Decisão Arbitral
I. Relatório
1. A…, (doravante “Requerente”), com o número de identificação fiscal (“NIF”) …, com residência fiscal na …, n.º …, … Esq. … – … …, apresentou, na qualidade de cabeça de casal da herança de B… (com o NIF …), no dia 22 de dezembro de 2015, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de tribunal arbitral, de forma a serem declaradas ilegais as liquidações de Imposto do Selo (“IS”), elencadas infra, por referência ao ano de 2014, no valor global € 2.157,66, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”):
A) Constituição do Tribunal Arbitral
2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 16 de fevereiro de 2016.
3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 2 de março de 2016.
B) História processual
4. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade das liquidações de IS mencionadas supra, respeitantes ao ano de 2014, por referência a um prédio urbano, constituído em propriedade vertical, sito na … nº …, inscrito no registo predial da freguesia de … sob o artigo U-…, concelho de ….
5. A AT apresentou resposta peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por considerar que os atos tributários em causa, em termos de substância, não violaram qualquer preceito legal ou constitucional devendo ser mantidos.
6. Por despacho de 13 de maio de 2016, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.
7. Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respetivos articulados, e fixou como prazo para a emissão da decisão arbitral o dia 15 de junho de 2016.
8. No âmbito do despacho, solicitou igualmente às partes para apresentar as suas alegações finais. A este respeito, importa salientar que tanto a Requerente como a Requerida optaram por não se pronunciar.
9. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.
10. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.
II. Questão a decidir
11. A título prévio, analisar-se-á a possibilidade de declarar a anulabilidade dos atos mencionados supra, nos termos solicitados pela Requerente, por falta de fundamentação.
12. Posteriormente, e se necessário, cumprirá aferir, por referência a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, integrados por diversos andares e divisões suscetíveis de utilização independente (e com afetação habitacional), qual é o Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) relevante para efeitos do apuramento do IS a pagar nos termos da Verba n.º 28 da Tabela Geral do IS (“TGIS”).
13. Ou seja, irá o presente tribunal aferir se, tal como alega a Requerente, o montante a considerar é o VPT atribuído, individualmente, a cada uma das partes suscetíveis de utilização autónoma, ou, ao invés, o valor total resultante do somatório dos VPTs daquelas frações autónomas, como sugere a Requerida.
III. Decisão da matéria de facto e sua motivação
14. Examinada a prova documental produzida, o tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
I. A Requerente é cabeça de casal de uma herança que integra, nomeadamente, um prédio urbano, constituído em propriedade vertical, sito na …, n.º …, inscrito no registo predial da freguesia de … sob o artigo U-…, concelho de …, cujo VPT é € 1.254.349.
II. A Requerente recebeu, por respeito ao exercício de 2014, e em resultado do exposto na Verba n.º 28 da TGIS, os documentos mencionados supra, respeitantes a regularizações de IS devido, totalizando o montante de € 2.157,66, as quais já liquidou a 30 de novembro de 2015.
15. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.
16. O presente tribunal não dá como provada a falta de fundamentação nas liquidações ora impugnadas.
IV. Do Direito
A) Quadro jurídico
17. Tendo em consideração o tema em discussão no presente processo, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.
18. Antes de mais, cumpre referir a âmbito da competência dos tribunais arbitrais, estabelecido no artigo 2.º do RJAT:
“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
2 - Os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade”.
19. Em paralelo, note-se que a sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS, efetuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.
20. A aludida lei aditou, igualmente, no Código do IS, o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.
21. Neste contexto, e tendo em consideração a indicação supra, debrucemo-nos, agora, sobre o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”).
22. Primeiramente, atente-se ao artigo 2.º, n.º 4 do Código do IMI que nos diz que “para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.
23. Por sua vez, o n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMI, estabelece que “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”.
24. Assim, é no presente quadro jurídico que se decidirá as questões previamente elencadas.
B) Argumentos das partes
25. A Requerente veio, em primeiro lugar, arguir que os atos tributários em causa “são anuláveis por falta de fundamentação. Com efeito, como sucessivamente vem explicitando a Jurisprudência, a fundamentação, para ser válida, deve ser: i) expressa; ii) explicita; iii) contextual e iv) acessível”.
26. Ora entende a Requerente que “no caso «sub-judice», e s.m.o., os atos tributários em apreço não respeitam a obrigação acima referida. De facto, de acordo com o respetivo conteúdo, os atos de tributação em apreço respeitam a «regularizações de documentos anteriores», «estorno de liquidações» e «acertos de liquidações». Porém, em nenhum momento foi a Requerente notificada das liquidações e documentos referidos como tendo sido «estornados», «regularizados» ou «acertados»”.
27. Neste sentido, a Requerente solicita, desde logo, a anulabilidade dos aludidos atos, já que os mesmos “não preenchem os requisitos mínimos exigíveis pelo artigo 77.º da Lei Geral Tributária no que se refere ao dever de fundamentação (…)”.
28. Adicionalmente, a Requerente veio ainda defender que é ilegal e inconstitucional considerar que “o valor de referência seja o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão e seria assim, desde logo, porque essa seria uma nítida violação do princípio da igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal.
O legislador não pode tratar situações iguais de forma diferente: se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto”.
29. Pelo que, considera a Requerente que “a discriminação operada pela AT traduz uma discriminação arbitrária e ilegal já que nada na Lei impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal. Não pode, por isso, a Autoridade Tributária, distinguir onde o próprio legislador entendeu não fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º, n.º 2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal”.
30. A Requerente termina o seu pedido solicitando que se declare a ilegalidade das aludidas liquidações, procedendo-se à restituição do montante já pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
31. Por seu turno, a Requerida, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual alertou, a título prévio, que “os factos relatados não ficaram inequivocamente demonstrados pela Requerente, através dos documentos que apresenta (…) pelo que deve a Requerente ser convidada a suprir as faltas e a explicar a razão (…) não obstante, e por uma questão de celeridade processual, vamos prosseguir a resposta quanto ao mérito”.
32. Dessa forma, considera a Requerida que “a unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é (...) afetada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suscetíveis de utilização económica independente. Tal prédio não deixa, pelo facto de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às frações autónomas em regime de propriedade horizontal”.
33. Assim, “o facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afeta igualmente a aplicação da Verba n.º 28, n.º 1 da Tabela Geral.
É o que resulta de o facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas.
Outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da Verba 28.1 da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa”.
34. Neste contexto, entende a Requerida que não se vislumbra como “a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade referido pelos requerentes. Na verdade, a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados”.
35. A Requerida termina então a sua resposta, afirmando que “os atos tributários em causa, em termos de substância, não violaram, assim, qualquer preceito legal ou constitucional, devendo, assim, ser mantidos”.
C) Apreciação do tribunal
36. Em primeiro lugar, cumpre ao presente tribunal fazer uma nota preliminar, relativamente ao ponto prévio suscitado pela Requerente.
37. Com efeito, a Requerente veio solicitar a anulação das liquidações em crise, uma vez que as mesmas não se encontram devidamente fundamentados, nos termos estabelecidos pela jurisprudência relevante.
38. Contudo, entende o presente tribunal que não tem conhecimento de todos os contornos necessários para poder apreciar a eventual falta de fundamentação indicada supra, por falha da Requerente, tendo, dessa forma, que se focar em compreender, para efeito da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, como se apura o VPT relevante do prédio (mérito do pedido que entende estar em condições de apreciar).
39. Em primeiro lugar, esclareça-se que é claro, à letra da lei, que o VPT a considerar, para efeitos da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, só pode ser o que é apurado no âmbito do Código do IMI.
40. É, aliás, isto que nos diz, ipsis verbis, a referida verba “(…) cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00”.
41. Assim sendo, atente-se, uma vez mais, ao que decorre do artigo 2.º, n.º 4 do Código do IMI que nos diz que “para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.
42. Reforçado, não obstante, pelo artigo 12.º, n.º 3 do mesmo Código, o qual estabelece que “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respetivo valor patrimonial tributário”.
43. Conclui-se, assim, que, para efeitos do cálculo do IMI a pagar, o VPT é considerado, individualmente, para cada andar ou parte suscetível de utilização independente.
44. E se este é o método de apuramento seguido para o IMI, terá necessariamente que ser o modelo igualmente aplicado no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS, nos termos que supra se explanaram.
45. Não obstante, e caso as dúvidas suscitadas ainda subsistam, o presente tribunal apoia-se em algumas decisões arbitrais previamente proferidas, que abordaram o assunto em análise.
46. Assim, primeiramente, atentemos na decisão n.º 50/2013-T, de 29 de outubro, que dispõe o seguinte.
47. “A Lei n.º 55-A/2012 nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de «prédio com afetação habitacional». No entanto o artigo 67.º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI».
A norma de incidência refere-se, pois, a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.
Consultado o CIMI verifica-se que o seu artigo 6.º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (…)
Daqui podemos concluir que, na ótica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio. Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efetuada entre uns e outros.
O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.
(…)
Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente»”.
48. Ou seja, tendo em consideração que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, para efeitos do Código do IMI, segue as mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respetivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não parece, ao presente tribunal, que exista qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.
49. Neste contexto, se a lei exige, relativamente à liquidação do IMI, a emissão de notas de liquidação individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, exigirá, nos mesmos termos, relativamente à regra de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.
50. Pelo que, o IS, no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS, só poderia incidir em determinada fração se esta, eventualmente, tivesse um VPT superior a €1.000.000,00.
51. E, mais se diga, que foi esse inclusive o entendimento adotado pela AT.
52. Com efeito, esta (AT) também emitiu notas de liquidação individualizadas, referentes a cada um das frações suscetíveis de utilização autónoma, demonstrando que, na sua opinião, as aludidas frações, apesar de juridicamente não constituídas em propriedade horizontal, seriam, para todos os efeitos, independentes entre si.
53. Todavia, olvidou a AT que não poderia, em virtude do enquadramento previamente vertido, proceder ao somatório dos VPTs individuais das frações previamente mencionadas, almejando um valor que já caísse na base de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.
54. Isto quando o próprio legislador estabeleceu uma regra diferente no âmbito do Código do IMI que, tal como previamente referido, é o código aplicável às matérias não reguladas no Código do IS, no que se refere à Verba n.º 28 da TGIS.
55. Resumindo, o critério estabelecido pela AT de considerar o valor do somatório dos VPT individuais atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, servindo-se do facto de que o prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra, aos olhos do presente tribunal, sustentação legal, sendo, nomeadamente, contrário ao critério aplicável em sede de IMI e, por remissão (nos termos mencionados supra), em sede de IS.
56. Neste contexto, considera o presente tribunal que o critério defendido pela AT viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, e, bem assim, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.
57. Paralelamente, note-se que o artigo 12º, n.º 3 do Código do IMI não efetua qualquer distinção quanto ao regime dos prédios que se encontrem em propriedade horizontal ou vertical.
58. Como tal, e uma vez que se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto, a AT não pode tratar situações materialmente iguais de forma diferente.
59. A este respeito, veja-se aquilo que foi dito a propósito deste tema na Decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 132/2013-T, de 16 de dezembro, entendimento que o presente tribunal acolhe.
“Com efeito, não faz sentido distinguir na lei aquilo que a própria lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).
Acresce que distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e em propriedade total seria uma «inovação» sem um suporte legal associado, até porque, como se tem aqui afirmado, nada denuncia, nem na verba n.º 28, nem no disposto no CIMI, uma justificação para essa particular diferenciação.
Note-se, exemplarmente, o que diz o artigo 12.º, n.º 3, do CIMI: cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário.
O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afetação habitacional, possua um VPT superior a €1.000.000,00.
Fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto o VPT global do prédio em causa, como pretendia a ora requerida, não encontra base na legislação aplicável, que é o CIMI, dada a remissão feita pelo citado artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS.
(…)
Acresce, ainda, que admitir a diferenciação de tratamento poderia produzir resultados incompreensíveis do ponto de vista jurídico e atentatórios dos objetivos que o legislador dizia ter para aditar a verba n.º 28. A título exemplificativo, suponha-se a seguinte hipótese, que parece plausível à luz da interpretação que foi feita pela ora requerida: um cidadão que é proprietário de um prédio constituído em propriedade total destinado a habitação, sendo o valor global das unidades autónomas igual ou superior a €1.000.000,00 e o VPT de cada uma inferior a €1.000.000,00, sujeita-se a uma tributação anual de 1% desse valor (como sucedeu na situação em análise); já um outro cidadão que detenha um prédio com as mesmas exatas características do anterior mas que tenha sido constituído em propriedade horizontal, sendo, igualmente, o valor global das frações autónomas igual ou superior a €1.000.000,00 e o VPT de cada uma inferior a €1.000.000,00, não será sujeito a tributação nos termos da mencionada verba n.º 28.
Por outro lado, poder-se-ia perguntar: se tais frações têm o mesmo proprietário, por que é que não faz sentido agregar, para efeitos de tributação, os respetivos VPTs? A resposta pode ser ilustrada através de uma outra hipótese: um cidadão que é proprietário de um prédio em propriedade horizontal, em que cada uma das suas 20 frações possui um VPT inferior a €1.000.000,00, seria sujeito a tributação se – caso se admitisse tal agregação – o VPT global ultrapassasse aquele valor; já um outro cidadão com idênticas 20 frações distribuídas por 5, 10 ou 20 prédios não estaria sujeito a qualquer tributação nos termos da referida verba n.º 28.
Se esta linha de raciocínio faz sentido – justificando-se, portanto, a não agregação dos VPTs das frações de prédios em propriedade horizontal –, não se vê razão plausível para que a mesma não seja aplicada às unidades autónomas de prédios em propriedade total.
Observando, agora, o caso em análise, constata-se que os VPTs dos andares (unidades autónomas) do prédio com afetação habitacional variam entre (…), pelo que qualquer um deles é inferior a €1.000.000,00.
Daqui se conclui, em resultado do que foi referido, que sobre os mesmos não pode incidir o IS a que se refere a verba n.º 28 da TGIS, sendo, portanto, ilegais os atos de liquidação impugnados pelo requerente".
60. Um último ponto que interessa destacar (não obstante o prévio enquadramento ser bastante para reconhecer a ilegalidade dos atos de liquidação praticados pela AT), assenta no entendimento preconizado, quer pelo legislador quer pelo próprio governo, aquando do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS.
61. A este respeito, foquemo-nos agora na decisão arbitral proferida no âmbito do processo
n.º 48/2013-T, de 9 de outubro, que analisa, de forma extensiva, os objetivos subjacentes ao aditamento da aludida verba.
62. “A Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí que da mesma não é possível retirar a intenção do legislador.
Tal lei da Assembleia da República teve origem na proposta de lei nº 96/XII (2ª), a qual, na exposição de motivos fala na introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.
Na exposição de motivos da referida proposta de lei, é dito que, «estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa».
Nessa exposição de motivos é ainda dito que, além do agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, é criada uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.
Ou seja, em tal exposição de motivos, também não é clarificado o que se entende por prédios urbanos com afetação habitacional.
Na sua intervenção na Assembleia da República, na apresentação e discussão da referida proposta de lei, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou o seguinte:
«O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.
No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.
Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.
Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.
Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.
Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efetivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de sectores da sociedade portuguesa.
Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.
Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013»”.
63. De seguida, cumpre reunir as conclusões que permitam, sem margem para dúvidas, decidir sobre o tema em discussão (ou seja se, para efeitos da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, nos casos em que um prédio com várias frações autónomas, suscetíveis de utilização independente, não se encontre constituído em propriedade horizontal, o VPT relevante é apurado mediante o somatório dos VPTs individuais, ou, alternativamente, é individualmente considerado).
64. Neste sentido, refira-se, em primeiro lugar que a presente temática está, desde logo por força do artigo 67.º, nº 2 do Código do IS, sujeita às normas do Código do IMI, “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.
65. Como tal, e como já tantas vezes se mencionou, no entendimento do presente tribunal, o mecanismo para o apuramento do VPT relevante para efeitos da aludida verba, é o que se encontra estatuído no Código do IMI.
66. Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”.
67. Desvalorizando o legislador, nos termos anteriormente mencionados, qualquer prévia constituição de propriedade horizontal ou vertical.
68. Com efeito, para este (legislador), o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.
69. Refira-se que a própria AT parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas.
70. Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.
71. Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.
72. Não podendo a AT considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio (i.e., o somatório de todas as frações com afetação habitacional), quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS).
73. Em conclusão, o regime jurídico atual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a atuação da AT traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.
74. De facto, não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.
75. No caso em apreço, o prédio em causa encontra-se constituído em propriedade vertical, composto por frações com utilização independente (das quais 16 têm afetação habitacional), como ficou provado.
76. Dado que nenhuma dessas frações, individualmente consideradas, tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência.
V. Decisão
77. Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular os atos de liquidação de IS mencionados supra, por referência a 2014, dos quais resultou imposto a pagar no montante de € 2.157,66, nos termos do disposto na Verba n.º 28 da TGIS;
B) Condenar a Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), a devolver o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre a quantia paga desde o dia em que foi paga a liquidação anteriormente indicada até à data do integral reembolso do montante referido; e
C) Condenar a Requerida nas custas do processo.
VI. Valor do processo
78. Fixa-se o valor do processo em € 2.157,66, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. Custas
79. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 3 de junho de 2016
O Árbitro
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(Sérgio Santos Pereira)