Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 686/2015-T
Data da decisão: 2016-06-01  Selo  
Valor do pedido: € 18.287,45
Tema: IS - Verba n.º 28 da TGIS; terrenos para construção.
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

1. A sociedade A…, Lda. (doravante designada por “Requerente”), com o n.º de identificação fiscal …, com sede na Rua…, n.º…, …º…, …-…, Porto, apresentou, no dia 19 de novembro de 2015, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de Tribunal Arbitral de forma a ser declarado ilegal o ato tributário de liquidação de Imposto do Selo (“IS”) n.º 2012…, nos termos da Verba n.º 28 da Tabela Geral do IS (“TGIS”), referente ao exercício de 2012, no valor total de € 18.287,45, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

A) Constituição do Tribunal Arbitral

2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do tribunal singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 14 de janeiro de 2016.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 29 de janeiro de 2016.

B) História processual

4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade da liquidação de IS mencionada supra, a qual já pagou.

5. A AT apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que o ato tributário em análise, por não violar qualquer preceito legal ou constitucional, fosse mantido na ordem jurídica.

6. Por despacho de 13 de maio de 2016, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

7. Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respetivos articulados, e fixou como prazo final para a emissão da decisão arbitral o dia 15 de junho de 2016.

8. No âmbito do despacho, solicitou igualmente às partes para apresentar as suas alegações finais. A este respeito, importa salientar que tanto a Requerente como a Requerida optaram por não se pronunciar.

9. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

10. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

II. Questão a decidir

11. A título prévio, o presente Tribunal procurará aferir se assiste razão à Requerida, quando refere que o presente pedido deverá ser declarado improcedente, por intempestivo.

12. Posteriormente, e caso a exceção aduzida pela Requerida não prevaleça, será ainda necessário apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, ou seja, saber se os prédios urbanos legalmente qualificados como terrenos para construção, deverão ser abrangidos pelo conceito prédios com afetação habitacional, nos termos da Verba n.º 28 TGIS, na sua redação à data da ocorrência dos factos (2012).

13. Ou seja, visa o presente tribunal aferir se, tal como alega a Requerente, os terrenos para construção não são enquadrados enquanto prédios com afetação habitacional, ficando, desta forma, fora do alcance da aludida verba, ou, ao invés, e tal como defende a Requerida, são considerados prédios com afetação habitacional e, nesse contexto, sujeitos a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS.

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

14. Examinada a prova documental produzida, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

I.     A Requerente é proprietária de um prédio urbano, sito na Rua…, n.º…, na freguesia de…, no Porto, inscrito no artigo n.º … da matriz predial urbana respetiva, com um Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) de € 3.657.490.

II.   A Requerente, por respeito ao exercício de 2012 e em resultado do exposto na Verba n.º 28 da TGIS, recebeu o ato de liquidação da AT indicado supra, no valor total de € 18.287,045, o qual liquidou.

III.  A presente petição inicial foi precedida de Reclamação Graciosa, indeferida a 19 de junho de 2013 (data de notificação: 26 de junho de 2013) e Recurso Hierárquico, indeferido a 25 de setembro de 2015 (data de notificação: 10 de novembro de 2015).

15. A convicção do presente tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

16. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

IV. Do Direito

A) Quadro jurídico

17. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interprete os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.

18. A sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS, efectuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

19. Note-se que, por referência ao exercício de 2012, o artigo 6.º daquela Lei consagrou as seguintes disposições transitórias:

“1 - Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de Novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i)     Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii)    Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8%;

iii)   Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

(…)”

20. A aludida lei aditou, igualmente, no Código do IS, o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.

21. Adicionalmente, e tendo em consideração a alteração legislativa introduzida pela Lei
n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, importa também transcrever a redação da Verba 28.1 da TGIS desde 1 de janeiro de 2014, por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

22. Neste contexto, e tendo em consideração a indicação supra, debrucemo-nos, agora, sobre o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”).

23. No Código do IMI, enumeram-se as espécies de prédios (nos artigos 2.º a 6.º), nos seguintes termos:

“Artigo 2.º - Conceito de prédio

1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 – Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

Artigo 3.º - Prédios rústicos

1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afetação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afetação.

3 – São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º.

4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.

Artigo 4.º - Prédios urbanos

Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

Artigo 5.º - Prédios mistos

1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2 – Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.

Artigo 6.º - Espécies de prédios urbanos

1 – Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3”.

24. Paralelamente, e uma vez que é um dos temas levantado pela Requerida, cumpre evidenciar o exposto no artigo 45.º do Código do IMI.

“Artigo 45.º - Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º.

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente”.

25. Por último, atente-se, igualmente, nas normas sobre a interpretação das leis, fundamentais para que se possa compreender o alcance do conceito de prédio com afetação habitacional.

26. O artigo 11.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:

“Artigo 11.º - Interpretação

1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica”.

27. Os princípios gerais da interpretação das leis, para os quais remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, encontram-se preconizados no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:

“Artigo 9.º - Interpretação da lei

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

28. Assim, é no presente quadro jurídico que importa decidir se os prédios urbanos classificados como terrenos para construção estão, ou não, incluídos no conceito de prédio com afetação habitacional, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS.

B) Argumentos das partes

29. A Requerente começou por explanar que “recebeu em 05/12/2012 a notificação da liquidação de Imposto do Selo, referente ao ano 2012 (…). Inconformada, a APAR apresentou, em 27/05/2013, reclamação graciosa da referida liquidação (…) indeferida por despacho de 19/06/2013, notificado com data de 26/06/2013.

Desse despacho de indeferimento, interpôs a APAR, em 18/07/2013, recurso hierárquico (…) também indeferido por despacho de 25/09/2015, notificado com data de 10/11/2015”.

30. A Requerente refere que “no processo administrativo a AT veio expor o entendimento de que a nova verba introduzida pela Lei n.º 55-A/2012 seria aplicável a terrenos para construção (…) porque «o facto de na norma de incidência (Verba n.º 28.1 da TGIS) se ter positivado o prédio com afetação habitacional em detrimento do prédio habitacional, faz apelo ao coeficiente de afetação… que se aplica indistintamente a todos os prédios urbanos»”.

31. Contudo, a Requerente chama à atenção para o facto de tal entendimento ter sido “repetidamente rebatido, como erróneo, não só por decisões dos tribunais administrativos e fiscais (…) como por sucessivas decisões proferidas em ações arbitrais (…)”.

32. Com efeito, nas palavras da Requerente “a Verba n.º 28.1 da TGIS, na redação que vigorou até 31/12/2013, tem que ser interpretada no sentido de se aplicar exclusivamente a prédios imediatamente destinados à habitação, uma vez que só esses revelam a capacidade contributiva que o legislador visou atingir.

A essa luz, a aplicação da Verba n.º 28.1 da TGIS, na redação que vigorou até 31/12/2013, a terrenos para construção de empresas que os destinam à edificação de habitações, no desenvolvimento da sua atividade própria é claramente de afastar”.

33. A Requerente ressalva ainda que “não ignora que o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, alterou a verba n.º 28.1 da TGIS, alargando a incidência do imposto (…) contudo, o legislador, que não atribuiu, nem podia atribuir, expressa eficácia retroativa a essa alteração, não se atreveu, ao contrário do que a AT sustenta na decisão do recurso hierárquico, a dar-lhe caráter interpretativo”.

34. Sendo assim claro, na sua opinião, que não se poderá aplicar tal norma à liquidação em apreço, já que a mesma remonta a 2012.

35. Conclui a Requerente o seu pedido solicitando a anulação do “supra identificado ato de liquidação de imposto de selo, relativo ao ano de 2012 (…) com todas as consequências legais”.

36. Por último, a Requerente arrolou ainda uma testemunha para o processo, B…, com domicílio fiscal no Edifício…, …, n.º … –…, …-…Porto.

37. Por seu turno, a Requerida, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual, começou por suscitar a intempestividade da petição inicial apresentada, considerando que o presente tribunal deveria abster-se de apreciar o pedido.

38. “Em suma, resultando, clara e inequivocamente do douto requerimento inicial, a impugnação direta do ato de liquidação de IS, deve o pedido formulado (conducente à declaração de ilegalidade do ato e, consequentemente à sua anulação) ser declarado improcedente, por intempestivo e, consequentemente, ser a Entidade Demandada absolvida da instância (…) o que desde já se requer”.

39. Não obstante, antecipando que o seu pedido possa não ser atendido, a Requerida propõe-se a analisar a questão levantada efetivamente pela Requerente.

40. Assim, na opinião da primeira, o conceito de prédio com afetação habitacional, para efeito do disposto na verba n.º 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.

41. Ressalva a Requerida que “o legislador não refere «prédios destinados a habitação», tendo optado pela noção «afetação habitacional» – expressão diferente e mais ampla, cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do CIMI”.

42. Desenvolvendo, de seguida, um extenso racional que, na sua opinião, permite, enquadrar os terrenos para construção no conceito de prédio com afetação habitacional, suportando-se, nomeadamente no artigo 45.º do Código do IMI.

43. “A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art. 45.º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno.

De um lado, considera-se a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, e do outro a área de terreno livre (…).”

44. Neste sentido, na opinião da Requerida, “muito antes da efetiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afetação do terreno para construção”.

45. A este respeito, conclui a Requerida que, “pese embora tenha sido este o entendimento da AT, nenhuma dúvida poderá subsistir para o ano ora em crise, i.e., 2014, porquanto, com a Lei n.º 83-C/2013 de 31-12-2013, foi alterada a letra daquele dispositivo passando a incluir expressamente os terrenos para construção como elemento objetivo de incidência da norma, pelo que falece necessariamente qualquer tentativa de chamar à colação qualquer questão interpretativa da letra da Lei.

Questão essa que, no prisma da AT e em face de tudo o quanto vem antedito, inexiste, deste modo, qualquer sustentação para a propugnada ilegalidade que a Requerente pretende imputar às liquidações sub judice, tendo a Entidade Requerida atuado no estrito cumprimento da lei, à qual está rigorosamente vinculada, subsumindo o facto tributário à expressa previsão normativa”.

C) Apreciação do tribunal

46. A título preliminar, o presente Tribunal incumbir-se-á de aferir se a exceção invocada pela Requerida poderá aplicar-se, considerando-se, dessa forma, o presente pedido intempestivo e, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida.

47. A Requerida apoia-se no facto de a Requerente procurar impugnar, com a petição inicial submetida, o ato de liquidação em si e não a decisão administrativa que indeferiu o pedido de anulação do aludido ato.

48. Com efeito, “a ora Requerente arbitral impugnou administrativamente o ato tributário de liquidação. A administração tributária indeferiu/negou a revisão do ato na dimensão que lhe havia sido solicitada. Acontece que, não obstante ter feito alusão e identificado essas circunstâncias, a Requerente não formulou/concretizou ao Tribunal qualquer pedido tendente à anulação do que nessa sede foi decidido”.

49. Nesse sentido, não se tendo verificado tal facto, “inexiste o apoio que poderia firmar a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade de o Tribunal apreciar o pedido formulado relativamente ao ato de liquidação”.

50. Tendo em consideração o argumento vertido pela Requerida, entende, ainda assim, o presente tribunal que o pedido em crise é tempestivo.

51. Com efeito, aos olhos do presente tribunal, a Requerida poderá estar eventualmente a confundir os conceitos de pedido e de meio processual de impugnação.

52. Neste sentido, o meio processual de impugnação (neste caso, o pedido de pronúncia arbitral), é claramente tempestivo, como infra se demostra, atendendo que o objeto mediato do mesmo é o indeferimento expresso do Recurso Hierárquico mencionado supra.

53. E, ainda que se pudesse por em causa a clareza do pedido elaborado pela Requerente, nomeadamente o que pretende impugnar, o presente Tribunal, absteve-se, ao abrigo da celeridade e informalidade que devem caracterizar as suas decisões, de convidar a Requerente a aclarar o seu pedido, uma vez que se entendeu que o mesmo era perfeitamente percetível.

54. De facto, e não obstante as decisões arbitrais elencadas pela Requerida, o presente tribunal relembra o princípio da prevalência da substância sobre a forma, apanágio do ordenamento jurídico-fiscal português.

55. E, fruto da autonomia que lhe é conferida, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, alínea c), entende o Tribunal que o objetivo da Requerente passou por impugnar o ato administrativo que indeferiu o pedido inicialmente realizado, à AT, de anular a liquidação em crise.

56. Até porque, apesar de, tal como previamente se referiu, não se encontrar taxativamente esse pedido na petição inicial da Requerente, é pacífico concluir, até por uma questão cronológica, que o seu objetivo só pode ter sido impugnar o indeferimento da AT (note-se que a petição inicial é submetida somente após o indeferimento expresso do Recurso Hierárquico). Por isso, o tribunal arbitral considerou não ser relevante apurar, junto da Requerente, a natureza do pedido (o que podia ter feito, se entendesse necessário, nos termos do artigo 590.º, n.º 3 do Código do Processo Civil).  

57. Nesse sentido, e tendo o despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto sido notificado à Requerente no dia 10 de novembro de 2015, a petição inicial, submetida no dia 19 de novembro de 2015, é, naturalmente, tempestiva.

58. Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico (…)”.

59. Tendo em consideração o exposto supra, cumpre agora apreciar, para efeito da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, na sua redação em 2012, se o conceito de prédio com afetação habitacional, inclui, ou não, os terrenos para construção.

60. A este título, o presente tribunal seguirá, de perto, a Decisão Arbitral referente ao processo
n.º 42/2013-T, de 18 de outubro (decisão que, desde já, aplaude), pela sua pertinência, detalhe e proximidade à presente discussão.

61. A título introdutório, note-se que o Código do IMI, não recorre, na classificação dos prédios urbanos, ao conceito de prédio com afetação habitacional (na verdade, não se encontra igualmente esse conceito em qualquer outro diploma).

62. Desta forma revela-se necessário realizar, com base no quadro jurídico exposto supra, uma interpretação do conceito de prédio com afetação habitacional.

63. A esse respeito, e por forma a suportar a presente decisão, transcrevemos infra parte da Decisão Arbitral n.º 42/2013-T, de 18 de outubro, onde se decidiu o seguinte:

“De uma interpretação literal da norma de incidência em causa resulta que o legislador quis incluir no âmbito de aplicação da norma os prédios urbanos que tenham uma «afetação habitacional».

A expressão «afetação habitacional» não parece poder ter outro sentido que não o de utilização habitacional, ou seja, prédios urbanos que tenham uma efetiva utilização para fins habitacionais, seja porque para tal estão licenciados, seja porque têm esse destino normal.

E não podemos confundir uma «afetação habitacional» que implica uma efetiva afetação de um prédio urbano a esse fim, com a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma «afetação habitacional».

Os terrenos para construção, não estando edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios com afetação habitacional, uma vez que, por um lado, não possuem licença de utilização para habitação, e, por outro lado, não são habitáveis (porque pura e simplesmente não estão edificados).

Pelo que não se nos afigura bastante para ser enquadrável na norma de incidência objetiva em apreço que exista a expectativa de um prédio urbano vir a ter uma afetação habitacional, ou de ter a potencialidade de vir a ter uma afetação habitacional”.

64. Ora, no caso dos terrenos para construção, de facto, mais não existe do que a mera expetativa, (ou, eventualmente, potencialidade), dos mesmos, e unicamente após a edificação, virem a ter uma afetação habitacional.

65. Contudo, somente quando a aludida afetação se concretizar, é que poderemos considerar que o prédio urbano se enquadra no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS.

66. De facto, o conceito de afetação habitacional terá que indubitavelmente reconduzir-se a algo que é passível de ser habitado, ainda que, tal como supra exposto, não se encontre reconhecido legalmente como tal.

67. Dessa forma, não obstante um terreno para construção resultar no futuro, muito provavelmente, num prédio com afetação habitacional, enquanto este assim se mantiver (ou seja, legalmente enquadrado enquanto terreno para construção), não pode, à data dos factos, no entendimento do presente tribunal, ser incluído no campo de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.

68. Paralelamente, a AT demonstrou, tal como descrito supra, que, na sua opinião, é por força do artigo 45.º do Código do IMI, que os terrenos para construção são enquadrados enquanto prédios com afetação habitacional.

69. Neste contexto, e pela sua pertinência para a presente decisão, debrucemo-nos, uma vez mais, sobre a Decisão Arbitral n.º 42/2013, de 18 de outubro.

70. Tal como exposto na decisão arbitral previamente mencionada, “o artigo 45.º do CIMI tem por objetivo a avaliação dos terrenos para construção, considerando como um dos seus elementos o destino autorizado ou possível, em função dos condicionalismos urbanísticos.

Mais uma vez estamos apenas no campo das potencialidades, das expectativas, e isso não é bastante para alterar a natureza do prédio, que continua a ser considerado como terreno para construção, nem para sustentar que o prédio em causa passa a ter uma «afetação habitacional» para efeitos da incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS”.

71. De facto, é opinião do presente tribunal que, à data dos factos, o conceito prédio com afetação habitacional, referido na Verba n.º 28 da TGIS, reconduz-se, exclusivamente, ao conceito de prédio urbano habitacional, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do Código do IMI.

72. Por outras palavras, no entendimento do presente tribunal, em sintonia com entendimento vertido pela Requerente e na Decisão n.º 42/2013-T, de 18 de outubro, não pode a AT recorrer ao artigo 45.º do Código do IMI para estabelecer uma relação entre terrenos para construção e prédio com afetação habitacional.

73. Nesse sentido, o presente tribunal conclui que, sendo o prédio urbano em discussão um terreno para construção, este não poderá ser incluído no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS.

74. Por último, e não obstante o enquadramento até agora realizado ser, do ponto de vista do presente tribunal, bastante para reconhecer a ilegalidade do ato de liquidação praticado pela AT, importa ressalvar que, se dúvidas houvesse, a alteração recente ao texto da Verba n.º 28 da TGIS permitia, seguramente, dissipá-las.

75. Com efeito, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2014, veio a alterar o texto verba n.º 28 da TGIS para “prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI (…)”.

76. Ora, no entendimento do presente tribunal, tal alteração ocorreu, naturalmente, porque o legislador terá percecionado que existia uma necessidade, verificada apenas a partir de 2014, de alargar a aludida verba aos terrenos para construção, nos termos supra referidos.

77. Nestes moldes, fica claro que até essa data (2014), o texto da verba anteriormente mencionada deixava de fora do seu âmbito de aplicação os prédios juridicamente enquadrados como terrenos para construção (caso contrário, não se teria verificado a necessidade de alterar o texto da aludida verba).

78. Assim, e com base nas razões elencadas supra, entende o presente tribunal que os terrenos para construção não podem, à data dos factos, ser abrangidos pelo conceito de prédio com afetação habitacional, tal como é referido no texto da Verba n.º 28 da TGIS, pelo que se conclui pela não verificação do pressuposto legal de incidência.

V. Decisão

79. Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal o indeferimento expresso do Recurso Hierárquico previamente mencionado e consequentemente anular o ato de liquidação de IS referido supra, por referência a 2012, do qual resultou imposto a pagar no montante de € 18.287,45, respeitante à tributação de terrenos para construção, nos termos do disposto na Verba n.º 28 da TGIS;

B) Condenar a Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), a devolver o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre a quantia paga desde o dia em que foi paga a liquidação anteriormente indicada até ao integral reembolso do montante referido; e

C) Condenar a Requerida nas custas do processo.

VI. Valor do processo

80. Fixa-se o valor do processo em € 18.287,45, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

VII. Custas

81. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.

 

 

 

Notifique-se.

Lisboa, CAAD, 1 de junho de 2016

O Árbitro

 

 

 

 

(Sérgio Santos Pereira)