total do Grupo e, em virtude da ausência de norma específica em contrário, até ao seu limite.

Em conformidade com o disposto no n.º 6 do artigo 90.º do CIRC, sendo aplicável o RETGS, o valor das deduções a serem efetuadas à coleta total do Grupo, como as relativas ao SIFIDE, devem considerar o valor total do benefício apurado pelo Grupo, ou seja, o relativo a cada uma das sociedades que o integram.

Não é legítima a consideração de que as derramas estaduais são próprias de cada sociedade que compõe o RETGS, nem se encontra legítima qualquer limitação à regra do n.º 6 do artigo 90.º do CIRC, devendo sempre as deduções ser efetuadas à coleta total do grupo, já que é a essa que o n.º 1 do artigo 90.º do CIRC se reporta.    

Para a AT, não obstante a derrama estadual ser devida pela sociedade dominante, em representação do Grupo, esta é apurada individualmente por cada uma das sociedades do Grupo, não se podendo falar de uma derrama estadual do Grupo, mas antes de um somatório de derramas estaduais individuais, como se não fosse aplicável o RETGS.

Pelo que, considerando a derrama estadual um adicionamento ao IRC e as regras próprias de liquidação do imposto no âmbito do RETGS, deverá a sociedade dominante liquidar a derrama estadual do Grupo resultante da soma algébrica das derramas estaduais apuradas na declaração periódica de cada uma das sociedades do Grupo, incluindo a da sociedade dominante.

A decisão recorrida viola o direito, em particular as normas do artigo 4.º da Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto (SIFIDE) e da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (SIFIDE II), dos n.ºs 1, 2-alínea c) e 6 do artigo 90.º do CIRC bem como do quadro legal do RETGS, o que justifica a sua anulação.

Bem como viola os princípios da igualdade, da justiça, da boa-fé, da verdade material e da proporcionalidade.

 

Em caso de procedência da pretensão da Requerente e ilegalidade do ato recorrido, encontra-se a AT obrigada ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT e n.º 4 do artigo 61.º do CPPT, desde 01-09-2013, dia subsequente ao termo do prazo para o reembolso oficioso do imposto, até à data do efetivo e integral pagamento.

 

Termina pugnando pela integral procedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

  3.2 Da Requerida

 

Defendendo-se, por impugnação, a AT invoca os seguintes argumentos:

Que o Grupo “A...” não é um sujeito passivo de IRC, em sentido restrito, porque não lhe é atribuída personalidade tributária própria, já que, como refere Gonçalo AVELÃS NUNES, que cita: «… o grupo não tem património, não tem rendimento e (…) não tem órgãos próprios que definam a sua vontade e fins. O que significa que o grupo de sociedades não tem capacidade contributiva autónoma para suportar o encargo em que consiste o imposto».

Pelo que, quando se alude ao grupo de sociedades como “sujeito passivo” tal menção deve ser entendida numa aceção económica e extrafiscal e não no plano jurídico da atribuição de personalidade tributária, mantendo-se cada sociedade membro como sujeito passivo autónomo.

Assim o grupo de sociedades constitui uma unidade de tributação sui generis, residindo a capacidade contributiva em cada uma das sociedades que o integram, embora a determinação da matéria coletável seja efetuada conjuntamente (cfr. n.º 1 do artigo 69.º), sendo que esta grandeza é apurada mediante a integração dos resultados fiscais de cada uma das sociedades.

Que a doutrina vem entendendo, de forma pacífica, a não atribuição de personalidade tributária aos grupos de sociedades, cfr. José Maria Fernandes Pires, in “Lei Geral Tributária”, comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.128 «(…) embora estejam integradas num grupo de sociedades, todas as sociedades submetidas a um regime de tributação pelo lucro tributável do grupo mantêm a sua autonomia jurídica, patrimonial e tributária distintas das demais.»

Assim, como defende o mesmo autor, na configuração do RETGS, a eficácia da lógica de grupo projeta-se, no essencial, no processo de determinação da matéria coletável e na liquidação que tem por base essa grandeza, pois, nos demais aspetos que abrangem, nomeadamente, o apuramento de derrama estadual, a lógica da unidade de tributação cede em favor de uma perspetiva de tratamento individualizado das sociedades, como sucede, igualmente, na derrama municipal (cfr. n.º 14 do art.º 18.º da Lei n.º 73/2013, de 03.09).

Deste modo, por força do que dispõe o n.º 3 do art.º 87.º-A do CIRC, as taxas da derrama estadual incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada sociedade do grupo, ou seja, a coleta da derrama é apurada numa base individualizada, sendo o respetivo montante objeto de transposição para a declaração do grupo, a apresentar pela sociedade dominante nos termos da alínea a) do n.º 6 do art.º 120.º, na medida em que é esta a sociedade incumbida do pagamento do IRC (art. 115.º), devendo, por conseguinte, proceder à quantificação, de forma centralizada, dos valores do imposto a pagar ou a recuperar.

Assim, embora a coleta da derrama estadual figure na declaração do grupo e a correspondente quantia seja tida em conta para o cálculo do valor total do imposto a pagar ou a recuperar pela sociedade dominante, a liquidação é da responsabilidade de cada sociedade do grupo e é efetuada, nos termos do art.º 89.º e n.º 1 do art.º 90.º, pelo sujeito passivo na declaração individual a apresentar por imperativo da alínea b) do n.º 6 do art.º 120.º, pelo que não integra a coleta determinada com base na matéria coletável do grupo referida no n.º 6 do art.º 90.º.

Concedendo o regime do SIFIDE aos sujeitos passivos de IRC um benefício fiscal sob a forma de dedução ao montante apurado nos termos do art.º 90.º do Código do IRC (e até à sua concorrência) de um montante obtido por aplicação das percentagens legalmente previstas às despesas realizadas com investigação e desenvolvimento, o que significa que se as sociedades dominadas “C...” e “A...” preencheram os pressupostos legais para adquirirem o direito a este benefício fiscal, a dedução só poderá ser feita ao montante do IRC apurado pela sociedade dominante com base na matéria coletável do grupo, em conformidade com o n.º 6 do mesmo preceito e nunca ao montante da derrama estadual liquidada por uma outra sociedade dominada – a “B...” - na sua própria declaração periódica de rendimentos individual, nos termos do n.º 3 do art.º 87.º-A do Código do IRC.

Assim o respetivo apuramento tem por base o lucro tributável calculado na declaração periódica de rendimentos individual na qual, em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 6 do art.º 120.º deve ser determinado o imposto como se o RETGS não fosse aplicado.

Se as regras de funcionamento do RETGS não permitem que a dedução do benefício fiscal SIFIDE de que é titular uma sociedade do grupo seja efetuada à coleta da derrama estadual de outra sociedade pertencente ao mesmo grupo, tal possibilidade também não é consentida nem pelo regime de transmissibilidade dos benefícios fiscais, previsto no n.º 1 do art.º 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), segundo o qual o direito aos benefícios fiscais, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é intransmissível inter vivos.

Donde resulta que o n.º 1 do artigo 15.º do EBF impede que o direito ao benefício fiscal – SIFIDE – de que são titulares as duas sociedades que preencheram os pressupostos legais para o efeito, a “C...” e a “A...”, seja usufruído por outra sociedade – a “B...” – através da dedução a efetuar à coleta da derrama estadual apurada por esta sociedade.

Que, diferentemente do que sucede no âmbito do regime fiscal aplicável às operações de fusão, em que, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º-A do Código do IRC, os benefícios fiscais das sociedades fundidas são transmitidos para a sociedade beneficiária, desde que verificados os respetivos pressupostos e seja aplicável o regime especial estabelecido no artigo 74.º, no contexto do RETGS, inexiste uma norma que, de forma expressa, preveja a transmissibilidade de benefícios fiscais, entre sociedade do grupo, nas circunstâncias presentes no caso sub judice, pelo que é aplicável o regime previsto no referido artigo 15.º do EBF.

 

Por não ter ocorrido qualquer erro que possa ser imputável à AT, deverá improceder o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

Mas, ainda que se viesse a considerar procedente tal pedido, o que admite por mera hipótese, o seu cômputo teria como termo inicial a data da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e não o dia subsequente ao termo do prazo para o reembolso oficioso do imposto.

 

Assim, por não assistir à Requerente o direito de efetuar a dedução do benefício fiscal SIFIDE adquirido pelas sociedades do grupo “A..., Ld.ª” e “C...–…, SA” à coleta da derrama estadual apurada pela sociedade “B... SGPS, SA” no exercício de 2012, no montante de € 55.678,70, termina, pugnando pela total improcedência dos pedidos de pronúncia arbitral e absolvição da requerida.

 

3.      Objeto do litígio

A questão que constitui o thema decidenduum consiste em saber se, possuindo a derrama estadual caráter acessório e não diferenciado do IRC, é legal a pretensão da Requerente de, no âmbito do RETGS, deduzir o benefício fiscal SIFIDE, concedido às sociedades “A…, Ld.ª” e “C... – …, SA”, à coleta da derrama estadual apurada pela sociedade “B... SGPS, SA”, no montante de 55 678,70€.

 

5.Fundamentação

    5.1 Factos provados

 

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias e de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

5.1.1 A Requerente é a sociedade dominante do perímetro do Grupo de sociedades “A...”, tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º e ss. do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).

 

5.1.2 Por referência ao período de tributação de 2012, o perímetro do Grupo “A...” era constituído pelas seguintes sociedades:

 

Sociedade dominante:

NIPC

A..., Lda.

...

 

 

Sociedades dominadas:

 

C..., SA

B... SGPS, SA

D...-…,SA

A... II …, SA

E...- …, SA

F...-…, SA

G... …, SA

 

5.1.3 Nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 120.º do CIRC, as sociedades do grupo submeteram, por via eletrónica, a declaração periódica de rendimentos (Modelo 22), a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º do mesmo código, relativa ao exercício de 2012.

 

5.1.4 A Requerente bem como a sociedade “C..., SA” declararam no Quadro 07, Campo 710, do Anexo D à declaração Modelo 22, benefícios fiscais (deduções à coleta) concedidos no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), previsto na Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto e Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE II), previsto no artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, nos montantes de 198 490,39€ e 221 466,59€, respetivamente.

 

5.1.4 De todas as sociedades do grupo, apenas a “B... SGPS, SA” declarou lucro tributável, no montante de 3 355 956,66€, o qual foi inscrito no Quadro 9, Campo 302, da sua declaração, apresentada em 29-05-2014 (Declaração de substituição n.º …-…-…).

Na mesma declaração (Quadro 10, Campo 373) foi calculada derrama estadual, em cumprimento do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 87.º-A do CIRC, na redação vigente à data dos factos (2012), no montante de 55 678,70€, assim determinada: (3 355 956,66€ - 1 500 000,00€) x 3%

 

5.1.5 As restantes sociedades declararam prejuízo fiscal no montante global de 13 556 402,99€.

 

5.1.6 Em 29 de maio de 2014, a Requerente, enquanto sociedade dominante, submeteu, por via eletrónica, a declaração modelo 22 de substituição (Declaração n.º …-…-…) respeitante ao mesmo exercício, nos termos da alínea a) do n.º 6 do artigo 120.º do CIRC.

Na qual, nos termos do n.º 1 do artigo 70.º do mesmo código, foi calculado prejuízo fiscal no montante de 10 200 446,33€ (Quadro 9, Campo 382), através da soma algébrica dos lucros tributáveis (3 355 956,66€) e dos prejuízos fiscais (13 556 402,99€) apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, incluindo na da sociedade dominante.

 

5.1.7 Na mesma declaração (Quadro 10, Campo 373) foi inscrito o montante de 55 678,70€, respeitante à derrama estadual apurada na declaração Modelo 22 da sociedade dominada “B... SGPS, SA”.

 

5.1.8 Os benefícios fiscais concedidos no âmbito do SIFIDE e SIFIDEII, no montante global de 419 956,98€, foram declarados no Quadro 07, Campo 710, do Anexo D à referida declaração modelo 22 da Requerente, enquanto sociedade dominante.   

 

5.1.9 As datas de entrega das declarações, resultados fiscais nas mesmas apurados, bem como os montantes da derrama estadual e benefícios fiscais no âmbito do SIFIDE e SIFIDE II, mostram-se representados pelo gráfico que segue:

 

Sociedades do Grupo “A...”

 

Sociedades (dominante e dominadas)

NIPC

Entrega

Lucro tributável (2012)

Prejuízo (2012)

Derrama estadual

SIFIDE

Dotação do período

A..., Lda. (dominante)

...

29-05-2014 (a)

0

8 276 198,40

0

198 490,39

C..., SA

29-05-2014 (b)

0

457 643,68

0

221 466,59

B... SGPS, SA

29-05-2014 (c)

3 355 956,66

0

55 678,70

0

0

D...-…, SA

29-05-2013

0

120 098,41

0

0

A... II …, SA

29-05-2013

0

1 324 548,78

0

0

E...-…, SA

29-05-2013

0

91 912,32

0

0

F...-…, SA

29-05-2013

0

1 380 479,84

0

0

G..., SA

29-05-2013

0

1 905 521,56

0

0

SOMA

-------------------

 

3 355 956,66

13 556 402,99

55 678,70

419 956,98

 

A..., Lda. (na qualidade de dominante)

...

29-05-2014 (d)

0

10 200 446,33

55 678,70

419 956,98

 

(a)    Declaração de substituição. A 1.ª declaração foi apresentada em 28-05-2013

(b)   Declaração de substituição. A 1.ª declaração foi apresentada em 29-05-2013

(c)    Declaração de substituição. A 1.ª declaração foi apresentada em 29-05-2013

(d)   Declaração de substituição. A 1.ª declaração foi apresentada em 31-05-2013

 

5.1.10 Da autoliquidação, efetuada nos termos da alínea a) do artigo 89.º do CIRC, resultou imposto a recuperar no montante de 278 357,59€.

 

5.1.11 Em 20 de maio de 2015, foi deduzida reclamação graciosa contra a referida autoliquidação, nos termos dos artigos 68.º e ss. do CPPT e artigo 137.º do CIRC (Processo n.º ...2015...).

 

5.1.12 Sendo a mesma indeferida, por despacho de 11 de setembro de 2015 da Senhora Chefe da Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças do ..., no uso de competência subdelegada.

 

5.1.13 O referido despacho foi notificado à Requerente através do ofício n.º …/…, rececionado em 21 de setembro de 2015 (A/R n.º RM…PT), e que marca o termo inicial ou dies a quo do prazo para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, conforme alínea a), n.º 1, artigo 10.º do RJAT.

 

5.2. Factos não provados

 

        5.2.1 Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

5.3. Motivação

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. art. 123º nº 2 do CPPT e artigos 607º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea a) e e) do RJAT)].

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.   

 

5.4. Matéria de Direito

 

A derrama estadual, introduzida no sistema jurídico fiscal português pela Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho, e que foi criada no quadro do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) de 2010, com vista à “consolidação orçamental que visa estabelecer a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida publica”, veio introduzir (para além de outras de carácter transversal) medidas fiscais, no âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, tendo o seu artigo 2.º procedido ao aditamento de vários artigos ao CIRC, nomeadamente dos artigos 87.º-A, 104.º-A e 105.º-A, no seguinte sentido:

 

Artigo 87.º-A

Derrama estadual

1.Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas apurado por sujeitos passivos residentes ao território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incide uma taxa adicional de 2,5%.

2.Quando seja aplicável o regime especial da tributação de grupos de sociedades, a taxa a que se refere o número anterior incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante

3. Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º”.

 

Procedendo igualmente ao aditamento do artigo 104º-A do CIRC respeitante ao modo de pagamento da derrama estadual no sentido seguinte:

“Artigo 104.º-A

Pagamento da derrama estadual

1. As entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e os não residentes com estabelecimento estável devem proceder ao pagamento da derrama estadual nos termos seguintes:

a) Em três pagamentos adicionais por conta, de acordo com as regras estabelecidas na alínea a) do nº 1 do artigo 104º;

b) Até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120º, pela diferença que existir entre o valor total da derrama estadual aí calculado e as importâncias entregues por conta nos termos do artigo 105º A;

c) Até ao dia do envio da declaração de substituição a que se refere o artigo 122º, pela diferença que existir entre o valor total da derrama estadual aí calculado e as importâncias já pagas.

2. Há lugar a reembolso ao sujeito passivo, pela respectiva diferença, quando o valor da derrama estadual apurado na declaração for inferior ao valor dos pagamentos adicionais por conta.

3. São aplicáveis às regras de pagamento da derrama estadual não referidas no presente artigo as regras de pagamento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectiva com as necessárias adaptações”.

 

Bem como do artigo 105.º-A

Cálculo do pagamento adicional por conta

1 — As entidades obrigadas a efectuar pagamentos por conta e pagamentos especiais por conta devem efectuar o pagamento adicional por conta nos casos em que no período de tributação anterior fosse devida derrama estadual nos termos referidos no artigo 87.º-A.

2 — O valor dos pagamentos adicionais por conta devidos nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º-A é igual a 2% da parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 relativo ao período de tributação anterior.

3 — Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, é devido pagamento adicional por conta por cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante”.

 

Face ao disposto no n.º 1 do artigo 20.º da referida lei, as disposições em causa entraram em vigor no dia imediatamente a seguir ao da sua publicação, ou seja em 01 de Julho de 2010, não prevendo o normativo qualquer disposição relativa à vigência temporal das medidas em causa, sendo que o artigo 87.º-A do CIRC se mantém em vigor com as alterações que lhe foram introduzidas pelas leis dos orçamentos de 2012 e 2013, respetivamente a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro e a Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e, mais recentemente, pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.

Assim, à data dos factos (exercício de 2012) o referido artigo tinha a seguinte redação dada pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro:

Derrama estadual

1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte: 

Lucro tributável
 (em euros)  

Taxas
 (em percentagens)

De mais de 1 500 000 até 10 000 000

3

Superior a 10 000 000

5

 

2 - O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000, quando superior a (euro) 10 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 8 500 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 10 000 000, à qual se aplica a taxa de 5 %. 

3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º”. 

 

Considerando que a Requerente é a sociedade dominante do perímetro do Grupo de sociedades “A...”, tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º e ss. do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), ressalta desde logo o teor do referido n.º 3 do artigo 87.º-A, segundo o qual quando seja aplicável aquele regime especial,  as taxas referidas no n.º 1 do mesmo artigo incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, prevista no n.º 6 do artigo 120.º do CIRC, incluindo na da sociedade dominante. 

Deste modo, para apuramento da derrama estadual, o lucro tributável não corresponde à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 70.º do CIRC, mas antes ao lucro tributável apurado na declaração periódica de cada uma das sociedades do Grupo.  

Donde resulta que, de todas as sociedades do Grupo (dominante e dominadas), apenas a “B... SGPS, SA” calculou derrama estadual, no montante de 55 678,70€, por ser a única a declarar lucro tributável, no montante de 3 355 956,66€, o qual foi inscrito no Quadro 9, Campo 302, da sua declaração apresentada em 29-05-2014 (Declaração de substituição n.º …-…-…), não obstante o pagamento da derrama incumbir à sociedade dominante, ou seja, à Requerente, nos termos do artigo 115.º do CIRC.

Todas as restantes sociedades apresentaram prejuízo fiscal no montante de 13 556 402,99€.

 

Quanto à natureza jurídica da derrama estadual refira-se, desde já, que perante a tipologia de impostos que usualmente é acolhida pela nossa doutrina, dúvidas parece não se suscitar quanto ao acolhimento das derramas (estadual e municipal) como impostos de carácter geral, ordinários e diretos, reais e alegadamente com carácter periódico, isto no que concerne à derrama estadual (a ter em conta a justificação que esteve subjacente à sua criação conforme supra referido).

Já quanto à dicotomia (principal/acessório) ou tricotomia (principal/acessório/dependente) se a questão assumia algum relevo relativamente à derrama municipal no seu regime anterior à Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, que até aí, parecia convergir quanto ao seu carácter acessório relativamente ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, deixou a mesma a partir de então de assumir tal natureza de acessoriedade uma vez que deixou claramente de atender, quer à matéria coletável, quer à própria coleta de IRC enquanto pressupostos da sua aplicabilidade.

A jurisprudência[1] bem como a doutrina[2]-[3]-[4]-[5] parecem convergir no sentido de estarmos perante um “adicionamento” ou uma “sobretaxa” ao IRC, pelo facto de, entre outros, ter passado a ser calculada a partir do lucro tributável e já não a partir da coleta.

As derramas, raciocínio que se aplica indistintamente quer para as municipais quer para a derrama estadual que nos ocupa, têm agora no que respeita à sua relação com o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas uma relação absolutamente restrita, unicamente para efeitos do seu cálculo por razões de simplicidade e operacionalidade.

 

Assim, possuindo a derrama estadual caráter acessório e não diferenciado do IRC, pretende a Requerente que os benefícios fiscais concedidos às sociedades dominadas “A…, Ld.ª” e “C... – …, SA”, no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) e SIFIDE II, sejam dedutíveis à coleta da derrama estadual apurada pela sociedade “B...-SGPS, SA”, com base no lucro tributável em IRC pela mesma apurado.

 

Diga-se, desde já, que a requerente não tem razão, uma vez que o legislador previu expressamente a situação das sociedades sujeitas ao RETGS relativamente à derrama estadual, cfr. n.º 3 do artigo 87.º-A do CIRC.

Como referem as decisões arbitrais proferidas nos Processos Arbitrais n.ºs 369/2015-T e 370/2015-T, e com as quais concordamos:

Este tributo (refere-se à derrama estadual), não obstante o seu carácter acessório relativamente ao IRC, ficou excluído do âmbito de aplicação do RETGS, uma vez que não incide sobre o lucro global de um grupo de sociedades (sobre a soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais das sociedades que o integrem), mas sim sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante.

O que bem se compreende, se atentarmos nos objetivos da Lei 12-A/2010, a qual “aprova um conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC)”.

 

Para chegarmos a uma conclusão teremos de nos socorrer das regras de interpretação jurídica, pois que, se a Requerente faz uma interpretação do disposto no artigo 87º-A do CIRC e demais legislação invocada e a AT outra, divergente, há que interpretar os preceitos em causa.

Em matéria de interpretação determina o artigo 9.º (interpretação da lei) do Código Civil o seguinte:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Ora, de entre os vários elementos de interpretação jurídica (fatores hermenêuticos), deve o intérprete socorrer-se, para além do elemento gramatical (texto ou “letra da Lei”), também do espírito da lei, ao qual chegamos através de vários outros subelementos, tais como o elemento sistemático (contexto da lei e lugares paralelos), o elemento histórico, com destaque para os trabalhos preparatórios e o elemento racional ou teleológico. Este consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. Como refere João Baptista Machado[6], “O conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.,) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico-social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma”.

Todavia, o ponto de partida é o texto da lei, conforme determinado no n.º 2 do artigo 9.º transcrito, pois que não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Quanto ao texto da lei, atentemos assim nos termos do nº 1 do artigo 87.º-A, Derrama Estadual, aditado pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, ao CIRC[7]:

“1 Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incide uma taxa adicional de 2,5 %”.

Verificámos assim que o que este artigo 87º-A veio estabelecer no seu nº 1, são as regras de incidência, subjetiva e objetiva, o âmbito de aplicação territorial, e a respetiva taxa.

Emerge dos trabalhos preparatórios, do preâmbulo da Proposta de Lei n.º 26/XI/1.ª [8], que esteve na base da Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho, a referência a:

“Uma tributação adicional em sede de IRC, aplicando uma sobretaxa correspondente a uma derrama de 2,5 pontos percentuais às empresas cujo lucro tributável seja superior a 2 milhões de euros”.

Importa atentar nos termos empregues no texto da lei e nos trabalhos preparatórios, pelo que, onde constava “Uma sobretaxa correspondente a uma derrama de 2,5 pontos percentuais”, na Proposta de Lei n.º 26/XI/1, passou a constar “Uma taxa adicional de 2,5 %, no art.º 87º-A”.

Percebendo-se que o legislador utilizou a expressão taxa adicional na versão final no mesmo sentido que, no mesmo contexto socioeconómico, se procedeu ao aumento – um adicional – da taxa do IVA, em 1% no tocante a todas as taxas; ao aumento, progressivo, seletivo e dirigido, das taxas do IRS, que crescem 1% nos três primeiros escalões do IRS, onde se agregam dois terços dos agregados familiares portugueses, e com o crescimento de 1,5% no quarto escalão e seguintes.

Assim sucedeu também com a introdução de uma derrama, em sede de IRC, que se dirige, única e exclusivamente, às grandes empresas com lucros tributáveis superiores a 2 milhões de euros, uma medida que abrange, no essencial, um conjunto de cerca de 1300 pessoas coletivas.

Explicita o antedito, que este elemento – histórico (occasio legis) – por referência ao momento ou circunstâncias em que a lei foi criada, não consubstancia a existência de regimes de exceção ou de isenção.

Ao invés, o momento histórico – rectius, as circunstâncias históricas, de escassez de recursos e fundos de tesouraria pública para o cumprimento das obrigações correntes do Estado – foram determinantes de que os sujeitos passivos – pessoas singulares e pessoas coletivas – que fossem dotados de especial capacidade contributiva, então definida, fossem convocados a pagar um adicional de impostos em função dessa capacidade contributiva, em sede de vários impostos.

O que levou à criação da Derrama Estadual e à fixação como patamar de incidência objetiva a parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

Para a compreensão do momento histórico onde é expressa a finalidade da captação de receita fiscal num período económico-financeiro de grande debilidade das contas públicas importa ainda analisar o preâmbulo da Lei nº 12-A/2010, de 30 de junho, que aprova a Derrama Estadual, aditada ao código do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, que salienta:

“Aprova um conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC)”.

Medidas estas de grande urgência, patente também na data de aprovação do diploma – a meio do ano fiscal – quando se não houvesse essa urgência poderia o legislador ter optado por aprovar as mesmas na Lei que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2011, urgência ademais reforçada pela entrada em vigor do diploma no dia seguinte ao da sua publicação[9].

Esta ilação decorre também dos trabalhos preparatórios e dos debates parlamentares, em sede de aprovação na generalidade e especialidade da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, bem como de outros dos debates parlamentares[10], onde é feita referência à derrama estadual, por duas ordens de razões:

Pela referência ao chamamento à contribuição de todas as pessoas coletivas, desde que preenchendo as regras de incidência subjetiva e objetiva – um dado volume de lucro tributável, pois como então referira o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — então importa que esse esforço seja repartido equitativamente e que sejam sobretudo os contribuintes que mais têm os que são chamados a pagar maior imposto.

É expressivo o excerto dum debate parlamentar em que é feita referência à designada derrama estadual[11], no contexto socioeconómico de crise das finanças públicas:

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais - “Foi assim também que foi aprovada nesta Casa a taxa de 45% de IRS, reforçando a progressividade de um imposto que tem já uma forte componente redistributiva e que viu já a luz do dia em publicação em Diário da República.

Com certeza que o Governo não ficará por aqui no seu esforço e trará à proposta de Orçamento do Estado para 2011 as demais medidas que figuram no PEC, uma proposta que chegará a esta Casa, como é bem sabido, nos próximos meses.

Mais recentemente, na prossecução desta política fiscal de resposta à crise, o Governo introduziu, trouxe a esta Casa e foram já objeto de votação, na semana passada, medidas adicionais que visam responder à necessidade de proceder a uma consolidação orçamental adicional, ainda no decurso do ano de 2010. Assim sucedeu com o aumento do IVA, em 1% no tocante a todas as taxas, repondo, desde logo, a taxa normal de 21%; assim foi com o aumento, progressivo, seletivo e dirigido, das taxas do IRS, que crescem 1% nos três primeiros escalões do IRS, onde se agregam dois terços dos agregados familiares portugueses, e com o crescimento de 1,5% no quarto escalão e seguintes, rateados, em qualquer caso, em 7/12 para o exercício de 2010. Assim sucedeu também com a introdução de uma derrama, em sede de IRC, que se dirige, única e exclusivamente, às grandes empresas com lucros tributáveis superiores a 2 milhões de euros, uma medida que abrange, no essencial, um conjunto de cerca de 1 300 pessoas coletivas.

Com estas medidas de resposta à crise, o Governo tem procurado, ao longo deste ano, construir uma política fiscal enérgica, coerente e eficaz de resposta à circunstância difícil que o País atravessa, política essa que assenta em duas preocupações essenciais: em primeiro lugar, numa preocupação de urgência, porque temos a consciência de que há que agir rápido e há que mostrar que temos a capacidade e a habilidade e reunimos o consenso político necessário para avançar com medidas de consolidação em matéria fiscal, por impopulares que elas por vezes surjam; e, em segundo lugar, numa preocupação de solidariedade, porque se chegou a hora — e sem dúvida que ela chegou — de todos fazermos um esforço adicional em matéria fiscal”.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — “Todos, ponto e vírgula!”

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — “Então importa que esse esforço seja repartido equitativamente e que sejam sobretudo os contribuintes que mais têm os que são chamados a pagar maior imposto.

Também por esta razão de solidariedade, o Governo optou por antecipar, já para 2010, a tributação das mais-valias bolsistas e o escalão de 45% de IRS. Foi também por razões de solidariedade que se construiu um agravamento progressivo e seletivo dos escalões do IRS. Por estas razões se construiu a nova derrama estadual, olhando apenas às grandes empresas”.

Numa outra sessão legislativa[12]:

“Em primeiro lugar, justiça na repartição dos encargos; justiça reconhecida no aumento para 45% da taxa máxima de IRS; justiça na tributação das mais-valias; justiça numa diferenciação das novas taxas em matéria de IRS; justiça ao tratar de forma privilegiada as pequenas e médias empresas, ao excluídas da tributação da nova derrama estadual em matéria de IRC”.

 

Com efeito, não faria qualquer sentido que o legislador, para cálculo da derrama estadual, impedisse a determinação do lucro tributável através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedade pertencentes ao Grupo e, por outro lado, permitisse, nos termos do n.º 6 do artigo 90.º do CIRC, a dedução à derrama estadual de benefícios fiscais concedidos a outras sociedades do mesmo grupo, que até declararam prejuízos fiscais, pelo que este preceito é inaplicável sempre que estiver em causa o RETGS.

 

Até porque, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, cfr. n.º 3 do artigo 9.º do referido Código Civil.

 

Resulta, pois, claro, da letra e da ratio da lei, que à derrama estadual não são aplicáveis as regras gerais do RETGS, que a existência de um grupo de sociedades é irrelevante para efeitos deste imposto.  

 

Assim improcede a pretensão da Requerente de deduzir o crédito de imposto relativo ao SIFIDE e SIFIDE II, de que são titulares duas das sociedades do grupo por ela dominada – a “A…, Ld.ª” e “C... – …, SA”- , à “coleta da derrama estadual do grupo”, porquanto esta não existe.

Por todo o exposto entendemos que a autoliquidação de IRC n.º 2014 ..., do exercício de 2012, não enferma de qualquer vício, sendo de manter na ordem jurídica.

 

Apreciação do Pedido de Juros Indemnizatórios

Estando este pedido dependente da procedência do pedido anterior, improcedendo aquele, improcede também este, não havendo qualquer condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

***

  

6. Decisão

 

Em face do supra exposto, decide-se:

 

a)    Julgar improcedente o pedido de anulação do despacho da Senhora Chefe da Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças do ..., de 11-09-2015, proferido no processo de reclamação graciosa n.º ...2015....

b)   Julgar improcedente o pedido de anulação da autoliquidação de IRC n.º 2014 ..., do exercício de 2012.

c)    Julgar prejudicada a apreciação e decisão relativa ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

7- Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 55 678,70€.

 

8- Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 2 142€, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 21-06-2016

 

O Árbitro,

 

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.



[1] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2013, de 09 de abril (Processo n.º 602/12).

[2] Jónatas Machado e Paulo Nogueira e Costa, in “Curso de Direito Tributário”, Coimbra Editora, 2012, pp. 332/333.

[3] António Fernandes de Oliveira, in “Natureza jurídico-fiscal da coleta produzida pela denominada Derrama Estadual”, Fiscalidade 48/Out-Dez, 2011, pág. 25.

[4] José Casalta Nabais, in “Direito Fiscal”, Coimbra Editora, 2011, pp. 62/63.

[5] Freitas Pereira, M. H., in “Fiscalidade”, Almedina, 5.ª ed., 2014, pág. 59 (nota de rodapé n.º 87).

[6] In “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 12.ª Reimpressão, Almedina, pp. 181/185.

[7]Foram aditados ao CIRC os artigos 87.º-A, 104.º-A e 105.º-A, todos eles respeitantes à derrama estadual, com o objetivo de determinação das regras de incidência – subjetiva e objetiva – bem como o pagamento e cálculo do pagamento adicional por conta.

[9] Artigo 20.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho (Entrada em vigor): “1. Apresente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (…)”.

[10] Pode ver-se no debate na generalidade: “(…) a tributação adicional em sede de IRC, aplicando uma sobretaxa correspondente a uma derrama de 2,5 pontos percentuais ao lucro tributável superior a 2 milhões de euros”, disponível em:

http://app.parlamento.pt/DARPages/DAR_FS.aspx?Tipo=DAR+I+s%C3%A9rie&tp=D&Numero=64&Legislatura=XI&SessaoLegislativa=1&Data=20100604&Paginas=4471&PagIni=0&PagFim=0&Observacoes=&Suplemento=.&PagActual=1&PagGrupoActual=0&TipoLink=0&pagFinalDiarioSupl=&idpag=521869&idint=&iddeb=&idact=