Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 53/2015-T
Data da decisão: 2015-11-25  Selo  
Valor do pedido: € 12.546,00
Tema: IS - Verba 28.1. da Tabela Geral
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Decisão Arbitral

 

O árbitro Guilherme W. d´Oliveira Martins, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal arbitral, constituído em 01.10.2014, decide nos termos que se seguem:

 

 

I. RELATÓRIO

 

1. No dia 02-02-2015, o contribuinte A…, NIF…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária Aduaneira.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 30-07-2014 e notificado à AT em 02-02-2015.

 

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do correspondente encargo no prazo aplicável.

4. Em 25.03.2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

5. Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 13.04.2015.

 

6. No dia 02.02.2015 foi realizada reunião exigida pelo artigo 18.º do RJAT e face à posição evidenciada pelas partes foi determinado que não serão produzidas alegações escritas, estando o processo apto para decisão.

 

7. O Tribunal indicou o dia 01.10.2015 para a prolação da decisão arbitral.

 

8. Não tendo sido possível proferir a decisão até à data anunciada, o prazo inicial foi sucessivamente prorrogado até à data final de 26.01.2016, pelos despachos de 05.10.2015, 14.10.2015, 26.11.2015.

 

9. No presente processo o contribuinte A…, NIF…, impugna as liquidações do imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS, relativas ao prédio a seguir identificado, no montante de € 12.546,00, por referência ao ano 2013, emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira - conforme documentos n. 1 a 14 juntos no pedido inicial.

 

I2. Os fundamentos do pedido da Requerente são os seguintes:

 

- O requerente é proprietário do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de …, concelho de Porto, sob o artigo …, prédio este, constituído em regime de propriedade total, também designada vertical.

 

- O referido prédio é composto por 10 divisões ou partes susceptíveis de utilização independente, destinadas a habitação, conforme se infere dos respectivos documentos de cobrança.

 

- Sobre o VPT de cada divisão, a Administração Tributária, liquidou o imposto do selo previsto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS) na redacção que lhe foi dada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, à taxa de 1% prevista na subalínea i) da alínea f) do n.º 1 do art.º 6.º dessa mesma lei.

 

- A AT emitiu notas de liquidação do imposto aqui reclamado porquanto as 10 divisões com utilização independente têm afectação habitacional e os respectivos catorze VPT perfazem a soma de € 1.254.600,00.

 

- A verba n.º 28.1 da TGIS, criada pela Lei 55-A/2012 de 29 de outubro de 2012, mais precisamente pelo seu artigo 4.º, dispõe que, sobre a propriedade de cada prédio urbano com afectação habitacional, cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, tenha valor igual ou superior a € 1.000.000,00, incide imposto do selo sobre o seu VPT utilizado para efeito de IMI de 1%.

 

- Assim, há lugar a sujeição a imposto do selo da verba n.º 28.1 da TGIS quando se verifique a conjugação de dois pressupostos: (i) a afectação habitacional do prédio, (ii) o VPT constante da matriz seja igual ou superior a € 1.000.000.00.

 

- O legislador ao criar esta verba, 28.1 da TGIS, pretendeu tributar não o património imobiliário por si só, mas o património imobiliário de elevado valor ou de luxo, motivo pelo qual, a verba em causa incide apenas sobre prédios com afectação habitacional e não sobre prédios com afectação mista.

 

- Ora no caso em apreço, o prédio tem uma afectação mista, tendo 10 das divisões susceptíveis de utilização independente afectação habitacional, e as restantes afectação comercial ou para serviços, motivo pelo qual, o mesmo se encontra fora do escopo e da incidência da verba 28.1 da TGIS.

 

- Mesmo acrescendo ao exposto que, encontrando-se o prédio em propriedade total e sendo constituído por partes com a afectação comercial e partes com afectação habitacional, não vê a Requerente como pode a AT definir a afectação do prédio com sendo habitação.

 

- Motivos pelos quais entendemos que as notas de liquidação em causa foram emitidas pela AT, em desrespeito pela ratio da verba 28.1 e em clara violação das normas vigentes e princípios fiscais vigentes e aplicáveis ao caso em apreço.

 

- Mesmo que assim não entenda, e por mero dever de patrocínio, a verdade é que o facto de o prédio se encontrar em propriedade vertical não horizontal, não poderá ser por si só um indicador de maior capacidade contributiva.

 

- À inscrição matricial de imóveis em propriedade vertical, ainda que constituído por diferentes divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, aplicam-se as mesmas regras de inscrição de imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo assim o respectivo Imposto Municipal sobre Imóveis, IMI, e Imposto de Selo, IS liquidados individualmente em relação a cada uma das divisões.

 

- A Lei 55-A/2012, que alterou Código de Imposto de Selo, mais propriamente, o seu artigo 67.º, aditando-lhe o nº 2, dispõe que, em todas as matérias não reguladas pelo mesmo, e no que concerne à verba 28, dever-se-á aplicar subsidiariamente o CIMI.

 

- A verdade é que, tanto do artigo 2º do CIMI, que define o conceito de prédio, quer do artigo 38º do mesmo diploma, relativo à determinação do VPT, não resulta qualquer destrinça quanto à situação registral do prédio, isto é, se este se encontra em propriedade vertical ou horizontal.

 

- A este respeito e conforme decisão arbitral proferida pelo CAAD no processo 132/2013, "não faz sentido distinguir na lei aquilo que a própria lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).

Acresce que distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e em propriedade total seria uma "inovação" sem um suporte legal associado, até porque, como se tem aqui afirmado, nada denúncia, nem na verba n.º 28, nem no disposto no CIMI, uma justificação para essa particular diferenciação".

 

- Também neste sentido, veja-se decisão arbitral proferida pelo CAAD no processo nº 50/2013T, "Também seguindo estes considerandos inspiradores da inovação legislativa em apreciação, há que concluir que a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva. Pelo contrário, da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material. Já a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser susceptível de desencadear a incidência do novo imposto se o VPT de cada uma das partes ou fração for igual ou superior ao limite definido pela lei: €1.000.000,00". (sublinhado nosso).

 

- Até porque decorre do n.º 3 do artigo 12º do CIMI, que cada fracção ou parte de prédio susceptível de utilização independente deve ser considerada separadamente na inscrição matricial.

 

- Relativamente ao critério que deve determinar a incidência desta regra veja-se decisão arbitral proferida pelo CAAD no processo 132/2013, "O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, possua um VPT superior a €1.000.000,00. Fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto VPT global do prédio em causa, como pretendia a ora requerida, não encontra base na legislação aplicável, que é o CIMI, dada a remissão feita pelo citado art. 67.º n.º 2, do CIS".

- A discriminação operada pela AT, no caso em apreço, não tem assim qualquer fundamento, sendo atentatória de princípios de legalidade e justiça fiscal, arbitrária e ilegal, uma vez que e conforme decisão arbitral do processo 50/2013T, já citada, "O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente. Ora, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto.", quando assim e no entendimento da AT, por se encontrar em propriedade vertical, cabe na incidência deste imposto.

 

- A concentração de divisões independentes num mesmo prédio não pode constituir uma causa de incidência do imposto do selo da verba n.º 28 da TGIS sobre cada uma, tal como não constitui causa dessa incidência sobre um prédio habitacional a concentração de vários prédios habitacionais na titularidade da mesma pessoa.

 

- A este respeito veja-se argumentação vertida na decisão arbitral proferida pelo CAAD em processo 132/2013T, "conclui-se que a verba n.º 28, ao abrir a possibilidade de se tributar de modo diferenciado a titularidade de património imobiliário de igual valor detido por pessoas diferentes em razão de critérios que podem contender, sem a mínima necessária justificação, com nomeadamente, o princípio da capacidade contributiva (como seja o caso da "dispersão" ou "concentração" do património imobiliário habitacional de cada um), não pode deixar de ser considerada inconstitucional, dada a violação do princípio da igualdade", sublinhando nosso.

 

- Motivos que nos levam a entender que tais notas de liquidação emitidas pela AT são totalmente arbitrárias e ilegais.

 

I3. Em resposta ao pedido da Requerente, a AT:

 

- Vista a posição do requerente não podemos, de todo, aderir a qualquer dos seus argumentos, pelas razões que se seguem, mas vamos, apenas, focar-nos na questão interpretativa da norma de incidência.

 

- A situação do prédio da requerente subsume-se, linearmente, o que quer dizer, literalmente, na previsão da verba em causa.

 

- O ora requerente é proprietário de um prédio em regime de propriedade total ou vertical. Da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios - n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI. Logo,

 

- Encontrando-se o prédio de que é proprietário, em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal, atribui a qualificação de prédio.

 

- Assim, o ora requerente, para efeitos de IMI e também de imposto de selo, por força da redacção da referida verba, não é proprietário de 10 fracções autónomas, mas sim de um único prédio.

 

- Tendo por adquirido este facto, o que o ora requerente pretende é que a AT considere, para efeitos de liquidação do presente imposto, que exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal, já que não deve existir discriminação no tratamento jurídico-fiscal destes dois regimes de propriedade, por ser ilegal.

 

- Como é consabido, a propriedade horizontal é um regime jurídico específico da propriedade previsto no artigo 1414.º e seguintes do código Civil, cujo modo de constituição se encontra aí previsto, assim como as demais regras sobre direitos e encargos dos condóminos, tendo de se reconhecer nesta estatuição, a existência de um regime mais evoluído de propriedade.

 

- Ora, pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal, aplique, por analogia, ao regime de propriedade total, o regime da propriedade horizontal é que é abusivo e ilegal, como iremos, detalhadamente, ver.

 

- Estes dois regimes de propriedade são regimes de direito civil, os quais foram importados para o direito tributário, designadamente nos termos referidos pelo artigo 2.º do CIMI.

 

- E o intérprete da lei fiscal não pode equiparar estes regimes, em consonância com a regra segundo a qual, os conceitos dos outros ramos de direito tem o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito, ou nas palavras do artigo 11.º, n.º 2 da LGT, sobre a interpretação da lei fiscal:" Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei."

 

- Por outro lado, ainda tendo em conta, que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, conforme artigo 11.º, n.º 1 da LGT que remete, assim, para o Código Civil, o seu artigo 10.º sobre a aplicação da analogia, determina que esta só será aplicável em caso de lacunas da lei.

 

- Ora a lei fiscal não comporta qualquer lacuna! Determina o CIMI, para o qual a citada verba remete, que no regime da propriedade horizontal as fracções constituem prédios. Não estando o prédio submetido a este regime, juridicamente as fracções são partes susceptíveis de utilização independente, sem que haja partes comuns.

 

- Não podemos, pois, aceitar que se considere, que para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao CIS, que as partes susceptíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das fracções autónomas do regime de propriedade horizontal.

 

- Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do artigo 12.º e consequentemente, nos termos do art. 12º, nº 3, do C.I.M.I., cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte.

 

- Os andares ou divisões independentes, avaliados nos termos do artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, são considerados separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário sobre o qual é liquidado IMI.

 

- Tal norma legal não é inédita, tendo correspondência no corpo do art. 232.º, regra 1ª, do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (C.C.P.I.I.A.), que dispunha cada habitação ou parte de prédio ser tomada automaticamente para efeitos de determinação do rendimento colectável sobre o qual deva incidir a liquidação.

 

- Já, assim, no âmbito do C.C.P.I.I.A., o rendimento colectável tinha necessariamente de corresponder à soma da renda ou valor locativo de cada uma das componentes do prédio com autonomia económica.

 

- Não se vislumbra como, por outro lado, como a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade referido pela requerente.

 

- Na verdade, a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.

 

- A constituição da propriedade horizontal implica, é facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma nova avaliação (Ofício-Circulado n.º 40.025, de 11 de Agosto de 2000, da Direcção de Serviços de Contribuição Autárquica. D.S.C.A.).

 

- O legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.

 

- Essa discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.

 

- Por fim, saliente-se, que a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma descrição na matriz do prédio na sua totalidade - veja-se a caderneta predial deste prédio que representa o documento do proprietário contendo os elementos matriciais do prédio.

 

- O que se pretende concluir é que estas normas procedimentais de avaliação, inscrição matricial e liquidação das partes susceptíveis de utilização independente não permitem afirmar que existe uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical, isto porque, e como já se referiu,

 

- Estes regimes jurídico-civilísticos são diferentes, e a lei fiscal repeita-os.

 

II. SANEAMENTO   

           

1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT, e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

3. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias que importe analisar.

4. Estão, pois, reunidas as condições para se apreciar o mérito do pedido.

 

III. FUNDAMENTAÇÂO

 

III.A FACTOS PROVADOS

 

Antes de entrar na apreciação das questões de mérito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respectiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue: 

- O requerente é proprietário do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial da freguesia …, concelho de Porto, sob o artigo …, prédio este, constituído em regime de propriedade total, também designada vertical.

- O referido prédio é composto por 10 divisões ou partes susceptíveis de utilização independente, destinadas a habitação, conforme se infere dos respectivos documentos de cobrança.

 

Utilização independente, os referidos andares ou divisões não são por definição jurídica formal considerados prédios urbanos (mas serão "partes de prédio" segundo o n.º 3 do artigo 12.º do CIMI).

 

Assim, procedeu à soma dos seus VPT para determinar se era atingível, no referido prédio, o VPT mínimo de 1 000 000,00 de euros, valor sobre o qual, se igual ou superior a este limiar, fez incidir a taxa de 1% do IS da verba 28.1 da TGIS.

 

Não obstante, formalmente, a nota de liquidação veio subdividida em tantas liquidações quanto aos andares ou partes do prédio em propriedade vertical, assim como ocorre ao nível da liquidação do IMI.

 

Ora, a referida atuação pela AT vai de encontro à interpretação de que a mesma faz do preceito no qual se defende a aplicação "com as necessárias adaptações" das "regras do CIMI" às situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral (nº 7 do artigo 23º do CIS).

 

No entanto, a interpretação feita pela AT não encontra correspondência com a realidade jurídica atual. Se não vejamos,

 

4. Ao somar os VPT de cada andar ou divisão independente afeta a fins habitacionais com vista a apurar o limiar de tributação de 1 000 000,00 de euros, a AT estipulou uma interpretação jurídica, sem suporte legal, que é um VPT global de prédios urbanos em propriedade vertical, com afetação habitacional. Isto porque, não obstante as verbas 28 e 28.1 fazerem referência ao substantivo "prédios urbanos" e " por prédio", a verdade é que, para efeitos de apuramento da matéria tributável deve atender-se ao "valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI".

 

Ora, este é o elemento literal sobre o qual incide a referida norma. Assim, o valor patrimonial tributário a considerar na operação de determinação da matéria coletável e subsequente liquidação do IS da verba 28 e 28.1 da TGIS quanto aos prédios urbanos com afetação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, é o que resulta exclusivamente do nº 3 do artigo 12º do CIMI.

 

5. Estabelecendo o referido artigo que "cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário".

 

Na falta de correspondência terminológica exata do conceito, o ponto de partida da interpretação é, naturalmente, o texto da lei, sendo com base nele que se há de reconstituir o pensamento legislativo, como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).

 

O próprio teor literal da expressão utilizada na verba 28.1 da TGIS é o de "valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI". As normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exatos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.

 

6. O que nos leva à conclusão de que os prédios urbanos em propriedade vertical, no seu todo, não têm VPT, determinando a lei nesses casos que o VPT seja atribuído a cada andar ou parte de prédio separadamente - conforme o n.º 3 do artigo 12.º do CIMI.

 

Pelo que, não existe suporte legal para o somatório de valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, com afetação habitacional, por forma a atingir-se o limiar de tributação elegível de 1 000 000,00 de euros ou mais.

 

Ainda que o nº 7 do artigo 23º ilustre que "o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano", a expressão "cada prédio urbano" abrange, atendendo aos princípios enunciados de interpretação e aplicação das normas, os prédios urbanos em propriedade horizontal e os andares ou partes de prédios urbanos em propriedade vertical, desde que afetos a fins habitacionais, partindo sempre da base tributável que vem referida na lei, o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI (parte final da verba 28 da TGIS).

 

Ora, como muito bem se refere na pronúncia arbitral proferida no âmbito do processo n.º 203/2014-T, "ao nível da interpretação das normas tributárias poderá utilizar-se a regra muito própria que se encontra vertida no n.º 3 do artigo 11.º da LGT: " persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários".

 

-Ora, se para os andares que compõem as fracções autónomas de prédios urbanos habitacionais, em propriedade horizontal, (ainda que sejam por definição e "ope legis" prédios urbanos), por cada contribuinte, não se adicionam os VPT para determinar o limiar do valor elegível para sujeição a IS (1000 000,00 de euros) da verba 28 da TGIS (operação de determinação da matéria colectável), porque é que quanto às "partes de prédio ou andares" dos prédios urbanos em propriedade vertical isso deve ocorrer?"

 

E continua:

- "Em ambos os casos se manifesta a mesma capacidade contributiva dos contribuintes (o seu nível de riqueza ao nível de bens imóveis). Trata-se da mesma "substância económica" analisada sobre diversos prismas, reveladora da mesma "ability-to-pay".

- Da literalidade das verbas 28 e 28-1 da TGIS, especialmente da parte final da verba 28 da TGIS, conjugada com o nº 7 do artigo 23º do CIS, retirar-se-á a conclusão, com as "necessárias adaptações das regras do CIMI" que não deveriam adicionar-se os VPT dos andares ou parte do prédio acima identificados para se encontrar um novo VPT global de prédio urbano, na parte com afectação habitacional, operação de determinação de matéria colectável elegível que a lei não contempla."

 

Ao liquidar o imposto ao ora Requerente, por considerar que o VPT seria apurado com base nas somas dos VPT de cada andar ou divisão independente afeta a fins habitacionais com vista a apurar o limiar da tributação de 1 000 000,00 de euros, a AT incorreu em erro na aplicação do direito.

 

7. O referido procedimento apresenta-se em total oposição com o espírito subjacente à norma constante da aditada verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, que manda expressamente ter em conta o "valor patrimonial tributário para efeito de IMI".

 

Conforme resulta do princípio da legalidade tal com o se encontra previsto no art. 103.º n.º 2 da C.R.P., e sendo a norma em causa de incidência, não se pode através da via interpretativa afirmar um resultado que não se encontra expresso na lei.

 

Esse erro consubstancia um vício de violação de lei que determina a anulabilidade da liquidação em questão, nos termos do disposto do artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo ("CPA"), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT.

 

8. Da mesma forma, a interpretação da AT viola o princípio da igualdade estabelecido nos artigos 13.º e n.º 3 do 104.º da Constituição. Isto porque não faz sentido estabelecer-se um VPT diferente para dois tipos de Impostos, VPT sem suporte legal para aplicação de distintos critérios que irão influenciar a base tributável.

 

O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do Estado de Direito, o qual tem como equação fundamental: tratar de modo igual o que é igual e de modo diferente o que é diferente. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem reconhecido o princípio da capacidade contributiva como expressão da igualdade tributária, daí extraindo as exigências técnicas precisas para a conformação legal de impostos com o referido princípio (cfr. Acórdão n.º 106/2013, de 20.02.2013).

 

Ora a distinção entre "propriedade total" e "propriedade horizontal" não é suficiente para justificar um tratamento diferenciado do âmbito de aplicação da verba 28 da Tabela do Imposto do Selo, uma vez que em ambos os casos se verifica a mesma capacidade contributiva.

 

Veja-se a posição defendida pelo CAAD, salientando-se, a título meramente exemplificativo, o que ficou dito na pronúncia arbitral proferida no processo 132/2013-T:

 

"Com efeito, como justificar, inclusive à luz de princípios de equidade social e justiça fiscal defendidos pelo legislador – note-se, a este respeito, que o comunicado do Conselho de Ministros de 20/9/2012 referia que a medida, entre outras, era fundamental "para reforçar o princípio da equidade social na austeridade" –, que esta tributação incida apenas sobre o património imobiliário habitacional e não sobre o património imobiliário não habitacional? E como compatibilizar esta discriminação com o que se dispõe no art. 104.º, n.º 3, da CRP?

 

Atendendo ao acima exposto, conclui-se que a verba n.º 28, ao abrir a possibilidade de se tributar de modo diferenciado a titularidade de património imobiliário de igual valor detido por pessoas diferentes em razão de critérios que podem contender, sem a mínima necessária justificação, com, nomeadamente, o princípio da capacidade contributiva (como seja o caso da "dispersão" ou "concentração" do património imobiliário habitacional de cada um), não pode deixar de ser considerada inconstitucional, dada a violação do princípio da igualdade."

 

Posto isto, e adicionalmente, o ato de liquidação do imposto do selo que é objeto do presente pedido de pronúncia arbitral é um ato consequente da violação de um princípio constitucional, sendo, portanto, nulo.

 

V. DECISÃO

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedente o pedido de anulação das liquidações de imposto do selo impugnadas, com a consequente anulação dessas liquidações.

 

Fixa-se o valor do processo em € 12.546,00, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária. O pagamento da taxa de arbitragem, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, cabe à Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 25 de novembro de 2015

 

O árbitro,

 

Guilherme d´Oliveira Martins.