Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A… – …, S.A., com sede na …, n.º … – … … – … …, com o capital social de €1.550.000,00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o número único de matrícula e de identificação fiscal …, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre as Transmissões Onerosas (IMT) n.º … e do acto liquidação de Imposto do Selo (IS) n.º …, no valor de €36.924,75.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 19 de Fevereiro de 2016 e automaticamente notificado à AT.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 20 de Abril de 2016.
A AT respondeu, defendendo a extinção da instância arbitral, face à verificação da incompetência do tribunal ou, caso assim não se entenda, a improcedência do pedido.
Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em face do teor da matéria contida nos autos, tendo as partes sido notificadas para apresentar alegações escritas facultativas.
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades, sendo que será apreciada prioritariamente a excepção invocada pela Requerida.
II. MATÉRIA DE FACTO
Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A 13 de Dezembro de 2013, a Requerente adquiriu o imóvel sito na Avenida …, …, Bloco …, … Dto., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de … e …;
B) O referido imóvel foi adquirido pela Requerente destinando-se exclusivamente a arrendamento para habitação permanente; tendo beneficiado
C) O imóvel já identificado beneficiou na aquisição pela Requerente de isenção de IMT e de IS ao abrigo do n.º 7 da alínea a) e do n.º 8 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH;
D) A 16 de Dezembro de 2015, a Requerente procedeu à liquidação de IMT e de IS relativamente ao prédio U-…-CV sito na Avenida …, …, Bloco …, … Dto., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de … e …, no valor de €32.564,75 e de €4.360,00, respectivamente;
E) As liquidações identificadas tiveram como fundamento o facto de ter sido dado ao imóvel um destino diferente do arrendamento para habitação permanente;
F) Os actos de liquidação identificados foram pagos pela Requerente, em 17 de Dezembro de 2015.
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III. MATÉRIA DE DIREITO
A – DA POSIÇÃO DAS PARTES
A Requerente alega no seu pedido de pronúncia arbitral o seguinte:
1. A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009), aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (doravante «FIIAH») e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional;
2. No seu artigo 8.º (Regime tributário) estabeleceu-se o regime tributário aplicável aos FIIAH (doravante este regime será abreviadamente designado por «Regime Tributário dos FIIAH»);
3. No que se refere ao Imposto Municipal Sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante «IMT»), o Regime Tributário dos FIIAH definiu o seguinte no número 7 do citado artigo 8.º (Regime tributário):
«7 — Ficam isentos do IMT:
a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.»
4. A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) aditou ao artigo 8.º (Regime tributário) do Regime Tributário dos FIIAH os números 14 a 16, com o seguinte texto ([1]):
«14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.»
5. A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) veio ainda a consagrar no seu artigo 236.º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) o seguinte regime transitório:
«1 - O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.
2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.»
6. Com base nas disposições supra citadas, em particular, as resultantes das alterações consagradas ao Regime Tributário dos FIIAH, a ora Requerente solicitou à Autoridade Tributária a liquidação de IMT e de Imposto do Selo (doravante «IS») dos actos tributários de alienação de imóveis pelo A já identificado;
7. As alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) ao Regime Tributário dos FIIAH suscitam legítimas perplexidades e interrogações às sociedades gestoras dos FIIAH que pretendem cumprir as suas obrigações perante a Autoridade Tributária;
8. Não esgotando as questões suscitadas, entende-se que as alterações ao Regime Tributário dos FIIAH assumem particular relevância no quadro dos impostos de obrigação única, in casu, o IMT e o IS quando tenham por objecto os prédios que integravam o património dos FIIAH à data de entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ou seja, os abrangidos pelo acima referido artigo 236.º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH);
9. A Requerente, como supra se indicou no artigo 6.º, solicitou à Autoridade Tributária a liquidação de IMT e de IS de actos tributários face às alterações introduzidas no Regime Tributário dos FIIAH;
10. Esses actos tributários referiam-se a prédios urbanos que integravam o património do Fundo B…, à data de entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ou seja, os abrangidos pelo acima referido artigo 236.º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH);
11. A Requerente entende que as Liquidações enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa e devem, consequentemente, ser declaradas nulas;
12. Efectivamente, o facto objecto de tributação é, quer em sede de IMT quer em sede de IS, a aquisição da propriedade dos prédios relevantes pelo Fundo B… e as isenções de IMT e IS não eram, à data em que ingressaram no património do Fundo B…, condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias nem, tampouco, sujeitas a qualquer regime de caducidade;
13. Não estando, contudo, legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, quaisquer factos ou circunstâncias de que dependia a caducidade da isenção reconhecida, é manifesto que a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na ordem jurídico-tributária da Requerente enferma de inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa;
14. Considerando que o princípio da irretroactividade fiscal reveste o carácter de um direito fundamental, dotado do regime jurídico protector deste direito, o seu desrespeito origina a nulidade do acto, in casu, a nulidade das Liquidações;
15. Admitindo, subsidiariamente, que o vício (ilegalidade) das Liquidações determina a sua anulabilidade (e não a nulidade), deverão as Liquidações ser anuladas em conformidade, nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do Código do Procedimento e Processo Tributário.
Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:
1. O Tribunal Arbitral não tem competência para aferir ou declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, como no fundo pretende a Requerente;
2. A competência para a fiscalização abstracta da legalidade e da constitucionalidade está reservada ao Tribunal Constitucional conforme se estabelece no artigo 281.º da CRP;
3. Entende a Requerida que o Tribunal Arbitral é incompetente para efectuar uma fiscalização abstracta quer da legalidade, quer da constitucionalidade do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
4. Ainda que assim não se entenda o que por mera hipótese académica se admite, entende a Requerida que, à data de criação do regime tributário aplicável aos FIIAH, as isenções de IMT e de IS, exigiam, respectivamente: (i) que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o “arrendamento para habitação permanente” e,(ii) que a transmissão tivesse por objecto “prédios destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do arti go 5”.
5. No caso em apreço não foi dado ao imóvel o destino previsto na lei, a afectação ao arrendamento.
6. Considera a Requerente que o artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o orçamento do estado para 2014 veio introduzir um novo regime de caducidade das isenções previstas nos n.ºs 7, alínea a) e 8 do artigo 8.º do Regime Tributário do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e não uma mera densificação do critério anteriormente previsto na lei.
7. E, no seguimento deste entendimento, no nosso ver errado, considera a Requerente que se verifica a violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado. Vejamos,
8. O FIIAH foi introduzido pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro [Lei que aprovou o Orçamento para 2009] com o objectivo de apoiar as pessoas com dificuldade em pagar as prestações mensais dos empréstimos relativos à compra de casa.
9. Nos termos deste regime, os proprietários vendem a sua habitação ao FIIAH e celebram com este um contrato de arrendamento com opção de compra do imóvel, ou seja os proprietários vendem e arrendam o imóvel com direito de recompra.
10. “Em conclusão, o presente regime pretende atingir dois objectivos fundamentais: o primeiro, acudir a situações de dificuldade, o segundo, incentivar o arrendamento para habitação própria e permanente.” In Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento habitacional, Amândio Fernandes Silva, Jornal de negócios de 19.01.2009.
11. A lei nova não altera os pressupostos, as condições de atribuição e de reconhecimento do benefício fiscal de isenção de IMT e de IS, havendo apenas a previsão legal do tempo e do modo de cumprimento de um requisito legal previamente estabelecido.
12. Donde, não se verifica no caso em apreço qualquer situação de retroactividade da lei fiscal, mas, mesmo que assim não se entendesse, o Tribunal Constitucional tem vindo a entender, nos Acórdãos n.ºs 11/83 e 66/84 e 141/85 que, apesar de não se poder retirar da Constituição uma proibição radical de impostos retroactivos, tal deveria considerar-se constitucionalmente vedado quando essa retroactividade fosse «arbitrária e opressiva e violasse «de forma intolerável a segurança jurídica e a confiança que as pessoas têm obrigação (e também o direito) de depositar na ordem jurídica que as rege».
13. Tudo visto e sopesado, é manifesto que, desde o início do regime, os benefícios fiscais em apreço aplicáveis aos FIIAH sempre dependeram da afectação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente.
B - DA EXCEPÇÃO INVOCADA
Na resposta apresentada, vem a AT defender-se por excepção que, caso se verifique, conduz à absolvição da instância.
Alega a AT a este propósito que o Tribunal é incompetente para efectuar uma fiscalização abstracta da constitucionalidade do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
Sucede que, a Requerente não pede a este Tribunal que efectue a fiscalização abstracta da constitucionalidade da norma em causa, mas sim a fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade daquela.
Uma vez que este Tribunal tem competência para fazer a fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade[2] do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, considera-se a excepção invocada improcedente.
C – DO PEDIDO
Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se os actos de liquidação de IMT e de IS sub judice são ou não ilegais por violação do disposto no artigo 103.º, n.º 3 da CRP será necessário verificar qual é a interpretação que deve ser efectuada ao artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
Para tal importa atender ao disposto no artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), segundo o qual a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.
Os princípios gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
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Atendendo àqueles princípios, vejamos, então, qual era o regime fiscal aplicável às aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos FIIAH e SIIAH, antes de serem introduzidas as alterações previstas pelo artigo 236.º da Lei do OE 2014.
Dispunha o artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH e SIIAH, o seguinte:
“Artigo 8.º
Regime tributário
1 - Ficam isentos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) os rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas nos artigos anteriores.
2 - Ficam isentos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de IRC os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento referidos no número anterior, pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares, quer seja por distribuição ou reembolso, excluindo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação das unidades de participação.
3 - Ficam isentas de IRS as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis destinados à habitação própria a favor dos fundos de investimento referidos no n.º 1, que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento.
4 - As mais-valias referidas no número anterior passam a ser tributadas, nos termos gerais, caso o sujeito passivo cesse o contrato de arrendamento ou não exerça o direito de opção previsto no n.º 3 do artigo 5.º, suspendendo-se os prazos de caducidade e prescrição para efeitos de liquidação e cobrança do IRS, até final da relação contratual.
5 - São dedutíveis à colecta, nos termos e limites constantes da alínea c) do n.º 1 do artigo 85.º do Código do IRS, as importâncias suportadas pelos arrendatários dos imóveis dos fundos de investimento referidos no n.º 1 em resultado da conversão de um direito de propriedade de um imóvel num direito de arrendamento.
6 - Ficam isentos de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente que integrem o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.
7 - Ficam isentos do IMT:
a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.
8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º
9 - Ficam isentas de taxas de supervisão as entidades gestoras de FIIAH no que respeita exclusivamente à gestão de fundos desta natureza.
10 - Ficam excluídas das isenções constantes do presente artigo as entidades que sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
11 - As obrigações previstas no artigo 119.º e no n.º 1 do artigo 125.º do Código do IRS devem ser cumpridas pelas entidades gestoras ou registadoras.
12 - Caso os requisitos referidos no n.º 1 deixem de verificar-se, cessa a aplicação do regime previsto no presente artigo, passando a aplicar-se o regime previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, devendo os rendimentos dos fundos de investimento referidos no n.º 1 que, à data, não tenham ainda sido pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares ser tributados autonomamente, às taxas previstas no artigo 22.º do mesmo diploma, acrescendo os juros compensatórios correspondentes.
13 - As entidades gestoras dos fundos de investimento referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto dos fundos cuja gestão lhes caiba.”
Do descrito supra, resulta, com interesse para a apreciação dos actos de liquidação sub judice, que “As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1” estão isentas de IMT e de IS.
São, portanto, abrangidos pela isenção de IMT e IS i) “as aquisições de prédios urbanos ou fracções autónomas de prédios urbanos”, ii) cujo destino seja exclusivamente o arrendamento para habitação permanente, iii) efectuadas pelos FIIAH elegíveis.
Assim, caso não tivesse ocorrido qualquer alteração legislativa ao artigo 8.º, as isenções de IMT e de IS em questão apenas seriam de manter, enquanto se mantivessem as condições legais para a sua aplicação referidas no parágrafo anterior.
Não se compreende, por isso, que se defenda que as isenções de IMT e IS em causa não eram à data condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias, nem tão pouco sujeitas a qualquer regime de caducidade.
Conquanto, a própria isenção está condicionada aos factos e circunstâncias para os quais é concedida e que resultam da sua previsão e estatuição normativa.
Ora, resultando dos factos apurados que os actos de liquidação em apreço respeitam a imóvel, que foi alienado em 17 de Dezembro de 2015, verifica-se que à luz do regime jurídico dos FIIAH estabelecido ab initio, a isenção de IMT e de IS caducou, pois, o destino do imóvel deixou de ser exclusivamente o arrendamento para habitação permanente.
Tendo em conta que os actos de liquidação de IMT e de IS, ora em crise, têm por base legal o disposto no artigo 34.º, n.º 1 e 2 do Código do IMT e o disposto no artigo 8.º, n.º 7 e 8 do Regime Tributário dos FIIAH, na redacção vigente à data da aquisição do imóvel pelo Fundo, os actos de liquidação em causa são legais, uma vez que a isenção concedida caducou com a alienação do imóvel, uma vez que ao imóvel foi dado diferente destino daquele em que assentou o benefício.
A questão colocada pela Requerente relativa à retroactividade ou não das normas introduzidas pelo artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é, portanto, absolutamente irrelevante para aferir da legalidade dos actos de liquidação sub judice, neste caso concreto.
Na verdade, a Lei do OE 2014 aditou ao artigo 8.º, os números 14 a 16, nos seguintes termos:
“14 - Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.o 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”
Na situação sub judice não está em causa, nenhuma das situações especificamente previstas nas normas transcritas (ou pelo menos, não foram alegados quaisquer factos nesse sentido).
A norma questionada pela Requerente estabelece o seguinte:
“Artigo 236.º
Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH
1 - O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.o 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.
2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.o 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.o 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014.”
Sendo a norma transitória referida referente ao disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º, cuja previsão é inaplicável à presente situação, a discussão da retroactividade da norma em causa não tem cabimento na presente causa.
IV. DECISÃO
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
A) Julgar totalmente improcedente a excepção de incompetência invocada pela Requerida;
B) Julgar totalmente improcedente o pedido de nulidade e de anulação do acto de liquidação de IMT e IS identificados;
C) Condenar a Requerente nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.
V. VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €36.924,75.
VI. CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de Maio de 2016
A Árbitro
Magda Feliciano
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)
[1] Cf. Artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014).
[2] Cfr. Artigo 25.º, n.º a do RJAT.